A artrite séptica do tornozelo, uma condição frequentemente negligenciada, exige uma compreensão detalhada de suas causas, diagnóstico e manejo para garantir um tratamento eficaz e evitar complicações graves. Sua manifestação pode ser desafiadora, devido à diversidade de etiologias bacterianas, além das dificuldades inerentes ao diagnóstico precoce. Por sua vez, a osteomielite tibial, muitas vezes relacionada a traumas ou infecções hematogênicas, pode ocorrer isoladamente ou concomitantemente com a artrite séptica, tornando o quadro clínico ainda mais complexo.

A artrite séptica do tornozelo se apresenta como uma inflamação grave das articulações, causada por infecções bacterianas que, em sua maioria, são hematogênicas. Os pacientes frequentemente relatam dor intensa, inchaço e vermelhidão no local afetado, além de febre. A infecção pode surgir após procedimentos invasivos, como cirurgias ortopédicas, ou mesmo sem um fator claro de predisposição, como no caso de artrite séptica espontânea. O tratamento precoce é fundamental para evitar danos permanentes à articulação e comprometimento funcional.

O diagnóstico de artrite séptica do tornozelo é clínico e laboratorial. O exame físico revela sinais característicos, como dor à mobilização passiva da articulação, edema e calor local. Exames laboratoriais, como a contagem de leucócitos no líquido sinovial, bem como culturas microbiológicas, são cruciais para identificar o agente infeccioso e orientar o tratamento antimicrobiano adequado. Além disso, exames de imagem, como a ressonância magnética, podem ser úteis para avaliar a extensão da infecção e o envolvimento ósseo.

Por sua vez, a osteomielite tibial é uma infecção óssea que afeta principalmente a parte distal da tíbia, geralmente após trauma ou fraturas expostas. Essa condição pode surgir de infecções hematogênicas ou de origem contígua, sendo muitas vezes um fator de risco adicional para o desenvolvimento de artrite séptica. A osteomielite tibial pode ser grave, pois compromete a integridade do osso, levando à necrose óssea e, em casos extremos, à perda do membro. O tratamento dessa condição envolve o uso prolongado de antibióticos, drenagem cirúrgica em casos mais avançados e, em muitos casos, a realização de enxertos ósseos para restaurar a função da perna afetada.

A abordagem terapêutica de ambas as condições deve ser imediata e agressiva. Para a artrite séptica, os antibióticos intravenosos de largo espectro são iniciados de forma empírica, até que o patógeno específico seja identificado. Após a identificação do agente causal, o regime antibiótico é ajustado. A drenagem articular, seja por aspiração com agulha ou por cirurgia, é frequentemente necessária para aliviar a pressão intra-articular e permitir a eliminação do material infeccioso.

No caso da osteomielite tibial, o tratamento antibiótico inicial é igualmente crítico, com uma abordagem que muitas vezes requer a combinação de terapias sistêmicas e locais. Em casos em que a infecção não responde ao tratamento conservador, a cirurgia para remoção do osso infectado pode ser necessária. Além disso, a osteomielite pode levar a complicações crônicas, como fraturas patológicas, deformidades e perda de função, o que pode exigir procedimentos reconstrutivos.

O diagnóstico precoce e o manejo adequado dessas condições são fundamentais para evitar a progressão para formas mais graves de infecção e para preservar a função das articulações e dos ossos. O monitoramento contínuo e a avaliação da resposta ao tratamento, incluindo a análise de marcadores inflamatórios e a realização de exames de imagem regulares, são partes essenciais do manejo clínico.

No que diz respeito à artrite séptica do tornozelo, a presença de fatores de risco, como diabetes, artrite reumatoide, uso de drogas imunossupressoras e histórico de cirurgias articulares prévias, deve ser atentamente considerada. A infecção por gonococos, uma das principais causas de artrite séptica, deve ser lembrada, especialmente em indivíduos jovens e sexualmente ativos. Também é importante ter em mente que a artrite séptica pode ser uma manifestação inicial de outras doenças infecciosas, como a tuberculose ou a sífilis, que podem ser negligenciadas se não investigadas adequadamente.

