A religião celta, como muitas das religiões pré-cristãs da Europa, era profundamente enraizada na natureza e no mundo natural ao seu redor. Os antigos celtas não possuíam uma religião organizada da forma como a entendemos hoje, com templos e clérigos, mas, em vez disso, viviam em uma espiritualidade que permeava todos os aspectos de suas vidas cotidianas. Suas crenças estavam intimamente ligadas aos fenômenos naturais — aos rios, bosques e montanhas — os quais eles viam como sagrados e habitados por divindades. O culto à natureza e aos elementos era uma característica central da vida religiosa celta.

Entre os celtas, as forças naturais eram personificadas por uma variedade de deuses e deusas, representações de aspectos do mundo físico e espiritual. Essas divindades estavam associadas aos fenômenos da agricultura, da fertilidade, da guerra e da morte. A terra, de forma particular, era reverenciada como um ser vivo, uma mãe que nutria e protegia a sua comunidade. O culto ao sol, à lua e às estrelas também era prevalente, refletindo a importância dos ciclos naturais e da conexão com o cosmos. De acordo com relatos antigos, os celtas realizavam festivais e celebrações que marcavam os solstícios e equinócios, evidenciando o respeito por essas forças que regiam a vida e a morte.

O papel central dos druidas na sociedade celta é outra característica fundamental da religião. Os druidas não eram apenas sacerdotes; eles também atuavam como juízes, professores e conselheiros. A classe druídica tinha um profundo conhecimento dos rituais religiosos, mas também eram detentores de sabedoria sobre a história, a lei e a medicina. Sua autoridade não se restringia apenas ao campo religioso, mas também ao moral e ao social. Eles possuíam uma habilidade única em realizar rituais complexos em locais naturais — como bosques e montanhas —, acreditando que esses lugares eram os mais próximos do divino. Os druidas eram, portanto, mediadores entre o mundo dos deuses e o dos mortais, um vínculo essencial para manter o equilíbrio cósmico.

O conceito de vida após a morte também ocupava uma posição significativa nas crenças celtas. Eles acreditavam em uma existência além da morte, onde os mortos continuavam a viver em um mundo espiritual, mas conectado com o mundo físico. Acreditava-se que as almas dos guerreiros que morriam com honra poderiam alcançar um lugar especial, um tipo de paraíso celestial. Já aqueles que não morreram de maneira digna ou que falharam em seus deveres espirituais poderiam se ver condenados a uma existência penosa, mas sempre em uma dimensão espiritual separada da física. A relação com os mortos era vital, e práticas como a adoração de ancestrais e oferendas a espíritos eram comuns.

Em muitas das fontes antigas, especialmente as que foram transmitidas por autores romanos, encontramos uma ideia de uma religiosidade celta que era ao mesmo tempo misteriosa e exótica para os povos vizinhos. Alguns relatos sugerem que os celtas praticavam sacrifícios, tanto humanos quanto animais, com a intenção de apaziguar ou agradar aos deuses. Essas práticas de sacrifício, que variavam de acordo com a época e a região, eram realizadas em cerimônias dirigidas pelos druidas, e a crença era que esses rituais ajudavam a garantir boas colheitas, vitórias nas batalhas ou até mesmo a proteção da comunidade contra forças malignas.

A herança religiosa celta, embora profundamente alterada e muitas vezes suprimida pelo cristianismo,

Como o Cristianismo Se Transformou de uma Seita Judaica em uma Religião Mundial?

O nome "cristão", hoje símbolo de uma das maiores religiões do mundo, era inicialmente um termo pejorativo. Aqueles que seguiam os ensinamentos de Jesus não se autodenominavam cristãos; preferiam chamar-se "irmãos", "fiéis", ou simplesmente "crentes". Foram seus opositores que, com intenção depreciativa, os chamaram de cristãos. Somente a partir da segunda metade do século II é que esse termo começou a ser assumido com orgulho pelas próprias comunidades.

