Desde o início da trajetória pública de Donald Trump, ficou claro que sua natureza autoritária e a propensão ao abuso de poder eram evidentes. Suas declarações chocantes, como a frase em que afirmou que poderia “atirar em alguém no meio da Quinta Avenida e não perder votos”, revelam não apenas uma desconexão com os valores tradicionais da política americana, mas também um desdém explícito pela moralidade e pelas consequências de seus atos. Essa postura transgride os limites do aceitável no debate público do século XXI, especialmente quando comparada aos padrões de líderes históricos como Jefferson ou Lincoln, que valorizavam a virtude e a integridade como fundamentos do exercício do poder.

Trump personificou uma figura política que celebra a ganância e a brutalidade como ferramentas para a conquista e manutenção do poder. Seu livro, The Art of the Deal, expressa claramente a ideia de que “não se pode ser ganancioso demais”, um contraste gritante com a tradição de moderação e responsabilidade que marcava o conservadorismo clássico. Durante seu mandato, suas ações e discursos serviram para minar instituições democráticas, incitar violência e desacreditar a imprensa, que ele rotulava como “inimiga do povo”. Esse comportamento não apenas expôs uma inclinação autoritária, mas também incentivou uma cultura de lealdade cega, mais preocupada com o poder e a proteção do líder do que com a defesa de princípios políticos ou ideológicos.

Essa dinâmica ficou evidente no comportamento de muitos membros do Partido Republicano, que, apesar de inicialmente denunciarem Trump por suas falas e atitudes controversas, acabaram por se alinhar a ele em nome da conveniência política e da manutenção de seus próprios cargos. Políticos como Ted Cruz e Lindsey Graham ilustram essa transformação, passando de críticos ferrenhos a apoiadores fervorosos, mesmo quando isso implicava ignorar princípios éticos básicos. Tal comportamento revela o funcionamento perverso da bajulação política, que prioriza a sobrevivência dentro do sistema e a preservação do poder a qualquer custo.

Trump não representava o conservadorismo tradicional americano; sua política era reativa, volátil e desprovida de qualquer visão de longo prazo. Desprezou a excepcionalidade americana e os valores religiosos tradicionais, adotando uma postura pragmática e oportunista que, por vezes, antagonizou aliados internacionais e prejudicou a economia global por meio de tarifas protecionistas. Em momentos de crise, como durante furacões, a pandemia de COVID-19 e os protestos por justiça racial, optou por manipular informações e aprofundar divisões sociais para ganhar vantagens políticas, negligenciando o papel do governo federal em proteger e apoiar seus cidadãos.

Surpreendentemente, grande parte da base popular de Trump permaneceu fiel a ele mesmo diante de escândalos e controvérsias. Essa lealdade se apoiava na identificação com seu estilo rude, direto e não convencional — uma rejeição à figura tradicional do político polido e controlado. Para seus seguidores, essa autenticidade “sem filtro” era uma prova de força e sinceridade. Contudo, essa admiração pelo estilo às custas do conteúdo revela uma cegueira moral que transcende a figura de Trump e atinge um fenômeno mais amplo na política contemporânea: o fascínio pelo espetáculo e pela emoção imediata em detrimento da reflexão crítica e da virtude cívica.

Essa relação entre poder, espetáculo e servidão da base popular é um aspecto fundamental para compreender a polarização política atual. O apoio incondicional ao líder que promete atenção e exclusividade para seus seguidores cria uma dinâmica perigosa, onde a verdade e a justiça são sacrificadas no altar do carisma e da retórica agressiva. Essa tragédia da relação entre tirano e massas mostra que, ao final, quem mais sofre é o próprio povo, que se vê enredado em um ciclo de manipulação e violência simbólica, perdendo a capacidade de agir como agente consciente e responsável dentro da democracia.

Além disso, a ascensão de figuras como Trump evidencia a fragilidade das instituições democráticas diante da combinação de líderes autoritários e uma massa que valoriza mais a emoção e o pertencimento do que a análise e a ética política. Essa situação exige uma reflexão profunda sobre o papel da educação política e cultural na formação de cidadãos capazes de resistir ao apelo do populismo simplista e da sedução do poder absoluto. Compreender as motivações e as consequências dessa relação entre tirania, bajulação política e massa popular é essencial para enfrentar os desafios contemporâneos e evitar que ciclos similares se repitam.

