V. Pikul “O Cossaco Livre Ashinov (miniaturas históricas)
Apchhi, apchhi, Ashinov…” — assim era o refrão brincalhão da chansonete que um dia se entoava nos boulevards de Paris.
Sobre o caráter desse homem, melhor se julga por um único episódio. Estavam dando em casamento uma jovem por um velho que escondia a calvície sob uma peruca. A noiva, toda em lágrimas, olhou ao redor, os convidados, e de repente viu um homem alto com uma chaqueta cossaca sem galões.
— Pelo menos o senhor… me salve! — escapou dela com um gemido.
O cossaco tirou a peruca do noivo e cuspiu-lhe na careca.
— Envergonhe-se, velho — resmungou em voz grave. — Você logo vai prantear na sepultura, e ainda ousa investir contra a inocência…
— Anote… escritor! Ashinov sou eu, Nikolai de pai Ivanovich, e minha posição é a mais agradável — sou um cossaco livre…
“Cossaco Livre Ashinov”! Quem hoje o conhece?
Talvez todos já esqueceram. Entretanto, esse homem desafiou grandes potências, diplomatas lhe escreveram notas, por sua causa trovejaram salvas de cruzadores, através dos infernos dos desertos africanos marcharam exércitos inteiros. “Só pó, pó, pó — de sapatos que marcham…” Ashinov — audaz e franco — penetrou na África para ajudá-la na luta contra os colonizadores. Aviso já de início que então não havia Etiópia — o país hoje conhecido por esse nome era na época chamado Abissínia, e eu, contando-vos o passado, sou obrigado a usar esse nome antigo.
Livre! E a liberdade o levava longe: viajou pela Pérsia e pelas montanhas do Afeganistão; dizem que chegou até à Índia, e visitou até a Arábia. Às margens do Mar de Mármara Ashinov encontrou descendentes dos cossacos buavinistas fugitivos do Kuban e do Don, persuadiu-os a retornar à pátria. Quais razões o levavam pelo mundo — só satanás o sabe.
— Interessante é! — explicava Ashinov.
Gleb Uspenski, em sua época de errância, encontrou Ashinov na capital turca, e Nikolai Ivanovich confidenciou ao escritor seu sonho íntimo — penetrar nos matos africanos.
— Agora como está? — raciocinava ele com simplicidade. — Todos vão lá, todos ofendem, e nós, cossacos livres, foi Deus que mandou — para defender os ofendidos…
Ivan Sergeevich Aksakov, patriota ardente e escritor, logo após a guerra recebeu em sua casa, em Moscou, o atamã Ashinov:
— Como me achaste? E quem te enviou até mim?
— Enviou o engenheiro Valerian Panaev, pois sabes, és escritor e conheces todos os jeitos… Ajuda os cossacos livres a estabelecerem-se nas terras circassianas. Não temos casa, nem chão!
Em 1883 falava-se de Ashinov nos jornais. Valerian Panaev escrevia que descobrira no atamã “uma ousadia extraordinária, visão clara das coisas, impulso inconsciente de buscar luta com obstáculos, em que, parece, consiste todo o sentido de vida de tais homens…”. Aksakov fez Ashinov conhecer pessoas influentes, o governo concedeu aos cossacos um empréstimo em dinheiro.
— Depois farás contas dos créditos — disseram ao atamã.
— Pois bem... não beberemos tudo — prometeu ele em resposta.
Perto de Sukhumi foram concedidas terras para cultivo aos cossacos.
Mal conseguiram se orientar, eis que vieram os funcionários — para cobrar impostos; a liberdade destroçou toda a autoridade; mandaram também um contador para organizar escrituração, os cossacos expulsaram o contador.
— Livros encadernados — nossa ruína! — proclamou Ashinov. — Obras não devem obedecer a decretos, mas sim à consciência…
Durante essa conversa no gabinete do ministro estava presente um general belo em uniforme cinza. Ele perguntou secamente:
— O que é isso de “ilegal”?
Ashinov explicou que é atamã sobre aqueles que não têm passaporte, que não estão inscritos em lugar algum, vivem onde der, dormem sob barcos, vagueiam nos cais — esses são os “ilegais”.
— E sabes quem eu sou? — perguntou o general de cinza.
— Não me lembro de ter encontrado.
— Ainda bem que não lembraste! Sou irmão do czar, o grão-duque Vladimir… Agora eu também assobio, e meus “legais” virão, prender-te-ão na prisão por insolente, e ficarás dali olhando por frestas. Que direito tens de vangloriar-te de comandar um quarto de milhão de homens, se o poder sobre todos os povos do império pertence ao meu irmão?
