A metatarsalgia é uma condição complexa que afeta a planta do pé, mais especificamente a região metatarsal. As alterações biomecânicas do pé durante o ciclo de marcha são as principais responsáveis pelo desenvolvimento de diferentes tipos de metatarsalgia, que variam em apresentação clínica e tratamento. As fases do ciclo de marcha, denominadas como "roqueiros", desempenham um papel crucial na compreensão da evolução dessa patologia.

No segundo roqueiro, que ocorre durante a fase de apoio do pé, o movimento de flexão plantar do metatarso pode resultar em uma sobrecarga da região metatarsal, causando dor localizada sob a cabeça do metatarso, também conhecida como metatarsalgia de segundo roqueiro. Esta fase é caracterizada por uma pressão excessiva no meio da planta do pé, que leva ao desenvolvimento de queratose (calosidade) sob os ossos metatarsais, frequentemente associada a uma alteração da mecânica do pé, como no caso do pé cavo ou devido a disfunções neurológicas.

No terceiro roqueiro, o movimento do pé se torna mais propulsivo, caracterizado pela rotação externa do pé sobre o solo. Esta rotação gera um cisalhamento da gordura plantar, especificamente abaixo das cabeças metatarsais menores, onde podem surgir queratoses difusas, difíceis de diferenciar sem uma análise mais detalhada. A sobrecarga contínua sobre a placa plantar pode resultar em sua ruptura, causando deslocamento dorsal da base da falange, o que leva ao desgaste do osso esponjoso metatarsal e, em alguns casos, a fraturas transversais no metatarso, comprometendo o fluxo sanguíneo e favorecendo a necrose óssea.

O diagnóstico de metatarsalgia requer uma avaliação detalhada da mecânica do pé, com destaque para as fases do roqueiro, além de um exame radiológico que ajude a determinar a extensão da deformidade e a possível presença de lesões ósseas associadas. O exame radiológico deve incluir radiografias de peso, realizadas nas projeções anteroposterior e lateral do pé, com especial atenção à visualização da articulação cuneometatarsal e à correta alinhamento dos metatarsos.

Existem variações na forma como a metatarsalgia se apresenta, como no caso da metatarsalgia com recrutamento dos extensores. Nesse tipo de metatarsalgia, o músculo extensor digitorum longus assume parte da função de propulsão do pé durante o segundo e terceiro roqueiros, o que pode resultar em deformidades em garra nos dedos, causando dor ao friccionar com o calçado. A cirurgia pode ser necessária, com a realização de tenotomia do extensor e posterior reinserção do músculo no cuneiforme lateral, a fim de corrigir essa deformidade.

Em alguns casos, a metatarsalgia pode ser associada à síndrome do segundo espaço intermetatarsal. Nesse quadro, os dedos segundo e terceiro se desviam em direção a uma base de apoio maior, criando um efeito de "pólo" durante o terceiro roqueiro, o que leva ao agravamento da dor e da queratose plantar. Esse fenômeno é muitas vezes acompanhado por sinais de sinovite na articulação metatarsofalângica. O tratamento dessa condição envolve o encurtamento dos metatarsos afetados para restaurar a parábola metatarsal e aliviar os sintomas.

Quando se observa uma metatarsalgia mais complexa, que combina características de múltiplos roqueiros, o diagnóstico e o tratamento tornam-se desafiadores. A metatarsalgia mista, que envolve a combinação de alterações mecânicas do segundo e terceiro roqueiros, exige uma análise detalhada para planejar a abordagem terapêutica mais adequada, o que pode envolver correções cirúrgicas, fisioterapia ou o uso de órteses.

A radiologia desempenha um papel fundamental no diagnóstico da metatarsalgia, especialmente nas imagens de peso, que permitem a análise da posição dos metatarsos sob carga. Projeções bem realizadas, como a radiografia dorsal-plantar e lateral, são essenciais para identificar deformidades e planejar intervenções cirúrgicas adequadas. Além disso, a análise cuidadosa dos ângulos de inclinação dos metatarsos e a posição das cabeças metatarsais são cruciais para avaliar a necessidade de correção.

No tratamento conservador, além da escolha de calçados apropriados que distribuam adequadamente a pressão no pé, o uso de órteses personalizadas pode ajudar a redistribuir a carga sobre a planta do pé. Em casos mais graves, quando as abordagens conservadoras falham, a intervenção cirúrgica, como a correção do alinhamento metatarsal ou a tenotomia dos músculos envolvidos, pode ser necessária para restaurar a função do pé e aliviar a dor.

