A série Black Mirror, criada por Charlie Brooker, tornou-se um fenômeno cultural que desafia nossa compreensão sobre o impacto das tecnologias emergentes nas nossas vidas. Cada episódio aborda, de maneira sombria e provocativa, questões que vão desde os limites da privacidade até os dilemas éticos das inovações tecnológicas, e tem gerado uma enorme quantidade de reflexões filosóficas. Para muitos estudiosos da filosofia, as narrativas de Black Mirror não são apenas entretenimento, mas um campo fértil para explorar ideias complexas sobre a natureza humana, ética, moralidade e a relação entre os seres humanos e as tecnologias que criamos.

O caráter distópico de Black Mirror não é apenas uma ferramenta narrativa, mas também um meio de analisar as implicações das tecnologias que, no futuro, podem moldar de forma irreversível a nossa sociedade. A série, ao manipular o medo do desconhecido e da perda de controle, convida os espectadores a refletirem sobre os efeitos da tecnologia na psique humana e na estrutura social. A tecnologia, em Black Mirror, muitas vezes aparece como uma extensão das fraquezas humanas: a busca incessante por validação, a exploração de nossas emoções e a manipulação do comportamento através de meios que deveriam ser neutros. O tema da manipulação psicológica está sempre presente, seja por meio das redes sociais ou das intervenções tecnológicas nas nossas escolhas cotidianas.

No que se refere à ética, Black Mirror coloca as personagens diante de dilemas morais intensos, onde as escolhas não são apenas difíceis, mas revelam a complexidade de nossas próprias concepções sobre o certo e o errado. Um exemplo claro disso é o episódio "Nosedive", onde a obsessão pela validação social através de uma rede de classificação de estrelas torna-se uma prisão existencial. Aqui, Brooker toca diretamente no que poderia ser um dos maiores problemas da sociedade contemporânea: o impacto da cultura de "likes" e "seguidores", que muitas vezes submete as pessoas a uma pressão emocional esmagadora. A necessidade de aprovação externa transforma a subjetividade humana em algo tangível, passível de ser manipulado e controlado.

Além disso, o episódio "Playtest" trata da questão da realidade virtual, mostrando como a tecnologia pode mexer com a nossa percepção da realidade e dos nossos próprios medos. O dilema ético apresentado aqui questiona até onde podemos ir na busca por experiências imersivas sem perdermos a nossa humanidade. É uma reflexão sobre a dependência das novas tecnologias e o risco de perdermos a capacidade de discernir o que é real do que é artificial, um tema também amplamente discutido na filosofia contemporânea, especialmente nas questões relacionadas à inteligência artificial e à simulação.

O conceito de paternalismo, também explorado na filosofia moral, surge frequentemente em Black Mirror através da manipulação da liberdade individual para alcançar um "bem maior". Técnicas como o "nudging" (empurrãozinho) são discutidas de maneira crítica na série, como uma forma de moldar o comportamento humano, ainda que à custa de nossa autonomia. Em um episódio como "Fifteen Million Merits", por exemplo, vemos uma sociedade onde os indivíduos são constantemente empurrados para seguir um caminho pré-determinado, que limita suas opções, mas lhes dá a ilusão de liberdade.

O uso de tecnologias para alterar a percepção de nós mesmos, como no episódio "Be Right Back", onde a personalidade digital de um ser amado é criada a partir de suas interações online, traz à tona questões sobre identidade e autenticidade. Qual é o impacto de substituir a presença humana por algoritmos que replicam suas emoções e pensamentos? Essa substituição, embora inicialmente reconfortante, levanta uma questão fundamental: podemos realmente substituir o ser humano pelo digital sem perder algo essencial na nossa natureza?