Às essas ameaças Ashinov respondeu em parábola:
— Quem por aqui assobia, e quem na Rússia apenas boca abre…
No hotel foi encontrado pelo adido militar britânico:
— Sejamos francos. A pátria te trata como madrasta. Vives de favor… Queres dinheiro? Queres armas?
Descobriu-se que dinheiro podia-se obter em Constantinopla, e armas… armas depois! Mas o adido não vacilou no essencial — para que ele recruta os cossacos? Ashinov imediatamente visitou o engenheiro Panaev, contou-lhe sobre a visita do adido, Panaev informou Aksakov, Aksakov comunicou a Khitrovo (o cônsul russo no Cairo, que passava férias em São Petersburgo); de quartéis de cossacos foi convidado para conselho um coronel esperto Dukmasov. Decidiram em conjunto: o governo não se envolverá nisso, mas ceder às propostas do adido, para revelar os planos traiçoeiros da Inglaterra!
Ashinov foi. Mas em um compartimento vizinho — sob disfarce de peregrino — o acompanhava o coronel Dukmasov, que jamais denunciou seu convívio com o atamã; depois navegaram pelo mar até a capital turca. Em Constantinopla Dukmasov encontrava-se com o cossaco secretamente — na maioria das vezes em cafés; uma vez Ashinov lhe disse:
— Não acredito — respondeu o embaixador. — Os ingleses são cavalheiros.
— O que é preciso para creres? — perguntou Dukmasov.
— Um saco de dinheiro de Ashinov…
Ashinov de noite entrou na embaixada e apresentou ao embaixador o dinheiro recebido do embaixador britânico — sir Drummond:
— Aqui esses trinta denários. Mas não somos filhos de Judas!
— Se for assim — respondeu o embaixador — entregue-os ao tesouro.
— E como chegarei ao Negus João?..
Com o dinheiro inglês, concedido para conflito no Afeganistão, o atamã partiu para a África, e Dukmasov encontrou, no dependência do Monte Atos, cossacos livres (todos estavam com os cavalos, armas guardadas em bainhas). Sabendo pelo coronel que seu atamã já navegava pelo Mar Vermelho via Suez, eles arrebataram seus cavalos.
— Não está longe — diziam os cossacos. — Atravessando a Síria, atravessando a Palestina… A língua dada? Ela nos levará até Addis-Abeba!
Sem temer as longas estradas pelos desertos torrados pelo sol, os cossacos saíram aos pares pelos portões do Monte Atos.
— Rapazes, o mar vos encontrará no caminho.
— Sabemos disso… e que importa o mar! — respondiam os cossacos.
A religião então tinha papel significativo na vida dos povos. Peregrinos russos partiam aos montes de Odessa para Jerusalém, e ali, nas hospedarias dos mosteiros cristãos, muitos viviam junto com etíopes. Rejeitados pelos europeus como “impuro”, os filhos da antiga Abissínia encontravam abrigo entre o povo russo. Assim, na Abissínia sabiam que lá longe ao norte vive um povo bom — os russos; e no interior da Rússia camponesa o povo simples sabia que além dos mares e das montanhas bíblicas vivem “árabes ortodoxos”. A Abissínia adotou o cristianismo antes que ele penetrasse na consciência dos europeus. O país tinha uma história muito rica e, eu diria, excessivamente “pomposa”. Não há epítetos coloridos que não se apliquem à “Terra da Rainha de Sabá” — aquela mesma que cativou o sábio rei Salomão! Ficando atrás em civilização dos povos da Europa, a Abissínia ultrapassou muitos outros povos africanos em muito. Houve época em que o país era tão poderoso que por séculos não teve inimigos, e o grande Negus‑Negesti (rei dos reis) David II mandou que seus guerreiros, por falta de adversários, chicoteassem o solo com seus pés; os etíopes queimavam sem piedade dez carroções de incenso de igreja, e a fumaça perfumada erguia-se como coluna aos céus… Tudo isso é passado. Mas ainda hoje Abissínia — país unido na África! — conseguiu resistir ao ataque dos colonizadores europeus. Vinte milhões de habitantes. “Cofre” de tesouros abençoados da terra, onde há de tudo — do almíscar ao ouro. Que presa suculenta para os invasores! Os colonizadores já estavam prontos para avançar…
— Ekuan kaných (significa: “Finalmente, também tu tiveste sorte”)!..
