Nos anos 60, trabalhadores rurais organizaram greves em busca de direitos fundamentais, e uma das mais emblemáticas ações foi o boicote às uvas, cujo slogan “Uvas da Ira” remetia diretamente ao famoso romance de John Steinbeck, As Uvas da Ira. Este título foi retirado de um verso do Battle Hymn of the Republic, que dizia: “Ele está pisoteando a colheita onde as uvas da ira estão armazenadas.” A referência bíblica, que invoca a imagem de um Deus vingador, foi apropriada de uma canção que surgira durante a guerra civil americana, uma guerra que defendia a preservação de uma sociedade agrária construída sob a exploração de uma classe racialmente oprimida.

O momento do boicote às uvas se assemelhava ao período pós-Reconstrução no sul dos Estados Unidos, quando as leis vigoravam para manter as divisões rígidas entre patrões e trabalhadores, e o sistema social era fortemente definido pela segregação racial de Jim Crow. Durante esse período, clamava-se por um êxodo, prometido pela Guerra Civil, que daria um fim à exploração dos trabalhadores agrícolas, que haviam sido deliberadamente excluídos das políticas do New Deal para garantir o apoio dos democratas do sul.

Em março de 1968, durante uma celebração eucarística em que César Chávez se tornou uma figura central, os editores jesuítas da revista America refletiram sobre a situação dos trabalhadores rurais. Eles se perguntaram se a dor e sofrimento de Chávez poderiam inspirar uma mudança real, abordando a injustiça que estava sendo negada aos trabalhadores rurais, criando condições propensas à violência. A recusa dos proprietários de terras em reconhecer o direito moral dos trabalhadores de se organizarem e barganhar coletivamente era um dos principais fatores por trás das greves. No entanto, embora legislações eventualmente tenham sido implementadas na Califórnia, a mudança não se espalhou para todo o país. A violência retornou, e a justiça negada ainda espera pela intervenção dos “cristãos de Mateus 25”, que, como se diz, ainda devem se levantar para novos desfiles nas cidades e nos campos.

Nos dias de hoje, a injustiça que antes se voltava contra os trabalhadores rurais, agora se deslocou para os pobres urbanos e para os imigrantes. O êxodo prometido ainda aguarda, tal como em Delano, Califórnia, onde um homem rico, Kennedy, e um homem pobre, Chávez, se encontraram para compartilhar a Eucaristia. As palavras da canção dizem: “Novas ocasiões ensinam novos deveres”, e um novo tipo de celebração aguarda.

Mas, em muitos estados, legisladores passaram leis de “direito ao trabalho”, o que efetivamente significa o direito de não seguir a ambição do êxodo e os desejos de um pacto. Na Califórnia, o aniversário de Chávez é feriado público, mas em outros lugares, poucos sabem seu nome. Não podemos esperar indefinidamente pela hora certa de adotar scripts radicais, ou pela aparição de Deus na estreia da ópera, chamando o público para o papel que lhe cabe. Oportunidades para um teatro experimental radical passaram e se foram. Após o fracasso do comunismo soviético, o momento parecia adequado para narrativas revolucionárias pós-marxistas, para histórias ousadas sobre novos mundos e sociedades justas. Mas, em vez disso, todos se concentraram no triunfo do capitalismo no estilo atlântico, não apenas nos Estados Unidos, mas também em várias partes do mundo.

Este cenário ilustra uma época em que muitos estavam mais preocupados em imitar o capitalismo ocidental do que explorar novos tipos de sociedades. Os alemães orientais, por exemplo, não estavam tão interessados em criar uma nova Alemanha, mas em se tornar uma versão ocidentalizada de si mesmos. Quando o milênio chegou, o que se tornou evidente não foi um novo horizonte, mas a continuação de uma velha ordem, agora ajustada para o novo milênio com programas de computador que não se perdessem nos três zeros.

Porém, mesmo diante da indiferença ou cansaço do público, não podemos ceder à ideia de que não há espaço para mudança. Propor Deus como protagonista de nossa conversa pública, projetar imagens do Êxodo em plataformas políticas ou até patrocinar um desfile de “Mateus 25” no famoso desfile de rosas se configura como uma das tarefas religiosas centrais deste século. Os profetas sempre mantiveram Deus na mente pública, diretamente diante dos governantes. O apóstolo Paulo, por sua vez, antecipava que, em todos os novos vernáculos autorizados pela encarnação, a revolução humana se manifestaria nos palcos do mundo.

