Isaac Emanuelovich Babel
Conarmia
Afon’ka Bida
Lutamos sob Leshniuv. A muralha da cavalaria inimiga surgia por toda parte. A mola da estratégia polonesa, fortalecida, desenrolava-se com um assobio sinistro. Fomos empurrados. Pela primeira vez em toda a campanha sentimos nas nossas costas a agudeza diabólica dos golpes de flanco e as perfurações do retaguarda — as mordidas daquela arma que tão felizmente nos servira.
A frente sob Leshniuv era mantida pela infantaria. Ao longo de covas mal cavadas inclinava-se um povoado pálido, descalço, camponês da Volínia. Aquela infantaria fora recolhida ontem da ara para formar uma reserva de infantaria na Conarmia. Os camponeses vieram com vontade. Lutavam com o maior afinco. Sua impetuosa selvageria camponesa deixou pasmos até os budennovistas. O ódio deles contra o latifundiário polonês fora forjado de material invisível, mas robusto.
No segundo período da guerra, quando o clamor deixou de agir sobre a imaginação do inimigo e os ataques a cavalo contra um adversário entrincheirado se tornaram impossíveis — essa infantaria caseira teria sido de enorme utilidade à Conarmia. Mas nossa miséria prevaleceu. Aos camponeses deram uma arma para três e munições que não serviam para os fuzis. O plano teve de ser abandonado, e essa milícia verdadeiramente popular foi dissolvida e mandada de volta para casa.
Voltemos agora às batalhas de Leshniuv. A infantaria se entrincheirara a três verstas da localidade. À frente de sua frente caminhava um jovem curvado com óculos. Ao lado dele pendia uma sabre. Movia-se a saltos, com expressão insatisfeita, como se as botas lhe apertassem. Esse atamã camponês, por eles escolhido e amado, era judeu, um jovem judeu com vista debilitada, rosto magro e concentrado de talmudista. Em combate mostrava uma coragem cautelosa e um sangue-frio que pareciam a distração de um sonhador.
— À batalha! — soou a voz tristonha e, como que distante, de Afon’ka.
— Para diversão, — respondeu ele, inquieto no sela, puxando um rapaz escondido nos arbustos.
— Para diversão! — repetiu, remexendo no rapaz inconsciente.
A diversão acabou quando Maslak, amolecido e imponente, acenou com sua mão rechonchuda.
— Infantaria, não vacilem! — gritou Afon’ka, altivo, endireitando o corpo frágil. — Vai caçar pulgas, infantaria…
Os cossacos, rindo, convergiam em fileiras. A infantaria perdeu o ímpeto. As trincheiras ficaram vazias. E apenas o judeu curvado permaneceu no local, examinando os cossacos através dos óculos, atento e arrogante.
Do lado de Leshniuv a troca de tiros não cessava. Os poloneses nos cercavam. Pelo binóculo viam‑se figuras isoladas de exploradores a cavalo. Eles saltavam da localidade e caíam, como bonecos que retornam. Maslak arrumou um esquadrão e o dispersou pelos dois lados da estrada. Sobre Leshniuv ergueu-se um céu resplandecente, inexprimivelmente vazio, como sempre nas horas de perigo. O judeu, erguendo a cabeça, assobiava dolorosa e fortemente numa flauta metálica. E a infantaria, aquela infantaria brutal, retornava aos seus lugares.
Balas voavam densamente em nossa direção. O quartel-general da brigada entrou numa faixa de fogo de metralhadora. Correndo, embrenhamo-nos na floresta e tentamos galgar o mato ao lado direito da estrada. Galhos disparados rangiam sobre nós. Quando saímos dos arbustos — os cossacos já não estavam mais nos locais anteriores. Por ordem do chefe da divisão, haviam se retirado para Brody. Apenas os camponeses disparavam, de suas trincheiras, raras rajadas de rifles, e Afon’ka retardado perseguia seu pelotão.
Ele avançava pela beira da estrada, olhando e cheirando o ar. A sonar de metralhadora enfraqueceu por um momento. O cossaco resolveu aproveitar o descanso e se mover em carreira. Nesse instante uma bala perfurou o pescoço de seu cavalo. Afon’ka progrediu mais umas cem passadas e então, entre nossas fileiras, o cavalo arqueou as pernas dianteiras e caiu no chão.
Afon’ka calmamente tirou o pé pisoteado do estribo. Agachou-se e mexeu na ferida com um dedo de cobre. Depois, ereto, fitou o horizonte brilhante com olhar melancólico.
Afon’ka permaneceu imóvel. Movendo lentamente as grossas pernas, aproximou-se Maslak do cavalo, enfiou-lhe um revólver no ouvido e disparou. Afon’ka saltou e virou o rosto manchado para Maslak.