Contrariamente à narrativa tradicional que localiza a origem do cristianismo na Palestina, os elementos centrais de sua formação estão enraizados na Diáspora judaica, especialmente em regiões helenizadas. A literatura cristã primitiva, escrita em grego por autores que demonstravam desconhecimento sobre a realidade concreta da Palestina, atesta essa origem. Foi no meio da Diáspora, entre judeus influenciados pela filosofia grega e familiarizados com cultos pagãos, que se criaram as condições para ultrapassar os limites nacionalistas da religião judaica e moldar um sistema universalista.

Friedrich Engels, citando Bruno Bauer, atribui ao filósofo judeu Filon de Alexandria um papel crucial na formação intelectual do cristianismo. Educado nos moldes do pensamento clássico grego e profundamente imerso na religiosidade judaica, Filon criou uma ponte entre dois mundos. Ao reinterpretar as Escrituras judaicas sob a ótica da alegoria platônica, ele introduziu o conceito do Logos divino — um mediador sagrado entre Deus e o mundo material —, ideia fundamental para o cristianismo, onde o Logos se encarna na figura de Jesus Cristo.

O Apocalipse de João, uma das primeiras obras cristãs, revela o vínculo ainda estreito com o judaísmo milenarista. Completamente desprovido dos dogmas centrais do cristianismo posterior — como a Trindade, o Espírito Santo ou a ética da humildade e perdão —, esse texto é permeado por uma visão de mundo sectária e beligerante. O ódio aos opressores do povo judeu e a ausência de qualquer traço de universalismo cosmopolita demonstram que, nessa fase inicial, o cristianismo não passava de uma seita judaica messiânica entre outras.

Apesar dessa origem, o cristianismo foi, desde cedo, moldado por uma profunda tensão entre o exclusivo e o inclusivo. Aos poucos, práticas judaicas foram abandonadas ou reinterpretadas. A celebração do sábado e a circuncisão, por exemplo, eram inicialmente obrigatórias, mas foram progressivamente substituídas ou tornadas simbólicas. A inserção de elementos gentios acelerou esse processo. Os cultos de salvação populares entre as classes oprimidas do mundo helenístico — como os de Osíris, Tâmuz, Dioniso, Átis ou Mitra — influenciaram profundamente a doutrina cristã nascente. Esses deuses, associados à morte e ressurreição, ao renascimento cíclico da natureza e à promessa de vida após a morte, ofereciam aos fiéis uma salvação espiritual alheia a qualquer identidade nacional ou étnica.

O cristianismo absorveu e ressignificou muitos desses elementos. A narrativa da morte e ressurreição de Cristo ressoa os rituais da morte e retorno de Átis. A data do nascimento de Jesus, fixada em 25 de dezembro, coincide com o nascimento de Mitra e o solstício de inverno — símbolo do retorno da luz. O culto à Virgem Maria surge como resposta à popularidade da deusa egípcia Ísis, mãe divina por excelência, cujo culto sensual ameaçava a expansão do cristianismo nas massas.

A cruz, símbolo central do cristianismo moderno, não era originalmente associada ao martírio de Jesus. A forma romana de crucificação não correspondia à cruz tradicional cristã, e os primeiros cristãos não usavam o símbolo da cruz como objeto de veneração. Ao contrário, preferiam figuras como o cordeiro, o pastor ou o peixe. Representações de Jesus crucificado só aparecem a partir do século VIII. A cruz, enquanto símbolo religioso, é anterior ao cristianismo e encontrada em civilizações tão diversas quanto o Egito antigo, a Índia, a China e até mesmo nas culturas ameríndias.

A ideia da concepção imaculada de Jesus por Maria, também, não é de origem judaica. No judaísmo, a concepção humana é profundamente ligada à vontade divina, mas não à intervenção sexual de seres celestiais. No entanto, a ideia de deuses que copulam com mulheres mortais era comum na mitologia greco-romana, e foi provavelmente integrada para tornar mais compreensível e aceitável, dentro do imaginário pagão, a excepcionalidade do nascimento de Cristo.

