A crise humanitária no que diz respeito à detenção de crianças migrantes nos Estados Unidos tomou uma nova dimensão a partir de 2019, quando, apesar de a administração de Donald Trump ter revogado sua controversa política de separação familiar, a prática de detenção de crianças continuou a se expandir. As preocupações sobre as condições nos centros de detenção de migrantes se intensificaram, especialmente nas instalações onde crianças, muitas vezes desacompanhadas ou separadas de seus pais, eram mantidas. Relatórios que surgiram a partir da primavera de 2019 descreveram crianças traumatizadas, confinadas em "gaiolas" feitas de cercas de arame, dormindo em pisos de concreto e cobertas com finas mantas de Mylar. Falta de alimentos quentes, produtos de higiene básicos, cuidados médicos e supervisão adulta eram condições comuns nos centros.

As críticas surgiram principalmente de ativistas de direitos imigrantes, médicos, jornalistas e legisladores progressistas, que afirmaram que as condições nos centros violavam o Acordo Flores, que exige que menores em detenção sejam mantidos em condições "seguras e sanitárias". Para muitos observadores, a situação descrita não apenas contrariava a legislação internacional, mas também refletia negligência intencional e uma violação de direitos humanos fundamentais. O próprio Trump minimizou os relatórios, chamando-os de "falsos e exagerados", e insistiu que as agências de imigração estavam "fazendo um ótimo trabalho" em circunstâncias difíceis, mesmo diante da crescente crise.

A sobrecarga do sistema de imigração dos Estados Unidos, exacerbada pelo aumento expressivo de migrantes tentando cruzar a fronteira sul, resultou em uma pressão sem precedentes sobre as instalações de detenção. Em 2019, mais de 851.500 pessoas foram apreendidas na fronteira, o que representou um aumento significativo em relação ao ano anterior. O governo, então, enfrentou o dilema de lidar com um grande número de famílias com crianças, o que intensificou as dificuldades operacionais, uma vez que os centros de detenção da Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) não estavam preparados para acomodar tamanha

A política de separação familiar de Trump foi realmente um erro, ou parte de uma estratégia deliberada?

Durante o governo Trump, a política de imigração tornou-se palco de uma disputa narrativa intensa, centrada sobretudo em torno da chamada política de “tolerância zero” e da aplicação do Acordo Flores (Flores Settlement Agreement — FSA). Esse acordo, firmado em 1997, estabelecia padrões mínimos para a detenção de menores imigrantes e limitava o tempo de detenção a 20 dias. Para a administração Trump, no entanto, esse dispositivo legal passou a ser interpretado como um obstáculo operacional e como um incentivo para a imigração ilegal em família.

A Casa Branca, em sua retórica oficial, classificava o Acordo Flores como uma “brecha” (loophole) jurídica, uma falha que — segundo o governo — incentivava famílias estrangeiras a atravessar ilegalmente a fronteira com crianças, sabendo que a detenção não poderia se prolongar. Essa suposta vantagem, argumentava-se, funcionava como um ímã humanitário, atraindo fluxos cada vez maiores de famílias em direção aos Estados Unidos. Em documentos oficiais, o governo afirmava que "a brecha de Flores age como um ímã, atraindo cada vez mais famílias estrangeiras para fazer a perigosa jornada até nossa fronteira", e que tal brecha "basicamente concede passe livre para o interior dos Estados Unidos a muitos estrangeiros que chegam à fronteira acompanhados de um menor".

Essa argumentação permitiu ao governo justificar medidas severas de detenção e deportação, incluindo a separação de crianças de seus pais. A política de separação, embora criticada internacionalmente, foi sustentada como parte de uma lógica dissuasiva — tornar a travessia tão traumática e arriscada que desincentivasse futuras tentativas. A lógica punitiva foi central. A presença de crianças, longe de representar uma vulnerabilidade a ser protegida, foi reinterpretada como um vetor estratégico de entrada ilegal.

Por trás dessa reinterpretação do Acordo Flores está uma concepção ideológica de fronteira e soberania profundamente alinhada com a visão trumpista de identidade nacional. A fronteira deixou de ser apenas uma linha geográfica para se tornar um símbolo político, cultural e racial. A ideia de que famílias migrantes “usam