A aversão ao diferente, o nojo visceral diante do “estrangeiro” e a obsessão pela pureza são emoções profundas que, muitas vezes, transcendem argumentos racionais. Nos discursos de defensores de Trump, há um padrão claro de repulsa moral – um instinto de defesa que interpreta o outro como sujo, perigoso ou contaminante. A retórica de Trump sobre o coronavírus como “vírus chinês” ou as falas de Tucker Carlson sobre imigrantes tornarem os EUA “mais sujos” não são meros lapsos de linguagem, mas manifestações explícitas de um código moral baseado na pureza e na rejeição.

Essa sensibilidade moral é uma das engrenagens do apoio inabalável ao muro na fronteira e à ideia de fechamento físico e simbólico diante do exterior. O estranho, o invasor, ameaça não apenas a segurança, mas a integridade moral de uma comunidade que se percebe como pura. O apoio ao muro não é apenas político; é também emocional, uma barreira contra o nojo, uma purificação simbólica do espaço nacional.

Mas as motivações não se limitam ao nojo. O psicólogo Shalom Schwartz propôs um mapa circular de valores humanos, onde de um lado estão a autodireção, a estimulação, a criatividade e a liberdade, e do outro, a conformidade, a tradição e a segurança. Valores como segurança, tradição e obediência tendem a se correlacionar com posições conservadoras, enquanto liberdade e criatividade se alinham mais à mentalidade liberal.

Contudo, ao se examinar os apoiadores mais intensos de Trump, a correlação com os valores tradicionalmente conservadores torna-se instável. Trump, por si só, é a negação da humildade e da obediência. Sua figura é grandiosa, dominadora, quase teatral. Seus seguidores parecem refletir essa imagem, preferindo o valor da segurança acima da conformidade ou da tradição. Eles não necessariamente obedecem a normas — obedecem a um líder que promete proteção e enfrenta o inimigo externo. A liberdade que valorizam não é uma liberdade abstrata, mas uma liberdade de reagir contra aquilo que percebem como ameaça: imigração, diversidade, mudanças culturais.

Há também um elemento psicológico mais difícil de ignorar: o ressentimento. Trump, com sua riqueza absurda, seus palácios banhados em ouro, seus clubes exclusivos, não se encaixa na imagem do homem comum. Nunca trabalhou manualmente, não serviu no exército, e vive cercado de luxos que poucos sequer conseguem imaginar. Ainda assim, é reverenciado por uma base que, supostamente, despreza elites urbanas, educadas e ricas.

Essa contradição só pode ser compreendida quando se percebe que o ressentimento não é dirigido necessariamente à riqueza ou ao privilégio, mas sim à ideologia percebida como liberal e às elites que defendem abertura, diversidade e inclusão. Trump pode ser rico, mas não é “um deles”. Ele não é um liberal; é um combatente contra o que seus seguidores percebem como fraqueza — a tolerância ao outro, o multiculturalismo, a valorização da diferença.

Esse ressentimento é semelhante ao que a cientista política Katherine Cramer documentou entre os habitantes rurais de Wisconsin: uma aversão visceral aos burocratas da capital, aos moradores urbanos vistos como preguiçosos, aos professores universitários considerados distantes e arrogantes. Esses sentimentos não são apenas econômicos ou sociais, mas morais. Eles se voltam contra os que são percebidos como indignos — aqueles que não trabalham duro, que se acham superiores, que não se misturam com “gente real”.

A identificação com Trump se dá, portanto, não apesar de sua fortuna e status, mas por causa de sua postura agressiva contra o establishment liberal. Se Trump defendesse políticas progressistas, seria visto como traidor e alvo desse mesmo ressentimento. É sua postura combativa, de vigilância contra ameaças externas e internas, que o torna símbolo de resistência para muitos — não sua origem, seu estilo de vida ou sua classe.

A conclusão inevitável é que os elementos que impulsionam o apoio incondicional a Trump são profundamente morais e emocionais. Eles se ancoram no valor da segurança, na repulsa ao diferente, na resistência à mudança, e num ressentimento cultivado contra tudo aquilo que representa complexidade, diversidade e ambiguidade. Trata-se de um ethos securitário que vê no mundo uma série de perigos e no líder forte o único escudo possível.

