O aprendizado linguístico infantil é uma das áreas mais fascinantes da psicologia e da linguística. Desde os primeiros anos de vida, as crianças são capazes de aprender de forma notável as regras fonológicas e morfológicas de sua língua nativa. No que diz respeito aos sons da fala, uma das tarefas mais complexas envolve a compreensão dos alofones de um fonema e a distribuição desses alofones em diferentes ambientes fonéticos. As crianças, de forma intuitiva e quase sem esforço, dominam essas noções de maneira impressionante, adquirindo não apenas os sons individuais da língua, mas também as regras que governam sua combinação.
Um dos fenômenos mais intrigantes que as crianças aprendem envolve os alomorfos, as variações fonéticas de um morfema. Um exemplo clássico disso é o morfema plural {s} no inglês, que pode ter três alomorfos diferentes: [s], [z] e [ɪz]. Essas variações ocorrem em diferentes contextos fonéticos, e as crianças são capazes de aprender qual alomorfo aplicar em cada situação, com uma rapidez surpreendente. Por exemplo, ao perguntarem a uma criança sobre duas criaturas imaginárias chamadas "wug" e "blick", ela é capaz de usar corretamente o alomorfo [s] para formar "wugs" e [z] para "blicks". Este conhecimento é adquirido sem ensino explícito e, por volta dos dois anos de idade, as crianças já sabem como aplicar essas regras fonológicas de forma bastante consistente.
A descoberta de como e quando usar diferentes alomorfos é uma tarefa difícil, pois requer uma compreensão profunda do ambiente fonético em que um fonema ocorre. Essa tarefa envolve a percepção dos processos articulatórios comuns na língua, como a assimilação, a dissociação e a inserção. No caso do inglês, por exemplo, a assimilação é um processo frequente, no qual sons vizinhos se tornam mais semelhantes entre si. As crianças aprendem esses processos de forma implícita e rapidamente começam a utilizá-los em suas produções linguísticas, mesmo antes de adquirirem uma consciência explícita sobre a natureza desses processos.
É importante notar que, apesar de o uso de certos alomorfos ser considerado “correto” ou “incorreto” em diferentes contextos sociais e educacionais, a variação de pronúncia é governada por regras fonológicas que não são arbitrárias. A pronúncia de uma palavra, como "obvious", pode variar dependendo do ambiente fonético e do nível de formalidade da fala. A redução do cluster consonantal, por exemplo, pode levar uma pessoa a pronunciar "obvious" de maneira diferente em uma fala casual do que em um discurso mais formal. Isso não significa que uma forma seja incorreta, mas sim que ela segue uma regra fonológica distinta, adequada ao contexto.
Outro aspecto relevante do aprendizado linguístico infantil é a descoberta dos pares mínimos, que são pares de palavras que se distinguem por apenas um fonema. Esse conceito é essencial para entender como os fonemas, que são as unidades mínimas de som que podem alterar o significado das palavras, são organizados na língua. A percepção desses pares mínimos permite que as crianças compreendam a função distintiva dos fonemas e, assim, aprendam a produzir palavras de maneira que façam sentido na língua que estão aprendendo.
Além disso, as crianças não aprendem apenas a produzir os sons de sua língua, mas também a identificar os ambientes fonéticos em que esses sons podem aparecer. Por exemplo, os fonemas podem ter diferentes alofones dependendo dos sons que os precedem ou seguem, como ocorre com a vogal /ay/ no inglês, que tem alofones [ay] e [əy], dependendo do ambiente fonético ao qual está sujeita. As regras para a distribuição desses alofones são governadas por classes naturais de sons, como as sibilantes ou os sons nasais, e as crianças rapidamente começam a aprender essas distinções, aplicando-as de maneira intuitiva.
É interessante observar que esse aprendizado fonológico ocorre de maneira automática e sem esforço consciente. A criança não precisa ser ensinada explicitamente sobre como distinguir os alomorfos de um morfema ou como identificar os diferentes ambientes fonéticos. Elas internalizam essas regras por meio da exposição à linguagem falada, e esse processo de aquisição fonológica ocorre de forma mais rápida do que muitos adultos imaginam.
Para que esse aprendizado se torne efetivo, as crianças precisam estar expostas a uma variedade de contextos linguísticos. A interação com diferentes falantes, o contato com diferentes dialetos e a experiência com diferentes registros de fala são fatores cruciais no desenvolvimento fonológico. Quanto mais rica e diversificada for a exposição linguística, mais eficaz será o aprendizado das regras fonológicas e morfológicas.
Além disso, é fundamental que se compreenda que a variação fonológica não é aleatória nem desviante. As variações que surgem na fala são, na verdade, governadas por regras fonológicas que são estruturais e fazem parte da gramática da língua. O fato de uma pessoa pronunciar uma palavra de forma diferente em diferentes contextos não significa que ela esteja cometendo um erro; ao contrário, está apenas aplicando uma regra fonológica que está presente em sua língua.
Como as Crianças Adquirem a Linguagem: O Processo Natural de Aquisição
A aquisição da primeira língua, ou L1, não depende de instrução explícita, como no ensino formal de línguas estrangeiras. Ao contrário do que muitos acreditam, as crianças não aprendem sua língua materna por meio de aulas formais, nem imitando os adultos. Não há provas, lições ou exercícios repetitivos, mas, ainda assim, até os cinco anos de idade, antes mesmo de frequentarem a escola, elas já dominaram uma gramática complexa, a capacidade de combinar unidades discretas em estruturas maiores que geram significado. Elas têm um sistema sonoro (ou primitivos para línguas de sinais), um vocabulário extenso e um sistema sintático intricado. Esse domínio precoce sugere que a aquisição de linguagem não é um processo aleatório, mas algo biologicamente predisposto.