Para a osteomielite tibial, é essencial que os profissionais de saúde estejam cientes das complicações associadas ao tratamento inadequado, como a resistência antimicrobiana. A resistência pode ocorrer devido ao uso incorreto de antibióticos ou à falha na drenagem adequada, levando a uma infecção crônica ou a um quadro de sepsis sistêmica.

Além disso, é relevante considerar o impacto psicossocial dessas condições, tanto para os pacientes quanto para suas famílias. A dor crônica, a incapacidade funcional e o tempo prolongado de tratamento podem afetar significativamente a qualidade de vida, exigindo uma abordagem multidisciplinar no manejo, que envolva não só médicos, mas também fisioterapeutas e psicólogos.

Como a Técnica de Alongamento do Gastrocnêmio Impacta no Tratamento de Deformidades do Pé e Tornozelo

A técnica de alongamento do gastrocnêmio, conhecida como procedimento de Baumann, permite um alongamento seletivo deste músculo, preservando sua força muscular por meio de um alongamento intramuscular. Este procedimento também oferece a capacidade de corrigir deformidades como o equinismo, proporcionando uma abordagem eficaz em muitos casos de contraturas. A ocorrência de complicações neurológicas é rara, o que torna a técnica uma escolha atrativa, embora seja necessário realizar uma incisão grande, visível e proximal, na área da panturrilha.

A cirurgia de tenotomia proximal do gastrocnêmio, popularizada pelo procedimento de Silfverskiöld em 1923, é frequentemente indicada em casos de paralisia cerebral. O objetivo inicial desse método era liberar as cabeças medial e lateral do gastrocnêmio, transferindo suas inserções proximais para a tíbia. A abordagem envolve a realização de uma incisão transversal na fossa poplítea, onde a identificação do nervo tibial é fundamental. Historicamente, parte de seus ramos motores era sacrificada para reduzir a inervação do gastrocnêmio proximal. Um cuidado necessário é evitar incisões excessivamente laterais, pois podem comprometer estruturas neurovasculares importantes, como o nervo fibular comum e os nervos surais cutâneos. A isolação e a transecção das cabeças medial e lateral do gastrocnêmio são realizadas na região posterior dos côndilos femorais. Após o procedimento, o paciente deve usar uma bota de caminhada por cerca de seis semanas e pode colocar peso conforme tolerado.

Porém, com o tempo, modificações surgiram. Barouk e seus colegas sugeriram uma abordagem menos invasiva, realizando apenas a liberação da aponeurose de cada cabeça muscular sem alterar o tecido muscular subjacente. A experiência clínica tem demonstrado que essa abordagem preserva a força muscular e gera resultados equivalentes em relação ao alongamento total do gastrocnêmio. A técnica modificada por Barouk favorece a liberação isolada da cabeça medial do gastrocnêmio, minimizando o risco de complicações e proporcionando uma cicatriz estética mais discreta. Nesse procedimento, uma incisão de 2 a 3 cm é feita lateralmente à fossa poplítea medial. Não há risco significativo de lesão de estruturas neurovasculares, e os músculos são mantidos intactos, resultando em uma recuperação rápida, sem necessidade de imobilização. A reabilitação inclui a dorsiflexão passiva do tornozelo com o joelho em extensão, e a mobilização do paciente ocorre sem restrição no peso corporal.

Em casos raros, a liberação da cabeça lateral pode ser indicada, especialmente quando se busca um aumento adicional na dorsiflexão do tornozelo. Quando a contração do gastrocnêmio é bilateral, os procedimentos podem ser realizados simultaneamente, sem que haja risco significativo de perda de força ou necessidade de restrição pós-operatória quanto ao peso corporal.

Quando se considera uma cirurgia para o tratamento da contratura da panturrilha, é essencial selecionar a técnica mais adequada de acordo com o tipo de contratura apresentada. O teste de Silfverskiöld ajuda a identificar se a contratura afeta apenas o gastrocnêmio ou se também envolve o soleus. Existem cinco níveis anatômicos em que o alongamento do tríceps sural pode ser realizado. Dominar a anatomia de cada nível é a chave para a escolha do procedimento adequado. A decisão sobre qual técnica utilizar depende da experiência do cirurgião com o procedimento, a posição antecipada do paciente, a necessidade de procedimentos adicionais e as preocupações cosméticas.