Onde está a grande ambição de seguir um desfile para o terceiro milênio — ou pelo menos para as primeiras décadas do século XXI? Céticos, que olham de longe, dizem que todo desfile, por mais que pretenda ter conotações religiosas, nada mais é do que uma construção humana. Nada de novo sob o sol. Essa visão se disseminou de tal forma que eliminou a possibilidade de transcendência no cotidiano. Mas, e se esse desfile realmente importar? Os artistas e videntes que entendem a revolução radical da maravilha, como pensava Antonin Artaud, precisam ser mais do que uma exceção em tempos de indiferença ou ignorância. As imagens poderosas criadas em um palco ou em um desfile podem trazer sentido existencial para as ruas. O público não deve ignorar as questões que assombram a sociedade ou perder o ponto central da peça que está sendo representada.

Em um cenário de declínio de impérios e de lutas por justiça social, o papel das igrejas e das comunidades é revitalizar sua missão, mantendo-se receptivas à luz que a história oferece, e ao mesmo tempo, atentas às novas dinâmicas de um mundo que ainda espera por uma revolução da esperança.

A Relação Entre Humanismo, Religião e a Evolução Cultural: Repensando o Projeto Humano

O humanismo contemporâneo, frequentemente colocado em oposição à religião, parte de uma crítica à ideia de um Deus distante que age no mundo sem envolver o ser humano, deixando-o à margem da ação divina. Essa perspectiva se concentra na passividade humana diante da intervenção divina, mas a religião progressista com uma alta cristologia sugere uma visão diferente: a de que os seres humanos, em parceria com Deus, devem restaurar o mundo que ajudaram a destruir. Essa abordagem propõe um novo tempo de possibilidades, em que a ação responsável dos indivíduos no presente é vista como crucial para a construção de um futuro transformador.

A ideia de que a humanidade está em um processo contínuo de evolução, tanto física quanto culturalmente, é defendida por diversos pensadores. O antropólogo Clifford Geertz, por exemplo, argumenta que as formas de cultura humana começaram a surgir antes mesmo da evolução física ter se completado, de modo que natureza e cultura seguiram juntas, caminhando lado a lado. Para Geertz, a cultura tornou-se parte do desenvolvimento humano antes que o cérebro estivesse completamente formado, mas ao longo do tempo ela ultrapassaria a biologia evolutiva. Esse ponto de vista se opõe à ideia essencialista da natureza humana defendida por muitos biólogos evolutivos, que veem a evolução humana como um processo biológico fixo e imutável.

No entanto, em uma visão mais progressista, a “humanização” continua a ocorrer ao longo de caminhos culturais, e a evolução humana não se encerra com o biológico, mas com o cultural. A história e os avanços da justiça social e da vida interdependente em comunidade podem representar conquistas ainda inimagináveis, e a tarefa de restaurar a Terra — tikkun, como é conhecido no judaísmo — permanece como um dos maiores chamados espirituais e sociais da humanidade. A teologia cristã contemporânea, conforme exposta pela teóloga Sallie McFague, defende a superação de uma visão de um Cristo que tudo faz, deixando a humanidade passiva. Ao invés disso, ela propõe uma colaboração entre o ser humano e o divino, sugerindo que a plenitude de Deus se revela quando o ser humano alcança a sua totalidade.

A teologia católica histórica, com seu entendimento do entrelaçamento de graça e natureza, reflete essa ideia de parceria entre Deus e os seres humanos. A liturgia de Natal na Igreja católica, por exemplo, reforça esse conceito, ao afirmar que a glória de Deus se manifesta quando os seres humanos estão plenamente vivos, refletindo a Palavra encarnada em suas ações e relações. Essa visão encontra eco também no judaísmo progressista, que vê a missão de "reparar a terra" como um dever sagrado, totalmente compatível com a ciência, as ciências humanas e sociais. A religião, longe de ser irracional, se alinha com o entendimento científico de que os seres humanos são o resultado de uma evolução biológica e cultural e devem se ver como co-criadores evolutivos do universo.