Essa miscigenação religiosa moldou profundamente o conteúdo dogmático e ritual do cristianismo. Da mesma forma que absorveu elementos judaicos, o cristianismo se apropriou de mitos, ritos e símbolos pagãos, reinterpretando-os dentro de uma nova estrutura teológica. Isso não apenas facilitou sua expansão no mundo greco-romano, mas também conferiu à nova religião uma flexibilidade ideológica que a diferenciou radicalmente do exclusivismo tribal do judaísmo.

É importante compreender que o cristianismo, longe de ser uma revelação abrupta e isolada, foi o resultado de um processo histórico complexo de sincretismo. A sua força está justamente na capacidade de reunir e ressignificar tradições culturais, filosóficas e religiosas distintas. Para entender plenamente a natureza do cristianismo, é essencial perceber essa genealogia oculta: não como sinal de impureza, mas como testemunho de uma adaptação histórica e estratégica que possibilitou sua sobrevivência e expansão global.

Como o Islã se Expandiu e se Fragmentou: Unificação Religiosa e Contradições Internas

A expansão do Islã nos séculos VII a IX foi facilitada por fatores sociais e políticos que iam muito além da simples conquista militar. A bandeira do Islã serviu como unificadora ideológica de um movimento de conquista que se beneficiava da fragilidade interna dos impérios Bizantino e Sassânida, onde as massas populares eram brutalmente oprimidas pelos senhores feudais locais. Em muitos desses territórios, a dominação árabe foi inicialmente percebida como libertadora, principalmente porque os conquistadores, ao contrário das elites anteriores, reduziram as obrigações dos camponeses, sobretudo daqueles que se convertiam ao Islã. Isso levou à islamização em larga escala de populações inteiras de diferentes nacionalidades.

Com o tempo, o Islã — inicialmente uma religião nacional árabe — se transformou em religião mundial. Já no século VIII e IX, havia se tornado predominante em todo o Califado, que se estendia da Península Ibérica até a Ásia Central. Nos séculos seguintes, o Islã alcançou o norte da Índia principalmente por meio de conquistas, e chegou ao arquipélago indonésio entre os séculos XIV e XVI através do comércio marítimo árabe e indiano, substituindo quase por completo o hinduísmo e o budismo, com exceção notável da ilha de Bali.

No entanto, a conversão religiosa não significou o fim das contradições sociais e nacionais. Ao contrário, essas contradições se acentuaram e encontraram expressão dentro do próprio Islã, refletindo-se em cismas e na proliferação de seitas. O maior e mais antigo cisma foi o surgimento do xiismo. Embora mais tarde tenha se tornado um movimento com características nacionalistas persas e antiárabes, sua origem está enraizada em disputas internas entre árabes sobre a sucessão do profeta Maomé. Os seguidores de Ali, o quarto califa e parente de Maomé, não reconheceram a legitimidade dos califas anteriores, acusando-os de usurpar o poder.

Após a derrota e morte de Ali, seus seguidores consolidaram-se especialmente no Irã e Iraque. Com o tempo, a doutrina xiita ganhou força como forma de resistência contra o poder centralizado do Califado árabe. Elemento central da fé xiita é a crença de que apenas os descendentes diretos de Maomé, os imames, têm legitimidade para liderar a comunidade islâmica. Rejeitam, assim, a Sunna compilada sob os califas iniciais, considerando-a ilegítima. A vertente dominante do xiismo reconhece uma linhagem de onze imames, sendo que o décimo segundo teria se ocultado no século IX, permanecendo invisível até sua reaparição escatológica como o Mahdi. A partir do século XVI, essa forma de xiismo tornou-se religião oficial do Irã sob a dinastia Safávida.