Embora as tecnologias de Black Mirror sejam, em sua maioria, ficcionais e exageradas, elas não são tão distantes das inovações que estamos vivendo atualmente. O avanço da inteligência artificial, a dominação das redes sociais e a crescente dependência das tecnologias digitais são realidades que, em muitos aspectos, já estão alterando a maneira como nos relacionamos uns com os outros e com o mundo. Como filósofos e teóricos críticos, devemos nos perguntar: até que ponto somos donos das tecnologias que criamos, e até que ponto estamos sendo moldados por elas? O grande dilema de Black Mirror é justamente esse: será que conseguimos preservar nossa humanidade em um mundo onde a tecnologia se torna uma extensão de nós mesmos, mas também uma força que ameaça nossa autonomia e liberdade?

Além disso, é crucial refletir sobre as questões de responsabilidade, que estão presentes na interação com as tecnologias. Quem é responsável pelas consequências da manipulação do comportamento humano ou da criação de realidades artificiais que afetam a vida de uma pessoa? Essas questões não são apenas abstratas, mas diretamente conectadas ao debate sobre a ética da inovação tecnológica e sua regulamentação.

Por fim, é importante compreender que as obras filosóficas expostas em Black Mirror não são apenas uma crítica direta à tecnologia, mas um convite a uma reflexão mais profunda sobre como a humanidade lida com os avanços que ela mesma cria. O que a série sugere, muitas vezes de maneira inquietante, é que nossas maiores falhas não estão nas tecnologias em si, mas na maneira como escolhemos usá-las, muitas vezes sem considerar as implicações éticas e sociais de nossas ações.

A Mecânica Quântica e a Ilusão do Livre Arbítrio: Como as Decisões Podem Ser Determinadas pelo Acaso

No coração da mecânica quântica reside um enigma: os eventos quânticos, tais como os spins dos elétrons, não seguem uma causa direta. Eles simplesmente ocorrem, aleatoriamente, em uma variedade de possibilidades, e isso desafia nossa compreensão clássica de causa e efeito. Não é que ainda estejamos à procura da causa dos eventos quânticos; na verdade, já demonstramos que tais eventos não têm causa. O que torna esse fenômeno ainda mais intrigante é a relação entre observação e a formação dos estados quânticos.

A chamada "medição quântica" ilustra bem esse mistério. Quando um elétron passa por um dispositivo, como um filtro de Stern-Gerlach (SGD), e se observa sua rotação (spin), ele não adota uma orientação por si só. Na verdade, enquanto não realizamos uma observação, o elétron se encontra em uma "superposição", ou seja, em um estado que contém contraditórias possibilidades — ele pode estar em ambas as posições simultaneamente, como spin para cima e para baixo. Contudo, a realização de uma medição "colapsa" esse estado de superposição, forçando o elétron a escolher um dos dois estados possíveis, um dos spins.

O problema é que, se não realizarmos essa medição, o elétron parece não ter tomado nenhuma decisão, permanecendo em um estado indefinido. Por exemplo, ao passar por dois SGDs, mas sem verificar seu spin no meio do caminho, ao final ele será como se não tivesse se orientado em nenhum sentido. Isso coloca um grande desafio para a compreensão de como a realidade quântica se manifesta e como nossa percepção dela influencia os resultados dos experimentos.

Hugh Everett propôs uma solução fascinante para esse problema, sugerindo que, ao observarmos um fenômeno quântico, não estamos apenas observando o universo, mas estamos nos tornando parte dele. Nessa visão, nossa própria observação não apenas colapsa a superposição quântica, mas cria uma ramificação do universo. Cada medição, então, resulta em uma divisão do universo em dois: um onde medimos um resultado e outro onde medimos outro. Essa interpretação, conhecida como a "teoria dos muitos mundos", sugere que, a cada evento quântico, nosso universo se divide, criando uma infinidade de realidades paralelas onde diferentes possibilidades se tornam realidade.

Isso se estende, de maneira surpreendente, às escolhas que fazemos no cotidiano. Se as decisões que tomamos são, de fato, determinadas por eventos quânticos, então a nossa sensação de escolha poderia ser ilusória. Em vez de um livre arbítrio no sentido clássico, nossa decisão seria apenas o resultado do colapso de funções de onda quânticas que governam a atividade cerebral. A cada escolha, o universo se divide, criando realidades alternativas nas quais tomamos diferentes decisões. Se o colapso da função de onda nos leva a uma escolha A, em outra realidade, ele nos leva à escolha B.

