A ascensão de Donald Trump ao poder, especialmente durante sua campanha presidencial de 2016, destacou-se não apenas por suas propostas econômicas ou políticas externas, mas também por uma retórica explícita que tocava nas feridas raciais profundas da sociedade americana. Desde suas declarações sobre Barack Obama, questionando sua nacionalidade, até suas propostas para banir muçulmanos e suas distorcidas afirmações sobre os muçulmanos celebrando o 11 de setembro, Trump construiu uma base de apoio que se alimentava do receio racial e da animosidade contra minorias. O cenário era sombrio: uma América branca que, aos olhos de muitos de seus eleitores, estava sendo ameaçada por imigrantes latinos, muçulmanos e outras populações racialmente e culturalmente diversas.

Desde o início de sua carreira televisiva, com o programa The Apprentice em 2004, Trump usava sua plataforma para fazer afirmações ousadas e muitas vezes desrespeitosas, algo que figuras públicas tradicionais evitariam. Sua postura desafiadora, a propensão para afirmações provocativas e sua disposição em ignorar o convencionalismo político o tornaram uma figura única na política americana, capaz de envolver um eleitorado com uma narrativa de "resposta" contra o que ele descrevia como uma América sendo tomada por estrangeiros e minorias.

A marcha do nacionalismo branco ficou evidente durante o violento protesto em Charlottesville, onde supremacistas brancos e neonazistas se reuniram e gritaram slogans como "Os judeus não nos substituirão", ecoando o lema nazista "Sangue e Solo". A reação de Trump, ao afirmar que havia "pessoas muito boas" de ambos os lados, foi suficiente para que figuras como Richard Spencer e David Duke, líderes do nacionalismo branco, se sentissem apoiados por sua retórica. Para eles, Trump representava a concretização de um movimento que há muito buscava uma voz legítima no cenário político.

A estratégia de Trump foi clara: ele apelava para um eleitorado branco que temia uma perda permanente de status econômico e social. Ao contrário de seus predecessores republicanos, como Richard Nixon ou Ronald Reagan, que em momentos de retórica racista tentavam manter a discrição, Trump foi explícito, jogando fora o véu de respeito às convenções políticas e sociais. Sua promessa de "Make America Great Again" não foi apenas uma tentativa de recuperar a economia ou o poder global, mas também uma chamada para restaurar uma ordem racial que, segundo ele, estava sendo desfeita pela imigração e pela mudança demográfica.

A chave para o sucesso de Trump em 2016 não foi apenas a retórica de medo racial, mas a fusão dessa narrativa com um mal-estar econômico real. A classe trabalhadora branca, especialmente nas regiões desindustrializadas dos Estados Unidos, se viu refletida em sua mensagem. A estagnação econômica e o desmantelamento das indústrias foram usados como justificação para as frustrações sociais, com Trump sugerindo que os imigrantes e as minorias estavam, de alguma forma, responsáveis pela deterioração da economia.

Embora Trump tenha evitado atacar diretamente os negros em sua campanha, o legado histórico da discriminação racial estava tão impregnado no Partido Republicano que ele nunca precisou fazer isso explicitamente. Sua eleição representou a culminação de décadas de políticas que, ao mesmo tempo que se apresentavam como inclusivas, na prática excluíam uma grande parte da população. A retórica de Trump e a divisão racial que ele cultivou estavam profundamente ligadas a um sistema político que historicamente organizava as suas políticas para atender às necessidades da população branca, em detrimento das minorias.

Além disso, a base de apoio de Trump foi heterogênea. Seus eleitores vinham de diferentes classes econômicas, com rendas variando de abaixo de 50 mil dólares anuais até mais de 100 mil dólares, refletindo a amplitude de seu apelo. A questão racial, longe de ser um ponto isolado, estava intimamente ligada à sensação de perda de poder e identidade por parte de muitos brancos, que viram em Trump alguém que falava diretamente às suas angústias. Isso explica por que, mesmo que muitos de seus apoiadores não fossem racistas conscientes, eles estavam dispostos a apoiar um candidato que não hesitava em abraçar o nacionalismo branco como parte de sua plataforma.

