A filosofia da Ilustração, com suas aspirações morais e políticas, está fundamentada na ideia de que existem direitos humanos universais, que os governos devem ser instituídos para proteger esses direitos, e que a sabedoria e a virtude são princípios objetivos. Ao mesmo tempo, ela sustenta que somos responsáveis pelos nossos próprios erros e ignorância. No entanto, um dos maiores desafios apresentados por essa tradição está no conceito de infantilização e na ausência de responsabilidade, particularmente em relação àqueles que foram excluídos da comunidade política: as mulheres e os escravizados. Este fenômeno, enraizado na longa tradição filosófica grega, gerou uma hierarquia de status moral e intelectual, tratando os excluídos como "idiotas" ou seres de razão inferior. A crítica a essa visão não surge apenas como uma reivindicação de direitos iguais, mas como uma contestação da própria estrutura de poder que permite a perpetuação da ignorância e da opressão.

Na filosofia grega, especialmente em Platão e Aristóteles, o conceito de “idiotes” (ou privado) designava aqueles que não eram vistos como plenos cidadãos, com o direito de participar da política ou da vida pública. Para Aristóteles, mulheres e escravizados eram considerados inferiores pela sua suposta falta de razão, uma concepção que justificava sua exclusão do processo político e da cidadania plena. Essa visão filosófica proporcionava uma estrutura de poder onde os tiranos, ao governarem sobre os "idiotas", gozavam de uma forma privilegiada de impunidade. Mulheres e escravizados, em sua posição subalterna, não tinham acesso à justiça pública, e os tiranos se viam livres de qualquer tipo de responsabilização, podendo agir com violência e crueldade sem temer consequências.

Esse sistema de exclusão e impunidade persistiu durante séculos no Ocidente, até que, há pouco mais de cem anos, a escravidão foi abolida e as mulheres conquistaram direitos políticos, como o direito de votar e participar ativamente da vida pública. No entanto, a crítica à tradição filosófica não se limita à denúncia da injustiça explícita contra esses grupos. Há um debate sobre a natureza da responsabilidade e da autonomia dos indivíduos. Mesmo em um sistema democrático, o problema da irresponsabilidade persiste de maneira sutil, com as massas sendo muitas vezes manipuladas e sendo capazes de apoiar líderes autoritários ou tiranos.

A crítica de Platão e Aristóteles à democracia, ao temer que ela se transformasse em "governo da massa de idiotas", é particularmente relevante quando refletimos sobre a política contemporânea. A incapacidade das massas de discernir sabedoria de manipulação, frequentemente facilitada por discursos populistas e demagógicos, é um reflexo da ausência de responsabilidade em muitos sistemas democráticos. Platão, por exemplo, argumentava que a democracia se tornava vulnerável ao apoio de "morons", ou pessoas incapazes de agir com razão, que, ao serem seduzidas por mentiras e promessas de poder, ajudavam a consolidar regimes autoritários.

Ainda assim, a solução proposta por Platão — a aristocracia, ou governo dos mais sábios — não se mostra viável em tempos modernos, especialmente em sociedades que se orgulham de seu compromisso com a igualdade e a inclusão. O desafio contemporâneo está em conciliar a liberdade de participação com a necessidade de garantir que os cidadãos tenham a responsabilidade e o discernimento necessários para não apoiar líderes tirânicos ou destrutivos. A democracia, com sua ênfase na participação inclusiva, não pode, porém, ignorar o fato de que nem todos os participantes são igualmente responsáveis ou informados.

Portanto, a educação emerge como um ponto chave nesse processo. Para que uma democracia funcione de maneira saudável, é crucial que os cidadãos sejam educados não apenas em termos de conhecimento técnico, mas também em virtude e discernimento moral. Não se trata apenas de ensinar a ler ou escrever, mas de desenvolver a capacidade crítica de questionar, de avaliar o que é justo e verdadeiro, para que a manipulação de massas se torne menos provável. Um sistema democrático sem educação suficiente para todos seus cidadãos pode se tornar um terreno fértil para a ascensão de líderes autoritários, cuja legitimidade pode vir justamente do apoio popular de pessoas que se mostram incapazes de distinguir a verdade da mentira.

