O Hinduísmo, ao contrário das religiões missionárias como o Cristianismo ou o Islã, não admite proselitismo. A entrada formal na religião está condicionada ao nascimento dentro de uma casta reconhecida, o que estabelece uma barreira estrutural à conversão e à expansão externa. Essa limitação impede que o Hinduísmo se torne uma religião mundial no sentido tradicional, ainda que sua influência espiritual transcenda fronteiras, especialmente no Ocidente, onde práticas como o Yoga atraem uma parcela significativa da intelectualidade.

Apesar de seu enraizamento na tradição e na estrutura social indiana, o Hinduísmo permanece dinâmico na sua expressão cotidiana. Deuses como Laksmi, tradicionalmente ligados à fertilidade e à beleza, hoje são venerados como patronos da indústria e da modernização econômica. Sarasvati, a deusa do conhecimento, ganha nova relevância como símbolo do progresso científico e artístico. Essa adaptação dos arquétipos religiosos aos valores modernos revela a flexibilidade simbólica da religião hindu, mesmo diante de uma ideologia teologicamente conservadora.

Contudo, o Hinduísmo continua entrelaçado com um sistema de castas profundamente enraizado, que, apesar de proibido constitucionalmente, sobrevive na prática social. A persistência desse sistema mantém milhões de pessoas — os chamados intocáveis — à margem de direitos básicos, perpetuando uma exclusão sustentada por dogmas religiosos que conferem legitimidade divina à hierarquia social. A crença de que o simples toque de um intocável pode macular um membro das castas superiores ilustra a extensão do tabu ritual e da obsessão com a pureza espiritual. Mesmo com reformas legais e tentativas de transformação social, a herança religiosa da desigualdade permanece presente na realidade indiana.

O zelo ritualístico de muitos hindus se manifesta não apenas na prática de tabus e sacrifícios, mas também na recusa em eliminar animais prejudiciais — até mesmo serpentes venenosas — por respeito religioso. Essa reverência irracional à vida em nome da espiritualidade, que à primeira vista parece benevolente, pode resultar em consequências nocivas para a saúde pública e segurança da população, além de alimentar episódios de fanatismo religioso.

A estrutura de formação religiosa dentro das castas superiores mantém seu rigor. Famílias da casta bramânica, por exemplo, ainda buscam mestres espirituais para transmitir aos filhos os fundamentos rituais e doutrinários da religião, perpetuando um conhecimento tradicional que continua profundamente ativo nas esferas da vida profissional e cotidiana, tanto entre camponeses quanto entre trabalhadores urbanos e intelectuais.

Do outro lado do espectro, no Egito Antigo, observamos uma estrutura religiosa igualmente intrincada, porém com dinâmica distinta. A religião egípcia, moldada por uma sociedade estática e conservadora, manteve formas profundamente arcaicas. A adoração de deuses locais, muitas vezes representados como animais ou figuras híbridas, revela traços de totemismo que perduraram mesmo com a centralização política e religiosa. A formação de um panteão nacional egípcio, composto por deuses como Hórus, Rá, Ptah, Amon, Bastet, Anúbis e Thoth, foi diretamente ligada ao processo de unificação do território e consolidação do poder estatal.

O culto de deidades femininas locais, como Sekhmet, Hathor, Neith e Nephthys, remonta a vestígios de uma organização matriarcal, preservada na memória religiosa por meio de imagens potentes e simbólicas. Deuses e deusas assumiram funções específicas no plano cósmico e nas atividades humanas — Thoth como patrono dos escribas e intelectuais, Anúbis como guia do além, Sekhmet associada à guerra. O sincretismo egípcio articulou essas divindades em tríades e enéadas que variavam conforme a região, refletindo uma lógica mitológica que funcionava em paralelo à estrutura política do país.

Tanto no Hinduísmo quanto na religião egípcia, há uma tendência à associação dos deuses com fenômenos naturais e funções sociais. O Sol, por exemplo, aparece como elemento central em diversas figuras divinas hindus e egípcias — Rá, Amon-Rá, Hórus, Osíris no Egito; Suria, Vishnu e Shiva em certas formas solares na Índia. A Lua, o céu, a terra e os ciclos da natureza também encontram correspondência divina em ambos os sistemas, criando uma teologia que funde cosmos, sociedade e poder.