Essa ideia gera uma reflexão profunda sobre o livre arbítrio. Se a mecânica quântica pode determinar nossa escolha, então, ao contrário do que muitos pensam, não estamos tomando decisões de maneira livre. Mesmo que eventos quânticos dentro de nosso cérebro introduzam incerteza e aleatoriedade, a decisão ainda seria determinada pela física subjacente, não por um "livre arbítrio" genuíno. Isso levanta a questão de se nossas escolhas são realmente nossas ou se somos apenas marionetes de um universo regido pelo acaso e pelas leis quânticas.

No entanto, existem filósofos que tentam defender a ideia de que, embora as decisões sejam determinadas, elas ainda podem ser consideradas "livres". Essa linha de pensamento é conhecida como "compatibilismo". Os compatibilistas argumentam que a liberdade de uma decisão não depende da possibilidade de alternativas, mas sim da ausência de coerção externa. Eles afirmam que, embora a decisão seja determinada, ainda podemos agir de forma "livre" se agirmos de acordo com nossas próprias intenções e desejos, sem pressões externas.

Mas há um problema fundamental para aqueles que tentam defender o livre arbítrio como uma capacidade genuinamente humana. A ideia de que uma alma não física ou um "eu" imaterial pode ser o responsável por nossas escolhas também é altamente questionada. A neurociência moderna sugere que todas as nossas funções mentais e decisões estão intimamente ligadas ao funcionamento do cérebro, um sistema físico, e não a um agente não físico. Além disso, a ideia de uma alma que interage com o corpo físico levanta problemas filosóficos e científicos, como a questão da causalidade descendente — como algo imaterial pode causar mudanças em algo físico?

A noção de que somos, de alguma forma, livres de uma maneira que escapa às leis físicas, também entra em conflito com o determinismo científico, que afirma que, dado um estado físico inicial, todos os eventos futuros podem ser previsíveis, inclusive as ações humanas. Para os compatibilistas, mesmo que a liberdade não implique na capacidade de escolher alternativas em um mundo determinista, a verdadeira liberdade reside na capacidade de agir conforme nossos próprios motivos, independentemente das limitações do mundo físico.

Essa reflexão sobre o livre arbítrio e a mecânica quântica é crucial para entendermos não apenas a física do universo, mas também as implicações filosóficas dessas descobertas. Nosso sentido de controle sobre as decisões que tomamos pode ser mais ilusório do que gostaríamos de acreditar, e a verdadeira natureza do livre arbítrio permanece uma questão aberta. Entretanto, mesmo dentro de uma visão determinista ou compatibilista, devemos reconhecer que nossas escolhas são moldadas por fatores internos e externos complexos, sendo nossa consciência e percepção da liberdade, em muitos aspectos, mais uma construção mental do que uma verdade absoluta.

A Sexualidade Virtual e as Portas Fechadas: Um Estudo de "Striking Vipers"

O episódio "Striking Vipers" da série Black Mirror explora as complexas dinâmicas da sexualidade, das relações e dos limites entre a fantasia e a realidade, utilizando a metáfora das portas fechadas e abertas. Este símbolo não apenas remete a conceitos de limitação e de liberdade sexual, mas também desafia as normas culturais estabelecidas, oferecendo uma reflexão profunda sobre o que é considerado "real" em termos de desejo e conexão. A metáfora das portas fechadas remete diretamente à ideia de desejo reprimido, de desejo contido, de algo a ser descoberto ou finalmente liberado. Dentro desse espaço fechado, a sexualidade, longe de ser vista como algo sujo ou problemático, torna-se uma forma de busca e de satisfação que transcende os tabus tradicionais.