A tentativa de prevenir essa "infantilização" da política, por meio de controles como testes de alfabetização ou educação cívica obrigatória, embora bem-intencionada, também levanta questões complexas. Tais abordagens podem facilmente se tornar discriminatórias e antidemocráticas, criando novos sistemas de exclusão ao invés de corrigir as falhas do sistema anterior. A verdadeira resposta está em promover uma educação democrática e inclusiva que permita que todos os cidadãos participem plenamente, mas que ao mesmo tempo os torne responsáveis por suas escolhas, conscientes de suas implicações para a sociedade como um todo.

Em última instância, a filosofia da Ilustração nos deixa com uma lição fundamental: a liberdade e a igualdade são cruciais, mas elas devem vir acompanhadas de responsabilidade. A democracia não pode ser uma desculpa para a ignorância coletiva ou para a irresponsabilidade. A verdadeira liberdade política se encontra em um equilíbrio entre a participação inclusiva e a capacidade de todos os cidadãos de agir com sabedoria, discernimento e virtude.

A Estupidez do Tolo e a Mente Humana: Reflexões sobre o Ignorante e o Iludido na Democracia

De acordo com Locke, os idiotas (e os lunáticos) são como crianças, pois as crianças estão sujeitas à autoridade dos pais: "Lunáticos e idiotas nunca são libertados da governança de seus pais". Este é, no entanto, um caso raro e lamentável. As crianças normais crescem, desenvolvem a capacidade de raciocinar, aprendem sobre moralidade e a lei natural, e eventualmente são capazes de autogoverno. O problema para a democracia são aqueles que se recusam a amadurecer, que abraçam a infantilização e falham em realizar seu potencial de sabedoria, autonomia e virtude. Pessoas com deficiência cognitiva orgânica devem ser mantidas sob a "tutela e governo de outros", como coloca Locke. Mas além desse pequeno subconjunto, todos os outros devem ser "libertados" (usando a linguagem de Locke) para participar do governo democrático tal como é estruturado sob o contrato social.

Kant também discute o que chama de "derranjo mental" como algo que exige confinamento em um manicomio. Ele fornece uma descrição detalhada de vários tipos de deficiência mental, refletindo a frieza do Iluminismo. Kant considera a "idiotice" como "deficiência mental completa", dizendo: "não pode ser chamada de doença da alma; antes, é a ausência de alma". Ele observa que tolos meros não pertencem a um manicomio, pois o manicomio é um lugar para confinar aqueles que precisam ser "mantidos em ordem pela razão de outra pessoa". Pessoas estúpidas — segundo Kant e Locke — podem governar a si mesmas o suficiente para viver livremente. Mas surge a dúvida: esses tolos devem ser autorizados a votar e a participar do autogoverno? Para Locke, o requisito para tal participação é a maturidade da razão, que Kant explica ainda mais como autonomia racional. Para ambos os pensadores, a chave é ser capaz de conhecer e entender a lei moral, a lei da natureza e a natureza da liberdade.

A tradição liberal-democrática assume que a maioria dos seres humanos pode se tornar livre e autônoma, ou seja, que não estamos condenados a sermos idiotas sem razão e virtude. Kant, Locke e outros dentro dessa tradição limitaram o escopo da humanidade de maneiras que já não podemos mais aceitar. Eles não acreditavam que mulheres e pessoas não brancas fossem capazes de alcançar o nível de maturidade necessário para o autogoverno e a participação democrática. No entanto, fizemos considerável progresso nos últimos séculos. Mas esse progresso depende da crença de que seres humanos, em toda a nossa fascinante diversidade, são capazes de sabedoria, virtude e autonomia. A cidadania liberal-democrática depende da crença de que podemos superar a parcialidade, o viés e a irracionalidade. Ela repousa sobre uma fé democrática na natureza humana, que assume que somos capazes de iluminação e que devemos desejar ser iluminados.

A ignorância e a grande mentira

Chamar alguém de "moron" é admitir que muitas vezes falhamos em sermos pensadores críticos e autoconscientes. Um "moron" não é apenas estúpido ou burro. O problema não é uma incapacidade literal de pensar, mas sim o fato de que eles falham em empregar suas faculdades críticas de diversas maneiras. São ignorantes, analfabetos e incapazes de lidar com números. Podemos descrever de várias outras formas o que falta no pensamento de um "moron", mas essas palavras bastam. Vamos começar pela ignorância. Alguém ignorante não é simplesmente incapaz de pensar. O problema é que seu pensamento é limitado. Às vezes, essa limitação é autoimposta, porque o "moron" não está disposto a questionar ou desafiar crenças profundamente arraigadas. Essa ignorância voluntária explica uma série de outros males. Racistas que insistem em estereótipos, apesar das evidências contrárias, são ignorantes de forma deliberada. Pessoas supersticiosas que se recusam a considerar objeções críticas às suas superstições também o são. E partidaristas políticos que permanecem leais a um partido, um candidato ou uma identidade nacional, apesar das evidências de corrupção e maldade, são igualmente ignorantes de forma voluntária. Essa ignorância voluntária é típica do bajulador: o bajulador deveria saber melhor, mas escolhe deliberadamente afirmar mentiras por motivos partidários.

