O uso crescente da Inteligência Artificial (IA) levanta questões cruciais no campo da patenteabilidade de invenções. Este cenário impõe desafios tanto para a prática do direito de patentes quanto para as interpretações que devem ser feitas sobre os requisitos tradicionais de novidade e não obviedade. A maneira como a IA é integrada no processo de invenção, e a própria natureza de sistemas generativos de IA, tornam esses desafios particularmente complexos.

No contexto da patenteabilidade, uma invenção precisa atender ao critério de novidade, ou seja, não pode ser algo já divulgado publicamente antes do pedido de patente. O rápido avanço da IA torna este critério mais difícil de ser cumprido. O uso de ferramentas de IA geradoras de conteúdo, como os sistemas de IA generativa, pode criar um volume imenso de novos elementos, que, por sua vez, podem complicar a tarefa de estabelecer a novidade de uma invenção. Em particular, sistemas de IA generativa são capazes de criar enormes quantidades de inovações em campos como a farmacologia, gerando, por exemplo, combinações moleculares que poderiam ser usadas para invalidar patentes anteriormente concedidas, caso tais inovações já tenham sido publicadas online.

A questão não se limita à criação de novos elementos, mas também ao formato desses elementos. O que precisa ser compreendido aqui é que, no campo das patentes, uma publicação que não seja lida ativamente por uma audiência relevante ainda pode ser considerada "arte anterior" (prior art) se for de alguma forma acessível ao público. Plataformas online, por exemplo, podem publicar inovações que, embora ninguém tenha de fato lido, podem ser indexadas por motores de busca e, assim, constituir parte do acervo de arte anterior, se essas informações forem encontradas com diligência razoável.

Além disso, a definição de "obviedade" se vê afetada pela crescente acessibilidade a ferramentas de IA. Tradicionalmente, uma invenção poderia ser considerada óbvia se fosse algo que qualquer profissional médio da área pudesse facilmente conceber com base no estado atual do conhecimento. No entanto, com as ferramentas de IA à disposição de inventores e pesquisadores, o escopo de soluções possíveis para um problema específico aumenta de forma exponencial. O uso dessas ferramentas pode gerar uma quantidade substancial de alternativas inovadoras que poderiam ser difíceis de serem previstas ou consideradas óbvias por um especialista humano, mas que se tornam acessíveis por meio da IA. Isso eleva o limiar de não obviedade a um patamar mais alto, podendo tornar inovações que antes seriam patenteáveis agora desqualificadas devido à facilidade de acesso a soluções complexas geradas por IA.

Portanto, é importante perceber que, enquanto a IA expande as fronteiras da inovação, ela também pode prejudicar a exclusividade das patentes. A maneira como a IA altera o jogo não é apenas no processo de invenção, mas também em como as invenções são avaliadas. A geração de arte anterior por IA poderia, com o tempo, transformar a ideia de "novidade" de uma invenção em um conceito mais fluido e dinâmico, tornando mais difícil afirmar que algo é realmente "novo". Além disso, a questão de quando a arte anterior gerada por IA é suficientemente acessível ao público também será uma questão crucial no futuro da patenteabilidade.

O impacto da IA no direito das patentes também se reflete na necessidade de regulamentações mais flexíveis, que considerem a forma como as ferramentas de IA alteram a própria dinâmica de criação e inovação. As autoridades, como o Escritório de Patentes e Marcas dos EUA (USPTO), estão começando a abordar essas questões, especialmente sobre como tratar as invenções em que a IA desempenha um papel significativo, tanto como ferramenta quanto como elemento ativo na geração do conteúdo patenteável.

A verdadeira revolução, contudo, está no fato de que, para muitas inovações hoje em dia, a IA não é apenas uma ferramenta auxiliar; ela é, em muitos casos, um agente ativo do processo inventivo. As limitações anteriores sobre quem pode ser considerado o "inventor" de uma patente podem estar sendo desafiadas, dado que a IA, em alguns casos, pode gerar resultados que são imprevisíveis e nem sempre atribuíveis diretamente ao esforço humano. O uso de ferramentas de IA no processo criativo pode, assim, questionar a atribuição de autoria e trazer novas dificuldades para os critérios de inventores e inovações patenteáveis.

Esse panorama exige que o sistema de patentes evolua para incorporar a realidade de um mundo onde a inteligência artificial não apenas facilita, mas, muitas vezes, gera diretamente soluções que até pouco tempo atrás seriam concebidas exclusivamente por seres humanos. O campo das patentes e da propriedade intelectual precisa urgentemente ajustar suas normas e práticas a essa nova realidade, onde a linha entre o humano e o artificial se torna cada vez mais tênue.

