A migração é um fenômeno fundamental para entender as dinâmicas econômicas e sociais de qualquer sociedade moderna. Nos últimos anos, observamos um aumento significativo nos fluxos migratórios, que se traduzem tanto em movimentos de entrada quanto de saída de imigrantes. Esses fluxos estão intrinsecamente ligados à globalização e às políticas econômicas internacionais, particularmente em relação a tratados como o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e outras formas de liberalização do comércio. Esses acordos facilitam a movimentação de pessoas e mercadorias, criando novas oportunidades e desafios para os países envolvidos.

Nos fluxos migratórios, é crucial diferenciar entre imigração e emigração. A imigração refere-se à entrada de indivíduos em um país, enquanto a emigração diz respeito à saída desses indivíduos. Quando analisamos os fluxos migratórios em uma perspectiva mais ampla, é importante considerar não apenas os números, mas também os fatores que os impulsionam. Questões econômicas, como a busca por melhores condições de trabalho ou fuga da pobreza, e questões políticas, como perseguições ou conflitos, são apenas algumas das razões pelas quais as pessoas decidem migrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, têm sido um destino popular para imigrantes de várias partes do mundo, mas, ao mesmo tempo, têm experimentado fluxos de emigração, especialmente em tempos de crises econômicas ou políticas. A "migração líquida", conceito amplamente discutido, descreve a natureza fluida e mutável dos movimentos populacionais que não seguem uma trajetória linear. As regiões do Sul Global, como a América Latina, têm sido um ponto de origem para muitos desses fluxos, com destinos como os EUA, Canadá e, mais recentemente, países da Europa, como o Reino Unido e a Alemanha.

As causas dessas migrações são multifacetadas. Para muitos migrantes, a busca por melhores condições econômicas é a principal motivação. No entanto, políticas como o "Operação Bloqueio" ou o "Operação Porta de Ferro", implementadas nos EUA para limitar a imigração ilegal, têm alterado significativamente os padrões migratórios. Tais políticas criaram novos desafios para os migrantes, mas também para os países receptores, que enfrentam dilemas quanto à integração e à aceitação desses novos habitantes.

A migração não é apenas uma questão de movimento físico de pessoas, mas também está relacionada à mudança na composição demográfica e à evolução das culturas. Os imigrantes não são apenas uma força de trabalho, mas também agentes de transformação social e cultural. A presença de imigrantes pode alterar profundamente a estrutura econômica de uma região, impactando desde os mercados de trabalho até as políticas públicas.

Outro aspecto importante da migração é o impacto que ela tem sobre as remessas enviadas pelos migrantes para seus países de origem. Em muitos casos, as remessas representam uma fonte crucial de renda para famílias em países em desenvolvimento, ajudando a reduzir a pobreza e promovendo o crescimento econômico local. Por outro lado, em países como os EUA, as remessas podem também ser um fator que contribui para o fortalecimento das economias de países em desenvolvimento.

No entanto, a migração também tem suas contradições. Por um lado, oferece oportunidades para os migrantes e os países que os recebem, mas, por outro, gera tensões sociais, políticas e econômicas. As disparidades salariais, os desafios de integração e os preconceitos raciais muitas vezes criam um ambiente de insegurança para os migrantes. A política de "Americanização", por exemplo, que busca assimilação total dos imigrantes à cultura norte-americana, nem sempre é vista de maneira positiva pelos próprios imigrantes, que mantêm fortes laços com suas culturas de origem.

Além disso, a migração não deve ser analisada apenas sob a ótica econômica. Questões sociais, como a identidade, o pertencimento e a discriminação, desempenham um papel crucial na experiência migratória. A identidade panétnica, por exemplo, pode ser um mecanismo de resistência para imigrantes que buscam se afirmar em um ambiente que muitas vezes os marginaliza. A forma como as políticas de imigração e as atitudes sociais moldam essa identidade pode ter efeitos profundos na integração dos migrantes e na coesão social das comunidades receptoras.

É importante ressaltar que a migração, em seus diversos aspectos, também está intimamente ligada ao conceito de "mobilidade social". Embora para alguns a migração seja uma oportunidade para melhorar suas condições de vida, para outros, ela pode representar uma forma de exclusão social, especialmente quando os imigrantes são vistos como um fardo para os serviços públicos ou uma ameaça à cultura local.

