A cosmologia religiosa dos povos da Sibéria e do extremo norte europeu revela uma estrutura dualista entre forças benignas e malignas. Entre os altaicos, Aiyy-Toion (ou Aar-Toion) ocupava a posição de grande deus bondoso, porém era uma divindade distante, que não intervinha diretamente nos assuntos humanos. Em contraposição, o mal era personificado no Velho do Submundo (Allara-Ogonior, também conhecido como Arsan-Duolai), figura central de um panteão sombrio. Ulgen era o deus supremo benigno entre os altaios, enquanto Erlik representava a divindade maligna por excelência.

Influenciados pelo budismo, os buriates ocidentais organizaram um panteão celeste mais estruturado: cinquenta e cinco Tengrievs bondosos, identificados como “ocidentais”, e quarenta e quatro Tengrievs malignos, associados ao “leste”. Essas entidades estavam em constante conflito. Abaixo dos Tengrievs situavam-se diversos khans, figuras de autoridade intermediária, e, mais abaixo, os espíritos terrestres — como os zayans e os ezhins — que representavam forças naturais e locais.

A complexidade religiosa destes sistemas não derivava apenas de influências externas, como o budismo ou religiões do Oriente Médio, mas também refletia um processo interno de estratificação social crescente entre esses povos, onde a organização religiosa espelhava as hierarquias emergentes.

Os lapões (saamis), habitantes do norte da Escandinávia e da Península de Kola, possuem semelhanças econômicas e sociais com os povos da Ásia do Norte. Suas crenças religiosas, apesar de paralelismos evidentes, desenvolveram-se de maneira distinta por causa da convivência prolongada com finlandeses, escandinavos e russos. Essa interação levou à adoção de elementos religiosos dos vizinhos mais desenvolvidos, mantendo, contudo, suas peculiaridades espirituais.

O culto à caça era central: cada atividade ou fenômeno natural possuía seu espírito patrono. A criação de renas era protegida pelo Mestre e, sobretudo, pela Senhora das Renas (Luot Mistress), a quem se ofereciam ossos de rena quebrados como sacrifício. Durante os verões na tundra, a vigilância dos rebanhos era entregue espiritualmente a essa divindade, com orações que buscavam sua proteção. Acreditava-se também nos Gofitterak, espíritos da tundra invisíveis que possuíam grandes manadas de renas e se faziam notar pelo som de sinos.

As divindades marinhas, os Akkruvs, eram protetores da pesca e possuíam forma híbrida: humanos da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Já a floresta e a caça eram domínio do Mestre Negro da Floresta, figura de cauda longa, que podia punir com desorientação quem lhe faltasse com o devido respeito, à semelhança do domovoi eslavo.

Influências escandinavas também deixaram marcas, como na veneração de Storyunkar (ou Sturra-Passe), senhor dos animais. O urso era objeto de temor reverente, enquanto o lobo, considerado impuro e amaldiçoado, era evitado.

Ao contrário dos povos siberianos, os lapões preservavam um culto ancestral pronunciado. Os mortos eram reverenciados, alimentados simbolicamente e recebiam oferendas, pois acreditava-se que influenciavam na pesca, na caça e até no clima. Rochas sagradas, frequentemente grandes blocos naturais, eram associadas a esse culto e vistas como auxiliadoras nas atividades práticas do cotidiano. Eram cercadas por cercas e recebiam sacrifícios.

No espaço doméstico, a religiosidade se expressava por meio do culto aos patronos familiares e ao lar, com especial atenção ao Mestre da Casa (Pert Master). Cada família possuía seu próprio tambor sagrado, como os chukchis, reforçando o aspecto individualizado do culto.

O xamanismo entre os lapões, outrora sofisticado, declinou ao longo dos séculos. Registros do século XVII mostram a existência de xamãs com funções comparáveis às dos povos siberianos. Contudo, no século XIX, essas figuras foram gradualmente reduzidas a feiticeiros populares. Ainda assim,

Como as Influências Externas Moldaram a Cosmogonia Judaica e a Evolução do Judaísmo Durante a Diáspora

A cosmogonia judaica apresenta uma pluralidade de mitos e narrativas que, muitas vezes, parecem estar em contradição. No livro de Gênesis, as duas primeiras versões da criação do mundo e do homem revelam essa complexidade. Na primeira, Deus cria o homem, depois o coloca no Jardim do Éden e, em seguida, cria os animais com o intuito de encontrar um ajudante para o homem. Quando nenhum deles é considerado adequado, Deus, então, cria a mulher a partir de uma costela do homem. Na segunda versão, Deus cria o homem e a mulher simultaneamente no sexto dia, após ter criado as criaturas do mar e do ar no quinto dia. Estas discrepâncias não são meramente coincidências, mas refletem diferentes fontes e influências sobre o texto sagrado.

