Em várias cidades de antigas regiões industriais, o planejamento urbano contemporâneo se adapta à realidade da perda populacional e à redução de recursos. Em documentos como o Plano Flint, publicado em uma época de grande transformação, e o Projeto Green de Rochester, a tônica principal é como as cidades podem reorganizar-se, mantendo vitalidade e funcionalidade, mesmo em um cenário de desaceleração econômica e demográfica. No entanto, cada um desses planos, embora focado em um novo olhar para o crescimento e renovação, apresenta nuances distintas sobre como lidar com o problema da habitação e da infraestrutura.

O Plano Flint, por exemplo, propõe um crescimento cuidadoso, direcionado a áreas como o Centro e o Distrito da Inovação. Contudo, a proposta de 15.000 novas unidades habitacionais nessas zonas não esclarece se isso envolveria algum subsídio para os moradores, deixando esse aspecto em aberto. Ao contrário de planos que visam crescer de maneira orgânica e natural, a cidade de Flint foca em limitar o desenvolvimento desordenado, com a criação de infraestruturas verdes e priorizando bairros que já sofreram grandes perdas populacionais. Porém, a implementação de espaços públicos e como seriam financiados ou localizados continua sendo um ponto vago. A transparência no financiamento e na aplicação de recursos públicos sempre se mostrou um desafio quando se trata de infraestruturas de grande escala.

Por outro lado, Rochester apresenta o Projeto Green, com um enfoque mais pragmático diante da escassez de recursos e da necessidade de adaptação a uma cidade menor. A proposta sugere que crescer menos não significa declínio, mas, sim, uma abordagem mais focada, com uma ênfase em reformas ecológicas e sociais. A cidade de Rochester, assim como Flint, reconhece que a demolição de áreas urbanas precárias não pode ocorrer sem uma reflexão sobre as falhas do urbanismo do passado, especialmente quando se leva em consideração as consequências da "limpeza de favelas" na década de 1960 e 1970. O projeto prevê não apenas a requalificação de espaços urbanos, mas também a construção de infraestrutura verde, como parques e áreas de lazer, ainda que de forma incerta quanto ao financiamento e à sua viabilidade no longo prazo.

Importante destacar, no caso de Rochester, a proposta de venda de imóveis desocupados ou a utilização de terrenos para parques temporários, uma estratégia que reflete uma tentativa de adaptar-se à realidade econômica do momento, mas que coloca em dúvida a real sustentabilidade dessas ações a longo prazo. O modelo de "direcionamento de recursos" para determinadas áreas e a remoção de unidades habitacionais desocupadas visam evitar a multiplicação de unidades habitacionais sem a demanda adequada, o que, ao contrário de resolver o problema da habitação acessível, pode agravá-lo.

A cidade de Saginaw, com uma população menor, mas igualmente afetada pela desindustrialização, seguiu uma trajetória similar ao adotar práticas de planejamento que promovem a “redução” da cidade, também chamada de "direcionamento de recursos". Esse modelo envolve, como em outras cidades, a reorganização de áreas, mas também reconhece que o simples encolhimento de uma cidade sem uma abordagem estruturada pode resultar em mais problemas sociais e econômicos. Para Saginaw, um dos desafios mais significativos tem sido encontrar soluções viáveis para o abandono de propriedades, enquanto tenta reintegrar a população desassistida ou deslocada para outros bairros da cidade.

Esses exemplos ilustram que, em muitas cidades de regiões que já foram prósperas, a questão da habitação continua a ser uma das mais delicadas e controversas. A proposta de crescimento ou "direcionamento" precisa ser acompanhada de uma estratégia clara para a habitação acessível e a gestão de terrenos vazios, além de garantir que os espaços públicos não sejam apenas "lugares" vazios, mas áreas de convivência sustentável. A integração entre a regeneração de áreas urbanas e a manutenção de uma população residente ativa e sustentável é essencial, pois não basta criar estruturas físicas sem que elas correspondam às necessidades reais da população.

Além disso, é importante entender que o planejamento urbano, em tempos de transformação e de perdas, precisa ser pensado de forma colaborativa e inclusiva, levando em consideração os impactos sociais, culturais e ambientais. Sem o engajamento comunitário adequado e sem um foco claro em políticas públicas voltadas para a equidade, qualquer plano de "direcionamento" urbano pode acabar acentuando desigualdades e marginalizando ainda mais aqueles que já estão em situação de vulnerabilidade.