Enquanto o Egito desenvolveu uma religião estatal que integrou os deuses locais ao poder central, o Hinduísmo manteve a diversidade e o regionalismo como marcas constitutivas, coexistindo com o centralismo bramânico e a rigidez da casta. Ainda assim, ambos revelam como uma religião pode não apenas refletir, mas moldar as estruturas sociais, legitimar sistemas de poder e organizar a percepção da realidade.

A compreensão do Hinduísmo moderno exige não apenas atenção à sua mitologia e prática ritual, mas, sobretudo, à forma como ele justifica e reforça relações sociais assimétricas sob a autoridade do sagrado. E isso permanece um dos aspectos mais difíceis e essenciais para quem deseja entender a complexidade dessa religião milenar.

Como a autoridade rabínica moldou o isolamento social e as contradições internas do judaísmo

A estrutura da vida judaica durante a Idade Média e além foi profundamente moldada por um sistema rígido de regras religiosas e pela autoridade incontestável dos rabinos. Esses detalhes minuciosos de conduta social e pessoal, enraizados em interpretações da Torá e do Talmude, não apenas criavam uma identidade coletiva forte, mas também fomentavam um isolamento deliberado dos judeus em relação às demais populações. Tal isolamento interessava especialmente às camadas abastadas da comunidade, pois mantinha as massas empobrecidas em estado de dependência e submissão ideológica.

Durante os primeiros séculos medievais, os judeus espalharam-se por todas as regiões do antigo Império Romano e além, estabelecendo comunidades significativas em locais como a Península Ibérica — berço dos judeus sefarditas — e, posteriormente, na Alemanha — núcleo dos judeus asquenazes. Muitos também se fixaram em regiões sob domínio do califado árabe, onde prosperaram na agricultura, artesanato, comércio e em atividades de usura. Com o aumento da estratificação social dentro das próprias comunidades judaicas, a autoridade rabínica intensificou sua opressão, principalmente sobre os mais pobres.

Como resposta a essa opressão clerical, surgiram movimentos contestatórios internos, como o dos caraítas, liderado por Anan ben David. Os caraítas rejeitavam categoricamente o Talmude e buscavam uma volta à pureza original dos ensinamentos mosaicos. Este movimento teve repercussão desde as margens do Mar Negro até a Crimeia, onde comunidades caraítas subsistem até hoje, mantendo acesa a cisão histórica com os talmudistas ortodoxos.

Paralelamente, os séculos VII a XII testemunharam uma simbiose cultural entre judeus e muçulmanos nas regiões do califado árabe, em especial no Norte da África e na Península Ibérica. A efervescência intelectual e científica muçulmana influenciou profundamente o pensamento judaico. Dois caminhos divergentes emergiram: o racionalismo e o misticismo. O racionalismo encontrou seu maior expoente em Moisés Ben Maimon (Maimônides), cuja tentativa de conciliar a fé com a ciência aristotélica foi mal recebida pelos círculos rabínicos. Maimônides reinterpretou alegoricamente os milagres bíblicos e estabeleceu os treze princípios do judaísmo, numa tentativa de depurar a religião de mandamentos excessivamente legalistas. Ainda assim, foi taxado de herético por muitos rabinos.

O outro caminho, o da Cabala, tomou força sobretudo na Espanha. De base neoplatônica e fortemente influenciado pelo sufismo islâmico, a Cabala propunha uma teologia panteísta: Deus seria uma essência infinita e incognoscível, e a única forma de aproximar-se Dele seria decifrando os segredos ocultos nas letras e números da Torá. A prática cabalística implicava em manipulações numéricas e fórmulas mágicas, e oferecia explicações teológicas para a injustiça social, alegando que o mal era apenas a casca do bem. A crença na reencarnação da alma e na presença de espíritos malignos — exorcizados por métodos de duvidosa seriedade — completava o sistema. Essas ideias não apenas conferiam um sentido esotérico à vida religiosa, mas também ajudavam a desviar o foco das contradições sociais internas.

Com o surgimento do capitalismo e da cultura burguesa europeia, o judaísmo conheceu novas expressões ideológicas que refletiam os conflitos internos da comunidade. O misticismo reapareceu com força no movimento hassídico, que surgiu entre os judeus mais pobres do Sudoeste da Rússia no século XVIII. Fundado por Israel Ben Eliezer (Besht), o hassidismo rejeitava o formalismo rabínico e enfatizava uma relação direta e emocional com Deus, alcançada através do êxtase da oração. Contudo, apenas indivíduos "santos", os tzadikim, teriam acesso a essa conexão divina. Com o tempo, surgiram dinastias hereditárias de tzadikim que, na prática, funcionavam como figuras manipuladoras, enriquecendo-se à custa dos fiéis em troca de bênçãos.