Trump desafiou a velha política republicana, que tentava disfarçar suas intenções por trás de discursos sobre civismo e integração. Ao colocar de lado qualquer disfarce, ele revelou as verdadeiras motivações que sempre estiveram por trás da política republicana: garantir que os interesses dos brancos americanos fossem priorizados, acima de qualquer outra coisa. A ideia de que os brancos estavam sendo vítimas de uma agenda conspiratória de "grupos de interesse" foi central para a narrativa de Trump. E, ao mesmo tempo que apelava para a raiva e frustração econômica, ele não hesitou em acentuar o medo da mudança racial e cultural, argumentando que a verdadeira América estava sendo ameaçada e precisava ser resgatada.

A ascensão de Trump e sua vitória em 2016 não podem ser explicadas unicamente por uma crise econômica ou uma resistência política. A combinação de ambos, o medo racial e a insegurança econômica, permitiu que ele formasse uma coalizão ampla, composta por brancos de diferentes classes sociais, unidos pelo receio de um futuro onde seu status não seria mais garantido. Esse fenômeno não foi uma anomalia momentânea, mas uma continuação de um processo de polarização racial que se arrasta por décadas na política dos Estados Unidos.

A Manipulação Política das Atitudes Raciais na Política Americana

A história política dos Estados Unidos é, em grande medida, uma narrativa de idas e vindas entre atitudes raciais e políticos dispostos a explorá-las para ganhos eleitorais. As questões raciais sempre foram um terreno fértil para a manipulação política, uma vez que são fáceis de ativar para mobilizar a base de apoio. A eleição de Barack Obama, que foi vista como um marco de um "futuro pós-racial", não alterou essa realidade fundamental. Ao contrário, os dados demonstraram que atitudes raciais e étnicas se tornaram preditores ainda mais fortes do comportamento eleitoral a partir de 2008. Esse fenômeno se manteve durante o primeiro mandato de Obama, influenciando com intensidade as eleições de 2010 e 2012.

A eleição de Obama gerou um efeito de transbordamento, levando a uma racialização de questões que antes eram consideradas independentes, como saúde, imigração, direitos dos muçulmanos e latinos, e a recuperação econômica pós-recessão. Distritos republicanos, já conservadores racialmente, se tornaram ainda mais radicalizados após sua eleição. A animosidade racial foi um fator determinante na derrota sofrida pelos democratas nas eleições de meio de mandato de 2010, bem como na recusa dos republicanos em cooperar com a Casa Branca, o que resultou em um período de paralisia política sem precedentes.

Ao longo dos anos, os republicanos se tornaram mestres na exploração de questões de divisão racial, como a escolarização forçada (busing), ação afirmativa, criminalidade e habitação aberta, conseguindo atrair milhões de eleitores brancos para a sua causa. A ascensão de Donald Trump à presidência é, em grande parte, resultado de sua habilidade em canalizar o preconceito anti-negro de maneira eficaz, utilizando-o como ferramenta política. O discurso de Trump, com ataques a imigrantes, defesas de "vizinhanças brancas" e uma retórica de superioridade racial, construiu uma base de apoio radicalizada que antes se via mais à margem do espectro político.

A questão racial se tornou mais relevante do que os próprios debates políticos sobre o tamanho do governo, direitos de armas ou até mesmo o financiamento da educação. O debate sobre a reforma da saúde durante o primeiro mandato de Obama exemplificou como uma questão prática foi distorcida pela retórica racial, afetando profundamente a maneira como as políticas foram debatidas e percebidas pelo público.