Compreender a migração exige uma análise que leve em consideração não apenas as estatísticas, mas também os fatores históricos, culturais e políticos que moldam os fluxos migratórios. Em um mundo cada vez mais interconectado, a migração é um reflexo das desigualdades globais e das oportunidades que surgem a partir delas. Dessa forma, a gestão eficaz da migração deve envolver não só a implementação de políticas públicas adequadas, mas também a promoção de uma cultura de aceitação e inclusão.

Como a Militarização da Fronteira e a Narrativa da Ameaça Latino Impactaram a Migração Mexicana para os EUA

A dinâmica da migração mexicana para os Estados Unidos, especialmente após a década de 1960, revela um ciclo contínuo de migração não documentada que se reestabeleceu rapidamente quando as oportunidades legais de entrada se dissiparam. Em 1965, milhões de trabalhadores mexicanos já estavam profundamente inseridos em redes bem desenvolvidas que os conectavam a empregos nos Estados Unidos. Esse cenário se manteve estável até o momento em que as possibilidades de imigração legal desapareceram, e, em resposta, os fluxos migratórios se adaptaram, emergindo novamente sob o status de imigração indocumentada.

A experiência da migração indocumentada reflete um processo circular, onde a maioria dos migrantes realizava movimentos temporários entre os dois países, indo ao norte para trabalhar por períodos limitados e retornando ao México para investir e consumir os ganhos adquiridos. Esse padrão se repetia ao longo da vida de muitos migrantes, e apenas uma pequena porcentagem permanecia permanentemente nos Estados Unidos. De 1965 a 1985, 85% das entradas indocumentadas foram compensadas por saídas, fazendo com que o crescimento da população migrante indocumentada fosse muito lento.

Entretanto, no âmbito simbólico, a migração mexicana passou a ser retratada de maneira distinta. A partir do momento em que os migrantes se tornaram "indocumentados", começaram a ser associados à figura do "criminoso", sendo descritos em discursos midiáticos e políticos como "alienígenas ilegais" ou "invasores". Esse estigma gerou uma narrativa que pode ser entendida como a "ameaça latina", amplificando a ideia de que os migrantes representavam uma invasão iminente ao tecido social e cultural dos Estados Unidos.

A partir da década de 1970, metáforas de maré e ataque começaram a circular, retratando a migração indocumentada como um "mar de imigrantes" que "invadiriam" o país e ameaçariam sua soberania. A cobertura da mídia, com termos como "crise" e "invasão", reforçou esse imaginário, gerando um aumento contínuo no uso dessas metáforas e, em consequência, justificando políticas cada vez mais restritivas em relação à imigração.

Este ciclo de militarização da fronteira, crescimento nas apreensões e políticas mais rígidas teve como resultado a formação de um "loop de retroalimentação". A crescente presença de agentes de patrulha de fronteira, juntamente com orçamentos maiores e operações mais restritivas, apenas intensificou o número de apreensões, o que, por sua vez, alimentou a percepção pública de uma "ameaça". Esse processo gerou um efeito de justificação, onde mais agentes e mais fiscalização eram necessários, criando uma dinâmica de segurança e controle cada vez mais apertada nas fronteiras dos Estados Unidos.

Importante observar que, embora a imigração indocumentada tenha se intensificado e se tornado um problema político central, a narrativa de "invasão" não refletia necessariamente a realidade dos migrantes. A migração de trabalhadores mexicanos, ainda que indocumentada, muitas vezes permanecia no formato de migração circular, com poucos se estabelecendo permanentemente nos Estados Unidos. A percepção pública, no entanto, contrastava com a realidade da maioria dos migrantes, que estavam em busca de oportunidades de trabalho temporárias.

Por fim, o desenvolvimento dessa narrativa e sua relação com as políticas migratórias dos Estados Unidos é fundamental para entender a transformação das percepções sobre a imigração e seus impactos em políticas públicas. Além disso, é necessário refletir sobre o papel da mídia e dos discursos políticos em moldar as opiniões públicas, muitas vezes distantes da realidade social dos migrantes.

Qual é o impacto das políticas comerciais nas desigualdades e no setor manufatureiro mexicano?

