Norman Vincent Peale, conselheiro espiritual de Donald Trump, afirmou: “A menos que sejamos governados por Deus, seremos governados por tiranos.” Embora Peale tenha erroneamente atribuído essa frase a William Penn, fundador da Pensilvânia, ela reflete uma ideia central sobre a relação entre a fé, o poder e a tirania. Segundo Peale, ninguém pode escravizar um homem que acredita na grandeza de Deus. No entanto, o uso dessa ideia pode ser distorcido, principalmente quando se tenta associar Deus ao apoio à glória material ou à grandeza mundana, em uma leitura pagã que legitima a tirania. A compreensão dos limites dessa glória pagã torna-se, portanto, um antídoto essencial contra a tirania.

Embora os argumentos teológicos sejam importantes, é fundamental complementá-los com argumentos seculares que enfatizam os perigos da tirania, especialmente quando esta reivindica um selo divino para justificar seu domínio. O secularismo surge justamente como uma resposta deliberada para limitar o papel da religião na política, defendendo a virtude, a limitação do poder e a restrição do uso político da religião. A educação em sabedoria, justiça, coragem e autocontrole é indispensável para formar cidadãos capazes de compreender as ameaças da tirania, da teologia autoritária e dos desafios dos sistemas democráticos modernos, cuja função é limitar o autoritarismo por meio de um governo secular.

O verdadeiro poder para resistir à tirania reside em massas educadas. Tirano se alimenta da ignorância e manipula as massas — às vezes por meio de falsa piedade ou religiosidade mascarada. A proteção contra esse perigo é estrutural: salvaguardas institucionais que impedem os impulsos autoritários dos aspirantes a déspotas, mecanismos que previnem a formação de turbas e garantem a separação dos poderes e as liberdades civis, como expressa na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que separa Igreja e Estado. Paralelamente, existe uma solução ética e pessoal: transformar ignorantes em cidadãos esclarecidos, capazes de resistir a tiranos e a seus bajuladores. A educação deve ainda enfraquecer a arrogância daqueles com tendências tirânicas, ensinando que Deus não é um tirano nem legitima tiranos, e deve alcançar também seus seguidores e puxa-sacos, que não devem criar falsos ídolos nem exaltar mentiras.

A dinâmica da tirania é uma tragédia antiga, que se repete em diferentes contextos históricos e políticos. O “trágico trio” que sustenta a tirania é composto pelo tirano, seus bajuladores e as massas acríticas. Durante o governo Trump, por exemplo, esse padrão ficou evidente, mas ele permanece um sintoma, não a causa raiz, pois a tirania plena só se instala quando a estrutura política é fraca, quando há muitos puxa-sacos dispostos a servir e uma multidão significativa que apoia o tirano. Desde a Antiguidade, poetas e filósofos gregos já condenavam a tirania como o ápice negativo do desenvolvimento político, fonte de tragédias profundas. Pensadores como Platão, Aquino, Dante, Milton e Byron delinearam a tirania como governo voltado ao interesse próprio, contrário ao bem comum, e como algo a ser combatido, inclusive legitimando a resistência popular contra tiranos.

A acusação de tirania é sempre controversa e depende da perspectiva política de cada um. Trump, acusado por seus opositores de abuso de poder e tirania, foi visto por seus apoiadores como um herói que combatia tiranos diferentes. Antes dele, Barack Obama também enfrentou acusações semelhantes. A própria Declaração da Independência dos EUA rotulou o rei George III como tirano, mas até seus autores tinham opiniões divergentes quanto a isso. A noção de tirania é, portanto, complexa e carregada de significados políticos, exigindo uma análise cuidadosa que vá além das paixões e das polarizações momentâneas.

É importante entender que a resistência à tirania não depende apenas da força das instituições, mas da capacidade dos cidadãos de reconhecer e rejeitar o tirano, seus bajuladores e a manipulação das massas. A educação crítica, o fortalecimento da virtude e a separação entre religião e política são pilares para assegurar que a tirania não encontre terreno fértil para crescer. A liberdade verdadeira exige vigilância constante, pois a tirania se alimenta da complacência e da ignorância. A construção de uma sociedade democrática saudável depende de cidadãos esclarecidos, de instituições robustas e de uma cultura política que valorize a justiça e a liberdade acima da glória e do poder pessoal.

Além disso, é crucial compreender que a tirania se manifesta não apenas no exercício explícito do poder autoritário, mas também na normalização do culto à personalidade, na disseminação de falsas narrativas e na manipulação emocional das massas. A vigilância ética e a educação política são essenciais para identificar essas manifestações sutis antes que se transformem em ameaça concreta à liberdade. A autonomia intelectual do cidadão e sua capacidade de questionar figuras de autoridade são a verdadeira barreira contra a ascensão dos tiranos.