A relação entre Danny e Theo, os personagens principais do episódio, evolui a partir dessa metáfora. O uso do jogo de realidade virtual, onde ambos os personagens assumem avatares que vivem experiências sexuais de um tipo radicalmente novo, questiona a natureza da fidelidade e da monogamia. O episódio não busca denegrir o matrimônio ou as instituições tradicionais, mas sim mostrar que a abertura para a exploração sexual, representada pela transgressão dos "limites" virtuais, não compromete o amor, mas, ao contrário, pode preservá-lo e até fortalecê-lo. Danny, ao escolher seu casamento em vez do "jogo", demonstra que a libertação sexual não é necessariamente um reflexo de uma decadência moral ou destruição de laços afetivos, mas sim uma busca por algo mais profundo e mais satisfatório, que vai além da monotonia do sexo tradicional.

A discussão sobre a natureza da traição também é central no episódio, particularmente no que diz respeito ao sexo virtual. Quando Danny se envolve com Karl, não de maneira física, mas por meio dos avatares no jogo, surge a pergunta: isso é traição? O episódio brinca com essa dúvida ao longo de seu desenvolvimento, desafiando a linha entre o que é real e o que é fantasia. Os avatares de Danny e Karl, que interagem dentro do jogo de maneira sexual, são de fato apenas representações digitais, mas, ao mesmo tempo, os sentimentos dos personagens reais são intensamente afetados. A questão que surge é filosófica: até que ponto as experiências virtuais afetam a realidade emocional dos indivíduos envolvidos?

Essa reflexão pode ser ampliada através de algumas teorias filosóficas. A teoria da identidade pessoal de John Locke, por exemplo, sugere que a identidade é preservada pela memória, o que poderia ser interpretado de forma a afirmar que, uma vez que Danny e Karl se lembram das experiências vividas em seus avatares, elas de alguma forma fazem parte de suas identidades reais. Contudo, ao mesmo tempo, há uma desconexão entre o avatar e o indivíduo, o que pode fazer com que se questione a validade de considerar tais experiências como parte de uma relação real.

Outro ponto interessante levantado por "Striking Vipers" é a crítica ao conceito de moralidade sexual imposto pela sociedade. Ao desafiar a ideia de que a monogamia e a exclusividade sexual são as únicas formas "corretas" de se viver um relacionamento, o episódio resgata a ideia nietzschiana de moralidade, que rejeita as normas culturais impostas. Nietzsche sugeriria que os personagens, ao romperem com as convenções, estariam se libertando da moralidade "escrava" que limita suas experiências. Nesse sentido, o episódio sugere que a verdadeira liberdade sexual não está em manter a repressão ou o tabu, mas sim em se libertar de conceitos preestabelecidos sobre o que é considerado moral ou aceitável.

No entanto, é importante considerar que, embora o episódio sugira que a liberdade sexual seja uma forma legítima de explorar e expandir os limites do relacionamento, ele também coloca em questão a possível consequência de tal liberdade. A questão de se a sexualidade libertina pode afetar a relação física e emocional de maneira negativa permanece em aberto. Se o comportamento sexual no ambiente virtual se torna mais agressivo ou desrespeitoso, como sugere a possível influência de videogames violentos, isso pode ter implicações na relação real. As fantasias virtuais, ao estimularem uma forma mais intensa ou extrema de comportamento, podem levar a um desajuste nas expectativas e no comportamento físico dos indivíduos.

Dessa forma, a reflexão proposta por "Striking Vipers" sobre os limites da sexualidade virtual e sua relação com a realidade pode ser estendida a outras discussões contemporâneas. A questão da fidelidade, da traição, e da própria definição de "real" nas relações afetivas e sexuais, é cada vez mais relevante à medida que as tecnologias de comunicação e as formas de interação à distância, como a pornografia virtual e os encontros online, se tornam mais presentes na vida cotidiana. A linha entre o "real" e o "virtual" se torna cada vez mais tênue, e a forma como as pessoas lidam com essas experiências pode afetar suas relações de maneiras complexas e imprevisíveis.