Em contrapartida, o racionalismo moderno emergiu na forma do movimento da Haskalá, sobretudo na Alemanha. Inspirado pelos ideais iluministas europeus, buscava uma ruptura com a tradição religiosa ou, ao menos, a sua liberalização. Moses Mendelssohn foi um dos nomes mais notáveis dessa corrente. Contudo, o impulso inicial da Haskalá acabou se degenerando em sionismo burguês-nacionalista, cuja proposta central era o retorno à Palestina e a criação de um Estado judaico.

A despeito dessas transformações, a vasta maioria dos judeus — especialmente os pobres, artesãos, pequenos comerciantes e membros do proletariado — continuava profundamente subordinada ao domínio espiritual dos rabinos talmúdicos. O Talmude, com suas 613 leis meticulosamente detalhadas, regulava cada aspecto da vida cotidiana. A fim de sistematizar e facilitar o acesso a essas regras, foi compilado no século XVI o Shulchan Aruch, um verdadeiro manual ritualístico. Nenhuma outra religião possui um corpo de normas tão minucioso e abrangente — um reflexo da estrutura arcaica do judaísmo tradicional.

Na prática, essas regras muitas vezes colidiam com as exigências da vida moderna. Para contornar essa rigidez, os rabinos adotavam uma postura pragmática: interpretavam as leis de forma flexível, indicavam como contorná-las sem violá-las abertamente e, não raro, prestavam esse tipo de “consultoria” mediante pagamento. O rabino não era formalmente um clérigo, mas sua autoridade se baseava na erudição e na capacidade de mediar entre a letra da lei e as necessidades práticas da comunidade, especialmente dos mais ricos. Além disso, os rabinos presidiam tribunais religiosos aos quais todo judeu era obrigado a recorrer — jamais às instâncias jurídicas do Estado.

O sistema de caridade, controlado pelas autoridades religiosas, funcionava como instrumento decisivo de contenção social. Os necessitados, em vez de se rebelarem contra a desigualdade, eram mantidos em estado de dependência moral e material, legitimando a autoridade daqueles que distribuíam os recursos segundo critérios próprios.

É fundamental compreender que essas dinâmicas não se limitam a disputas religiosas ou doutrinárias, mas revelam a estrutura de poder interna das comunidades judaicas ao longo da história. O controle simbólico e material exercido pela elite religiosa servia para manter o status quo, mesmo quando confrontado por movimentos de contestação racionalista ou místico. Assim, o judaísmo histórico, em suas múltiplas expressões, deve ser entendido não apenas como um sistema de crenças, mas como um espaço de conflito ideológico e social profundamente enraizado na realidade concreta das suas comunidades.

Como o Islã Refletiu as Necessidades Sociais e Econômicas dos Árabes Antigos

O movimento muçulmano, ao seu surgimento, refletia as complexas necessidades de uma sociedade árabe marcada pela luta entre a urbanização crescente e as tradições nômades. O Islã, como doutrina, surgiu de uma base de tensões econômicas, sociais e religiosas que uniam, ao mesmo tempo, os interesses de nômades árabes e de comerciantes urbanos. A obra de Engels, ao discutir essa dualidade, revela a tentativa do Islã de conciliar as diferentes classes e culturas que coexistiam entre os árabes: a dos comerciantes e urbanos, por um lado, e a dos beduínos nômades, por outro.

Apesar de sua fundação em um período de incertezas e conquistas territoriais, o Islã logo encontrou seus fundamentos doutrinários principais na figura do profeta Muhammad e no Alcorão, ainda que este último tivesse um caráter fragmentado e, em muitos aspectos, caótico. A simplicidade de sua mensagem, ao contrário da complexidade das religiões anteriores, tornou o Islã uma fé acessível, com princípios diretos e fáceis de seguir. A crença central, a de que há apenas um Deus, Allah, e que Muhammad é seu último profeta, era uma proposição que tornava a nova religião altamente atrativa para um público que precisava de respostas rápidas para suas dificuldades diárias.