Nesse contexto, é essencial entender que o processo humano de evolução não é algo terminado, mas em constante desenvolvimento dentro da esfera cultural. As ações humanas no presente, movidas por uma visão religiosa progressista e humanista, são vistas como determinantes para a evolução do futuro, mais do que o impulso biológico da evolução. A criação de uma sociedade justa, baseada no entendimento profundo da interdependência humana e ecológica, é a tarefa que nos cabe enquanto seres humanos.

Porém, à medida que a razão e a fé interagem no discurso público, surge a questão de como a razão secular, derivada da Ilustração, não deve ocupar sozinha o espaço público. A razão tem sido, por muito tempo, uma das ferramentas centrais para a construção de políticas públicas e debates filosóficos, mas a imposição de uma visão secular racionalista como única linguagem comum na esfera pública exclui outras visões de mundo profundamente significativas. O secularismo, ao tentar regular a esfera pública apenas sob os auspícios da razão iluminista, cria um campo onde as múltiplas visões religiosas e culturais, que carregam suas próprias verdades e significados, são marginalizadas.

Essa exclusão pode ser vista em várias esferas sociais e políticas, como no caso das mulheres e das minorias, cujas vozes são frequentemente diminuídas em contextos dominados pela racionalidade iluminista masculina e branca. A crítica a essa hegemonia secular da razão é crescente, e filósofos pós-modernos, feministas e pensadores anti-coloniais têm sublinhado que nenhuma visão pode ser considerada universalmente válida sem considerar o contexto social, cultural e político que a molda. Todos os pontos de vista, incluindo o da razão iluminista, vêm carregados de sua própria localização social e de seu próprio privilégio, tornando qualquer tentativa de impor uma única visão no espaço público problemático.

Portanto, é crucial reconhecer que a razão, assim como a religião e outras formas de expressão cultural, não são entidades neutras, mas carregam consigo influências históricas, econômicas e sociais que moldam sua aplicação e interpretação. No debate público, a pluralidade de vozes deve ser respeitada, pois cada uma delas oferece uma contribuição única, refletindo as complexidades e a diversidade da experiência humana. A busca por uma sociedade mais justa e mais equitativa deve levar em consideração essas várias perspectivas e promover um diálogo entre elas, de modo que as políticas e as decisões não sejam baseadas em uma única visão do mundo, mas em um entendimento mais amplo da condição humana.

A Rejeição do Nacionalismo e a Imitação de Cristo na Era Pós-Modernista

No Novo Testamento, o versículo de João 3:16 afirma: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira". Esse amor divino nos chama a amar e servir o mundo e todos os seus habitantes, em vez de buscar, em primeiro lugar, privilégios nacionais estreitos. O evangelho de Cristo não privilegia uma nação em detrimento de outras. Em um momento de crescente polarização política, rejeitamos a ideia de que "a América em primeiro lugar" seja uma heresia teológica para os seguidores de Cristo. Embora compartilhemos um amor patriótico por nosso país, rejeitamos o nacionalismo xenofóbico e étnico que coloca uma nação acima das outras como objetivo político. A dominância de uma nação, em vez de sua responsabilidade de mordomo sobre os recursos da terra, é um engano que ameaça o desenvolvimento genuíno e o florescimento humano de todos os filhos de Deus.

A ação de servir nossa comunidade local é essencial, mas as conexões globais entre nós são inegáveis. A pobreza global, o dano ambiental, os conflitos violentos, as armas de destruição em massa e doenças fatais em algumas regiões afetam, por fim, todos os lugares. Em resposta a isso, é necessário um liderança política sábia para lidar com esses problemas. A preocupação com a alma da nossa nação é legítima, mas igualmente preocupante é o estado das nossas igrejas e a integridade da nossa fé. O momento presente exige que nos aprofundemos: mais profundamente em nosso relacionamento com Deus, em nossas relações uns com os outros, especialmente entre as linhas raciais, étnicas e nacionais, e mais profundamente em nosso compromisso com os mais vulneráveis, que estão em maior risco. A Igreja está sempre sujeita a tentações de poder, conformismo cultural e divisões raciais, de classe e de gênero, como ensina Gálatas 3:28. Nossa resposta deve ser “em Cristo” e “não se conformar com este mundo, mas se transformar pela renovação da nossa mente, para que possamos discernir qual é a vontade de Deus – o que é bom, aceitável e perfeito” (Romanos 12:1-2).