Além disso, é essencial entender que a sexualidade humana não pode ser confinada a uma única definição ou abordagem. O episódio não sugere que todas as pessoas devam adotar práticas ou ideologias como as de Danny e Theo, mas sim que o reconhecimento da diversidade sexual e das diferentes formas de satisfação e conexão é fundamental. A liberdade sexual e o direito de explorar diferentes aspectos do desejo são tão válidos quanto qualquer outra forma de relacionamento, desde que respeitem os limites e as escolhas de todos os envolvidos.

A Realidade Virtual e o Amor: Reflexões Filosóficas sobre Relacionamentos e Desejos

A questão sobre a natureza do amor verdadeiro e se ele pode ser experienciado de forma genuína em um contexto virtual levanta desafios filosóficos profundos, especialmente à luz das ideias de pensadores como Arthur Schopenhauer e Baruch Spinoza. Schopenhauer, por exemplo, argumentava que o mundo humano é uma representação mental da realidade, uma aproximação do que realmente existe. Para ele, nossa percepção é apenas uma construção mental, e por mais que busquemos preencher nossos desejos sexuais e emocionais, estes são inerentemente insaciáveis. Nesse sentido, o amor experimentado em um mundo virtual, como o de Striking Vipers X, poderia ser visto como uma ilusão criada pela mente, algo que, por mais que ofereça uma sensação de prazer ou conexão, jamais pode ser considerado "real" no sentido mais profundo da palavra. No entanto, seria uma visão simplista limitar o amor a esse tipo de dualismo entre o físico e o virtual.

A proposta do episódio Striking Vipers X desafia essa dicotomia, sugerindo que a intimidade vivida em uma realidade virtual pode ser tão significativa quanto aquela experienciada fisicamente. O caso de Karl, que se sente incompleto sem a presença de Danny no jogo, oferece uma reflexão interessante sobre a busca pelo prazer. Inicialmente, poderia parecer que Karl está seguindo os ensinamentos de Aristipo, que defendia o prazer sensorial como o maior bem. No entanto, ao longo da narrativa, torna-se evidente que o que Karl busca não é apenas o prazer efêmero do corpo, mas uma experiência mais profunda de conexão e autossatisfação, algo que ele parece associar à verdadeira forma de amor.

Este contraste entre os prazeres corporais e os prazeres mentais remete à filosofia de John Stuart Mill, que fazia uma distinção entre os prazeres inferiores, aqueles ligados ao corpo, e os superiores, ligados à mente e à espiritualidade. Striking Vipers X questiona essa divisão, ao mostrar que os prazeres vividos no jogo virtual, embora inicialmente voltados para a gratificação física, culminam em um tipo de experiência que transcende o corpo e adentra o território da mente e da emoção. Karl, ao interagir com o alter ego de Danny no jogo, está em busca não apenas do prazer imediato, mas de uma forma mais elevada de satisfação emocional, que ele não consegue encontrar no mundo físico.

A complexidade dessa experiência virtual também envolve a questão da autenticidade dos sentimentos. Karl não está apaixonado por Danny como ele é no mundo físico, mas sim pela versão de Danny que ele encontra no jogo. Isso sugere uma reflexão sobre a natureza do amor e da atração: o amor virtual, assim como o amor físico, é uma construção mental, uma interpretação pessoal dos sentimentos e das necessidades individuais. A experiência de amor, portanto, não precisa ser limitada à realidade material; ela pode, na verdade, ser tão autêntica e significativa quanto qualquer outra experiência emocional que se tenha no mundo físico.

O conceito de que o amor pode existir fora da realidade tangível é ainda mais reforçado quando consideramos a ideia de que a realidade em si, como defendido por filósofos como Spinoza, é uma única substância percebida de diferentes maneiras. Nesse sentido, a experiência virtual de amor pode ser vista como uma extensão dessa única realidade, que não é menos válida do que a experiência física. No caso de Danny e Karl, o amor virtual que experimentam é uma versão distorcida, mas não menos significativa, do amor verdadeiro, uma vez que ambos atribuem a ele um valor existencial profundo.