Essa análise exige uma compreensão adicional. A adesão fervorosa a figuras autoritárias não é incoerente com os valores proclamados pelos seus seguidores; ao contrário, revela que esses valores são muitas vezes reconfigurados em torno de um eixo emocional — medo, nojo, ressentimento. Não se trata de defender coerência, mas de satisfazer impulsos psico-sociais profundos. O ressentimento se ancora menos na realidade objetiva do outro, e mais na fantasia construída sobre quem é o inimigo. Assim, Trump torna-se um espelho invertido da elite que seus seguidores desprezam — igualmente poderoso, mas não moralmente aliado a ela. Isso basta para que ele seja visto como “um dos nossos”.

Como a Política de Trump Moldou a Psicologia de Seus Seguidores: Uma Análise Profunda

Os comícios de Donald Trump são eventos reveladores, não apenas pela retórica inflamante do próprio presidente, mas também pelas reações e sentimentos de seus apoiadores. Em uma reunião política, o público parecia representar uma ampla gama de pessoas, com um número surpreendente de mulheres e jovens presentes, embora, curiosamente, nenhum indivíduo de origem não branca fosse visível. Este fato, embora trivial à primeira vista, revela algo essencial sobre a base de apoio de Trump: sua habilidade em atrair uma representação específica da sociedade americana, essencialmente composta por um segmento de pessoas brancas, muitas das quais compartilham de uma visão política conservadora, focada em temas como imigração, segurança nacional e o papel do governo na economia.

O comício de Trump, como é de costume, foi uma exibição de confiança e polarização. Suas palavras frequentemente tocavam em temas como o crescimento da economia, os cortes de impostos e as nomeações de juízes conservadores, mas foram as críticas contundentes à imigração e ao que ele chamou de "invasão" de estrangeiros que dominaram os debates. A figura de Trump aparece não apenas como um político, mas como um defensor vigoroso de uma visão mais estreita e protetora da identidade nacional americana. Sua crítica aos "caravanas" de imigrantes e à imigração ilegal foi incansável, sempre destacando a suposta ameaça de uma violação das fronteiras do país e a necessidade urgente de ação para proteger os cidadãos norte-americanos.

Entre os frequentadores do evento, o consenso era claro: a política de Trump de "colocar a América em primeiro lugar" era não apenas eficaz, mas essencial para garantir a sobrevivência do país. Não importava a complexidade dos detalhes, mas sim a mensagem de segurança e preservação de uma forma de vida ameaçada. Essa mensagem encontrou ressonância em um público que via a administração anterior, e seus líderes, como fracos e incapazes de proteger os interesses do país. A virulência das críticas aos opositores políticos, especialmente a Hillary Clinton e aos Democratas em geral, criou um ambiente de profunda hostilidade, onde qualquer mención à oposição era vista com desdém, muitas vezes acompanhada de gritos de "trancar ela".

Ao longo de sua fala, Trump conseguiu manter seu público em um estado de euforia, sempre reafirmando que as mudanças promovidas por ele eram vitais para o futuro do país. O fato de seus seguidores não apenas tolerarem, mas aplaudirem essa visão, é um fenômeno sociopolítico fascinante. Mais do que uma simples afeição por um líder, muitos pareciam ver em Trump um salvador, alguém que ousava dizer as coisas que eles mesmos sentiam, mas que não tinham coragem de expressar. Sua linguagem política, repleta de termos como "tough" (duro) e "weak" (fraco), transmitia a ideia de um mundo dividido entre os fortes, como ele, e os fracos, como seus adversários.

Essa divisão não se restringe a um simples desacordo político. É, de fato, uma divisão profunda e fundamental na sociedade americana, em que os valores e visões de mundo são tão distintos que chegam a parecer incompreensíveis para quem não compartilha da mesma perspectiva. O que foi mais revelador, no entanto, não foram as observações dos participantes do comício, mas a reação dos meus colegas acadêmicos ao saberem que eu havia participado de tal evento. Em suas perguntas e incredulidade, refletiu-se uma desconexão completa entre os mundos político e social que muitos americanos habitam. Para eles, a ideia de alguém apoiar Trump parecia absurda e até repulsiva, o que evidencia o grau de polarização que a política americana atingiu.