Atualmente, a tendência é adotar abordagens minimamente invasivas, além dos procedimentos endoscópicos. O alongamento proximal isolado do gastrocnêmio, desenvolvido por L.S. Barouk e P. Barouk na França, tem ganhado popularidade como a técnica preferida para a contratura isolada do gastrocnêmio após falha no tratamento conservador. Esse procedimento diretamente aborda o gastrocnêmio contraído, oferecendo controle sobre o grau de liberação e permitindo a mobilização imediata do paciente.

É importante que o paciente tenha em mente que, em muitos casos, o alongamento do gastrocnêmio é combinado com outras intervenções reconstrutivas no pé e tornozelo, especialmente na população adulta. Nesses casos, a imobilização pós-operatória e as restrições quanto ao peso corporal serão determinadas, em grande parte, pelos outros procedimentos realizados simultaneamente.

Como a Deformidade do Pé Plano Pediátrico é Diagnosticada e Compreendida

A prevalência do pé plano em crianças é notável nos primeiros anos de vida. Uma revisão Cochrane revelou que entre 2 a 6 anos, a prevalência média de pés planos foi de 46,3%, enquanto em crianças com idades entre 8 a 13 anos, essa prevalência caiu para 14,2%. Um estudo de Pfeiffer et al. observou que meninos e crianças obesas apresentavam um risco maior de desenvolver pés planos flexíveis, com meninos sendo duas vezes mais propensos a desenvolver essa condição que as meninas e crianças obesas apresentando uma chance três vezes maior em comparação às de peso saudável. A hipermobilidade, medida pelo método de Beighton, também é identificada como fator de risco para o pé plano pediátrico. No entanto, ainda não há uma explicação definitiva sobre por que algumas crianças com essa condição tornam-se sintomáticas enquanto outras não. A origem da dor em crianças com pé plano permanece indefinida e é, provavelmente, multifatorial.

A teoria atual sugere que o aumento do ângulo de valgo do retropé e o colapso do arco longitudinal geram um aumento no estresse da articulação subtalar, o que pode resultar em irritação sinovial e ligamentar nas articulações subtalar e mediotársica. Este processo de irritação, aliado à sobrecarga da musculatura intrínseca do pé, poderia ser uma das principais fontes de dor no retropé associada à deformidade. Além disso, características clínicas, como o tendão de Aquiles encurtado, estão associadas à presença de sintomas e maior prevalência de dor e incapacidade em crianças com pé plano flexível.

Além dos pés planos flexíveis, os pés planos rígidos também são uma preocupação. Embora sua prevalência seja menor, os pés planos rígidos tendem a ser mais sintomáticos. As coalizões tarsais, que resultam de uma falha na segmentação mesenquimal, são a causa mais comum de pés planos rígidos. Elas se caracterizam por uma conexão fibrosa, cartilaginosa ou óssea entre dois ou mais ossos tarsais. A ossificação dessa coalizão ocorre entre as idades de 8 e 12 anos, o que se alinha com a faixa etária mais comum para a apresentação clínica sintomática.

A anatomia do pé e o desenvolvimento do arco longitudinal desempenham um papel crucial na manutenção da saúde do pé ao longo da vida. Esse arco se desenvolve na primeira década de vida, junto aos ossos, músculos e ligamentos do pé. Acredita-se que a manutenção do arco longitudinal dependa da força muscular, sendo que um pé plano flexível é frequentemente visto como resultado de uma fraqueza subclínica dos músculos. Contudo, ainda não há consenso sobre os fatores precisos que determinam a forma do arco longitudinal, embora o papel do complexo ósseo-ligamentar seja bem compreendido. Durante a fase inicial da marcha, o complexo do retropé de um pé plano flexível tende a alinhar-se em valgo acentuado, com a articulação tarsal transversal desbloqueada. À medida que a fase de apoio avança, a transição para um arco mais estável exige uma maior atividade muscular intrínseca para estabilizar as articulações do retropé. As contrações do complexo gastrocnêmio-sóleo e dos tendões peroneais são fatores importantes no desenvolvimento da deformidade do pé plano. A diminuição do ângulo de pitch do calcâneo observada nos pés planos favorece o encurtamento do gastrocnêmio-sóleo, o que, combinado com o alinhamento em valgo do retropé, contribui para o agravamento da deformidade.