Como os Projetos CLAUDETTE e as Regras de Ação Coletiva da UE Afetam a Regulação de IA, DSA e DA

O impacto das regras de ação coletiva da União Europeia, combinadas com iniciativas como o Projeto CLAUDETTE, está transformando a maneira como as práticas comerciais, especialmente no âmbito da IA, são controladas e monitoradas. Um dos principais pilares dessas mudanças é o Artigo 114 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFEU), que previne que os Estados-membros classifiquem unilateralmente certos sistemas como de alto risco. Esse aspecto é fundamental, pois reforça a necessidade de uma abordagem centralizada e harmonizada para a regulação, especialmente no que diz respeito à IA, o que pode ter sérias implicações tanto para as empresas quanto para os consumidores.

A inclusão de atos legislativos como o AI Act, o Digital Services Act (DSA) e o Digital Act (DA) no vasto conjunto de regulamentos da União Europeia é crucial para entender como as entidades de defesa do consumidor poderão agir em nome dos interesses coletivos. Estes atos ampliam as possibilidades de ações coletivas, proporcionando aos organismos e organizações de consumidores o direito de agir judicialmente contra infrações à lei da UE. A principal diferença aqui é que o foco não está em um conflito entre partes contratantes, mas sim na análise da legalidade das práticas comerciais, como a transparência dos contratos, as políticas de privacidade de dados e, de maneira mais recente, o uso de sistemas de IA.

O Projeto CLAUDETTE, que visa automatizar o controle das práticas comerciais, é um exemplo claro de como as tecnologias emergentes, como a IA, podem ser integradas nas estratégias de monitoramento e enforcement. Com a implementação da IA, torna-se possível não apenas identificar cláusulas abusivas, mas também desafiar práticas comerciais que infrinjam as obrigações de diligência devida, que são agora uma parte integrante do regime regulatório da UE, incluindo os requisitos de transparência.

Embora os sistemas como o CLAUDETTE tenham um grande potencial para transformar a maneira como as ações coletivas podem ser movidas contra empresas, a situação atual revela um paradoxo interessante: enquanto as organizações de consumidores ainda não adotaram amplamente o modelo CLAUDETTE, algumas agências de defesa do consumidor, como a Autoridade Polonesa para a Proteção da Concorrência e do Consumidor, estão experimentando ferramentas semelhantes. Em 2022, a Comissão Europeia lançou um edital que possibilitou o desenvolvimento de sistemas automatizados para o controle de cláusulas abusivas, utilizando tecnologias open-source. No entanto, a dúvida persiste quanto ao uso sistemático desses sistemas para contestar a legalidade das obrigações de diligência devida.

A Diretriz 1828/2020 introduz uma distinção importante entre os requisitos legais para as entidades qualificadas, como as organizações de consumidores, que devem cumprir um conjunto de exigências para representar efetivamente os interesses legítimos dos consumidores. Esta distinção afeta principalmente ações transfronteiriças, mas não se aplica a ações nacionais. Isso levanta preocupações em alguns países, como a Alemanha, onde tem se temido que a concessão excessiva de standing legal a organizações de consumidores possa gerar uma "indústria de litígios" indesejável. Além disso, a implementação de sistemas como o CLAUDETTE poderia criar um precedente perigoso, ao transformar as ações coletivas em uma ferramenta usada de maneira indiscriminada, sem a devida supervisão.

A confiança das autoridades da UE nos órgãos públicos, como as agências de defesa do consumidor, e não nas organizações civis, reflete uma preocupação em manter o controle sobre a aplicação da lei. Embora a legislação da UE, como o Regulamento 2017/2394, obrigue os Estados-membros a designar uma autoridade nacional para lidar com a aplicação da legislação de defesa do consumidor em ações transfronteiriças, as agências nacionais são, por enquanto, excluídas da aplicação do AI Act e do DSA. Essa lacuna legal abre um campo fértil para especulações sobre como os sistemas automatizados de controle, como o CLAUDETTE, poderiam ser usados para desafiar a aplicação de regras como as do AI Act, especialmente no que diz respeito à transparência e diligência devida.

O tensionamento entre a harmonização total prevista pelo AI Act e a harmonização mínima proposta pela Diretriz 1828/2020 também contribui para um cenário regulatório volátil. Enquanto a abordagem do AI Act tenta limitar a capacidade dos Estados-membros de introduzirem requisitos de transparência unilaterais, a Diretriz 1828/2020 preserva a soberania regulatória nacional, permitindo uma maior flexibilidade. No entanto, essa flexibilidade pode ser tanto uma vantagem quanto uma desvantagem, uma vez que a falta de regulamentação uniforme pode gerar inconsistências na aplicação da lei e dificultar a coordenação entre os diferentes Estados-membros.

Por fim, a adoção de sistemas como o CLAUDETTE, que se tornam mais eficazes à medida que mais dados são integrados, pode rapidamente gerar um ciclo vicioso. Quanto mais bem-sucedidos esses sistemas se tornarem, mais empresas podem se sentir incentivadas a explorar brechas legais para questionar a validade de tais sistemas, especialmente à luz das novas regulamentações de IA. Essa dinâmica pode representar um desafio significativo para os órgãos reguladores da UE, que terão que equilibrar a inovação tecnológica com a necessidade de proteger os direitos dos consumidores e garantir a conformidade com a legislação.