Essa falta de entendimento entre os lados políticos não é apenas uma questão de desinformação ou falta de empatia. Ela reflete uma falha mais profunda na forma como interpretamos as motivações do outro. A maioria dos americanos, como eu, não é apoiadora de Trump, mas como cientista social, meu trabalho não é julgar ou condenar, mas sim entender as dinâmicas sociais que moldam esses comportamentos. O que está em jogo, portanto, não é a análise do que está "certo" ou "errado", mas a busca por compreender os mecanismos que alimentam essa polarização crescente. O fenômeno Trump, por mais que seja incompreensível para muitos, possui uma lógica interna que responde a uma série de anseios e medos profundamente enraizados na sociedade americana.

É essencial reconhecer que, para muitos dos apoiadores de Trump, ele representa mais do que um simples líder político. Ele é a encarnação de uma resposta visceral aos medos e inseguranças de um mundo em constante mudança. Quando Trump fala sobre a "ameaça" representada pelos imigrantes ou pelas políticas progressistas, ele está tocando em medos existenciais que muitos de seus seguidores sentem, mas que, até o momento, não encontram outras formas de articular. Sua retórica se baseia em simplificações que fazem o mundo parecer mais compreensível: há bons e maus, americanos e estrangeiros, fortes e fracos.

Além disso, é importante entender que a base de apoio de Trump não se limita apenas a uma questão de política imigratória ou segurança. Ela se estende para uma visão mais ampla de um país em declínio, onde as elites políticas e culturais são vistas como responsáveis pela perda de valores e oportunidades. Trump, com sua retórica agressiva e anti-establishment, oferece uma fuga dessa percepção de decadência, prometendo restaurar uma América perdida. O fenômeno Trump, portanto, deve ser entendido não apenas como uma reação a políticas específicas, mas como uma manifestação de um grande descontentamento com o status quo, um descontentamento que transcende questões ideológicas tradicionais.

Como a Agressividade e a Autoridade se Manifestam nas Preferências Políticas?

A pesquisa sobre a personalidade autoritária e suas relações com atitudes políticas sugere que as tendências comportamentais de um indivíduo não podem ser reduzidas apenas à adesão a ideologias políticas específicas. Ao invés disso, um foco mais amplo nas atitudes sobre temas como agressividade e criação de filhos pode fornecer insights importantes sobre como a personalidade autoritária se manifesta, especialmente no contexto de diferentes orientações políticas.

Quando se examina a questão da agressividade, por exemplo, é fundamental perceber que não se trata apenas de uma questão de apatia ou tendência à violência explícita. Em vez disso, as manifestações de agressividade podem ser sutis e variar dependendo de como o indivíduo percebe os outros – se como "internos" (aqueles que compartilham suas crenças e valores) ou "externos" (aqueles vistos como ameaças ou opositores). A diferença de respostas entre os grupos políticos é significativa aqui: por exemplo, as pessoas que se identificam com a direita política tendem a ser mais agressivas, mas as atitudes variam de acordo com o contexto sociopolítico. Aqueles que veneram figuras como Donald Trump, por exemplo, podem exibir comportamentos agressivos, mas não necessariamente mais do que os conservadores que não compartilham da mesma veneração. Essa diferença, embora interessante, não parece ser substancial o suficiente para estabelecer uma distinção clara entre as duas correntes dentro da direita política.

As atitudes sobre o comportamento agressivo, como se envolver em brigas físicas ou perder a calma em discussões, são mais prevalentes entre conservadores, com uma ligeira ênfase nas pessoas que apoiam figuras mais polarizadoras. Embora a diferença entre os apoiadores de Trump e outros conservadores não seja estatisticamente significativa, o que é notável é que a agressividade se apresenta de maneira mais pronunciada à medida que a pessoa se desvia da esquerda para a direita no espectro político. Para aqueles que se alinham mais à direita, a tendência para a agressividade é ligeiramente mais forte, mas com variações limitadas. Além disso, a relação com o autoritarismo também é relevante quando se considera a preferência por uma política de punição severa ou por uma postura mais conciliatória.