Além disso, a espasticidade dos tendões peroneais tem sido associada às deformidades rígidas do pé plano. Essa espasticidade pode ocorrer devido à dor na articulação subtalar, resultando em um encurtamento progressivo dos tendões peroneais. A identificação dessas alterações neurológicas é essencial para o diagnóstico diferencial, especialmente quando se consideram condições como paralisia cerebral, lesão hipóxica cerebral ou tumores do sistema nervoso central.

A avaliação clínica é a etapa mais importante no diagnóstico do pé plano pediátrico. Muitos pacientes são levados para avaliação não por dor, mas por preocupações estéticas ou pela possibilidade de futuras incapacidades. A pergunta fundamental durante essa interação é se o paciente apresenta sintomas, pois isso guiará todas as discussões subsequentes com a família. A história clínica deve investigar a ocorrência de lesões recorrentes, calosidades, ou irritação na pele, dificuldades ao caminhar descalço ou em terrenos irregulares. Adolescente com um retropé rígido pode relatar piora nos sintomas com o uso de suportes ortopédicos para correção do arco. Quando a dor está presente, sua localização precisa deve ser identificada. A dor mais comum é encontrada na região plantar medial do médio pé devido à pressão da cabeça do talo contra o solo, mas também são frequentes a dor no seio tarsal e a compressão do calcâneo-fibular.

O pé plano pode também ser associado a distúrbios reumatológicos, neoplásicos, traumáticos, neurológicos ou de tecidos conectivos, sendo vital uma investigação cuidadosa de qualquer histórico familiar ou pessoal relacionado a tais condições. Sintomas como dor noturna, inchaço, calor e vermelhidão são atípicos tanto para pés planos flexíveis quanto rígidos e podem indicar a presença de uma patologia subjacente, exigindo investigação adicional.

Como a anatomia e o diagnóstico influenciam o tratamento da braquimetatarsia?

Os metatarsos são essenciais para o impulso do pé e para a distribuição equilibrada do peso ao longo da marcha. Eles se formam a partir do mesoderma, por volta da quinta semana após a fertilização, com centros primários de ossificação surgindo até a nona semana e secundários se manifestando por volta dos três anos, ossificando completamente entre 17 e 21 anos. Dentre os metatarsos, o primeiro e o quarto são os mais frequentemente envolvidos na braquimetatarsia, tornando essencial compreender suas particularidades anatômicas.

O primeiro metatarso, apesar de ser o mais curto, é fundamental para a funcionalidade do pé. Ele articula proximalmente com o cuneiforme medial e, ocasionalmente, com o segundo metatarso, e distalmente com o hálux. Sua mobilidade é maior devido a um eixo de rotação independente. Suas inserções musculares intrínsecas incluem o abdutor do hálux medialmente, o extensor curto do hálux e o músculo interósseo dorsal lateralmente. Além disso, tendões extrínsecos como o do fibular longo e do tibial anterior se fixam na base do metatarso, plantar e dorsalmente. A irrigação sanguínea é robusta, assegurada pelas artérias dorsais do pé e plantar medial, com uma rede vascular complexa que nutre toda a estrutura do osso. A inervação sensorial e motora é fornecida por ramos dos nervos fibular superficial, safeno e plantar medial, assegurando função adequada aos músculos intrínsecos e sensibilidade da região.

O quarto metatarso é um osso longo que se articula proximalmente com o cuboide, o quinto metatarso lateralmente, o cuneiforme lateral e o terceiro metatarso medialmente, e distalmente com a falange proximal. Seus músculos intrínsecos são os interósseos dorsais e plantares. A irrigação arterial provém das artérias metatarsais dorsal e plantar, enquanto a sensibilidade é garantida pelos ramos do nervo fibular superficial e plantar lateral.

O diagnóstico da braquimetatarsia é clínico e radiográfico. Clinicamente, manifesta-se pela presença de um dedo encurtado conforme o desenvolvimento do pé, embora a queixa principal muitas vezes seja estética, especialmente em pacientes juvenis, onde os pais demonstram preocupação com o impacto social do encurtamento digital. Estudos indicam que a maioria dos casos que necessitam intervenção cirúrgica são em mulheres, reforçando a importância da aparência estética, especialmente em calçados abertos.