A compensação horária no setor manufatureiro mexicano, até hoje, permanece abaixo de seu nível absoluto de 1994. Em 2015, ano mais recente para o qual dados comparáveis estão disponíveis, a compensação horária mexicana na manufatura era também uma porcentagem menor em relação ao nível dos Estados Unidos do que em 1994. Como escreve o economista da Universidade de Harvard, Dani Rodrik, "provavelmente nenhum outro país no mundo apresenta um contraste tão acentuado entre sucesso externo e fracasso interno" quanto o México (Rodrik 2014).

O México exporta diversos tipos de produtos manufaturados, incluindo produtos eletrônicos, equipamentos elétricos, televisores e outros eletrodomésticos. Porém, o setor que mais se destaca em termos de exportação e que é o exemplo mais claro de integração regional na América do Norte é o setor automobilístico (Dussel Peters e Gallagher 2013; Moreno-Brid et al. 2018). Nos últimos anos, o México se especializou em peças e componentes mais intensivos em mão de obra (como freios e pastilhas de freio) e carros menores, enquanto os Estados Unidos e o Canadá se especializaram em insumos mais intensivos em capital e tecnologia, como SUVs, minivans e caminhonetes.

Ironicamente, a força do setor automobilístico mexicano não é atribuída às disposições de livre comércio do NAFTA, embora o acordo tenha garantido a eliminação de tarifas para o comércio intra-regional de automóveis e peças de automóveis. O verdadeiro fator foi a criação de regras de origem que exigiam que 62,5% do valor de um carro vendido na América do Norte fosse composto por insumos de origem norte-americana (canadenses, mexicanos ou estadunidenses) para que houvesse isenção de tarifas. No entanto, fora do setor automobilístico, a maior parte das exportações manufatureiras mexicanas continua a depender do modelo maquiladora, onde fábricas transformam materiais importados em bens semiacabados ou acabados para exportação, com um valor agregado limitado internamente. Esse modelo preexiste ao NAFTA e resulta em uma cadeia de produção na qual, fora da indústria automobilística, as indústrias mexicanas têm gerado pouco valor agregado e com baixo vínculo com a produção interna.

Os setores exportadores do México se integraram cada vez mais às cadeias globais de valor (também chamadas de cadeias de suprimentos ou de produção), onde as diferentes fases do processo produtivo estão localizadas em diferentes países. Contudo, fora da indústria automobilística, a produção mexicana geralmente se concentra nas etapas dessas cadeias que geram o menor valor agregado domestico. Isso explica, em grande parte, o motivo de a economia mexicana ter crescido tão lentamente no período pós-NAFTA, apesar do aumento expressivo no valor das exportações do país, que é, em parte, exagerado pela inclusão de insumos importados.

Nos Estados Unidos, o "sucesso" do setor automobilístico integrado regionalmente traz uma visão menos favorável para o trabalho. O emprego no setor de veículos motorizados (incluindo peças e componentes) caiu em cerca de meio milhão entre o final dos anos 1990 e 2018, enquanto o emprego mexicano no mesmo setor aumentou na mesma proporção. Embora essa coincidência não prove que os empregos "migraram" para o México, é evidente que, nas últimas duas décadas, houve um ganho líquido de empregos na indústria automobilística no México, em detrimento de áreas como o cinturão industrial dos Estados Unidos, como Michigan. Em contrapartida, poderia-se argumentar, ainda que seja difícil para os trabalhadores estadunidenses aceitarem, que o setor automobilístico dos EUA se tornou mais competitivo devido à racionalização regional da produção e à dependência de peças e componentes de baixo custo fornecidos pelo México.

Embora o México tenha registrado um crescimento em empregos manufatureiros no período pós-NAFTA, o número de postos gerados é insuficiente para atender às necessidades do mercado de trabalho mexicano. Além disso, como mencionado anteriormente, o México nunca atingiu a convergência salarial e de renda com os Estados Unidos que buscava no âmbito do NAFTA. Para agravar a situação, o déficit comercial do México com outros países excede o superávit bilateral com os Estados Unidos, o que significa que o país não é nem uma economia superávit, nem uma economia verdadeiramente dinâmica (Moreno-Brid 2013; Blecker 2019).