Alguns estudiosos sugerem que a narrativa do segundo capítulo de Gênesis tem raízes em mitos populares e mitológicos de origem jeovista, enquanto o primeiro capítulo foi moldado pela visão do código sacerdotal, um texto dogmático e estruturado. Esses contrastes entre os textos indicam uma amalgamação de crenças e influências de diferentes tradições religiosas e culturais. No caso do mito da Queda, em que Adão e Eva desobedecem a Deus ao comer o fruto proibido, é possível observar que essa história foi profundamente influenciada pelos mitos babilônicos sobre a origem da morte. A história babilônica apresenta uma explicação lógica para a morte, sendo um erro cometido pelos primeiros humanos, enquanto no relato bíblico, a morte surge de maneira mais ilógica, uma punição de Deus, que inicialmente dá imortalidade ao homem e, logo em seguida, retira-a.

Outro mito que sofre forte influência da tradição babilônica é o relato do Dilúvio. O personagem bíblico Noé, que constrói uma arca para salvar a si mesmo e a sua família, ecoa diretamente o herói babilônico Utnapishtim, que é salvo da inundação por uma divindade favorável, Ea, em contraste com o Deus único da Bíblia, que é simultaneamente responsável pela destruição e pela salvação. Essa ausência de coerência lógica no relato bíblico reflete uma adaptação de mitos pré-existentes, mas sem a mesma coesão encontrada nas versões babilônicas.

Além da Babilônia, outra influência que se faz sentir no judaísmo é a do Mazdismo, religião persa, que surge no período de domínio persa sobre os judeus (séculos VI-IV a.C.). A ideia do espírito maligno, Satanás, é um exemplo claro dessa influência. Inicialmente, o conceito de um adversário divino não fazia parte da cosmovisão judaica, mas, à medida que os judeus passaram a conviver com outras culturas, essa ideia foi gradualmente incorporada ao seu imaginário religioso. O conceito de Satanás, que em textos posteriores passa a ser visto como um opositor direto de Deus, surge de maneira sutil e gradual, sendo inicialmente uma figura ambígua, como na história de Jó, onde Satanás atua com permissão divina.

A era da Diáspora, iniciada após a destruição do templo de Jerusalém e a dispersão dos judeus pelo império romano, foi um marco na transformação do judaísmo. A ausência de um centro religioso único fez com que as sinagogas se tornassem o novo centro de culto e vida comunitária. Surgiram também novas interpretações da lei e da ética judaica, com os soferim, precursores dos rabinos, participando ativamente na edição das escrituras. No contexto da Diáspora, o judaísmo se viu exposto a um contato mais estreito com as filosofias helenísticas, o que resultou em uma profunda troca de ideias e influências, especialmente no que diz respeito a questões como a imortalidade da alma e a vida após a morte, conceitos até então ausentes na tradição judaica.

Essas mudanças refletiram uma adaptação do judaísmo às novas realidades históricas e culturais. A migração para terras helenísticas, onde o contato com o pensamento filosófico grego foi inevitável, trouxe uma reformulação das crenças judaicas. Durante esse período, a ideia de vida após a morte e a retribuição divina após a morte começaram a ser mais exploradas e discutidas. A incorporação de conceitos helenísticos ao judaísmo não foi imediata nem linear, mas criou as bases para uma evolução religiosa que levaria à formação das ideias cristãs subsequentes.

É importante compreender que o judaísmo antigo era predominantemente voltado para recompensas e punições divinas durante a vida, e não acreditava na imortalidade da alma ou em um julgamento após a morte. A partir da Diáspora, essa visão começou a se expandir e a se enriquecer, refletindo a interação com as culturas vizinhas e com novas necessidades sociais e espirituais. O conceito de um Deus único e soberano, presente desde as primeiras narrativas bíblicas, foi reinterpretado à medida que o povo judeu se adaptava a um mundo em constante mudança, marcado por novas influências culturais e filosóficas.

Como funcionava o culto religioso na Grécia Antiga?

Na Grécia Antiga, a religião estava profundamente entranhada nas estruturas sociais, políticas e culturais da pólis. O culto aos deuses, longe de ser apenas um ato de fé pessoal, era uma prática coletiva, meticulosamente regulada e marcada por gestos públicos e privados que sustentavam tanto a identidade cívica quanto os laços com o divino. A arte e a literatura da época não apenas ilustravam os mitos, mas os moldavam e os glorificavam, humanizando figuras mitológicas e atribuindo-lhes traços elevados e próximos da condição humana idealizada.

O elemento mais comum e recorrente do culto era o sacrifício. A forma mais simples era a libação — o derramamento ritual de vinho no solo ou no fogo, como oferenda simbólica aos deuses. Em ocasiões mais solenes, os gregos ofereciam grãos, frutas, azeite, e animais — muitas vezes em grandes quantidades. Nas festas mais importantes, podiam ser sacrificados até cem animais. O tipo de oferenda variava conforme a divindade cultuada: animais brancos eram reservados aos deuses olímpicos; os negros, aos deuses ctônicos do submundo. Estes últimos, muitas vezes, eram queimados inteiros e enterrados, enquanto os sacrifícios aos olímpicos envolviam um banquete coletivo com a carne dos animais sacrificados.