Mas, fiel a si mesmo, Ashinov advertiu a moça:
— Casarei contigo! Mas saiba — que não haja conflito de tua parte. Sou cossaco livre: faço o que quero. Se estou aqui — tudo bem, se partir — não reclames…
Em Odessa esperava‑o um telegrama de Dukmasov, que advertia: se ele aparecesse em São Petersburgo, seria preso e arrastado algemado ao trem de deportação para Sukhumi — levado a julgamento!
— O que fizeste em Sukhumi? — perguntou Olga.
— Não deixei, vês, que cobrassem impostos do povo. E ainda apareceu um contador de óculos, muito culto — eu o afaguei com uma pá… Sinto, — decidiu Ashinov, — que essa não é a principal razão!
Ele estava certo. A ameaça de prisão vinha por causa de arbitrariedade, pois Ashinov ousara fazer o que somente o ministro das Relações Exteriores podia fazer. Na essência, o cossaco instituiu por conta própria relações diplomáticas da Rússia com um país africano que prestes estava a ser colonizado. Mais ainda, o Negus João o aceitou como representante oficial de São Petersburgo, e o fogo dos rifles cossacos perto das fronteiras do Egito ameaçava a Rússia com novas complicações com o gabinete britânico. Agora Nikolai Ivanovich leva presentes do “rei dos reis” ao imperador Alexandre III, e este não quer presentes, pois o intercâmbio de dádivas entre monarcas implica também o início de relações diplomáticas. Sim, Ashinov fez um bom nó na África…
— Olha, Olenka, — disse ele à esposa, — vai para papai e mamãe, contente‑os de que tu te casaste com homem muito bom. Mas não podes ainda mostra‑lo, porque há muito a prisão te espera. Adeus! Se Deus quiser, ainda nos confessaremos…
Chegando à capital com todo o cortejo (com o leão, as emas e a sobrinha do Negus), Ashinov se refugiou da polícia nos quartéis cossacos no Canal Perimetral. Ali foi encontrado por M. N. Katkov, jornalista reacionário influente, com acesso direto ao czar. De fato, Katkov tinha opiniões particulares sobre o desenvolvimento da política russa, diferentes das do czar, e por isso não acusou Ashinov de nada — pelo contrário, resolveu lhe dar sua proteção.
— O que te sucedeu, Nikolai Ivanovich? — perguntou ele.
Essa perspectiva não amedrontou Ashinov:
— Seria bom ter motivo para ser enforcado, e não só pelo pescoço! Pois não luto por mim. Deus me vê, esforço‑me com todas as forças para que haja justiça no mundo. Para que o forte não oprima o fraco…
Katkov botou o chapéu‑coco, calçou as luvas:
— Fica quieto aqui! Eu irei aos altos escalões para te salvar…
O leão pouco depois morreu, foi enterrado com lágrimas nas margens do Canal Perimetral. Com pena das emas, Ashinov as levou de trem noturno para Gatchina e as deixou nos pavilhões reais de criação de aves. E a sobrinha do Negus adaptou‑se muito bem à vida nos quartéis; graças aos cossacos — cada um a presenteava a “arapinha”: quem com doce, quem com pão doce, quem com um bagel com passas. Apareceu de novo o impecável cavalheiro Katkov:
— Discuti com o ministro da justiça. Mas tudo resolvi. Considera, nosso soberano aceitou os presentes do Negus, e o que daí seguirá — não sei. Ensinarão a menina às custas do Estado. Mas Girs, ministro das Relações Exteriores, está pronto para te afogar em tinteiros!
É verdade que Girs não suportava Ashinov, que lhe trouxera, como ministro, preocupações extras, mas para então o atamã já dominava bem a língua dos etíopes, e, caso ocorressem negociações, não se podia prescindir dele. Em breve Ashinov apareceu ao ministro da guerra, entregando diante dele 10.000 rublos. Os cossacos livres (pois livres eram!) não querendo ficar dependentes do governo, devolviam o empréstimo dado para estabelecer assentamentos perto de Sukhumi.
— Que saco de rublos tu me viraste! — indignou‑se o ministro. — Ainda não sou tesoureiro, diabos.
— E eu também não sou tesoureiro. Uma vez me relacionei com teu irmão‑ministro, mas não mais. Arranjarei outros amigos…
Depois disso Ashinov desapareceu, e começaram a esquecê‑lo. Logo na cruel batalha morreu o Negus João — o trono de Addis‑Abeba passou ao Negus Menelik, bravo guerreiro e político de habilidade, a quem a Abissínia muito deve em sua turbulenta história.