Desde os anos 90, tanto o México quanto os Estados Unidos experimentaram aumentos significativos na desigualdade, medida pelo crescimento das participações da renda dos mais ricos e a queda das participações do trabalho na renda nacional (Piketty 2014; Esquivel 2015; Ibarra e Ros 2019). A raiz dessa desigualdade crescente, tanto nos EUA quanto no México, está no fato de que os salários reais dos trabalhadores têm permanecido estagnados, mesmo no setor manufatureiro, onde a produtividade aumentou mais rapidamente. Esse fenômeno é alimentado pela maior concentração de poder de mercado nas grandes corporações, resultando em margens de lucro mais altas, mas com um crescimento econômico estagnado (Bivens 2017b; Autor et al. 2020; De Loecker, Eeckhout e Unger 2020).

Embora o comércio e a transferência de empregos sejam apenas algumas das forças que impulsionam essas tendências de desigualdade, eles certamente têm grande influência, e acordos comerciais como o NAFTA, que privilegiaram os direitos de propriedade das corporações sobre os direitos trabalhistas dos trabalhadores, são frequentemente apontados como culpados por contribuir para esse cenário (Bivens 2017a). No entanto, outros fatores também desempenham papel importante, como a privatização de empresas estatais no México, que muitas vezes transformaram essas empresas em monopólios privados, a fusão de grandes corporações nos EUA (aumentando o poder monopolista das empresas), a mudança para uma orientação de governança corporativa voltada para o valor dos acionistas, o enfraquecimento dos sindicatos e a desregulação dos mercados em ambos os países. A diminuição dos investimentos públicos em infraestrutura também contribuiu para o crescimento fraco no emprego industrial, especialmente no contexto das economias de serviços.

A Retórica da Relação México-Estados Unidos: Nacionalismo e Discurso Digital

A relação entre o México e os Estados Unidos sempre foi permeada por uma complexa rede de sentimentos e tensões. De forma recorrente, o México e os mexicanos têm sido alvos de discursos explicativos para diversos problemas econômicos da América do Norte, especialmente após eventos significativos como os ataques de 11 de setembro de 2001. Esse tipo de discurso não apenas criou divisões, mas também levou o México a adotar estratégias defensivas, destacando a importância da relação binacional. As tentativas de reconciliação, no entanto, muitas vezes se entrelaçam com uma retórica desgastante de distanciamento e rivalidade. A falta de coerência nas declarações, especialmente por parte de figuras políticas proeminentes como o presidente Donald Trump, tem gerado tensões, resultando em contradições que desgastam a relação entre os dois países.

A dinâmica da comunicação entre essas nações tem se transformado ao longo do tempo, especialmente com a ascensão das redes sociais, como o Twitter. Esta nova forma de interação digital, onde as mensagens são direcionadas a destinatários não específicos, oferece uma certa dose de anonimato e distanciamento, criando um espaço onde a retórica política e as emoções são expostas de forma instantânea e sem os filtros das interações face a face. As palavras se tornam uma ferramenta de poder social, com consequências concretas, visíveis nas reações emocionais de ambos os lados da fronteira. O discurso, muitas vezes carregado de emoções, especialmente no contexto do nacionalismo, pode provocar uma verdadeira mudança na percepção pública e na identidade nacional, como observa Bhabha, que enfatiza o papel do nacionalismo como uma força capaz de criar e destruir simultaneamente, atuando na construção e desconstrução cultural de um país.

Esse nacionalismo mexicano, entretanto, não pode ser compreendido sem uma referência aos conflitos históricos e ao sentimento de perda territorial, especialmente relacionado à Guerra Mexicano-Americana e à subsequente intervenção política e econômica dos EUA, que perdurou ao longo do século XX. Esses conflitos históricos moldaram as narrativas culturais e políticas do México, criando um ambiente de desconfiança mútua, que se mantém até os dias de hoje. A resistência mexicana, muitas vezes marcada por sentimentos de orgulho cultural e identidade indígena, entra em choque com a necessidade de manter boas relações com a superpotência vizinha.

Durante o final do século XX e início do século XXI, essa tensão foi suavizada pela crescente interdependência econômica, especialmente após o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). No entanto, a retórica nacionalista não desapareceu completamente. Embora houvesse uma diminuição na presença de discussões sobre o México nas esferas políticas dos EUA, a relação bilateral não se aquietou; pelo contrário, intensificou-se, principalmente devido às questões de migração e intercâmbio econômico. A presença cultural mexicana no cotidiano dos norte-americanos, por meio de práticas como a culinária e a arte, tornou-se mais visível, mas isso não significou uma diminuição dos atritos.

