O uso de substâncias psicoativas durante a gravidez continua a ser um tema altamente controverso, onde se entrelaçam questões de saúde pública, ética e justiça. A abordagem punitiva adotada por muitos sistemas jurídicos e de saúde, que busca penalizar as mulheres grávidas com transtornos relacionados ao uso de substâncias, não só agrava o estigma social, como também pode prejudicar a eficácia do tratamento, resultando em consequências adversas tanto para as mães quanto para seus bebês.

O transtorno de uso de substâncias é frequentemente entendido de forma simplista como uma questão de escolha individual, uma perspectiva que não leva em consideração a complexidade da dependência e suas raízes neurobiológicas. A ideia de que a pessoa tem controle total sobre seu comportamento, particularmente em relação ao uso de substâncias durante a gravidez, é amplamente contestada por especialistas. A dependência química é uma doença cerebral crônica, caracterizada pela busca compulsiva e pelo consumo de substâncias, apesar das consequências prejudiciais.

Na sociedade, a narrativa punitiva frequentemente posiciona as mulheres grávidas que consomem substâncias como responsáveis por suas escolhas, enquanto seus fetos ou recém-nascidos são vistos como vítimas sem culpa. Essa visão, influenciada por uma compreensão superficial da adição, ignora a natureza complexa da dependência e as dificuldades de tratamento. Muitas vezes, o discurso punitivo não leva em conta que a mulher, ao tentar se libertar de sua dependência, está lutando contra uma condição médica que afeta suas funções cerebrais de maneira profunda e persistente.

A crescente intersecção entre o sistema de justiça criminal e os cuidados de saúde, especificamente no tratamento de mulheres grávidas com transtornos de uso de substâncias, gera um dilema ético. A ideia de que a ameaça de prisão ou outras sanções legais pode ser uma forma de motivar o tratamento revela uma falta de compreensão do que realmente constitui uma recuperação eficaz. Muitos sistemas de saúde, influenciados por políticas de justiça criminal, falham em fornecer a assistência necessária, ou mesmo em reconhecer a complexidade do transtorno de uso de substâncias.

Em alguns casos, como o de Alexandra Laird, uma mulher grávida que foi presa em Alabama por ter testado positivo para substâncias, a tensão entre o tratamento e a punição chega a extremos. Laird, que sofria de dependência de opioides, foi privada de medicamentos adequados para gerenciar sua abstinência enquanto estava sob custódia, o que resultou em uma queda que a deixou ferida. A solução médica proposta, como o uso de Subutex, um medicamento essencial para o tratamento da dependência de opioides, foi resistida por autoridades locais, que estavam mais preocupadas com a possibilidade de venda do medicamento dentro da prisão do que com a saúde da mulher ou do bebê.

Essa abordagem punitiva não apenas expõe as mulheres a riscos físicos e psicológicos, como também desconsidera as reais necessidades de tratamento. O tratamento assistido por medicamentos, como a terapia com metadona ou buprenorfina, tem se mostrado eficaz na gestão do transtorno de uso de substâncias, especialmente para mulheres grávidas. Quando implementado corretamente, ele pode melhorar os resultados tanto para a saúde da mãe quanto para o bebê, reduzindo o risco de abstinência neonatal e outras complicações.

Além disso, é importante ressaltar que o tratamento eficaz não se resume ao uso de medicamentos. A assistência psicosocial, o apoio familiar e a criação de um ambiente seguro e livre de julgamentos são cruciais para o sucesso do tratamento. A estigmatização de mulheres grávidas com dependência de substâncias pode resultar em um ciclo de desesperança e exclusão, tornando mais difícil para essas mulheres buscar a ajuda de que realmente precisam. Quando o sistema de saúde e justiça criminal priorizam a punição em detrimento do cuidado, as mulheres podem se sentir desencorajadas a procurar tratamento, o que perpetua a dependência e suas consequências prejudiciais.

A compreensão de que o transtorno de uso de substâncias não é uma questão de simples escolha, mas uma condição médica complexa, é essencial para a construção de políticas de saúde pública mais humanas e eficazes. A ênfase deve ser colocada na educação, no acesso a tratamentos adequados e na eliminação do estigma, permitindo que as mulheres grávidas com transtornos de uso de substâncias possam buscar ajuda sem o medo de punição ou condenação social. Quando as políticas de saúde e justiça trabalham juntas para apoiar, em vez de punir, essas mulheres, os resultados são mais positivos, tanto para elas quanto para seus filhos.