É importante, no entanto, compreender que essa busca por significado em um relacionamento virtual não invalida as relações físicas ou tradicionais. Ao contrário, Striking Vipers X sugere que o que importa não é tanto o meio através do qual o amor é experimentado, mas como as pessoas respondem a suas necessidades emocionais e sexuais. A experiência de liberdade sexual e de autoaceitação proporcionada pelo mundo virtual e pela abertura de um casamento não é apresentada como um fim em si mesma, mas como um meio de explorar uma forma mais genuína de ser e de se relacionar.

Essa exploração da sexualidade e da intimidade no campo virtual também coloca em questão a ideia de fidelidade, que tradicionalmente tem sido um pilar das relações monogâmicas. Embora o episódio sugira que a fidelidade física às relações no mundo real seja preferível, ele também questiona se as expectativas tradicionais sobre o casamento e o amor são, na verdade, adequadas ou sustentáveis em um contexto onde a experiência sexual e emocional pode ser redefinida. A proposta não é simplesmente a rejeição das normas sociais, mas a abertura para novas formas de entender o que significa estar em um relacionamento verdadeiro e significativo.

A ideia de que a realidade virtual pode fornecer uma forma de libertação sexual e emocional é, assim, mais do que uma provocação. Ela representa uma tentativa de entender como as novas formas de relacionamento podem complementar e até enriquecer as relações físicas, ao invés de substituí-las. A linha entre o físico e o virtual, que muitas vezes parece rígida e intransponível, é na verdade mais fluida do que se imagina, permitindo novas formas de conexão que, no fundo, podem ser tão autênticas e profundas quanto as experimentadas no mundo físico.

Como as Plataformas Digitais Criam um Sistema de Capitalismo da Atenção

As empresas de tecnologia, como Smithereen e Facebook, nos conduzem a um estado de atenção constante, através do design cuidadoso de suas interfaces e da criação de produtos cada vez mais viciantes. Ao fazerem isso, elas mapeiam nosso comportamento para nos direcionar a anúncios altamente segmentados, tornando nossas interações digitais um campo fértil para o marketing direcionado. A gravidade dessa situação e nossa aceitação muitas vezes acrítica, se não eufórica, levantam uma série de questões. Como chegamos a esse ponto? Como funciona esse sistema? Qual efeito ele tem sobre os indivíduos e a sociedade? Por que permitimos isso? E há algo que podemos fazer a respeito?

Atualmente, as empresas mais valiosas do mundo são as digitais, como a Smithereen. Algumas delas, como a Apple e a Microsoft, seguiram um modelo mais tradicional de negócios, vendendo produtos físicos, como computadores, smartphones e sistemas operacionais. No entanto, outras, como o Google, a Amazon e o Facebook, não começaram a vender produtos físicos, como assistentes domésticos inteligentes ou tablets, até muito depois de sua fundação. A Amazon, por exemplo, inicialmente focou em vender serviços, como entrega rápida, serviços de nuvem e streaming de mídia. Mas Google e Facebook não vendem seus serviços diretamente para os clientes: para nós, eles são "gratuitos". Então, como essas empresas podem ser tão valiosas no mercado?

Para entender isso, devemos primeiro definir o capitalismo digital como um sistema econômico. De modo geral, os sistemas econômicos transformam matérias-primas em bens acabados, que são então vendidos para gerar lucro. O capitalismo, como afirmou Karl Marx (1818–1883), é um sistema econômico em que aqueles que detêm os meios de produção (fábricas, ferramentas) podem acumular riqueza sob a forma de surplus – a diferença entre o custo de produção de um produto e seu preço final. Quanto maior o surplus, maior o lucro, e a quantidade de surplus que uma empresa pode gerar depende de várias variáveis: salários dos trabalhadores, custo dos materiais, volume de produção, custos de distribuição e o preço final do produto.