Essa dinâmica foi profundamente alterada com a candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2015. A retórica nacionalista que dominou sua campanha trouxe o México novamente para o centro do discurso político. A figura de Trump, com seus estereótipos e ataques constantes, não apenas reacendeu os sentimentos anti-mexicanos nos EUA, mas também forçou o México a reagir. A resposta inicial foi de silêncio, mas à medida que o descontentamento mexicano cresceu, principalmente entre os cidadãos que viviam nos dois lados da fronteira, o governo mexicano passou a adotar um tom mais emotivo em suas respostas. Esse cenário se intensificou com a ascensão de Andrés Manuel López Obrador à presidência do México, que, durante sua campanha de 2018, se comprometeu a responder a todas as declarações de Trump. No entanto, uma vez no poder, Obrador teve que equilibrar suas promessas de um discurso nacionalista com a necessidade de manter uma relação pragmática com o governo dos Estados Unidos.

O primeiro episódio importante dessa nova dinâmica ocorreu em 2015, quando o então presidente mexicano Enrique Peña Nieto parabenizou o cineasta Alejandro González Iñárritu pela vitória no Oscar, destacando o talento e a dedicação dos mexicanos. A resposta de Trump foi rápida e ácida, descreditando o prêmio e atacando a política mexicana, acusando o país de ser corrupto e de enviar criminosos para os EUA. Esse episódio marcou o início de uma série de ataques e provocações por parte de Trump, sendo o muro na fronteira um dos pontos centrais de sua retórica. A proposta de Trump de que o México pagasse pelo muro se tornou um tema constante de sua campanha, refletindo sua postura agressiva e sua tentativa de fortalecer um discurso de separação e proteção nacionalista.

Em um encontro entre Trump e Peña Nieto em 2016, o presidente mexicano foi claro em sua posição de que o México não pagaria pelo muro, uma declaração que contrariava diretamente a narrativa de Trump. A partir desse momento, o governo mexicano passou a adotar uma postura mais firme, mas também buscou manter um canal de diálogo, evitando rupturas diplomáticas totais. A construção do muro, que Trump seguiu defendendo durante seu mandato, nunca foi bem recebida pelo México, que insistia na importância do respeito mútuo e da soberania nacional.

A transição da diplomacia tradicional para a comunicação digital, como o uso do Twitter, revelou uma nova forma de se expressar e de se envolver nas discussões internacionais. A rapidez e a emoção com que os líderes políticos se manifestam nas redes sociais aumentam a visibilidade das questões, mas também geram uma enorme volatilidade nas relações internacionais. No caso específico da relação entre México e Estados Unidos, o uso de plataformas digitais transformou a forma como as disputas são travadas, com menos formalidade e mais impacto imediato.

É importante compreender que o discurso nacionalista e as respostas emocionais, tanto no México quanto nos EUA, são parte de uma dinâmica histórica mais ampla, que inclui questões de identidade cultural, territorialidade e soberania. O uso da retórica digital, amplificado pelas redes sociais, só intensifica essas questões, criando novas formas de poder e resistência na arena internacional. O México, apesar de suas frustrações e desafios, continua a buscar o equilíbrio entre sua identidade nacional e a necessidade de coexistir com seu vizinho poderoso, reconhecendo as complexidades dessa relação.

Como a Rhetórica de Trump Moldou a Política de Migração e o Nacionalismo Mexicano

Durante a recente campanha eleitoral de Donald Trump, ele intensificou sua retórica em relação à imigração, denunciando caravanas de migrantes e associando-os a criminosos, de maneira semelhante ao que fez durante sua campanha presidencial anterior, quando os "vilões" eram os mexicanos. A principal controvérsia nesse cenário foi a sugestão de que, dada a impossibilidade de entrar nos Estados Unidos, os membros das caravanas seriam devolvidos aos seus países de origem. Trump afirmou que o México não estava fazendo nada para impedir a marcha das caravanas, que estavam em direção aos Estados Unidos. De acordo com ele, sem um muro na fronteira, a segurança não seria garantida, e o crime continuaria em ascensão. “CONSTRUAM O MURO E O CRIME CAIRÁ!” foi uma das mensagens emblemáticas que Trump disseminou amplamente nas redes sociais.