Como a Falta de Virtude Alimenta a Tragédia Política e Social

A falta de iluminação é uma das grandes responsáveis pelas falhas humanas e políticas. Muitas vezes, é mais fácil seguir a corrente e entregar nossa liberdade a uma ideologia dominante ou a uma personalidade tirânica. A tirania da mente, essa prisão psicológica, é curada por meio da educação moral que nos capacita a sermos cidadãos autônomos e conscientes. O trabalho de alcançar a autonomia e a iluminação é árduo e desafiante, e a maior parte da humanidade, em sua zona de conforto, prefere permanecer adormecida diante da verdade.

A tragédia política do nosso tempo não é um fenômeno isolado, mas um reflexo de uma falha moral coletiva. A história nos apresenta o trio trágico formado por tiranos, bajuladores e idiotas, elementos que, se não contidos, permitem o avanço da tirania. Esse trio pode ser observado em diferentes esferas sociais e políticas: nas famílias, nos ambientes de trabalho, nas igrejas, nos partidos políticos e, claro, nos governantes. No cenário atual, exemplificado por figuras como Donald Trump, vemos o refletir dessa dinâmica. Mas ele não é o problema em si; Trump é um sintoma. O problema reside em algo muito mais profundo e abrangente: a falta de virtude.

A tirania surge não apenas pela presença de um líder orgulhoso e egoísta, mas também pela conivência de indivíduos que, por ignorância ou interesse pessoal, contribuem para o seu fortalecimento. Sem os bajuladores e idiotas, o tirano não teria chance de ascender ao poder. A tirania é, portanto, uma tragédia social alimentada por falhas morais, incompetência e cumplicidade. O poder tirânico não é fruto exclusivamente da maldade de um indivíduo, mas do ambiente coletivo que lhe dá espaço para florescer.

Esse fenômeno não é limitado ao campo político. Podemos encontrá-lo em todas as áreas da vida humana. Dentro de empresas, no seio de famílias, em amizades e na vida social, frequentemente vemos figuras que, pela sua falta de virtude, perpetuam a injustiça e a desinformação. O problema da tirania e da manipulação social é, portanto, um reflexo da falta de virtude e sabedoria no coração das pessoas. Vivemos em uma sociedade que, ao não cultivar a sabedoria e o amor pela verdade, permite que a corrupção moral se alastre.

Plato, com sua ideia do "rei-filósofo", sugeria que a solução para as tragédias políticas estava em um governante iluminado, um filósofo que, pelo poder do conhecimento, guiaria sua cidade. Porém, na era moderna, é necessário reinterpretarmos esse ideal. O que precisamos hoje não são reis-filósofos, mas cidadãos filosóficos. A verdadeira cura para a nossa condição política e social está na educação moral dos indivíduos, em transformar a sociedade em uma coletividade que valorize a virtude, a sabedoria e a justiça.

Se o problema é a falta de virtude, a cura passa por um duplo movimento: a construção de sistemas políticos e constitucionais que impeçam os tiranos de alcançar o poder e a criação de uma sociedade composta por indivíduos que, através da educação moral e política, sejam capazes de distinguir o bem do mal. Precisamos, antes de tudo, de uma educação que promova a formação de cidadãos autônomos e conscientes, que possam, com sabedoria, participar ativamente da vida política e social.

A falha moral que perpetua as tiranias, não obstante, não se limita ao campo político. Ela se reflete em todas as relações sociais. Nas empresas, um chefe tirânico pode destruir o espírito de uma equipe. No campo familiar, um pai autoritário pode prejudicar a autoestima de um filho. Até nas amizades, a falta de reflexão ética pode levar ao fortalecimento de relações tóxicas e desequilibradas. A tirania, em qualquer de suas formas, é um reflexo da nossa incapacidade de cultivar a virtude, de aprender a ver a realidade como ela é, sem cegueira voluntária ou cumplicidade silenciosa.

Para quebrar esse ciclo, é necessário um esforço coletivo para resgatar o valor da educação filosófica e ética, que ensina as pessoas a ver o mundo com clareza e agir com responsabilidade. Só assim poderemos criar uma sociedade capaz de resistir à tirania, não por meio de um governo autoritário de "filósofos reis", mas por meio de uma população esclarecida que, com sabedoria, construa as estruturas necessárias para um futuro mais justo e virtuoso.