Quando se trata de atitudes sobre a criação de filhos, a ideologia política também desempenha um papel importante na formação das preferências. Uma parte significativa da população nos Estados Unidos, por exemplo, acredita que as crianças devem ser educadas para respeitar os mais velhos e serem obedientes, mais do que para desenvolver independência ou ser auto-suficientes. Esse reflexo de uma visão mais autoritária sobre a criação de filhos se alinha com a preferência de muitos conservadores, que valorizam a obediência e o respeito pelas normas tradicionais. No entanto, entre os adeptos de Trump, a tendência para uma criação de filhos autoritária não é mais pronunciada do que entre outros conservadores, revelando que os fatores subjacentes a essas crenças são mais complexos do que simplesmente a veneração por figuras populistas.

Ao comparar essas atitudes, torna-se claro que, embora o autoritarismo tenha uma forte correlação com a direita política, ele não é uniforme em todos os aspectos. Em particular, os apoiadores de Trump não se distinguem substancialmente de outros conservadores no que diz respeito às atitudes sobre a criação de filhos ou à agressividade. No entanto, isso não significa que essas características não possam ser identificadas em grupos de diferentes tendências políticas, mas sim que elas se manifestam de maneira mais complexa e muitas vezes dependem de contextos específicos. Essas nuances podem fornecer uma compreensão mais profunda sobre o que constitui uma personalidade autoritária, além das simples ideologias políticas.

Outro ponto importante a ser observado é a relação entre submissão e autoridade, que também é um elemento central na construção da personalidade autoritária. A submissão a uma autoridade legítima pode ser considerada uma virtude para muitos, especialmente em sistemas políticos conservadores ou autoritários. No entanto, a evidência sugere que os apoiadores de Trump, por exemplo, tendem a ser ligeiramente menos submissos em relação a outras formas de autoridade política, preferindo ser mais independentes e tomar decisões por conta própria. Essa característica pode ser vista como uma diferença importante em relação ao comportamento de outros conservadores que tendem a ser mais respeitosos com figuras de autoridade. Essa independência relativa pode indicar que o apoio a Trump reflete uma forma de contestação ao status quo de uma maneira que não necessariamente implica em maior submissão ou autoritarismo, mas sim em um tipo específico de rebelião contra a política tradicional.

A análise das atitudes sobre agressividade e criação de filhos, portanto, oferece uma janela para entender como as tendências autoritárias se manifestam não apenas nas crenças políticas explícitas, mas também em comportamentos cotidianos e atitudes familiares. A maneira como as pessoas lidam com questões como respeito, obediência e comportamento agressivo pode ser um reflexo importante de sua orientação ideológica e de sua relação com as autoridades sociais e políticas.

Por que os defensores de Trump são mais securitários do que outros conservadores?

A análise das preferências políticas revela que os adoradores de Trump se posicionam de maneira significativamente mais conservadora, especialmente em questões securitárias, quando comparados a conservadores que não compartilham dessa veneração. A correlação para o índice de todas as sete questões securitárias é de 0,35, o que é 46% maior do que a correlação para o índice de questões econômicas (r = 0,24). Esta diferença expressiva destaca que a segurança cultural e física dos “insiders” está no cerne das preocupações desses indivíduos, ultrapassando até mesmo suas inclinações econômicas.

A comparação entre os dois grupos, apresentada graficamente, mostra que a maior divergência está nas questões de segurança, com os adoradores de Trump situando-se, em média, mais de 14 pontos percentuais à direita do espectro, em relação aos conservadores não veneradores. Curiosamente, em algumas questões sociais, como direitos ao aborto, educação sexual baseada na abstinência e jogos de azar legalizados, os adoradores de Trump tendem a ser ligeiramente mais liberais do que seus pares conservadores. Isso indica que sua rigidez ideológica não é homogênea, evidenciando complexidade nas prioridades políticas desses grupos.