Há um problema relacionado, mas menos grave, que podemos chamar de "ignorância não cultivada". Ao contrário da ignorância voluntária, a ignorância não cultivada não é uma escolha deliberada. Ao invés disso, é a ignorância de quem não teve acesso à educação, que nunca foi exposto a certas ideias críticas. Podemos imaginar, por exemplo, um jovem que cresceu em uma sociedade racista. Essa pessoa acredita, por exemplo, que os brancos são superiores aos negros. Mas nunca conheceu uma pessoa negra. Também nunca encontrou um livro ou um educador que desafiasse seu racismo. Um cenário semelhante pode ser imaginado em relação ao sexismo, à crença religiosa, à ideologia política e assim por diante. O ignorante não cultivado nunca foi exposto a ideias ou experiências que desafiem sua ignorância. Em certo sentido, não podemos culpar o ignorante não cultivado por sua falta de educação. Mas se, ao descobrir novas evidências e ideias que desafiam suas crenças, ele escolhe negar ou desacreditar o que descobriu, ele passa a se tornar voluntariamente ignorante. Com o ignorante não cultivado, uma resposta razoável seria compaixão, acompanhada de um esforço para corrigir sua ignorância. Mas embora possamos entender os mecanismos psicológicos e sociais de alguém que permanece em negação diante de evidências contrárias, a ignorância voluntária não é desculpável. Quanto à ignorância voluntária, podemos dizer que essas pessoas deveriam ter sabido melhor ou deveriam ter rejeitado sua ignorância anterior. Os seres humanos devem crescer, buscar sabedoria e questionar suas próprias crenças.

Uma tipologia surge então, baseada na diferença entre ignorância voluntária e ignorância não cultivada. A "multa idiota" é composta principalmente por ignorantes não educados, enquanto a classe dos bajuladores é formada pelos ignorantes voluntários. Haverá sobreposição entre essas categorias, dependendo do grau de ignorância, da profundidade da corrupção de uma pessoa e da seriedade de sua crença em mentiras, falsidades e tolices. Mas, em ambos os casos, o problema é a distância da verdade e o mal funcionamento de virtudes como honestidade, sinceridade e integridade. Poderíamos acrescentar que o tirano também pode ser localizado nessa tipologia, como uma pessoa para quem a verdade simplesmente não importa. O tirano mantém que o que importa é seu próprio poder e personalidade. Ele parece acreditar que a verdade não existe ou que a verdade é simplesmente o que ele diz que é.

Este processo de afastamento da verdade é ainda mais perigoso quando é combinado com a mentira monumental — o conceito de "grande mentira" descrito por Hitler em Mein Kampf. Ele explica o poder que as mentiras enormes e desavergonhadas têm sobre as massas. As massas falham em imaginar que mentiras de tal magnitude sejam, de fato, mentiras. Quando uma mentira é declarada com audácia por aqueles que estão no poder, as massas simplesmente dão de ombros e dizem: "bem, talvez...". Isso não significa que acreditem em cada parte da mentira. Pelo contrário, essas mentiras imensas deixam um resíduo nas mentes das massas, causando dúvida e desconfiança, ao mesmo tempo em que as massas acabam por recorrer à fé. O resultado paradoxal da grande mentira é que, quando as massas são encorajadas a duvidar das evidências sensoriais e dos testemunhos dos "especialistas", elas acabam simplesmente acreditando no que for mais conveniente. O desprezo pelas evidências e o simples desejo de crer se tornam a base de teorias da conspiração e cultos da personalidade, criando uma situação de estupidez em que a verdade se torna irrelevante.

Como a Vigilância e a Amizade Virtuosa Moldam o Papel do Cidadão-Filósofo na Resistência ao Autoritarismo

A fidelidade à lei e a obediência ao Estado apresentam complexidades que desafiam respostas simples. No mundo democrático moderno, aprendemos a sabedoria da desobediência civil não violenta, exemplificada por figuras como Thoreau, Gandhi e King. Essa forma de resistência, fundamentada na fidelidade à lei e na amizade platônica, age como um “mosquito”, instigando vigilância, responsabilidade e virtude, sem transformar o adversário em inimigo a ser destruído.