Como a busca pela grandeza reflete uma visão tirânica do poder: O Caso Trump

A retórica de Donald Trump, com seu foco incessante na “grandeza”, apresenta-se como uma manifestação evidente de uma visão de poder profundamente influenciada por princípios pagãos e tirânicos. Seu slogan “Make America Great Again” é uma clara alusão ao desejo de restaurar uma grandeza perdida, utilizando uma linguagem carregada de superlativos. Não é uma simples convocação ao patriotismo, mas uma convocação à supremacia, à vitória e ao domínio absoluto. A ideia de grandeza permeia sua comunicação de maneira quase obsessiva, evidenciada nas palavras que mais utiliza em suas redes sociais: “grande” (361 vezes), “enorme” (169 vezes) e “vencer” (mais de 1.000 vezes).

Este uso repetido de termos como "grande" e "vencer" serve tanto para exaltar suas próprias conquistas quanto para denegrir seus opositores. Durante seu discurso na Convenção Nacional Republicana (RNC) em 2020, por exemplo, a palavra “grande” aparece 32 vezes. Ele usa esse termo tanto como um superlativo para descrever seus próprios feitos, como no caso das negociações com a Coreia do Sul ou o Parceria Transpacífico, quanto como uma arma de ataque contra seus adversários, afirmando que Joe Biden seria o destruidor da grandeza da América.

Esse uso da linguagem não está restrito ao discurso político, mas transborda para o terreno da moralidade e da ética. O discurso de Trump em 6 de janeiro de 2021, por exemplo, é um reflexo claro dessa retórica: ele utiliza a palavra “grande” 31 vezes. Em uma de suas falas, ele elogia Rudy Giuliani, dizendo que ele é “grande” e fez um “trabalho incrível” por ter coragem e por lutar por Trump. Aqui, “grandeza” não tem qualquer relação com virtudes como moralidade, dignidade ou integridade; é uma grandeza superficial, que depende unicamente da lealdade e do apoio incondicional às falsas alegações de fraude eleitoral.

No mesmo discurso, Trump se refere ao movimento político de seus seguidores como “o maior movimento político da história do nosso país”, criando um vínculo emocional através da ideia de grandeza e união. Ele fala em termos de orgulho, verdade e justiça, apelando para a emoção do público e utilizando uma lógica falaciosa: o tamanho da multidão, segundo ele, seria uma evidência de que a “verdade e a justiça” estão do seu lado. No entanto, o número de pessoas em uma manifestação não é, por si só, um indicativo de que argumentos morais válidos estão sendo defendidos. Para sustentar reivindicações morais, é necessário algo além da emoção; é preciso de raciocínio ético e justificação lógica.

Em sua busca pela grandeza, Trump adota uma visão distorcida de poder, que é alimentada por um culto da personalidade e pela glorificação da força, ao invés da virtude ou da justiça. Isso se alinha com uma perspectiva tirânica, na qual a autoridade é mantida não pela razão ou pela moralidade, mas pela capacidade de dominar e subjugar o opositor, através de uma retórica que apela à emoção em detrimento da lógica.

Além disso, a constante apelação ao “grande” e ao “vencer” revela uma falha em reconhecer a complexidade moral das questões em jogo. Em vez de buscar soluções fundamentadas em princípios éticos e respeito mútuo, o foco está na conquista pelo poder a qualquer custo, sem a necessidade de embasamento racional ou moral.

Esse fenômeno não é único no cenário político moderno. A história está repleta de líderes que, em sua busca pela grandeza, promoveram sistemas tirânicos e autoritários, onde a retórica da vitória e do poder absoluto substituiu o debate ético e racional. Trump, com sua abordagem extremada e seu uso da linguagem como uma ferramenta de manipulação, insere-se nessa longa tradição de figuras que, ao focarem unicamente na ideia de grandeza, ignoram as responsabilidades morais associadas ao poder.

A busca pela grandeza, sem um fundamento ético sólido, pode ter consequências devastadoras, não só para a política de um país, mas também para as suas instituições e para os valores que as sustentam. A moralidade no exercício do poder deve ser questionada não apenas pelo que é proclamado, mas pela substância das ações que acompanham as palavras. A verdadeira grandeza reside não na capacidade de vencer, mas na habilidade de fazer isso com justiça, respeito e responsabilidade.