O que distingue profundamente os adoradores de Trump é a prioridade que dão à segurança e proteção contra ameaças externas e internas, o que se reflete em sua preferência por políticas que bloqueiem avanços percebidos como invasivos à cultura e ao espaço dos “insiders”. Estes não manifestam, entretanto, uma tendência autoritária tradicional no sentido psicológico. A pesquisa demonstra que eles não possuem uma personalidade autoritária intrínseca, mas sim preferências autoritárias para a organização social, isto é, uma visão de mundo que valoriza líderes fortes capazes de garantir a segurança contra ameaças externas e internas.

Ao contrário do que seria esperado, a submissão a autoridades não aparece como um traço dominante. Eles não são mais inclinados do que liberais a aceitar líderes fortes; ao contrário, sua aceitação depende do tipo de líder e da causa defendida. Adoradores de Trump apoiam líderes que prometem proteção contra criminosos e ameaças estrangeiras, enquanto liberais preferem líderes que defendam o meio ambiente e a redistribuição de renda. Este equilíbrio nas preferências reforça que o que define esse grupo não é a busca pela autoridade em si, mas uma visão de mundo focada na segurança cultural e física.

No que diz respeito ao convencionalismo social, ambos os grupos conservadores, sejam adoradores de Trump ou não, mostram um compromisso semelhante com as normas tradicionais da sociedade. A maioria dos liberais, por sua vez, tende a ver essas normas como ultrapassadas. Isso indica que, para os adoradores de Trump, a manutenção da ordem social tradicional é tão importante quanto para outros conservadores, mas não necessariamente mais rígida.

A análise desses elementos sugere que, para entender o fenômeno dos adoradores de Trump, é fundamental ir além do simples rótulo de “autoritarismo”. A ênfase está mais na defesa de um espaço cultural protegido, onde o “insider” se sinta seguro contra ameaças externas e internas. Esta preocupação securitária se manifesta tanto em suas atitudes políticas quanto na forma como veem a liderança ideal. Não se trata de uma busca cega por poder, mas de uma resposta a um medo profundo de erosão cultural e física.

Compreender esse fenômeno implica reconhecer que a política, para esses indivíduos, é antes de tudo uma questão de identidade e proteção do grupo. Eles não são meramente reacionários, mas atores políticos que buscam manter e preservar uma ordem social que consideram ameaçada. Por isso, políticas que enfatizem a segurança cultural e física ressoam profundamente nesse público.

Além disso, é importante destacar que a polarização política contemporânea está intrinsecamente ligada a essas questões securitárias. O debate não se resume a discordâncias econômicas ou sociais, mas a um conflito sobre o que significa estar seguro enquanto grupo e indivíduo em um mundo percebido como ameaçador. Esta dimensão cultural da política é muitas vezes negligenciada, mas é essencial para entender a dinâmica das preferências eleitorais e os comportamentos políticos atuais.

Para o leitor, é crucial perceber que, embora o fenômeno possa parecer simples à primeira vista, ele reflete tensões sociais complexas ligadas à percepção de ameaça e à necessidade de pertencimento. O reconhecimento dessas nuances permite uma compreensão mais profunda dos desafios políticos e sociais que enfrentamos, e ajuda a evitar simplificações que podem agravar conflitos e impedir o diálogo construtivo.

O Compromisso com a Democracia e o Autoritarismo nas Ações Políticas de Veneradores de Trump

A disposição para engajar-se em ações políticas questionáveis tem sido um tema recorrente nas discussões sobre o comportamento eleitoral e a lealdade partidária, especialmente quando se observa a polarização política nos Estados Unidos. Diversos estudos têm revelado que, em momentos de forte divisão ideológica, grupos políticos distintos se mostram mais ou menos inclinados a participar de comportamentos que podem comprometer os princípios democráticos. Entre os mais notáveis desses comportamentos estão ações como danos à propriedade, contribuições ilegais para campanhas e a disseminação de boatos falsos. Em um levantamento realizado em 2019, ficou claro que, embora a disposição para realizar esses atos seja relativamente baixa, os liberais se mostraram mais propensos do que os conservadores a se envolverem em sete ações específicas, com destaque para a recusa em apoiar políticos problemáticos e o engajamento em protestos como ocupações de espaços públicos e envio de mensagens críticas.