A amizade virtuosa exige honestidade e coragem para confrontar o erro, não com a intenção de autopromoção, mas para buscar a melhoria coletiva. A virtude envolve vigilância constante, evitando ignorância, estupidez e cumplicidade. O problema da cumplicidade é profundo em ambientes dominados por tiranos e seus lacaios. O tirano necessita cúmplices, mas cúmplices jamais são amigos. Ao contrário, acompanham e legitimam suas ações desonrosas. O sicofanta, que sabe melhor, escolhe conscientemente afirmar falsidades, comprometendo sua integridade.

Por outro lado, a massa ignorante enfrenta dificuldades maiores para discernir a verdade, pois falta-lhe acesso e conhecimento especializado, além de ser bombardeada por narrativas conflitantes e desinformação. Em contextos de manipulação, como acusações de fraudes eleitorais, o cidadão comum deve fazer um salto de fé para confiar nas autoridades e especialistas. Esse salto, porém, pode ser cego e irrefletido, ou motivado pelo ego e preconceitos, tornando-se também um ato de estupidez.

A prudência exige que esse salto de fé seja acompanhado de vigilância crítica: analisar evidências, buscar múltiplos pontos de vista e reconhecer humildemente as próprias limitações e ignorâncias. Essa combinação de modéstia e atenção protege contra a autoenganação e a cumplicidade passiva. Contudo, o ideal do cidadão-filósofo permanece um horizonte a ser perseguido num mundo trágico e imperfeito. A luta contra a tirania e a ignorância é contínua, limitada pela história e pela biografia de cada um.

O pensamento de Camus ilumina essa condição trágica da existência política. Sua crítica severa ao totalitarismo conclui numa convocação à rebelião e à solidariedade humana, sem renunciar à crítica da violência e à esperança na vitória da verdade sobre a falsidade. Para Camus, o silêncio favorece a tirania, que se sustenta na censura, na propaganda e no isolamento dos indivíduos. Por isso, recusar o silêncio é construir solidariedade a partir da solidão. O “mosquito” da resistência é o artista, o intelectual, o jornalista, que unem as pessoas contra a separação imposta pelo poder opressor.

A resistência é árdua e perigosa, um esforço que se renova perpetuamente, pois a história apresenta repetidamente pragas, tiranos e multidões manipuladas. Poucos conseguem sair ilesos desse combate. Camus, em sua obra “A Peste”, enfatiza a vigilância constante contra a cumplicidade, pois o mal não está apenas no tirano, mas em todos nós. A saúde moral é fruto da vontade humana e da vigilância que não pode vacilar, sendo o indivíduo virtuoso aquele que minimiza suas falhas de atenção.

Essa ideia fundamenta o conceito do cidadão-filósofo, que pode ser também cidadão-artista, jornalista ou profissional ético. O compromisso é permanecer vigilante, recusar o silêncio e agir para proteger as vítimas e evitar a cumplicidade sempre que possível. O exemplo histórico de Le Chambon-sur-Lignon, onde pastores e comunidades resistiram ao nazismo salvando judeus, ilustra como a solidariedade e a coragem se manifestam na prática.

Importante compreender que a vigilância e a virtude não garantem a erradicação completa da tirania ou da ignorância, mas promovem uma melhoria contínua, um processo interminável de aperfeiçoamento moral e político. A resistência ética demanda humildade para reconhecer as próprias falhas, coragem para denunciar o erro e sabedoria para navegar nas complexas verdades do mundo. O cidadão-filósofo não é um ser perfeito, mas alguém empenhado em superar as tendências para a estupidez, a bajulação e a tirania que habitam em cada um, buscando justiça, verdade, coragem e autocontrole como guias para sua atuação.

Qual o Papel da Educação na Construção de Cidadãos Filosóficos e na Luta Contra a Tirania?

A educação pública, em sua essência, é uma das principais bases para a governança legítima, como afirmava Rousseau ao defender que, em uma sociedade moderna, deveria estar profundamente ancorada no princípio da igualdade. Ele acreditava que, ao ser ensinada desde a infância, a educação deveria cultivar uma harmonia entre os cidadãos, ajudando-os a respeitar as leis do Estado e os princípios da vontade geral. Nessa perspectiva, a educação pública seria o alicerce que formaria cidadãos conscientes de seu papel na sociedade e comprometidos com o bem-estar coletivo.