— Reúna a arreada, Afanásii, — disse Maslak docemente, — vá até o pelotão…
E nós, do monte, vimos Afon’ka, curvado sob o peso da sela, rosto molhado e vermelho como carne fendida, caminhar para seu esquadrão, solitário extremo nas poeirentas e flamejantes planícies do campo.
Já no fim da noite encontrei-o no comboio. Dormia sobre a carroça que guardava seu pertences — sabres, casacas e moedas de ouro furadas. A cabeça empastada do comandante de pelotão, com boca morta distorcida, jazia como crucificada na dobra da sela. Ao lado estavam a arreada do cavalo morto, roupas engenhosas e extravagantes do corcel cossaco — peitorais com borlas negras, tiras flexíveis de crina adornadas com pedras coloridas, e a embocadura com gravação prateada.
— O cavalo é amigo, — respondeu Orlov.
— O cavalo é pai, — suspirou Bitsenko, — salva a vida incontáveis vezes. Para Bida, sem cavalo…
E de manhã Afon’ka desapareceu. Tinham começado e terminado as lutas sob Brody. A derrota fora sucedida por vitória temporária, vivemos a troca de chefe da divisão, mas Afon’ka ainda não aparecera. Apenas o rumor ameaçador nos campos, o rastro malvado e selvagem do banditismo de Afon’ka nos indicavam seu difícil caminho.
— Procura cavalo, — diziam sobre o comandante de pelotão no esquadrão, e nas noites infinitas de nossas errâncias ouvi muitas histórias da busca rude e selvagem dele.
Entramos em Berestechko a 6 de agosto. À frente de nossa divisão marchava um beshmet asiático e um kazaki novo do chefe de divisão. Levka, criado enlouquecido, conduzia uma égua de fábrica atrás do chefe de divisão. O marcha de combate, cheio de ameaça prolongada, ecoava pelas ruas empobrecidas e ornamentadas do vilarejo. Beco calhaus velhos, bosque pintado de tábuas corroídas e estribos tortos atravessavam o local. Seu núcleo, corroído pelas eras, exalava uma decomposição triste para nós. Contrabandistas e hipócritas se abrigavam em suas casas espaçosas e sombrias. Somente o senhor Ludomirski, sineiro com fraque verde, nos recebeu junto ao costelo.
Cruzamos o rio e penetramos na zona burguesa. Aproximávamo-nos da casa do padre quando, numa curva, surgiu Afon’ka montado num garanhão altaneiro.
— Salve, — pronunciou com voz rouca e, empurrando os combatentes, retomou seu posto nas fileiras.
Maslak encarou o vazio sem cor e pigarreou sem se virar:
— Onde arranjaste o cavalo?
— Meu, — respondeu Afon’ka, apertou um cigarro e com breve movimento da língua o molhou.
Os cossacos se aproximavam dele um a um e saúdavam-no. Em vez do olho esquerdo, no rosto carbonizado aparecia uma horrível tumor rosa.
Na manhã seguinte Bida caminhava. Ele quebrou no costelo da igreja o relicário de São Valentim e tentou tocar órgão. Vestia uma jaqueta feita de tapete azul, com flor-de-lis bordada nas costas, e sua cuca suada era penteada sobre o olho perdido.
Depois do almoço montou no cavalo e atirava com o fuzil nas janelas arrombadas do castelo dos condes Raciborski. Os cossacos ficavam em semicírculo à sua volta… Eles levantavam a cauda do garanhão, apalpavam as pernas e contavam os dentes.
— Cavalo figurativo, — disse Orlov, ajudante de esquadrão.
— Cavalo decente, — confirmou Bitsenko, de longos bigodes.
Argamak
Decidi entrar na linha de frente. O chefe de divisão fez cara feia ao ouvir isso.
— Pra onde vais?.. Bocas caídas — logo te despacharão pro outro mundo…
À minha frente, os cossacos calavam-se; atrás de mim, preparavam-se como predadores em lentidão traiçoeira. Nem cartas pediam que eu escrevesse…
O exército a cavalo conquistou Novogród‑Volynsk. Por dia percorriamos sessenta, oitenta quilômetros. Aproximávamos de Rovno. Os dias de descanso eram insignificantes. De noite em noite sonhava o mesmo sonho: galopo em Argamak. À beira do caminho ardiam fogueiras. Cossacos cozinham. Eu passava por eles; eles não erguiam os olhos para mim. Uns saudavam, outros ignoravam: não era hora para mim. O que isso significava? A indiferença deles dizia que não havia nada de especial em meu assento; cavalgo como todos, sem razão de me olhar. Cavalgo meu caro e feliz. A sede de paz e felicidade não se saciava na vigília, por isso me vinha esse sonho.
Tikhomolov não era visto. Aparecia-me, de longe, nas margens da marcha, nos caudais lentos de carroças abarrotadas de trapos.