Mesmo com toda a habilidade do Partido Republicano em utilizar a questão racial em seu benefício, o desafio demográfico do país não pode ser ignorado. A população branca está encolhendo, enquanto as populações minoritárias continuam a crescer. Diante disso, o Partido Republicano, se quiser manter sua influência política nacional, se vê forçado a caminhar em direção a uma "governança da minoria permanente". Esse movimento envolve riscos consideráveis para a democracia americana, uma vez que requer práticas autoritárias para garantir o controle sobre uma maioria que está, gradualmente, se tornando uma minoria.

O colapso da democracia representativa, fundamentado no uso de instrumentos anti-majoritários, como o Colégio Eleitoral e o Senado, que favorecem os estados rurais e menos populosos, tornou-se uma necessidade estratégica. A manipulação da votação, a supressão de eleitores, o gerrymandering agressivo e uma Suprema Corte politizada são recursos que o Partido Republicano agora utiliza com um propósito claro: garantir o domínio político, independentemente dos resultados eleitorais. A recusa de reconhecer a derrota nas eleições de 2020 por Trump foi um reflexo claro desse movimento em direção à minoria permanente e à transformação da democracia em uma farsa controlada.

Este movimento se fortaleceu com o apoio de muitos eleitores republicanos, que se alinharam às falsas alegações de fraude eleitoral, em grande parte alimentadas por teorias raciais e pela ideia de que o "sistema" favorece outros grupos, em detrimento da população branca. O que antes eram questões eleitorais legítimas agora são vistas como batalhas existenciais, onde a democracia é interpretada como uma ameaça à "identidade branca" e seus privilégios. O discurso político passou a ser profundamente racializado, com implicações que vão além das questões de política pública, refletindo uma verdadeira guerra cultural que está moldando o futuro político do país.

A tática de se opor à aceitação de um governo democráticamente eleito e às suas políticas não é apenas uma estratégia partidária, mas uma tentativa de garantir que a vontade de uma minoria seja imposta sobre a maioria. O maior risco de tudo isso é a erosão do próprio conceito de democracia, onde o princípio de uma pessoa, um voto, é subvertido pela manipulação das instituições e pela manipulação das bases eleitorais.

Além disso, é essencial entender que a manipulação política das questões raciais não é uma inovação de Trump ou da sua era, mas uma prática histórica que remonta à criação do próprio sistema político americano. Desde o início, a Constituição foi elaborada de maneira a preservar os interesses das elites, muitas vezes em detrimento das populações mais amplas. A transição das "estruturas constitucionais" como ferramentas para garantir a dominação de uma minoria para "necessidades estratégicas" de controle social é um reflexo das profundas divisões que continuam a definir a política dos Estados Unidos.

Como a Conservadorismo de Goldwater Preparou o Caminho para o Partido Republicano de Trump

O caminho para o partido Republicano de Donald Trump foi pavimentado por uma série de transformações que começaram com o senador do Arizona Barry Goldwater, cuja candidatura solidificou uma visão que moldaria as políticas conservadoras americanas por décadas. Em 1960, com a publicação de The Conscience of a Conservative, Goldwater apresentou um manifesto político que não apenas influenciaria seu próprio futuro, mas também serviria como um ponto de referência para figuras políticas do Partido Republicano subsequentes, mesmo após sua derrota eleitoral. O livro foi redigido por L. Brent Bozell, seu conselheiro e roteirista, e se tornou um símbolo de uma ideologia anti-governo central que continuaria a dominar a política republicana.

A ideia central de Goldwater era clara: o governo federal sempre tende a expandir seu poder, o que, na visão dele, ameaça as liberdades individuais. Ele via o New Deal, que ampliou enormemente o papel do governo federal, como o ponto de partida para o crescimento descontrolado do poder em Washington. Para Goldwater, a verdadeira função do governo era restringir seu poder, uma ideia que se alicerçava na Constituição dos Estados Unidos e em seus mecanismos de contenção contra a tendência natural do governo em buscar o absolutismo. A proteção dos direitos dos estados, especialmente no que diz respeito à educação, era um dos pilares dessa visão.