Singela estação da ferrovia de Kharkov.
Perto da plataforma ficou parada numa passagem uma carruagem puxada por dois cavalos. Uma donzela elegante segurava as rédeas revestidas por luvas prateadas. Ao seu lado estava um cavalheiro distinto em traje de casimira. A donzela disse a ele, apontando para Ashinov:
— Papai, e aí está meu marido que chegou… Kolya, venha aqui!
Khanenko ergueu acima da cabeça o chapéu de palha:
— Senhor, provas que teu amor por minha filha foi altruísta. De tua parte — é heroísmo não aparecer para pegar o dote, que, diga‑se de passagem, não é pequeno.
— Obrigado por lembrares — respondeu Ashinov, entrando na carruagem. — Precisamos urgentemente de dinheiro. Sem ele, como guerrear?..
Olga, feliz, com risos guiava os cavalos:
— Atamã, será que já não basta de guerra?..
Ashinov disse que agora, segundo os jornais, o exército francês está em rearmamento, em Paris velhas armas estão mais baratas que nabo cozido. O cossaco recebia para Olga o dote (convertido em francos franceses — cem mil francos).
— Pois, querido, como irás gastá‑los? — perguntou a esposa.
— Em armas! Vamos, arruma‑te.
— Para onde, Kolya?
— Ali saberás…
Valerian Panaev recebeu dele um telegrama: “Parabenize — vivo bem. Recebi em dote armas sistema Chassepot. Com minha esposa vamos para Addis‑Abeba.” Os jornais novamente encheram‑se do nome do atamã, e então aconteceu o que Girs nada esperava! A sociedade russa — como em desafio a Girs — apoiava solidariamente a Abissínia em sua luta pela liberdade. Ashinov lançou um apelo ao povo, e “mais de 40.000 em capital foram subscritos — escreveu Panaev. — Cerca de duzentos voluntários se reuniram, junto com os cossacos. Majoritariamente artesãos, pedreiros e carpinteiros. As pessoas reuniram‑se em Odessa, pegaram tábuas, material de construção para edificações — e Ashinov partiu…”
Mas de repente ela gemeu e recostou‑se para o lado.
— Não posso mais aguentar… perdoa‑me!
— Ei, cossacos! — gritou Ashinov, levantando‑se sob balas. — Não olhem para este lado: minha esposa vai dar à luz…
De madrugada defronte do acampamento deles posicionou‑se uma esquadra francesa, e do cruzador “Surcouf” exigiram hasteamento da bandeira russa sobre o acampamento. Ashinov viu nisso um insulto à Rússia e não baixou a bandeira. Na tenda Olga amamentava recém‑nascido, as mulheres carpinteiras, olhando para os navios franceses, calmamente descascavam sementes de girassol compradas no mercado de Odessa. A primeira bomba enviada pelo “Surcouf” abriu a areia, escaldando pessoas com grupos de estilhaços incandescentes. Ashinov com seu corpo cobriu Olga com o bebê. “Na bombardeio foram mortos cinco pessoas, entre elas três mulheres, uma delas grávida em final do termo”. Depois do bombardeio, os voluntários foram atacados por tropas de desembarque da marinha. Os franceses quebraram baús, roubaram pertences dos artesãos. Todos os russos foram presos…
Alexandre III chamou a si o ministro Girs:
— É uma canalhice! Quem deu a Ashinov passaporte estrangeiro?
— Não nós! O governador‑geral de Nizhni Novgorod, Baranov.
— E de onde lhe vêm armas para guerrear?
— Pergunte ao ministro da Marinha, Shestakov.
— Indignidade! Meus próximos ministros foram influenciados por este trapaceiro. Assim que Ashinov aparecer na fronteira, aconselho a prendê‑lo e mandar para Yakutsk…
Mas da ira czarista Ashinov com a esposa se refugiou em Paris. O bombardeio do acampamento russo indignou os franceses — especialmente os “revanchistas”, que advogavam a amizade com a Rússia, para juntos enfrentarem as ameaças de Bismarck e do Kaiser. Agora, onde quer que aparecesse Ashinov, ele recebia calorosas ovações. A escritora Juliette Adan, próxima dos socialistas, tomou o atamã sob sua proteção. A “Liga dos Patriotas” da França, que defendia aliança de guerra com a Rússia, foi dissolvida depois de manifestação
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