A quantificação do encurtamento pode ser feita radiograficamente, utilizando métodos como o critério de Lelie’vre, a análise de Maestro, ou, de maneira prática e reprodutível, traçando uma linha entre as cabeças do segundo e do quinto metatarso e medindo a distância do metatarso encurtado a essa linha, o que define a quantidade de alongamento necessária para restaurar um comprimento funcional e esteticamente adequado.

O manejo conservador é possível para aliviar desconfortos causados pela braquimetatarsia, que podem incluir calosidades, lesões hiperqueratóticas e deformidades associadas como dedos em martelo ou hallux valgo, além da metatarsalgia dos metatarsos adjacentes. Almofadas, palmilhas customizadas e modificações no calçado são intervenções não cirúrgicas úteis para controlar sintomas.

A decisão pela cirurgia demanda uma avaliação criteriosa do pé, sobretudo da perfusão sanguínea para evitar complicações neurovasculares durante o alongamento. É fundamental avaliar o grau de hipoplasia do dedo encurtado, já que mesmo com o comprimento metatarsal restaurado, a aparência do dedo pode continuar comprometida. Avaliar a mobilidade e a rigidez das articulações metatarsofalângicas, utilizando testes como o push-up de Kelikian, orienta a abordagem cirúrgica para restabelecer o alinhamento e a função.

As imagens radiográficas, preferencialmente bilaterais mesmo em casos unilaterais, auxiliam no planejamento cirúrgico e na comunicação com o paciente sobre as expectativas do procedimento. A hipoplasia digital associada pode interferir na percepção do sucesso da correção, exigindo preparo e esclarecimento pré-operatório detalhado para evitar frustrações pós-operatórias.

Além dos aspectos técnicos e anatômicos, é crucial que o leitor compreenda a complexidade funcional e emocional da braquimetatarsia. A condição não afeta apenas a estrutura óssea, mas impacta diretamente a biomecânica do pé, podendo desencadear compensações musculares e posturais que agravam o desconforto e a possibilidade de outras lesões. Ademais, o impacto psicossocial, principalmente em adolescentes, pode ser significativo e deve ser considerado na abordagem terapêutica. A integração multidisciplinar, envolvendo ortopedistas, fisioterapeutas e, quando necessário, especialistas em psicologia, é um componente essencial para o sucesso do tratamento.

Como tratar deformidades dos dedos menores: entre o conservador e o cirúrgico

O tratamento das deformidades dos dedos menores, como os dedos em martelo e em garra, baseia-se primordialmente no alívio da pressão e da dor nas áreas afetadas. Nos dedos em martelo, o dorso da articulação interfalângica proximal (PIP) é a região que mais sofre, demandando acolchoamento específico nessa área. Em crianças que já usam calçados, recomenda-se sapatos com biqueira alta e larga para evitar compressões exacerbadas. Em casos graves, em que a deformidade compromete a articulação metatarsofalângica (MTP), pode surgir uma calosidade plantar na cabeça do metatarso, justificando o uso de almofadas metatarsais posicionadas proximalmente para redistribuir a pressão.

Nos dedos em garra, além do acolchoamento dorsal da PIP, recomenda-se a proteção da unha com almofadas especiais para evitar deformidades irreversíveis na placa ungueal. As opções cirúrgicas são variadas, abrangendo desde liberações, alongamentos ou transferências de tecidos moles até procedimentos ósseos, como ressecção articular, artrodese e até encurtamento ósseo. Antes de optar pela cirurgia, é crucial avaliar fatores como a idade do paciente, a severidade da deformidade, doenças associadas e a rigidez da deformidade, distinguindo se esta é flexível — corrigida com flexão plantar do tornozelo — ou fixa, sem correção em qualquer posição.