A educação deve ser vista não apenas como uma ferramenta política, mas como um valor humano fundamental. A ética não é uma questão abstrata ou filosófica, mas algo que toca a vida diária de cada um de nós, em todas as nossas relações e ações. Só uma sociedade que compreende isso será capaz de formar líderes verdadeiramente virtuosos e cidadãos comprometidos com o bem comum.

Como a servilidade molda o poder e a política: a natureza camaleônica do bajulador

O bajulador não se apresenta com o mesmo exibicionismo do tirano, pois seu papel é outro: ele celebra seu mestre e reserva todo o seu ardor para atacar seus opositores. A habilidade principal do bajulador está na manipulação das aparências, um artífice que lê com atenção o cenário social, formando alianças estratégicas e espalhando boatos cuidadosamente selecionados. Sua relação com a verdade é utilitária — ele a utiliza quando lhe convém, mas não hesita em recorrer à mentira e à falsidade para proteger seus interesses. Em suma, o bajulador é um oportunista por excelência.

Durante a era Trump, exemplos evidentes dessa servilidade política foram abundantes, com figuras como os senadores Ted Cruz e Lindsey Graham. Este último, em particular, ilustra o caráter mutável e oportunista do bajulador. Conhecido por suas críticas severas a Trump em 2016 — chegando a chamá-lo de “louco” e “inapto para o cargo” — Graham passou a adotar uma postura completamente oposta em poucos meses, tornando-se um aliado fervoroso do ex-presidente. Essa metamorfose não decorreu simplesmente do medo das ameaças ou do assédio, embora Trump tenha usado insultos pessoais e até divulgado o número de telefone do senador, mas de uma cuidadosa conta política: o que Graham realmente buscava era o poder, e para isso precisava se adequar ao líder.

Essa transformação revela a essência do bajulador: a ausência de princípios firmes, a adaptação às circunstâncias e a busca incessante por relevância política. Tal comportamento é reforçado por um ambiente político polarizado, no qual os atores enxergam o cenário como um jogo de soma zero, onde a sobrevivência política depende da obediência ao tirano e à sua base. A opção, portanto, não é entre certo e errado, mas entre se conformar e ser excluído.

O caso de Graham é paradigmático: ele justificava sua submissão afirmando que estava trabalhando com Trump para alcançar “resultados bons para o país”, como a nomeação de juízes conservadores para a Suprema Corte. No entanto, essa visão utilitarista da política revela um conflito interno profundo, pois ao priorizar a eficácia e a manutenção no poder, o bajulador abdica da integridade e se torna cúmplice das falhas e abusos do regime.

Outro exemplo contemporâneo, o senador Mitch McConnell, também personifica essa duplicidade. Apesar de denunciar o comportamento irresponsável de Trump, especialmente em relação ao episódio da insurreição de 6 de janeiro, McConnell votou pela absolvição do ex-presidente em seu segundo impeachment, justificando-se com argumentos jurídicos formais, que ignoram o peso moral da situação. Tal decisão expõe novamente a natureza ambígua e contraditória do bajulador, que mesmo diante da evidente gravidade dos fatos, prefere proteger o sistema e seus próprios interesses.

Esses exemplos demonstram que a servilidade política sob tirania não se limita à simples obediência por medo, mas envolve um cálculo consciente e estratégico, onde a lealdade é trocável e os princípios são moldados para servir a ambições pessoais. A complexidade do bajulador está em sua capacidade de se camuflar em múltiplas facetas, ajustando-se rapidamente ao clima político para preservar sua relevância e poder.

É fundamental compreender que o bajulador, embora aparentemente subserviente, é um agente ativo que contribui para a perpetuação do tirano. Ele não é apenas uma vítima da opressão, mas parte integrante da maquinaria que sustenta e legitima o autoritarismo. Sua servidão é, portanto, uma forma de poder disfarçado, um vínculo de cumplicidade que permite ao tirano governar com maior segurança e controle.

Além disso, o fenômeno do bajulador nos ensina sobre a fragilidade dos sistemas políticos polarizados, onde a dicotomia simplista entre “nós” e “eles” promove a erosão dos valores democráticos e abre espaço para comportamentos pragmáticos e oportunistas que sacrificam a ética em nome da sobrevivência política. A análise desses comportamentos evidencia a importância de vigilância constante sobre as dinâmicas de poder e sobre as escolhas daqueles que ocupam posições de influência.

A compreensão desse mecanismo é essencial para avaliar as reais motivações por trás das alianças políticas e para perceber que o jogo do poder frequentemente ultrapassa a moralidade individual, impregnando o sistema com uma lógica de cálculo e adaptação que mina a estabilidade institucional e a confiança pública.