O fenômeno de Donald Trump e a ascensão da alt-right nos Estados Unidos são inseparáveis de um contexto econômico e político mais amplo, que remonta aos últimos 35 anos de capitalismo neoliberal. A crise financeira global de 2008 e a subsequente implementação de políticas neoliberais ampliaram um fosso entre ricos e pobres, gerando descontentamento e alienação nas classes trabalhadoras, um terreno fértil para o crescimento de movimentos de extrema-direita. Este cenário, como observa Henry Giroux (2017), pode ser descrito como uma forma de “fascismo à moda americana”, onde a insatisfação com a elite política, incluindo figuras como os Clinton, se transforma em uma rejeição generalizada ao establishment e abre caminho para a legitimação de ideologias extremistas.

O capitalismo neoliberal, como moldado por líderes como Ronald Reagan e Margaret Thatcher, impôs um modelo que favorece os mercados livres e enfraquece os direitos dos trabalhadores. Inspirado no regime de Augusto Pinochet no Chile, esse modelo promoveu uma competição desenfreada, onde a suposta criação de riqueza pelos empresários deveria, em tese, beneficiar toda a sociedade. Contudo, o que se viu na prática foi uma concentração ainda maior de poder e riqueza nas mãos de uma minoria, enquanto vastas camadas da população eram empurradas para a marginalização.

É nesse contexto de polarização social e política que figuras como Donald Trump se tornam possíveis. Sua retórica, simplista e inflamante, explora divisões profundas e se alimenta de um sentimento generalizado de perda de identidade, segurança e classe. Trump, em suas interações nas redes sociais, particularmente no Twitter, construiu uma imagem polarizada do mundo, onde amigos e inimigos são definidos de maneira clara e agressiva. Seus "amigos" são sempre elogiados como excepcionais, enquanto seus "inimigos" são sistematicamente desqualificados com adjetivos como "falhos", "mentirosos" e "incompetentes". Esse jogo de opostos, tão característico de sua política, é um reflexo do ambiente divisivo criado pelo neoliberalismo, onde o antagonismo se torna uma estratégia eficaz para mobilizar uma base de apoio cada vez mais desesperada e insatisfeita.

Ao lado de Trump, a alt-right emergiu como um movimento que se apropria dessas divisões e as transforma em um movimento ideológico, com uma retórica de ódio que busca deslegitimar qualquer forma de crítica ou oposição. A alt-right, embora muitas vezes apresentada como uma manifestação de ultradireita ou conservadorismo tradicional, é mais do que isso. Sua fundação, como observa Andrew Anglin, um dos seus principais teóricos, repousa na reconstrução de um nacionalismo branco que remonta a movimentos supremacistas anteriores, mas com um toque moderno que mistura as ruas e a internet como plataformas de disseminação. A alt-right não é apenas uma corrente política, mas uma pedagogia pública do fascismo, que visa redefinir as normas culturais e políticas dos Estados Unidos e, por extensão, do mundo ocidental.

O Twitter e outras redes sociais se tornam instrumentos essenciais para essa pedagogia do ódio, permitindo que a alt-right amplifique suas ideias e atraia seguidores com um discurso direto e simplificado. A internet, com seu formato curto e imediato, é o campo de batalha onde as ideias se chocam, sendo tanto um terreno para desinformação quanto uma ferramenta de mobilização. A facilidade com que Trump e outros líderes alt-right podem manipular a opinião pública, disseminando narrativas de fake news e teorias da conspiração, é um reflexo da fragilidade da verdade em um ambiente digital fragmentado e polarizado.

Porém, a alt-right não se limita à esfera digital. Suas manifestações físicas, como as que ocorreram em Charlottesville em 2017, revelam uma faceta mais agressiva e militante. Líderes como Richard Spencer e Christopher Cantwell se tornaram símbolos dessa nova onda de fascismo, com Cantwell, em particular, se destacando pela combinação de atividade nas ruas e propaganda online. A violência de rua e os protestos, como os de Charlottesville, ilustram a crescente normalização da violência como meio de promoção de ideologias extremistas, que em muitos aspectos não são tão diferentes das táticas usadas por movimentos fascistas históricos.

Neste contexto, a ascensão de Trump e da alt-right é mais do que uma simples questão de política americana; ela é um reflexo de uma crise global, onde o neoliberalismo e suas contradições se transformam em terreno fértil para o florescimento de movimentos que desafiam as normas democráticas e propõem uma visão de mundo autoritária e excludente. A manipulação das massas, a criação de inimigos comuns e a promoção de uma narrativa de desinformação se tornam armas poderosas na construção de um novo tipo de fascismo, que é tanto digital quanto físico, e que tem a capacidade de se infiltrar nas estruturas políticas tradicionais.