A natureza exata dessa predisposição é debatida, mas a maioria dos linguistas concorda que estamos geneticamente predispostos a aprender qualquer língua. Alguns defendem a teoria da Gramática Universal (GU), um conjunto de princípios gramaticais fundamentais que todas as línguas seguem, sugerindo que todos nascem com um "modelo genético" para a linguagem. De acordo com essa teoria, as crianças não precisam aprender tudo do zero, mas simplesmente entender como os princípios universais se aplicam ao idioma específico em que estão imersas. Evidências para essa teoria incluem a universalidade do processo de aquisição e a rapidez com que as crianças dominam esses sistemas linguísticos.
Por outro lado, outros linguistas argumentam que não nascemos com um conhecimento inato desses princípios, mas sim com estratégias cognitivas que nos permitem deduzir rapidamente o sistema subjacente de uma língua. Mesmo com os avanços nas imagens cerebrais, ninguém encontrou ainda provas conclusivas de um modelo genético da linguagem. O ponto comum entre essas abordagens é a rápida aprendizagem das crianças a partir do que é chamado de "pobreza de dados". Isso significa que a língua à sua volta é cheia de falhas, pausas, sentenças incompletas e ruídos que dificultam a compreensão das regras subjacentes. Ainda assim, crianças ao redor do mundo são capazes de aprender sua língua com impressionante facilidade e consistência.
Existem estágios claros, embora graduais, no desenvolvimento linguístico infantil, e esses estágios, embora não ocorram com precisão absoluta, seguem uma ordem geral que pode ser observada em crianças de diferentes culturas e línguas. O primeiro estágio é pré-linguístico, quando as crianças começam a distinguir os sons da fala dos outros ruídos ao seu redor. Elas também aprendem a reconhecer os padrões de entonação de sua língua nativa, sendo capazes de reproduzi-los muito antes de pronunciar palavras reconhecíveis. A seguir, entra a fase de balbucio (entre 4 e 8 meses), quando as crianças começam a dominar os sons da língua e a praticar a produção desses sons, muitas vezes repetindo a mesma sílaba várias vezes: "dadadada". Esse balbucio é observado de forma semelhante em todas as línguas, e até mesmo as crianças que aprendem línguas de sinais balbuciam com as mãos.
O estágio seguinte, de uma palavra, ocorre entre 9 e 18 meses, quando as crianças começam a produzir palavras reconhecíveis, geralmente referentes a pessoas, ações ou objetos familiares: "mamãe", "doguinho", "leite". Elas passam a produzir um vocabulário básico de cerca de 50 palavras, embora a pronúncia possa ser ainda imprecisa, e só aqueles próximos à criança conseguem compreendê-la com clareza. A partir disso, entra o estágio de duas palavras (18 a 24 meses), quando as crianças começam a combinar dois termos de forma que, embora simples, expressam o que em linguagem adulta seria uma frase completa: "mamãe sapato" pode significar "aquele é o sapato da mamãe" ou "me dá o sapato da mamãe".
Entre 24 e 48 meses, as crianças entram no estágio de multi-palavras, quando começam a formar frases mais complexas e a aprender regras sintáticas mais avançadas. Elas aprendem a formar sentenças com mais de uma cláusula e a usar negações e perguntas de maneira crescente. Por exemplo, aos três anos, elas começam a combinar cláusulas com conectivos como "e" e, mais tarde, a usar subordinadas: "não vejo onde a Sally está". A partir de cinco anos, a criança já domina as bases fonológicas, morfológicas e sintáticas da língua, embora ainda existam algumas generalizações excessivas.
Até essa idade, o vocabulário já é bastante extenso, com uma criança de seis anos possuindo cerca de 8.000 palavras. Aos oito anos, esse número pode crescer para 17.000 palavras. No entanto, a aquisição de estruturas sintáticas mais complexas continuará ao longo de sua vida, refletindo um aprendizado contínuo e dinâmico.
O que significa que uma criança se torne "competente" em sua língua? Em linguística, o termo "competência" refere-se ao conhecimento inconsciente que todos os falantes de uma língua possuem, o que lhes permite produzir e compreender frases de maneira nativa. Em outras palavras, todos os falantes nativos ou usuários de uma língua de sinais são igualmente competentes. Já a "performance linguística" refere-se ao uso ativo dessa competência, ou seja, a maneira como alguém usa sua língua no dia a dia, seja falando, escrevendo ou sinalizando. Embora todos tenham competência linguística, a performance pode variar dependendo das habilidades comunicativas de cada um.
Entender a aquisição de linguagem vai além de apenas observar as fases do desenvolvimento. O mais importante é perceber que, por trás desse processo, existe uma capacidade inata que nos permite, como seres humanos, aprender qualquer língua de forma natural e eficaz. A linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas também um reflexo da nossa capacidade cognitiva de entender e organizar o mundo ao nosso redor. O processo de aquisição, embora influenciado por fatores sociais e ambientais, é profundamente biológico e universal.
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