A postura de Trump não se limitou a críticas; ele ameaçou até mesmo fechar a fronteira com o México caso o país vizinho não tomasse medidas imediatas para conter a imigração ilegal. "O México fez uma fortuna com os Estados Unidos, muito maior do que os custos de segurança na fronteira", afirmou, ressaltando a importância de o México agir para controlar a migração ou então sofrer as consequências. Em resposta, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador optou por um discurso mais pacífico, buscando evitar confrontos diretos, propondo que a melhor solução para o problema da migração seria criar empregos e melhorar as condições de vida na América Central e no México. Ele enfatizou que não havia outro caminho para resolver o problema, além de políticas internas mais eficazes.

O comportamento de Trump não era totalmente unificado, como evidenciado pela sua mudança de postura no decorrer de sua presidência. Em abril, ele elogiou o México por suas apreensões de migrantes na fronteira sul, reconhecendo que, pela primeira vez em décadas, o país estava agindo para controlar a migração antes que ela chegasse aos Estados Unidos. Porém, dias depois, Trump desmentiu suas próprias ameaças de fechamento da fronteira, afirmando que nunca havia dado tal ordem, e que as notícias a respeito disso eram "falsas e corruptas". Essa oscilação nas mensagens gerou confusão, mas, ao mesmo tempo, evidenciou a enorme influência que a retórica presidencial dos Estados Unidos exerce sobre as políticas mexicanas.

O impacto dessa retórica foi profundo. O governo mexicano se viu pressionado a tomar medidas em resposta às ameaças de Trump. A política migratória do México foi fortemente influenciada pela necessidade de responder aos ataques verbais do presidente dos Estados Unidos, levando o país a adotar uma abordagem mais rigorosa no controle da migração. Em contrapartida, López Obrador apostou em uma comunicação pública direta, através das famosas conferências diárias com jornalistas, nas quais ele fornecia explicações detalhadas sobre as ações do governo e, ao mesmo tempo, procurava reforçar a imagem de um México que, apesar das tensões, seguia buscando soluções pacíficas e construtivas.

Entretanto, a maneira como Trump utilizou suas redes sociais e sua estratégia de comunicação direta, muitas vezes simplista e emocional, também se mostrou eficaz, tanto para consolidar sua base eleitoral quanto para influenciar a relação dos Estados Unidos com o México. Sua abordagem agressiva, simplificada e muitas vezes desinformada moldou uma narrativa populista que ressoou profundamente entre seus apoiadores e teve um impacto direto nas negociações políticas e diplomáticas entre os dois países.

Essa dinâmica entre os dois presidentes evidencia um paradoxo. Enquanto Trump usava suas plataformas para criar uma narrativa de insegurança e criminalização da imigração, López Obrador tentava responder com discursos mais calmos e racionais, tentando buscar soluções baseadas no desenvolvimento social. No entanto, a força das mensagens de Trump criou um cenário onde o México teve de adaptar suas políticas para lidar com as demandas e as ameaças feitas pelo governo americano. Essa situação não apenas fortaleceu o nacionalismo mexicano, mas também deu visibilidade a questões que até então eram tratadas de maneira mais cautelosa pela política externa mexicana.

O que se observa é a construção de um imaginário de fronteira, onde o "outro", seja o migrante central-americano ou o mexicano, é constantemente criminalizado e tratado como uma ameaça. Esse fenômeno não é recente, mas ganhou uma nova dinâmica com a ascensão de Trump ao poder. A retórica nacionalista americana, que se fortaleceu com a retórica de Trump, tem raízes mais profundas na história dos Estados Unidos, alimentada por questões como a dependência de mão de obra não qualificada do México, o "embranquecimento" da população americana e as influências culturais mexicanas. Por outro lado, o nacionalismo mexicano surge de uma longa história de resistência à invasão estrangeira, especialmente durante a perda de território para os Estados Unidos no século XIX.

A construção dessa narrativa binacional de ameaças e de identidade nacional não é algo que se resolve apenas com muros, promessas políticas ou mudanças nas políticas de imigração. A questão da migração é muito mais complexa, envolvendo questões econômicas, sociais e culturais que transcendem as fronteiras físicas e políticas dos dois países. Por isso, é fundamental que a discussão sobre imigração vá além da criminalização dos migrantes e da construção de barreiras físicas. Deve-se olhar para as causas subjacentes da migração, como a pobreza, a violência e a falta de oportunidades nos países de origem, e buscar soluções que envolvam cooperação e desenvolvimento regional.