Entender o papel dos roqueiros na marcha e como eles influenciam o desenvolvimento de patologias como a metatarsalgia é fundamental para um diagnóstico preciso e uma abordagem terapêutica eficaz. A avaliação radiológica detalhada e o tratamento individualizado são essenciais para o sucesso na gestão dessa condição.

Correção Cirúrgica do Pé Cavus: Uma Abordagem Abrangente

O pé cavus, caracterizado por uma deformidade rígida e exagerada da curvatura longitudinal do arco, é um desafio complexo para os ortopedistas. O tratamento cirúrgico deste tipo de deformidade exige um entendimento profundo das diferentes estruturas que podem estar envolvidas, incluindo os ossos, tendões e articulações. Em casos graves, o pé pode apresentar uma rigidez acentuada, com o calcanhar em varo e a articulação do tornozelo comprometida.

A correção de uma deformidade rígida do pé cavus normalmente começa com a transferência do tendão tibial posterior através da membrana interóssea para o compartimento anterolateral. Essa técnica visa melhorar o alinhamento do pé, especialmente quando a deformidade é associada a subluxações articulares como a de Chopart, onde tanto a articulação talonavicular quanto a calcaneocuboide podem estar visíveis e comprometidas.

O primeiro passo do procedimento é realizar uma ressecção em cunha da articulação calcaneocuboide utilizando uma serra. O tamanho da cunha removida pode variar entre 8 e 10 mm, sendo que é aconselhável começar com uma ressecção menor, ajustando conforme necessário após a correção inicial. A remoção dessa cunha permite que a articulação se realinhe, preparando a base para outras correções subsequentes, como a do subtálamo.

Após a correção da articulação calcaneocuboide, realiza-se uma ressecção semelhante na articulação subtalar, com uma cunha de aproximadamente 8-10 mm. Essa etapa tem como objetivo corrigir a inclinação do calcanhar, mas é importante observar que, em alguns casos, o alinhamento do calcanhar ainda pode permanecer em varo. Se isso acontecer, será necessário realizar uma osteotomia do calcâneo para corrigir esse desalinhamento persistente. A osteotomia do calcâneo pode ser feita para corrigir a rotação do pé, realizando-se cortes adicionais no osso, sempre com o objetivo de restaurar a estabilidade do pé.

Depois que a correção das articulações subtalar e calcaneocuboide é realizada, o próximo passo é tratar o alinhamento da articulação talonavicular. O corte em cunha é feito na cabeça do tálus, removendo toda a superfície articular para corrigir a deformidade. Após a remoção das cunhas, deve-se avaliar cuidadosamente o alinhamento geral do pé, garantindo que o antepé esteja devidamente corrigido. No entanto, se o alinhamento do calcanhar ainda permanecer comprometido, mais correções podem ser necessárias para garantir a estabilidade total do pé.

A fixação das articulações deve ser realizada com o uso de parafusos cannulados parciais, com o objetivo de estabilizar a articulação subtalar. Além disso, é crucial realizar a fixação da articulação talonavicular e da calcaneocuboide utilizando parafusos, observando a qualidade óssea e a compressão alcançada. Em alguns casos, pode ser necessário usar placas adicionais para garantir a estabilidade da articulação calcaneocuboide, uma vez que o cuboide tende a subluxar para a parte plantar. A elevação do antepé também pode ser necessária, para evitar sobrecarga lateral no momento de suporte de peso.

Se, apesar da correção das articulações, o base da base do quinto metatarso continuar a ser um ponto de pressão excessiva, a remoção do osso da base do metatarso será necessária. Isso é feito para corrigir a prominência óssea, com a osteotomia sendo realizada obliquamente para evitar qualquer saliência no lado plantar, que poderia resultar em desconforto no suporte de peso.

Uma consideração importante durante a cirurgia é a preservação do tendão peroneus brevis. Em casos mais graves de deformidade, esse tendão pode precisar ser desconectado e redirecionado, especialmente se houver necessidade de transferir o tendão peroneus longus para compensar a função do tendão brevis. A transferência do tendão tibial posterior também pode ser essencial para garantir a estabilidade do pé após a correção. Caso a transferência do tendão tibial posterior não seja suficiente para manter a estabilidade, a estabilização adicional dos ligamentos laterais do tornozelo pode ser necessária.

É importante que, após a correção, o alinhamento geral do pé seja bem avaliado. Caso a deformidade persista, a instabilidade do tornozelo pode ser exacerbada, o que requer atenção adicional. Para garantir a estabilidade duradoura do pé, além da correção óssea, a reabilitação pós-cirúrgica e a monitorização contínua são de extrema importância.