Essas atitudes podem ser diretamente atribuídas ao contexto político da época, com a presidência de Donald Trump proporcionando um cenário ideal para os liberais se posicionarem contra o que consideravam políticas prejudiciais. No entanto, essa inclinação para a ação assertiva entre os liberais não deve ser interpretada como uma tendência generalizada entre todos os grupos ideológicos. Por exemplo, os apoiadores mais fervorosos de Trump, apesar de sua alta polarização política, não se mostraram mais propensos a envolver-se em comportamentos antiéticos do que os conservadores que não apoiavam Trump. Curiosamente, o apoio a tais ações mais ilícitas e prejudiciais, como a falsificação de votos ou contribuições financeiras ilegais para campanhas, era significativamente mais elevado entre os veneradores de Trump, embora esse aumento não tenha sido suficiente para ser considerado estatisticamente significativo.

Entretanto, essa disposição para adotar comportamentos mais radicais, com foco em danos materiais e manipulação dos processos democráticos, revela uma característica alarmante: a disposição de alguns grupos políticos, especialmente os apoiadores de Trump, para sacrificar princípios democráticos em nome de um objetivo maior, como a segurança ou a vitória política. A ideia de que, diante de uma ameaça externa ou interna, a segurança do país deveria prevalecer sobre os valores democráticos é uma posição compartilhada por uma parcela substancial dos veneradores de Trump. Segundo uma pesquisa, 59% desse grupo concorda com a afirmação de que, caso fosse necessário escolher entre ser um país seguro ou democrático, a segurança seria a prioridade. Esse dado contrasta fortemente com a posição dos liberais, dos quais apenas 13% concordam com essa substituição de valores.

A defesa de uma postura mais autoritária e securitária se reflete nas respostas de muitos indivíduos quando questionados sobre o compromisso com a democracia. Ao serem confrontados com a hipótese de que ações antidemocráticas poderiam proteger o país, uma grande parte dos veneradores de Trump mostra-se disposta a abrir mão das normas democráticas em prol de uma "segurança" hipotética. O contraste é ainda mais claro quando comparado aos liberais, que demonstram um compromisso substancialmente maior com a preservação dos valores democráticos, mesmo diante de desafios externos. Esse comportamento não é limitado a um grupo específico, já que outros segmentos, como moderados e conservadores que não apoiam Trump, também apresentam posturas variáveis em relação à democracia, mas sem a mesma disposição para a subversão da ordem democrática.

Esse panorama político levanta uma questão fundamental: até que ponto os princípios democráticos são realmente inalienáveis em momentos de crise? A disposição para sacrificar a democracia em nome de uma suposta segurança ou estabilidade política expõe as tensões subjacentes nas sociedades modernas, onde o medo de ameaças externas e internas pode facilmente ser manipulado para justificar práticas autoritárias. Nesse sentido, é crucial compreender que a política assertiva não se resume apenas à oposição aberta e explícita, mas também envolve uma série de atos mais sutis e muitas vezes legais, mas que podem enfraquecer a própria estrutura democrática ao longo do tempo.

O que este estudo sugere, portanto, não é apenas que algumas ideologias são mais propensas a atitudes antidemocráticas, mas que o contexto político pode intensificar ou atenuar essa predisposição. As ações mais "radicais" em termos de violação de normas democráticas não são necessariamente uma característica de todos os indivíduos dentro de um dado grupo ideológico, mas estão frequentemente associadas a uma percepção de que o sistema político atual não serve mais aos interesses daqueles que se veem à margem ou ameaçados. A retórica da segurança, que se alinha muitas vezes com um desejo de controle mais rígido e centralizado, tem um poder sedutor que pode comprometer a visão de um futuro democrático e pluralista.

A questão que se coloca é se o futuro das democracias não estará em risco não apenas devido ao autoritarismo explícito, mas também devido à gradual erosão das normas democráticas por meio de atitudes aparentemente inofensivas, como a disposição para infringir a lei em nome de um bem maior. A educação política e a reflexão crítica sobre os limites entre segurança e liberdade são essenciais para garantir que os valores democráticos não sejam sacrificados em tempos de incerteza. A análise das disposições securitárias e autoritárias dentro dos movimentos políticos atuais aponta para uma luta constante pela preservação de um equilíbrio delicado entre a ordem e a liberdade, entre a segurança e a democracia.