O melhor caminho diante da idolatria política, material, cultural, racial ou nacional é o Primeiro Mandamento: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20:3). Jesus resume o Maior Mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mateus 22:37-40). Ao falar de amar ao próximo, é necessário acrescentar “sem exceções”. Em um momento de crise moral e política, nossa necessidade urgente é recuperar o poder de confessar nossa fé: lamentar, arrepender-se e, então, reparar. Se Jesus é o Senhor, sempre haverá espaço para a graça. Este é o momento de uma nova confissão de fé: Jesus é o Senhor. Ele é a luz em nossa escuridão. “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (João 8:12).

Não se pode pensar, no entanto, que a solução esteja simplesmente em reunir católicos da justiça social, protestantes progressistas e neo-anabatistas ou neo-evangélicos com suas forças e diferenças para agir em conjunto. Alguns evangélicos, identificados com a direita cristã e a corte de Trump, podem responder: "Sobre nossos cadáveres". Mas um outro impulso evangélico, que talvez não se identifique com a direita cristã, mas possivelmente o faça, está atacando frontalmente o próprio conceito de justiça social. Em 2019, o pastor e autor John MacArthur publicou um blog intitulado “Injustiça Social: A Ameaça ao Evangelho”, no qual ele argumenta que a manta de justiça social, defendida por cristãos liberais e muitos secularistas, é “a ameaça mais sutil e perigosa” ao evangelho cristão. Quase 4.400 pastores fundamentalistas assinaram um documento intitulado “Pelo Sagrado Nome de Cristo e Sua Igreja: A Declaração sobre a Justiça Social e o Evangelho”. A objeção deles à justiça social se baseia em dois pontos principais. O primeiro é que a justiça social implica aceitar práticas como a promoção da homossexualidade, a elevação das mulheres à igualdade com os homens e a rotulação do racismo branco, com os negros como suas vítimas. Quanto às mulheres, o documento estipula que: “No casamento, o marido deve liderar, amar e proteger sua esposa, e a esposa deve respeitar e ser submissa ao marido em tudo o que for lícito. Na igreja, apenas homens qualificados devem liderar como pastores, presbíteros ou bispos, pregando e ensinando a congregação”. O segundo ponto levantado é que leis e regulamentos sociais não têm poder intrínseco para mudar corações pecadores; apenas a salvação individual em Cristo pode salvar.

Alguns signatários dessa declaração podem ser luteranos conservadores que temem que a justiça social pertença ao “reino da mão esquerda de Deus” (o mundo do governo e da lei), enquanto a igreja e o evangelho operam no “reino da mão direita de Deus”. Eles também podem se preocupar que a justiça social seja uma forma de “justiça pelas obras”, que afirma salvar-nos, em vez de confiar na expiação de Deus em Cristo. No entanto, os luteranos progressistas apelariam para o mantra de Lutero “fé ativa em amor”, afirmando que a justiça social (a forma social do amor) é um fruto da vida evangélica, e não um meio de alcançar a salvação. Esse debate sobre a justiça social continua a polarizar as diferentes tradições evangélicas, especialmente porque elas são mais individualistas do que sociais ou estruturais. Para essas tradições, convidar Jesus ao coração ou ser pessoalmente salvo por Cristo é infinitamente mais importante do que qualquer transformação social.

Por fim, a imitação de Cristo deve ser entendida como a verdadeira forma de cristianismo radical. Será que a "imitação de Cristo" é um termo antiquado, privado e exclusivo demais para ser adotado por um cristianismo radical em uma era pós-cristandade? Ou será que o eco de Jesus em uma era pós-moderna é suficiente para fundamentar a resistência religiosa, a insurgência, a visão e a ação? Durante o século XV, um monge alemão chamado Thomas à Kempis escreveu um pequeno livro chamado A Imitação de Cristo. Meditando sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, Kempis propunha que os cristãos internalizassem a vida de Cristo, de maneira que suas ações e caráter refletissem gradualmente a graça de Cristo. Esse estilo de piedade busca que o cristão se disponha a pensar e agir como Jesus em todas as coisas.