Além da correção óssea, em casos severos, pode ser necessário realizar procedimentos adicionais de tecidos moles, como a liberação da fáscia plantar, alongamento do tendão de Aquiles ou recessão do gastrocnêmio. Esses procedimentos são muitas vezes essenciais para alcançar uma correção completa, pois equilibram a força muscular e a flexibilidade do pé, prevenindo a recorrência da deformidade.

Como Lidar com a Recorrência do Pé Equino Varo: Entendendo o Tratamento e a Prevenção

O tratamento do pé equino varo, principalmente por meio do método de Ponseti, tem mostrado grande eficácia na correção das deformidades. No entanto, a recorrência é uma possibilidade frequente, e entender as causas, a abordagem correta e os cuidados necessários para prevenir esse retorno da deformidade são fundamentais para o sucesso a longo prazo.

Após a correção inicial, um dos pontos cruciais é a realização de uma tenotomia percutânea do tendão de Aquiles. Esse procedimento é simples, rápido e deve ser realizado somente quando os componentes da deformidade já estiverem corrigidos, o que implica em alcançar, ao menos, 60° de abdução do pé, correção do cavus e um pé com o retropé em valgo ou neutro. A tenotomia de Aquiles é uma das etapas essenciais no processo de tratamento, pois permite o aumento da dorsiflexão, o que reduz a tensão do complexo gastrosoleo e facilita o alinhamento do pé.

O procedimento em si é simples, realizado com anestesia local ou geral, dependendo do centro médico. A incisão é feita ao longo da borda medial do tendão, e a translação do tendão é confirmada por uma perda súbita de resistência. Essa intervenção é seguida por um gesso pós-tenotomia, que deve manter o pé em abdução de 60°–70° e com a dorsiflexão máxima de, pelo menos, 20°, com o joelho imobilizado por 3–4 semanas. Esse gesso é fundamental para garantir que a correção permaneça estável durante a recuperação inicial.

O uso do talisca abdutora é outro componente essencial do tratamento, projetada para manter a correção alcançada. Importante, esse dispositivo não tem função corretiva, mas sim estabilizadora, garantindo que a deformidade não retorne. A talisca deve ser o mais anatômica possível, feita de materiais suaves e duráveis, de fácil instalação e ajustável. O uso da talisca deve ser feito por 23 horas por dia nos primeiros 3 a 4 meses, com redução gradual do tempo à medida que a criança cresce e o tratamento avança, até cerca de 12–14 horas por dia, com o uso concentrado durante a noite e sonecas.

É importante lembrar que, apesar do método de Ponseti ser considerado não invasivo, a adesão rigorosa ao uso da talisca é fundamental para evitar recorrências. Infelizmente, até 48% dos casos podem apresentar recidivas, e essas recaídas estão diretamente relacionadas a uma falha na correção completa do pé ou à falta de adesão ao uso adequado da talisca. As razões para a recorrência variam, mas incluem principalmente falhas no acompanhamento e na conscientização dos pais sobre a importância do uso contínuo do aparelho, além de dificuldades sociais, econômicas ou logísticas que podem interferir no tratamento.

Quando a recorrência ocorre, o tratamento deve ser iniciado de maneira semelhante ao tratamento de um pé não corrigido. Isso envolve a aplicação de gessos moldantes para corrigir cada deformidade e alcançar novamente 60° de abdução. Se a dorsiflexão não atingir 15 graus, uma nova tenotomia de Aquiles é necessária. Para crianças maiores de 3 anos, pode ser necessário realizar uma tenotomia tripla, e em casos mais complexos, uma transferência do tendão tibial anterior pode ser indicada. Contudo, essa transferência só é realizada em casos específicos, como em crianças com mais de 4 anos, e não serve para corrigir deformidades, mas para estabilizar a correção.

Com o avanço do tratamento e com o crescimento da criança, a necessidade de usar a talisca diminui, e após os 4 anos, as recorrências tornam-se muito raras. Mesmo assim, é recomendável que a talisca seja usada por mais um ano se ainda houver dificuldades para alcançar 10° de dorsiflexão. O acompanhamento contínuo é crucial até essa fase, e alongamentos diários do tendão de Aquiles são fundamentais para manter a mobilidade do pé e evitar novas complicações.

Além disso, a compreensão de que o pé equino varo não é uma mera deformidade do pé, mas sim uma condição que afeta toda a perna, deve guiar a forma como se aborda o tratamento e o acompanhamento. O sucesso na prevenção de recidivas está diretamente relacionado ao diagnóstico precoce de qualquer anomalia no tratamento, ao cuidado contínuo com a posição do pé e ao comprometimento dos pais com as orientações do médico. O acompanhamento regular e a identificação de possíveis falhas na adesão ao protocolo terapêutico são essenciais para garantir que o pé mantenha sua correção e que a criança desenvolva-se adequadamente.