Como a atuação penal influencia a gravidez sob o prisma do direito e da saúde pública?

A interseção entre o direito penal e a saúde pública, especialmente no que tange às políticas dirigidas a gestantes com uso de substâncias, revela uma complexidade intrínseca marcada por tensões éticas, jurídicas e sociais. No cenário descrito, procuradores e defensores adotam uma postura ambivalente ao manejar a delicada questão do aborto, da custódia e do tratamento de dependência química em gestantes. Em várias ocasiões, a atuação do Estado busca utilizar uma estratégia que mistura incentivos e coerção — o que foi denominado como “martelo de veludo” — para garantir a continuidade da gravidez e o abandono do uso de drogas, condicionando benefícios processuais e até a suspensão de acusações à adesão a programas de tratamento.

Todavia, a realidade dos processos demonstra uma incerteza considerável sobre o sucesso dessas políticas. Alguns agentes do sistema relatam percepções de redução na exposição neonatal a drogas, baseadas em números absolutos, mas reconhecem a dificuldade de isolar o impacto direto das ações penais frente a outros fatores, como educação e disponibilidade de serviços. Outros expressam dúvidas quanto à efetividade real, sugerindo que o medo de punições pode levar gestantes a buscar atendimento em locais onde não são submetidas a testes ou processos judiciais, o que compromete a qualidade e a universalidade do cuidado pré-natal.

Os casos individuais retratados exemplificam as ambiguidades do sistema: mesmo quando se obtém um resultado aparentemente “positivo”, como o nascimento de uma criança saudável após a internação da mãe gestante, o desfecho social é frequentemente menos auspicioso, com recorrência do uso de substâncias, reincidência criminal e encarceramento em ambientes severos. A experiência pessoal dos promotores, marcada por um misto de compaixão e frustração, evidencia a tensão entre a vontade de oferecer uma “segunda chance” e a rigidez do sistema penal, que acaba por limitar as possibilidades de reintegração social e recuperação efetiva.

Além disso, a crítica central à abordagem punitiva reside na sua incapacidade de lidar com a complexidade da dependência química enquanto condição crônica e multifatorial. O uso do direito penal para impor tratamento muitas vezes ignora evidências médicas contemporâneas que indicam que o transtorno por uso de substâncias exige intervenções contínuas, que abordem traumas subjacentes e que reconheçam a alta taxa de recaídas como parte do processo terapêutico. A falta de ampliação e democratização dos serviços de apoio adequados, combinada com o clima de criminalização, pode afastar gestantes dos serviços de saúde, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade.

Organizações médicas e grupos de defesa da saúde rechaçam medidas punitivas por temerem o aumento das disparidades no acesso ao cuidado, alertando que a ameaça de encarceramento ou perda da guarda dos filhos pode silenciar a busca por acompanhamento médico essencial. Estudos epidemiológicos reforçam que o receio das consequências legais afasta muitas gestantes que usam substâncias dos serviços pré-natais, contrariando pressupostos simplistas que desconsideram o cuidado que essas mulheres dedicam aos seus filhos. A complexidade do fenômeno requer, portanto, uma abordagem que transcenda o controle judicial e reconheça a necessidade de políticas públicas fundamentadas em direitos humanos, empatia e evidência científica.

É fundamental compreender que a criminalização da gravidez ligada ao uso de drogas não apenas falha em solucionar os problemas subjacentes, como potencializa as desigualdades sociais e sanitárias já existentes. O estigma e o medo gerados pela ameaça punitiva podem comprometer a relação entre paciente e profissional de saúde, dificultar intervenções precoces e eficazes, e agravar resultados maternos e infantis. Assim, para além das medidas legais, é imprescindível o desenvolvimento de uma rede integrada de apoio, que ofereça tratamento acessível, contínuo e culturalmente sensível, assegurando que a proteção da saúde e dos direitos das gestantes prevaleça sobre a lógica do controle penal.