Como as políticas neoliberais moldam o declínio urbano e o abandono territorial nas cidades americanas

O fenômeno do declínio urbano nas cidades do Rust Belt americano, como Detroit, é resultado de processos complexos e profundamente influenciados por políticas neoliberais que se consolidaram ao longo das últimas décadas. A estratégia predominante, muitas vezes descrita como “right-sizing” ou “redimensionamento urbano”, envolve a redução deliberada da escala física e populacional das cidades, com a justificativa de conter o crescimento do abandono de terras e imóveis, além de reduzir os custos associados à manutenção de infraestruturas em áreas subutilizadas.

No entanto, essa abordagem não é neutra nem inevitável. Ela se configura como uma forma de austeridade espacial que prioriza o mercado e o ajuste fiscal em detrimento do bem-estar social e da justiça espacial. A lógica neoliberal enfatiza a eficiência econômica, a governança local subordinada a agências de rating e a dependência de mecanismos de mercado para resolver problemas urbanos, desconsiderando os impactos sociais e raciais das decisões. A concentração da pobreza e o aumento do abandono territorial ocorrem em contextos marcados pela segregação racial histórica e pela exclusão socioeconômica de grupos marginalizados.

O abandono de terrenos e a demolição de imóveis degradados, por exemplo, são tratados como soluções técnicas para a revitalização, mas costumam resultar no deslocamento de populações vulneráveis e na perda de patrimônios comunitários. Programas de land banks, que visam a recuperação e redistribuição de terrenos abandonados, muitas vezes enfrentam críticas por favorecerem interesses privados e por reproduzirem dinâmicas excludentes. O processo, portanto, reforça desigualdades estruturais em vez de superá-las.

Além disso, as estratégias neoliberais frequentemente ignoram o papel fundamental do Estado na intervenção para garantir o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável. A ausência de políticas públicas robustas que atuem diretamente na redução das desigualdades urbanas permite que a lógica do mercado determine quem permanece e quem é expulso das cidades. O racismo estrutural, presente na distribuição desigual de recursos e no acesso à moradia digna, é perpetuado por essas práticas que tratam o declínio urbano como algo natural ou inevitável.

É importante compreender que o declínio urbano e o abandono territorial não são fenômenos técnicos, mas sim processos políticos, econômicos e sociais que refletem escolhas coletivas e lógicas de poder. A contestação dessas estratégias demanda um olhar crítico sobre o papel do Estado, a valorização da participação comunitária e a busca por alternativas que priorizem a justiça social, a equidade racial e o direito à cidade para todos.

Além do exposto, é fundamental que o leitor considere os efeitos de longo prazo dessas políticas sobre a saúde pública, a coesão social e a identidade cultural das comunidades afetadas. O trauma urbano causado pela destruição de bairros e pela perda de laços sociais não se restringe ao aspecto material, influenciando também a saúde mental e o bem-estar das populações. A compreensão da intersecção entre espaço, raça e classe é crucial para formular respostas que transcendam as soluções simplistas baseadas apenas em eficiência econômica.

Como a Política Conservadora Moldou o Declínio Urbano e a Questão Racial no Cinturão da Ferrugem Americano?

O declínio urbano nas cidades do Cinturão da Ferrugem (Rust Belt) e sua intersecção com a questão racial representam um fenômeno complexo, cujas raízes se aprofundam nos movimentos sociais e políticos da década de 1960. Esse período de intensas transformações sociais não apenas redefiniu a paisagem política dos Estados Unidos, mas também exacerbou as disparidades raciais que caracterizam muitas das grandes cidades industriais norte-americanas. Durante as décadas anteriores, a relação entre as questões raciais e as políticas dos grandes partidos políticos era marcada por uma ambiguidade. O Partido Democrata, por exemplo, contava com o apoio de segregacionistas do sul até os anos 60. Nesse cenário, as linhas ideológicas sobre raça estavam divididas entre os dois grandes partidos, mas com a chegada dos anos 60, essa dinâmica sofreu uma transformação significativa.

O Movimento dos Direitos Civis e as tensões raciais tornaram-se fundamentais para o novo alinhamento político. A crescente presença de negros nas cidades do Norte e o forte apoio democrático à causa civil começaram a mudar a configuração da política americana. Por outro lado, o Partido Republicano, com suas habilidades em manipular a indignação racial de brancos descontentes, passou a explorar os medos e preconceitos associados ao crescimento das populações negras no norte, utilizando um tipo de discurso subliminar conhecido como "dog-whistle politics". A partir de então, a política americana, especialmente a conservadora, se alinharia cada vez mais com a ideia de que a "ameaça racial" era central para os problemas urbanos.