O comandante de pelotão uma vez me disse:
— Pashka insiste em saber quem és…
— E por que ele precisa de mim?
— Parece que precisa…
— Ele supõe que o ofendi?
— Não seria estranha a hipótese…
O ódio de Pashka vinha até mim através de florestas e rios. Sentia‑o na pele e estremecia. Olhos inflamados de sangue estavam presos ao meu caminho.
— Por que me fizeste inimigo? — perguntei a Baulin.
O comandante de esquadrão passou por mim bocejando.
— Isso não é minha dor, — respondeu sem olhar para trás, — é tua dor…
O dorso de Argamak ia secando e depois se reabriam feridas. Colocava sob a sela três mantas de arreio, mas a cavalgada correta não existia, os cistos não fechavam. Da consciência de que montava uma ferida aberta, coçava-me todo.
Um cossaco de nosso pelotão, de sobrenome Biziukov, era conterrâneo de Tikhomolov; conhecia Pashka pai lá no Terek.
— O pai dele, Pashka, — disse-me uma vez Biziukov, — cria cavalos por paixão… Cavaleiro bravo, rechonchudo… Quando vai à manada — escolhe cavalo na hora… Trazem-lhe. Ele fica frente ao cavalo, pernas afastadas, observa… “Que queres?” — pergunta. E ali vai: bate com o punho e, entre os olhos — cavalo se foi. Tu por que, Kalystrat, decidiste sobre o animal? Ele diz que com esse cavalo não monta… Minha paixão mortal… Cavaleiro bravo, não há o que dizer.
E assim Argamak, deixado vivo pelo pai de Pashka, escolhido por ele, veio a mim. Que fazer depois? Sumi inúmeros planos em mente. A guerra me livrou das preocupações.
— Sim, é necessário, se os demorar…
— Cuidado, pode dar ruim…
Pashka não foi anistiado, mas sabíamos que viria. Veio de galochas e pés nus. Seus dedos haviam sido cortados, e deles pendiam fitas de musselina preta. As fitas se arrastavam atrás dele como manto. Pashka caminhou até a praça da aldeia Budyatychi, em frente à igreja, onde nossos cavalos estavam amarrados. Baulin sentava nos degraus da igreja e afundava os pés numa bacia. Seus dedos estavam necrosados. Eram rosados, como ferro que começa a temperar. Faixas de palha juvenil grudavam-se à sua testa. O sol ardia nos tijolos e na telha da igreja. Biziukov, ao lado do comandante de esquadrão, enfiou-lhe um cigarro na boca e acendeu. Tikhomolov, arrastando sua manta rasgada, dirigiu-se à cocheira. Suas galochas estalavam. Argamak estendeu o pescoço e relinchou ao encontro de seu dono, relinchou baixo e estridente, como cavalo no deserto. Em seu dorso o sangue se entrelaçava em rendas entre tiras de carne rasgada. Pashka ficou ao lado do cavalo. As fitas sujas permaneciam imóveis no chão.
— Parece que sim, — disse o cossaco em voz baixa. Avancei.
— Reconciliemo‑nos, Pasha. Alegro-me que cavalo vá para ti. Não posso lidar com ele… Reconciliemo‑nos, que dizes?..
— Ainda não é Páscoa para reconciliação, — murmurou o comandante de pelotão, enrolando cigarro atrás de mim. Suas calças estavam desabadas, a camisa aberta no peito bronzeado, repousava nos degraus da igreja.
— Abençoa‑te com ele, Pashka, — murmurou Biziukov, conterrâneo de Tikhomolov, conhecedor de Kalystrat, pai de Pashka, — convém que ele se benza contigo…
Eu estava só entre aqueles homens cuja amizade não conseguir obter.
Pashka ficou imóveis diante do cavalo. Argamak, forte e livre para respirar, estendeu o focinho para ele.
— Parece que sim, — repetiu o cossaco, virou-se abruptamente para mim e disse cara a cara: — Não vou me reconciliar contigo.
O comandante de esquadrão ergueu a cabeça.
— Eu te vejo, — disse ele, — vejo‑te todo… Procuras viver sem inimigos… És feito para isso…
— Abençoa‑te com ele, — murmurou Biziukov, virando-se.
No rosto de Baulin quedou-se uma marca incandescente. Ele sacudiu a face.
— Sabes o que isso dá? — disse ele, com dificuldade para controlar a respiração, — isso vira tédio… Vai‑se de nós pra mãe lavada…
Tive de partir. Transferi‑me para o 2º esquadrão. Lá as coisas melhoraram. Seja como for, Argamak ensinou‑me a montar no estilo de Tikhomolov. Passaram meses. Meu sonho se cumpriu. Os cossacos deixaram de me seguir com os olhos a mim e ao meu cavalo.
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