Ao longo do tempo, várias seitas surgiram dentro do próprio xiismo. A dos ismaelitas, nome derivado de Ismail, um dos imames reconhecidos por essa corrente, difundiu-se principalmente nas regiões montanhosas do Afeganistão e de Badakhshan, além de ter seguidores notáveis na Índia, especialmente em Gujarat e Bombaim. Os ismaelitas acreditam que o Espírito do Mundo se encarna nos imames, que constituem uma dinastia hereditária liderada pelos Aga Khans — figuras religiosas e políticas que vivem com luxo e recolhem tributos dos fiéis. A doutrina ismaelita incorpora elementos de tradições religiosas e filosóficas anteriores ao Islã, bem como crenças populares locais.

Uma dissidência notável dos ismaelitas foi a dos carmatas, surgida no século IX. Tratava-se de uma seita de orientação democrática, composta sobretudo por camponeses e beduínos da Península Arábica. Os carmatas tentaram fundir os ensinamentos muçulmanos com ideias neoplatônicas e gnósticas, defendendo a noção do homem como microcosmo de origem divina e instituindo práticas de propriedade comunal. A seita sobreviveu até o século XI.

Outro grupo derivado dos ismaelitas foi o dos assassinos, célebre por sua combinação de misticismo com fanatismo religioso. Lutaram ferozmente contra os cruzados e sua reputação foi tamanha que o termo "assassino" entrou nas línguas europeias como sinônimo de matador. No século XI, um novo cisma entre os ismaelitas deu origem aos drusos, seguidores do califa Hakim e liderados por Ismail Ad-Darazi. Hoje os drusos estão principalmente concentrados no Líbano.

Em contraposição ao xiismo, o Islã ortodoxo — o sunismo — formou-se como corrente dominante, reconhecendo a Sunna e a legitimidade dos primeiros califas. Ainda assim, o sunismo também não permaneceu homogêneo. Nos séculos VIII e IX, surgiu o movimento dos mutazilitas, que procuravam uma interpretação racional da doutrina islâmica. Afirmavam que Deus era justo, que o ser humano tinha livre arbítrio, e que o Corão era obra humana, não criação divina. Apesar de inicialmente contarem com o apoio de alguns califas, os mutazilitas foram logo perseguidos por clérigos fanáticos que passaram a dominar o Califado. Consolidou-se, então, a doutrina de que o Corão é eterno e não criado. Ainda assim, o legado intelectual dos mutazilitas marcou profundamente o desenvolvimento posterior do pensamento islâmico.

A teologia muçulmana se estruturou em quatro escolas jurídicas: hanafita, shafiíta, malikita e hanbalita. Esta última, caracterizada por um fanatismo literalista, enraizou-se entre os beduínos da Arábia. A escola malikita, de orientação semelhante, predominou no Norte da África. Em contraste, as escolas hanafita e shafiíta, presentes em regiões mais urbanizadas e desenvolvidas culturalmente, adotavam interpretações mais flexíveis da doutrina islâmica. Não há entre essas quatro escolas rivalidades profundas ou hostilidade aberta.

Entre os séculos VIII e X, o Islã também absorveu tendências místicas, surgindo o sufismo, movimento de caráter quase monástico. Embora tenha se desenvolvido inicialmente dentro do xiismo, o sufismo também se enraizou entre os sunitas. Foi influenciado por ideias do mazdaísmo, do budismo e do neoplatonismo. Os sufis buscavam uma experiência espiritual direta e pessoal com o divino, frequentemente à margem das doutrinas formais e rituais convencionais do Islã oficial. Seu nome deriva do tecido grosseiro de lã — “sufi” — que usavam como símbolo de humildade e desapego mundano.

A transformação do Islã em religião mundial não eliminou os conflitos de classe nem as contradições nacionais. Ao contrário, a expansão do Islã apenas reconfigurou essas tensões dentro de n