Esses movimentos de reação política não foram apenas um reflexo das tensões raciais, mas também da resistência a uma mudança socioeconômica mais ampla. A década de 1960 não apenas testemunhou a ascensão de um novo movimento de direitos civis, mas também as revoltas urbanas que eclodiram em várias cidades, muitas delas no Cinturão da Ferrugem, que viram suas populações negras se rebelarem contra as condições de pobreza extrema e discriminação racial. Essas revoltas, em grande parte, provocaram uma reação política e cultural. Nos subúrbios brancos que cercavam essas cidades, o medo da "ameaça racial" se espalhou, alimentando uma narrativa de "declínio urbano" que se tornaria central para a política conservadora das décadas seguintes.

A estratégia política conservadora, que tirou proveito dessa sensação de crise racial, não se limitava a declarações públicas explícitas. Ela também operava através de uma retórica sutil que associava o declínio urbano a falhas individuais dos negros, apresentando a decadência como um reflexo da "patologia negra". Esse discurso não apenas mobilizou uma base de apoio de eleitores brancos, mas também ajudou a cimentar a ideia de que a pobreza e o desespero urbano eram problemáticas que deveriam ser tratadas com políticas punitivas e austeras.

O impacto dessas mudanças políticas foi profundo. As imagens de cidades como Detroit, Cleveland e Gary, que uma vez floresceram como centros industriais, passaram a ser vistas como símbolos do fracasso, atribuídos a excessos de regulamentação e à gestão progressista. Esse tipo de discurso foi usado para justificar políticas que restringiam o investimento público e a assistência social, ao mesmo tempo em que criavam condições que promoviam o abandono das áreas urbanas mais pobres. Ao cortar orçamentos e implementar leis de moratória que limitavam os investimentos, as administrações conservadoras efetivamente contribuíam para o agravamento das condições de vida nas cidades, criando um ciclo vicioso de degradação.

A ideia do "fracasso da cidade negra" se transformou em um elemento central na construção de um sistema político que sustentava a lógica de que o sofrimento urbano não deveria ser mitigado, mas sim, administrado de maneira a não intervir nas normas econômicas e sociais já estabelecidas. Esse processo não apenas consolidou a desigualdade racial, mas também institucionalizou políticas de austeridade que negavam qualquer esforço significativo para revitalizar as áreas mais afetadas pelo abandono econômico.

Porém, o problema não está apenas na exploração dessas dinâmicas políticas. As consequências dessas políticas para as cidades do Cinturão da Ferrugem, com populações negras em grande parte empobrecidas, continuam sendo devastadoras até hoje. As cidades deixadas para trás por essas forças políticas estão, em muitos aspectos, condenadas a um ciclo de miséria prolongada, alimentado pela falta de recursos e pelas forças do mercado que as descartam como irrelevantes.

Além disso, é importante observar que o declínio urbano não deve ser visto apenas como um fenômeno isolado, mas sim como parte de um contexto mais amplo de desindustrialização e mudança nas estruturas econômicas. A erosão de setores industriais tradicionais, junto com a implementação de políticas conservadoras, gerou uma recessão econômica que deixou as cidades em um estado de abandono e impotência. Essas mudanças econômicas, somadas ao crescimento de um discurso racialmente carregado, ampliaram ainda mais as desigualdades e a segregação espacial.

A narrativa do fracasso urbano e a associação da pobreza e do crime à raça foram utilizadas de forma estratégica para desviar a atenção das causas estruturais desses problemas, como a desindustrialização, as políticas fiscais restritivas e a falta de investimentos sociais. Assim, a retórica conservadora foi eficaz em redirecionar a culpa para os próprios residentes urbanos, particularmente os negros, ao invés de questionar as políticas públicas que contribuíam diretamente para o empobrecimento dessas áreas.

É crucial entender que o que está em jogo aqui não é apenas o declínio físico das cidades, mas o próprio conceito de justiça social e a distribuição de recursos em uma sociedade marcada por profundas divisões raciais. As forças que moldaram o declínio urbano e a política racial nos Estados Unidos não estão apenas presentes no passado; elas continuam a afetar as políticas públicas e as realidades sociais das cidades até o presente. A luta contra o racismo e a desigualdade deve, portanto, considerar essas dimensões políticas e econômicas, reconhecendo que as soluções para o que vemos hoje não podem ser encontradas sem uma análise crítica das políticas do passado.