Além dos sacrifícios, outras práticas rituais marcavam o culto: coroas e guirlandas eram depositadas nos altares, as estátuas dos deuses eram adornadas e lavadas, entoavam-se hinos e orações, realizavam-se procissões festivas e danças sagradas. Todos esses rituais obedeciam a regras fixas e estritas, variando de cidade para cidade, mas mantendo um núcleo comum de solenidade e reverência.

O culto público era uma questão de Estado. Sacerdotes e magistrados participavam das cerimônias em honra aos deuses tutelares das cidades. Esses rituais podiam se transformar em festividades de escala nacional, como as Panateneias em Atenas ou os jogos Hermaicos em Feneu. Mas, além do culto público, havia também o culto doméstico, discreto e conduzido pelos chefes de família, transmitindo valores religiosos e sociais através de gerações.

Diferentemente dos sistemas teocráticos do Oriente, o sacerdócio grego não formava uma casta isolada nem exercia domínio político. Os sacerdotes eram, em geral, membros da aristocracia local, designados para funções específicas, por vezes herdadas, outras vezes eleitas por períodos breves. Em alguns casos, os sacerdotes serviam por apenas um mês, como em Olímpia. De modo geral, o sacerdote cuidava da manutenção ritual do templo: realizava os sacrifícios, lavava e ornava a estátua do deus, e preservava a pureza exigida por sua função. A exigência de pureza incluía a ausência de defeitos físicos, e em muitos casos, a castidade. Algumas funções sacerdotais eram atribuídas a mulheres, desde jovens virgens até senhoras mais idosas, conforme o culto.

O prestígio do sacerdote não se traduzia em poder político direto. Nas pólis gregas, os ritos públicos eram liderados frequentemente por magistrados seculares. Ainda assim, os templos eram centros econômicos influentes. Possuíam terras, recebiam doações, acumulavam riquezas e frequentemente funcionavam como instituições bancárias. O templo de Delfos, por exemplo, possuía no século IV a.C. um tesouro avaliado em 10.000 talentos. Em 377 a.C., o templo de Delos havia emprestado 47 talentos a cidades e particulares, com juros. Os sacerdotes, nestes casos, atuavam como banqueiros e agiotas, gerindo fundos sagrados com astúcia econômica.

A inexistência de um culto centralizado refletia a fragmentação política do mundo grego. Cada cidade tinha seus próprios deuses tutelares e centros religiosos. Contudo, alguns santuários adquiriram importância pan-helênica, como o templo de Apolo em Delfos, o de Zeus em Olímpia, o de Deméter em Elêusis, o de Asclépio em Epidauro. Essas instituições, originalmente locais, se tornaram lugares de peregrinação, aconselhamento, cura ou iniciação. Diferente dos cultos cívicos obrigatórios, a participação nos cultos pan-helênicos era voluntária, mas altamente prestigiada.

A manutenção do prestígio desses centros exigia esforço constante. Em Delfos, por exemplo, os sacerdotes, bem informados sobre as tensões políticas das pólis e até dos reinos bárbaros, forneciam oráculos cuidadosamente ambíguos, permitindo múltiplas interpretações. Essa postura ambivalente evitava compromissos perigosos. Durante as guerras internas do século V a.C., os sacerdotes de Delfos mantiveram-se ao lado dos peloponésios, sem buscar a reconciliação das partes, revelando sua fidelidade mais aos jogos de poder do que a qualquer ideal pan-helênico.

Por outro lado, o templo de Zeus em Olímpia exerceu papel unificador mais eficaz. Ali se realizavam os Jogos Olímpicos, que reuniam os gregos em celebração da excelência física e cultural. Durante os jogos, as guerras eram suspensas, e as pólis rivais encontravam uma trégua simbólica, ainda que temporária. A cultura comum helênica se reforçava nesses encontros, onde a glória era conquistada não pela espada, mas pela habilidade e força dos corpos.

A partir do século VI a.C., começaram a surgir tendências religiosas novas, de caráter mais esotérico ou místico, como o orfismo. Esses movimentos propunham uma vivência espiritual mais interiorizada e centrada na purificação da alma, contrastando com o ritualismo formal do culto cívico tradicional.

É fundamental compreender que, na religião grega, o mito e o rito não estavam separados do cotidiano. O culto era parte integrante da vida cívica, da política, da arte, da economia e até das relações diplomáticas. A ausência de dogmas rígidos e de um clero hierárquico permitia uma multiplicidade de experiências religiosas, mas também impunha aos indivíduos e comunidades o dever de manter, com precisão quase jurídica, a ordem sagrada que estruturava a relação entre humanos e deuses. Essa religiosidade, ao mesmo tempo concreta e simbólica, pública e íntima, permitiu à civilização grega criar uma espiritualidade profundamente integrada à vida da pólis, sem jamais se render ao absolutismo de um sistema unificado.