Além disso, é crucial entender que esse processo não ocorre isoladamente. A ascensão do populismo de direita, a crescente polarização social e a crise de representatividade política são fenômenos globais, alimentados por um modelo econômico que falhou em cumprir as promessas de progresso e bem-estar para a maioria. O desmantelamento de políticas públicas de proteção social, a precarização do trabalho e a erosão da democracia são componentes fundamentais desse cenário. A luta contra o fascismo e as ideologias de extrema-direita exige, portanto, uma abordagem holística que envolva tanto a crítica ao sistema neoliberal quanto a defesa de uma democracia mais inclusiva, justa e solidária.

Como a Alt-Right Utiliza a Pedagogia Pública para Propagar o Fascismo

O movimento Alt-Right busca solidificar uma contra-cultura autossustentável e, eventualmente, transformá-la na cultura dominante, como argumenta Anglin (2016). Esse movimento observa a revolução cultural liderada pelos judeus nas décadas de 1960 como um modelo a ser seguido, com o objetivo de reverter as mudanças sociais que definiram a era pós-Second World War. Para Anglin, a ascensão da Alt-Right se baseia em um desejo de restaurar a América à sua forma original, um país que, em sua visão, deve ser governado por valores tradicionais e raciais.

A linguagem e as declarações de figuras como Donald Trump desempenham um papel crucial nessa pedagogia pública da Alt-Right. As palavras de Trump sobre "países de merda" e suas preferências por imigrantes de certas origens, como os noruegueses, são vistas como momentos de apoio implícito aos ideais da extrema-direita. Anglin, por exemplo, argumenta que as observações de Trump não são racistas, mas indicam uma preocupação com a meritocracia, especialmente em relação à imigração asiática, que seria, segundo ele, mais aceitável porque contribuiria para a economia dos EUA. Essa linha de pensamento reflete a tentativa da Alt-Right de criar um Estado baseado na "raça branca", onde os imigrantes seriam escolhidos com base em critérios que favoreçam os interesses do grupo dominante.

Em consonância com essa narrativa, outras figuras da Alt-Right, como Richard Spencer, reforçam essa ideia de retorno a um ideal conservador, onde a supremacia branca é considerada não apenas válida, mas necessária para a manutenção da ordem e prosperidade. Spencer, por exemplo, ridicularizou as iniciativas humanitárias em lugares como o Haiti, sugerindo que o verdadeiro objetivo das ações militares dos EUA deveria ser a dominação, e não a ajuda. Em sua visão, a guerra deve ser um meio de afirmar o poder e a superioridade de uma civilização branca sobre outras, algo que ele expressa de maneira explícita ao discutir o "domínio" sobre outros povos.

Esse discurso se traduz em ações concretas dentro de eventos como o comício de Charlottesville, onde figuras da Alt-Right como Christopher Cantwell se tornaram protagonistas de um novo tipo de pedagogia pública para o fascismo. Cantwell, no evento, não só fez declarações abertamente racistas, como também defendeu a violência como uma forma legítima de defesa de seus ideais. A combinação de antissemitismo, racismo e misoginia é uma característica recorrente entre os membros da Alt-Right, e a violência se torna uma ferramenta aceita e, em alguns casos, até mesmo desejada para alcançar os objetivos do movimento.

A pedagogia pública da Alt-Right vai além do simples discurso; ela envolve uma tentativa de formar uma nova identidade coletiva, baseada na reinterpretação da história, nos valores de uma "cultura branca" idealizada e em um apelo explícito à violência contra aqueles que são vistos como inimigos ou como responsáveis pela decadência da sociedade. Essa pedagogia de ódio, como é chamada por Giroux (2010), busca criar uma cultura de resistência contra o que é percebido como a erosão da identidade e da ordem tradicional, particularmente contra os avanços dos direitos civis e a diversidade racial.

Entretanto, para o leitor, é crucial entender que a Alt-Right não se limita à criação de um movimento ideológico passivo; ela é um fenômeno ativo e agressivo que se infiltra nas instituições e utiliza a mídia social para expandir suas ideias. O uso de slogans como "Jews will not replace us" (os judeus não nos substituirão) ou "Make America Great Again" é apenas uma fachada para um movimento profundamente radical que visa desestabilizar as normas democráticas e promover uma visão de mundo onde a violência e a intolerância são vistas como respostas legítimas à "decadência" da sociedade moderna.

Portanto, é fundamental que o leitor compreenda que, além de simplesmente conhecer o que está sendo dito e propagado por esses grupos, deve-se observar como esses movimentos estão se organizando e se fortalecendo. O discurso de ódio e a retórica fascista não devem ser subestimados ou normalizados, pois eles podem se traduzir em ações violentas e transformadoras do tecido social. O estudo desse fenômeno deve ser feito com um olhar atento não apenas sobre o conteúdo, mas também sobre a forma como ele se espalha e se infiltra nas estruturas sociais e políticas existentes, moldando as atitudes e comportamentos das pessoas em níveis individuais e coletivos.