O Alcorão, em suas passagens, resume os pontos principais do Islã: a unicidade de Deus, a superioridade de Muhammad sobre outros profetas e a existência de um destino divino para cada ser humano. Este último conceito, do predestino, onde a sorte de cada pessoa já foi determinada por Allah, ajuda a explicar o pragmatismo da moral islâmica: a vida é uma série de ações que determinarão, no fim dos tempos, se uma pessoa será recompensada com a entrada no Paraíso ou punida no Inferno. A justiça divina no Islã se expressa por uma ideia simples, mas potente: cada ato humano tem consequências eternas.

Os rituais islâmicos, igualmente simples e diretos, são um reflexo dessa visão de mundo. As cinco orações diárias, o jejum durante o mês do Ramadã, a peregrinação a Meca e o pagamento da Zakat (imposto religioso destinado aos pobres) são práticas essenciais que enfatizam a disciplina pessoal e o cuidado com a comunidade. O jejum, por exemplo, embora severo em sua abstenção do alimento e da bebida durante o dia, é uma prática que pode ser ajustada conforme as necessidades do indivíduo, como no caso de enfermos ou viajantes. A flexibilidade do Islã em adaptar suas práticas às circunstâncias de vida dos fiéis é um aspecto importante de sua propagação, tornando a religião acessível para diversos grupos sociais e econômicos.

Porém, não é apenas a simplicidade das crenças e rituais que caracteriza o Islã. Sua visão sobre a guerra e a expansão territorial, especialmente no conceito de Jihad, também é significativa. Jihad, frequentemente entendido de forma limitada como "guerra santa", tem, no entanto, uma interpretação mais ampla e complexa dentro do Alcorão. Em sua essência, a luta pela fé não se limita a uma questão de beligerância física, mas se relaciona com a defesa da crença contra aqueles que são vistos como infiéis ou inimigos da verdadeira fé. No entanto, ao longo dos séculos, estudiosos muçulmanos propuseram interpretações mais moderadas desse conceito, distantes da visão mais radical de fanatismo que, em certas épocas, acompanhou a expansão do Islã.

Os princípios éticos do Islã, por outro lado, são bem mais simples do que os de outras religiões monoteístas. A moral muçulmana exige justiça, generosidade, a ajuda ao pobre e o retribuir o bem com o bem. Em contraste com o Cristianismo, que pode apresentar normas éticas complexas e desafiadoras, o Islã oferece um conjunto de princípios mais pragmáticos e acessíveis, o que facilita sua adesão por uma vasta gama de pessoas, de diferentes contextos.

Além disso, a visão islâmica sobre as mulheres, embora influenciada por normas patriarcais, trouxe avanços em relação à posição da mulher na sociedade árabe pré-islâmica. O Alcorão reconheceu direitos civis e de propriedade para as mulheres, como o direito ao dote e à herança, embora sua posição social ainda fosse subordinada à do homem. Esse ponto reflete a tentativa do Islã de equilibrar as estruturas patriarcais da sociedade árabe com o novo sistema religioso, no qual as mulheres, embora não iguais aos homens em muitos aspectos, tinham garantidos certos direitos.

No campo econômico, o Islã fez importantes distinções, como a proibição da usura, uma prática que era comum entre os comerciantes da época e que causava grandes dificuldades para os camponeses e nômades. A religião estabeleceu uma visão moral sobre os lucros do comércio, defendendo o direito à propriedade privada, mas também buscando reduzir as desigualdades mais extremas que resultavam da exploração financeira.

Esses elementos fundamentais do Islã não surgiram do nada, mas foram moldados por um contexto social, econômico e político específico. O Islã, em sua fase inicial, foi uma resposta direta às dificuldades enfrentadas pelas tribos nômades e pelos comerciantes árabes que precisavam de uma ordem social mais coesa, capaz de trazer estabilidade e prosperidade. A religião ofereceu uma estrutura simples, mas eficaz, para resolver questões morais e sociais, além de fornecer uma explicação para a desigualdade natural entre os homens.

O sucesso do Islã entre os árabes foi, portanto, uma combinação da simplicidade de sua mensagem, da adequação de seus rituais e da clareza de suas explicações sobre o destino humano e o papel da fé. A expansão territorial do Islã, que se seguiu à morte de Muhammad, pode ser compreendida, em parte, como um reflexo de uma necessidade mais ampla das tribos árabes de conquistar novas terras e riquezas. As promessas do Islã de recompensa no Além e a possibilidade de riquezas na Terra foram poderosos motores de seu crescimento rápido e duradouro.