Na sociedade burguesa, são numerosos os artistas que, em seu distanciamento ideológico, preferem manter-se longe da política, muitas vezes se colocando em uma posição apolítica. No entanto, a história tem mostrado que essa postura de afastamento não é apenas uma fuga, mas um caminho que inevitavelmente leva à reconfiguração das próprias concepções e visões de mundo. O que muitos não percebem, até que seja tarde demais, é que a arte não é uma entidade isolada do contexto político e social. A posição de um intelectual que se recusa a se envolver com questões políticas acaba se tornando, paradoxalmente, uma forma de apoio tácito aos poderes estabelecidos, às forças reacionárias que buscam perpetuar as desigualdades sociais.

No contexto da indústria cinematográfica, é interessante observar como a política pode influenciar a produção de filmes, como no caso do filme The Green Berets de John Wayne, produzido com o apoio explícito do Pentágono. A intenção de Wayne de criar um filme que exaltasse a imagem dos soldados americanos durante a Guerra do Vietnã não foi apenas uma escolha pessoal, mas uma aliança estratégica com os interesses militares e políticos da época. O filme, em sua essência, não era apenas uma obra cinematográfica, mas uma ferramenta de propaganda. Esse é um exemplo claro de como a arte pode ser utilizada como instrumento de poder e controle, e como a recusa de muitos artistas em se envolver politicamente com os temas de sua época pode levá-los a colaborar, sem querer, com tais agendas.

Esse comportamento apolítico pode ser comparado ao dilema enfrentado por Romain Rolland durante a Primeira Guerra Mundial. Rolland, em sua obra Au-dessus de la mêlée, tenta expressar sua crença de que a luta não deveria ser contra a guerra em si, mas contra o ódio que a alimenta. Sua ingenuidade frente à realidade das disputas ideológicas mostra como a desconexão da arte com a política pode ser fatal para a humanidade. Anos depois, Rolland revisaria suas próprias ideias, reconhecendo que sua posição era uma tragédia pessoal e ideológica. Ele passaria a perceber que, ao se abster de tomar partido em momentos cruciais, ele estava, na verdade, alimentando o próprio sistema que deveria ser combatido. Esse “despertar” ocorre em muitos intelectuais e artistas ao longo do tempo, que se veem forçados a confrontar as implicações de sua apoliticidade.

A reflexão sobre esse distanciamento da política também pode ser vista nas palavras de Thomas Mann, que, em sua obra Kultur und Politik, denuncia a tendência de certos intelectuais de se afastarem das questões políticas, como se isso fosse uma forma de preservar a pureza da arte e da cultura. Para Mann, essa postura era não apenas um erro, mas um autoengano. Ele argumenta que, ao ignorar a política, o artista acaba por se alinhar aos piores elementos da sociedade, sustentando sistemas autoritários e antidemocráticos. Mann, ao longo de sua vida, experimentaria uma mudança profunda em sua compreensão da relação entre arte e política, reconhecendo que uma cultura que rejeita a política está fadada ao erro e ao atraso.

Exemplos de figuras como Arthur Schopenhauer também ilustram como a recusa da política pode levar à mais absoluta insensatez e desumanidade. Schopenhauer, em seu desprezo pelas questões políticas, chegou a apoiar ações repressivas contra revoltas populares, demonstrando o risco de uma abordagem apolítica diante dos conflitos sociais. Ao exaltar a pureza da arte isolada de qualquer influência política, os intelectuais correm o risco de se tornar cúmplices da opressão e do autoritarismo.

No entanto, o processo de politização da arte, embora muitas vezes associado a uma resistência consciente contra o status quo, nem sempre é simples ou livre de contradições. A arte, ao engajar-se com questões sociais e políticas, pode, por vezes, ser distorcida e utilizada para fins sectários ou até para fins de manipulação ideológica. A teoria crítica da Escola de Frankfurt, por exemplo, trouxe à tona debates sobre o papel da arte na sociedade capitalista, com figuras como Herbert Marcuse explorando a ideia de que a arte tem um poder revolucionário intrínseco. No entanto, essa visão não está isenta de críticas, especialmente quando se observa a afinidade de Marcuse com autores de tendências mais elitistas e conservadoras, cujas obras não necessariamente sustentam as ideias que ele propunha.

O campo da arte e da política não é apenas um terreno de tensões ideológicas, mas também de disputas estratégicas. Em tempos de crise e de grande transformação social, o papel do intelectual e do artista não pode mais ser considerado uma questão meramente estética ou apolítica. Em última análise, o que se exige é uma conscientização profunda de que a arte e a política são dimensões indissociáveis da experiência humana. O artista que se nega a tomar partido, por mais que alegue independência e neutralidade, acaba por colaborar, consciente ou inconscientemente, com o sistema dominante.

Essa visão da arte como um reflexo das contradições sociais e políticas de seu tempo é fundamental para compreender o papel do intelectual na sociedade contemporânea. A arte não é uma ilha isolada, mas um campo de luta, onde se definem as grandes questões da humanidade.

Como a fusão do humano e do social se manifesta na literatura e a formação do herói ideal

A fusão entre o humano e o social, tal como se manifesta em diferentes condições históricas, sociais e nacionais, é um fenômeno que se reflete de maneira singular nas artes. Isso é particularmente evidente quando se observa a inter-relação com as tradições da arte popular e os mais recentes avanços da arte realista. Porém, a complexidade do caráter nacional é tal que é inconcebível que ele possa ser representado em uma única imagem, por mais profunda e artisticamente rica que seja essa imagem. A revelação das características do caráter nacional, em toda sua plenitude e dialética, só pode ser alcançada, em última instância, pela literatura como um todo. Tentativas de abordar esse tema dentro dos limites de uma única imagem frequentemente falharam, mesmo nas obras dos artistas mais renomados.