Rousseau imaginava uma sociedade em que todos os indivíduos, educados em igualdade, se vissem como irmãos, com um profundo respeito pelo contrato social. A proposta de Rousseau geraria uma transformação social, na qual o cidadão não apenas obedeceria às leis, mas compreenderia os princípios que as fundamentam, sendo capaz de discernir o que é justo e o que não é. Esse entendimento mais profundo é vital para que um cidadão possa ser genuinamente moral e racional em suas ações, não apenas obedecer às normas sem reflexão.

As ideias de Rousseau sobre educação como instrumento de emancipação e de criação de um novo modelo de cidadania influenciaram pensadores posteriores que advogaram pela educação universal e pela eliminação das formas de opressão. Pensadores como Immanuel Kant, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e outros fundadores americanos viam a educação como uma chave para a liberdade e a não conformidade, com o objetivo de promover uma maior democratização da vida. Este movimento, iniciado no Iluminismo, reivindicava a educação de mulheres, de pessoas empobrecidas e até mesmo de ex-escravizados, ampliando o alcance do conhecimento para os que antes estavam excluídos do acesso à formação intelectual.

O trabalho de figuras como Catharine Macaulay e Mary Wollstonecraft exemplifica essa mudança de mentalidade. Macaulay, por exemplo, questionava o sistema educacional que priorizava a obediência cega, condenando a punição corporal e a dominação masculina, que ela via como uma forma de escravidão disfarçada. A educação, para ela, não deveria ser apenas um meio de submissão, mas sim uma ferramenta para cultivar a sabedoria ativa, aquela necessária para a cooperação e o progresso social. Ela alertava que a educação voltada apenas para a obediência, sem uma formação filosófica, seria insuficiente para promover uma sociedade mais justa.

Wollstonecraft, por sua vez, também refletiu sobre como a tirania social se refletia na educação das mulheres, que eram educadas para a submissão. Ela advertia que a educação voltada para a obediência, sem reflexão crítica, gerava uma sociedade de medo e subordinação, perpetuando injustiças. Para ela, a solução estava em uma educação mais inclusiva e compassiva, onde todos, independentemente do sexo ou da classe social, tivessem acesso a uma formação que promovesse a virtude pública e a capacidade crítica.

Já no século XX, o conceito de uma educação democrática e formadora de cidadãos filósofos continuou a ser desenvolvido por autores como John Dewey, Paulo Freire e Nel Noddings. Dewey, em particular, criticava a visão tradicional de educação que visava apenas a criação de cidadãos obedientes, sacrificando suas liberdades em nome da "eficiência social". Para ele, a educação para a democracia deveria formar cidadãos que não fossem distantes das questões do cotidiano nem submissos ao sistema, mas que estivessem profundamente envolvidos com o pensamento crítico e a participação ativa na sociedade.

Paulo Freire foi ainda mais longe, ao propor uma pedagogia libertadora, que se opusesse ao ensino como mera doutrinação. Para Freire, a educação deveria cultivar a autonomia crítica dos estudantes, ajudando-os a desenvolver a capacidade de pensar de maneira independente, questionar as estruturas de poder e atuar para transformar a realidade social. A pedagogia de Freire reforça a ideia de que a verdadeira educação democrática não é aquela que ensina os indivíduos a se conformarem com a ordem estabelecida, mas aquela que lhes dá as ferramentas para resistir à opressão e construir uma sociedade mais justa.

Nel Noddings, em sua obra mais recente, também enfatiza a importância do pensamento crítico e da deliberação democrática, especialmente em contextos de multiculturalismo e polarização. Ela critica o ensino patriótico que visa simplesmente fazer com que os cidadãos se conformem à tradição política, e propõe uma educação que promova o respeito mútuo e o entendimento profundo das diferenças sociais e culturais. A educação democrática, para Noddings, deve formar cidadãos que não apenas cumpram os procedimentos formais de uma democracia, mas que compreendam e valorizem os princípios fundamentais que sustentam a convivência democrática.

Em suma, a educação proposta por esses pensadores não visa apenas o aprendizado de regras ou a conformidade com a autoridade. Ela busca formar cidadãos críticos, filosóficos, que possuam a sabedoria ativa necessária para resistir à tirania, defender a liberdade e contribuir para o bem-estar coletivo. Uma educação verdadeira deve ser capaz de transformar os indivíduos em participantes ativos na construção de uma sociedade justa e igualitária.