Para deformidades flexíveis, a tenotomia ou transferência do músculo flexor longo dos dedos (FDL) é indicada. Nas deformidades fixas, a ressecção ou fusão da PIP é geralmente necessária. Em pacientes com deformidades severas, sem potencial de crescimento residual e doenças neurológicas associadas, os procedimentos ósseos são indicados caso o tecido mole não permita correção completa. Estudos demonstram que a tenotomia aberta do FDL é segura e eficaz, permitindo a identificação adequada do tendão. Quando a cirurgia envolve encurtamento ósseo, recomenda-se ressecções conservadoras, como apenas a cabeça da falange proximal, para evitar complicações.

Complicações são possíveis e incluem insuficiência vascular, devido à tensão sobre os vasos durante a correção aguda ou colapso vascular no encurtamento ósseo. A monitorização rigorosa da perfusão dos dedos é indispensável no pós-operatório. A retração cicatricial pode causar recidiva da deformidade ou limitação parcial dos movimentos, sendo uma das complicações mais comuns. Outras complicações gerais cirúrgicas, como infecção, lesão nervosa, não união e desalinhamento, também estão presentes.

No que diz respeito aos dedos sobrepostos, deformidade congênita caracterizada pela sobreposição do quinto dedo sobre o quarto, a patologia se manifesta principalmente na articulação MTP com deformações em múltiplos planos: adução transversal, hiperextensão sagital e rotação externa coronariana, resultando em subluxação dorsal-medial da articulação, enquanto as articulações interfalângicas normalmente permanecem preservadas. A causa principal é a retração dos tecidos moles, especialmente o encurtamento e adução do extensor longo dos dedos e adesões capsulares na cabeça metatarsal.

O sintoma predominante é a dor, frequentemente associada à formação de calosidades no dorso do quinto dedo devido ao atrito com calçados. Além do desconforto, a estética é particularmente relevante em pacientes do sexo feminino, e até metade dos casos pode apresentar marcha disfuncional. O tratamento inicial nos pacientes pediátricos é conservador, envolvendo exercícios passivos de alongamento, uso de envoltórios corretivos ou órteses, sendo a adaptação de calçados largos e confortáveis uma recomendação essencial. Em adolescentes, o uso de órteses é menos tolerado, o que reforça a importância da intervenção precoce.

Quando o tratamento conservador falha, várias técnicas cirúrgicas são descritas, variando de procedimentos cutâneos a ósseos. Cirurgias cutâneas em formato de V ou Y apresentam resultados insatisfatórios devido à retração cicatricial, e a sindactilia entre o quarto e o quinto dedos frequentemente gera resultados cosméticos pouco aceitos. Técnicas como a transferência do extensor longo dos dedos para o colo do quinto metatarso ou para o tendão abdutor do dígito mínimo têm sido utilizadas. A técnica de Butler, que envolve a liberação e realinhamento de tecidos moles (principalmente rotacionais) por meio de incisões específicas, apresenta bons resultados, com ou sem uso temporário de fixação por fio de Kirschner para manter a redução. Métodos artroscópicos têm sido relatados para estabilizar a placa plantar e realizar liberações capsulares, mostrando-se promissores.

As cirurgias ósseas, como encurtamento de metatarso ou falanges proximais, osteotomia distal (técnica de Weil) ou ressecção total da falange proximal, são menos frequentes na população pediátrica, porém podem ser indicadas em casos selecionados. Resultados positivos têm sido reportados em mais de 80% dos pacientes submetidos ao encurtamento da falange proximal.

A compreensão da complexidade tridimensional das deformidades é fundamental para o sucesso do tratamento. A meta principal é sempre obter dedos livres de dor, com aparência aceitável e que se adaptem confortavelmente ao calçado, minimizando o impacto funcional e estético. O equilíbrio entre a correção das estruturas moles e a preservação da vascularização e função articular deve nortear cada decisão terapêutica.

É indispensável que o leitor entenda que as deformidades dos dedos menores são multifatoriais e que o tratamento deve ser individualizado, considerando não apenas o grau da deformidade, mas também o contexto clínico do paciente, incluindo idade, atividade funcional e expectativas. A cirurgia não é um fim em si mesma, mas uma etapa dentro de um processo que envolve reabilitação e adaptação. A prevenção do agravamento da deformidade por meio de intervenções precoces e o uso adequado do calçado são medidas essenciais para evitar complicações irreversíveis e garantir resultados duradouros.