Por outro lado, quanto maior o talento de um artista e mais ele se aproxima do povo, mais suas obras são capazes de refletir as características típicas do caráter nacional. Nesse caso, é legítimo considerar isso como uma evidência de afinidade profunda entre a obra e o povo. No entanto, a questão do "heroísmo" de um herói, suas fontes e formas de expressão, tem sido central em discussões recentes sobre o herói positivo, particularmente o herói "ideal". Esses debates geram sorrisos céticos em algumas pessoas, pois frequentemente são acompanhados de uma lógica acadêmica excessiva. No entanto, com o tempo, esses debates ressurgem, não como um simples reflexo do gosto de um autor por disputas, mas como uma questão das leis objetivas do processo literário.

A discussão sobre o herói ideal está intrinsecamente ligada à estética do realismo socialista. Recentemente, uma das ondas mais turbulentas dessa discussão surgiu nas páginas da Literaturnaya Gazeta. Embora não se pretenda aqui uma análise detalhada dessa discussão, é possível destacar dois pontos de vista opostos que expressam tendências distintas na abordagem do herói e do heroísmo. O ensaio de A. Dremov, intitulado "Realidade-Ideal-Idealização", propõe a afirmação do caráter heróico na literatura soviética. Segundo Dremov, o herói deve representar o espírito elevado de nossas vidas, incorporando a visão de mundo comunista e a moralidade comunista. O herói é visto como um criador, um transformador, um lutador. Ele se opõe a aqueles que defendem a desheroição da literatura, que promovem uma arte desprovida de inspiração, ancorada no "homem comum". No entanto, o ensaio de Dremov apresenta alguns pontos vulneráveis.

Primeiramente, há uma abordagem normativa e rígida, como se fosse um manual, o que dificulta a apreciação do caráter artístico de algumas imagens e fenômenos da arte. Além disso, muitas das posições de Dremov são imprecisas e o crítico não é suficientemente consistente na defesa de suas ideias. Dremov parece mais confortável fazendo observações teóricas gerais do que realizando uma análise ideológica e artística concreta. Muitas vezes, ele simplesmente enumera as características dos heróis de maneira quase didática, sem se aprofundar nas complexidades de seus personagens. Por essa razão, o conceito de heróico no ensaio acaba se tornando algo abstrato.

Por outro lado, A. Bocharov, principal oponente de Dremov, também apresenta falhas em sua argumentação. Embora tenha razão ao criticar a abordagem normativa e especulativa de Dremov, ele acaba exagerando ao adotar uma perspectiva puramente empírica sobre a vida do autor, subestimando a importância de uma posição ativa e intencional. Como alguns críticos apontaram, Bocharov nega aos heróis e "bandeirantes" o direito preferencial de representar e caracterizar a sociedade. Em sua busca por uma representação precisa da realidade, Bocharov parece acreditar que a reflexão artística sobre a realidade só pode ser alcançada através de uma simples reprodução empírica de fatos e detalhes, o que não é suficiente para construir personagens heróicos complexos. A verdadeira compreensão da realidade não surge automaticamente do acúmulo de informações, nem de uma representação fotográfica da vida.

O que Bocharov e Dremov falham em perceber é que a verdadeira arte não pode se limitar a uma reprodução simplista da realidade; ela deve buscar a essência da experiência humana, com sua dialética e suas complexidades. Ambos os críticos, em sua busca pelo herói e pelo heroísmo, negligenciam o princípio fundamental da afinidade com o povo, que é o que, em última análise, fornece os critérios reais para determinar a natureza do heroísmo.

Cada época dá à luz seu próprio tipo de pessoa progressista. Nos tempos atuais, um herói literário genuíno não pode ser apenas um "personagem positivo", mas deve ser um herói, um homem de ideais elevados. A vida real já nos apresenta milhões de pessoas com grande integridade, convicção, paixão e mentes profundas, que agem conforme os mais altos princípios, trabalham, amam, lutam, erram e realizam feitos heroicos. O fato de que esses heróis já estão presentes na literatura soviética é um sinal claro de que ela está profundamente conectada ao povo. Esse herói deve entrar na literatura com cada vez mais força, porque os tempos exigem isso.

A questão da desheroização da literatura surge naturalmente, dada a sua relação com o povo e com as tradições da arte popular. Embora existam algumas dúvidas sobre a presença concreta desse processo em nossa literatura, é importante observar que a mudança na interpretação do problema do herói deve ser entendida dentro do contexto dinâmico da literatura. A análise de obras sobre eventos como a Grande Guerra Patriótica nos oferece um campo fértil para compreender como os heróis são representados na literatura e como isso se articula com as transformações sociais e políticas de cada época.

A verdadeira tarefa da literatura, portanto, não é a de simplesmente refletir a realidade de forma empírica, mas de entender e apresentar o homem em suas dimensões mais profundas e complexas, com seus conflitos, suas fraquezas e suas virtudes heroicas. Isso exige uma compreensão abrangente, que vá além das superficialidades da vida cotidiana, e que busque refletir a luta e a aspiração humanas em sua forma mais elevada e transformadora.