No entanto, ao abordar a questão da segregação racial, Goldwater fez uma distinção crucial. Ele não se opunha à integração escolar por razões morais ou políticas, mas questionava a autoridade do governo federal em impor tais mudanças. Para ele, a educação deveria ser uma responsabilidade dos estados, não do governo central. A decisão da Corte Suprema no caso Brown v. Board of Education, que declarou a segregação escolar inconstitucional, foi vista por Goldwater como uma violação do princípio de que o governo não deve sobrepor-se às práticas locais e históricas dos estados. Ele argumentava que, mesmo que a integração fosse desejável e humanitária, ela não deveria ser imposta federalmente, pois não se tratava de um direito civil, mas de uma questão que deveria ser resolvida localmente.

Esse posicionamento, que mais tarde seria defendido por vários outros conservadores, não visava a manutenção da segregação, mas sim um apelo pela autonomia dos estados na resolução de seus próprios problemas sociais e culturais. Goldwater acreditava que as questões de raça deveriam ser tratadas pelas próprias comunidades, e não pelo poder central. A mudança social deveria ocorrer por meio da persuasão e da educação, respeitando os processos legais e constitucionais.

A popularidade de The Conscience of a Conservative foi imediata, especialmente no sul dos Estados Unidos, onde as suas ideias ressoaram com a população branca, que estava cada vez mais incomodada com o movimento pelos direitos civis. Embora Goldwater tenha evitado fazer apelos explícitos à segregação, sua crítica ao federalismo foi vista como uma mensagem clara de apoio a uma resistência mais suave contra as conquistas dos direitos civis. Ele se tornou uma figura central na mudança do Partido Republicano, que passou a conquistar eleitores brancos do sul que se opunham à crescente inclusão racial promovida pelo Partido Democrata.

A candidatura de Goldwater em 1964 representou um momento decisivo na política racial dos Estados Unidos. Pela primeira vez, um candidato republicano conquistou uma maioria entre os eleitores brancos do sul, um marco na transformação do Partido Republicano em um partido predominantemente branco. Embora Goldwater tenha perdido a eleição, sua vitória nas regiões do sul evidenciou o potencial político de uma ala conservadora que se opunha à intervenção federal nos assuntos raciais.

O que Goldwater iniciou foi uma nova estratégia que, mais tarde, seria plenamente explorada por outros políticos, como George Wallace e, eventualmente, Richard Nixon e Donald Trump. A base de apoio que Goldwater construiu no sul forneceu uma fundação para a política de “backlash” racial e cultural que se manifestaria nas décadas seguintes. O Partido Republicano, ao se alinhar com as preocupações dos brancos do sul, começou a afastar-se de sua antiga base, composta principalmente por eleitores do norte e do meio-oeste. A transição de um partido que defendia o governo forte para um que defendia a autonomia dos estados tornou-se uma das características mais marcantes do conservadorismo americano moderno.

O impacto de Goldwater foi imenso, mas também contraditório. Enquanto ele se opunha à federalização de questões como a segregação, também se mostrava disposto a lutar pela igualdade em outras áreas, como no caso do direito ao voto. Sua posição sobre a educação e o governo refletia uma tensão interna entre o desejo de limitar o poder federal e a necessidade de garantir direitos básicos a todos os cidadãos. Ao mesmo tempo, o surgimento de uma política populista mais agressiva, liderada por figuras como George Wallace, trouxe um novo tom ao debate sobre a raça e a política nos Estados Unidos, transformando a política de resistência racial em um movimento mais explícito e popular.

A partir de Goldwater, o Partido Republicano iniciou uma mudança profunda que culminaria no domínio de uma política conservadora que, mesmo com suas contradições, ressoava cada vez mais com uma base de eleitores preocupados com a ascensão de novas questões raciais, culturais e econômicas.