Historicamente, para maximizar os lucros, os capitalistas mantinham os salários baixos, escolhiam os materiais mais baratos e cobravam os preços mais altos possíveis. No entanto, ao longo do tempo, as mudanças tecnológicas e os avanços na automação transformaram a natureza desse processo. A automação permite substituir o trabalho humano por máquinas, reduzindo custos e ampliando a capacidade de produção em massa. Simultaneamente, a publicidade tornou-se uma ferramenta fundamental para aumentar a demanda por produtos e serviços, promovendo sua necessidade no imaginário coletivo.

Com o tempo, a luta por nossa atenção se intensificou, e ela passou a ser disputada em grande escala através dos meios de comunicação de massa. Tim Wu, em seu livro The Attention Merchants, oferece um exemplo clássico dessa estratégia com Benjamin Day e a fundação do jornal The New York Sun. Na época, os jornais eram vendidos por um preço elevado e eram consumidos pela elite, voltados para questões políticas e de negócios. Para competir, Day optou por vender seu jornal por apenas um centavo, um preço irrealmente baixo. Porém, com esse preço, ele não conseguiria cobrir os custos de produção. Para tornar o jornal lucrativo, Day vendeu espaço para anunciantes. Essencialmente, ele estava praticamente "dando" o jornal para transformar a atenção dos leitores em uma mercadoria que poderia ser vendida. Da mesma forma, as plataformas digitais, como o Facebook e Smithereen, oferecem seus serviços gratuitamente, vendendo nossa atenção para os anunciantes.

Esse modelo de "economia da atenção" não é uma novidade, mas suas implicações foram profundamente ampliadas pelas plataformas digitais. O grande salto em relação ao modelo de The Sun está na capacidade dessas plataformas de rastrear minuciosamente nosso comportamento. Através de algoritmos sofisticados, como explica Shoshana Zuboff em The Age of Surveillance Capitalism, empresas como o Google e o Facebook monitoram nossas atividades – desde o histórico de buscas e cliques até o tempo que passamos visualizando um post ou nossa interação com diferentes tipos de conteúdo. Esse processo gera um "excesso comportamental", dados de comportamento que excedem em muito o necessário para melhorar a experiência do usuário. Esses dados são então usados para treinar algoritmos que preveem nossos comportamentos futuros, como o que podemos querer comprar, onde e por quanto, e essa capacidade preditiva é vendida para anunciantes, que, assim, conseguem atingir públicos de maneira muito mais precisa e eficaz.

Contudo, a maximização de lucros dessas plataformas não se resume a vender nossa atenção para anúncios. Para aumentar os lucros, é necessário que o uso das plataformas seja maximizado. Ou seja, não basta prever como as pessoas usarão um serviço; é preciso que as pessoas o usem mais. As plataformas digitais como Smithereen são projetadas para manter nossa atenção constantemente envolvida, até quando estamos dirigindo ou em outras atividades cotidianas. Como Yves Citton salienta em The Ecology of Attention, a atenção é um recurso limitado e não pode ser distribuída igualmente. Quando focamos nossa atenção em algo – como uma atualização do Smithereen – ela diminui nossa capacidade de prestar atenção em outras coisas, como, por exemplo, na estrada à nossa frente. Embora gostemos de pensar que temos controle sobre o que escolhemos prestar atenção, na realidade, nossa atenção é naturalmente atraída por aquilo que é familiar, que está mudando ou fazendo barulho ao nosso redor. As plataformas sociais, com suas notificações sonoras e informações sobre o que outras pessoas estão prestando atenção, são mestres em sequestrar nossa atenção.

A atenção, portanto, não é um recurso infinito. Ela é fragmentada e pode ser direcionada de maneiras muito específicas. Isso implica que, embora possamos sentir que controlamos nossa atenção, de fato, as plataformas digitais dominam uma parte significativa dela, com consequências profundas para nossas capacidades cognitivas e nossa saúde mental. Essa manipulação do foco, ao longo do tempo, cria um ciclo vicioso onde o usuário se vê preso em um loop contínuo de estímulos digitais, projetados para prender sua atenção o máximo possível.