A estética pós-digital está se tornando um campo central de discussão sobre a convergência entre a tecnologia digital e a experiência humana. Em particular, as imagens geradas por inteligência artificial (IA), como aquelas produzidas por sistemas como DALL·E e Midjourney, trazem à tona uma série de questões sobre representação, camadas de significação e a natureza efêmera da estética contemporânea. O debate gira em torno das camadas de representação presentes nessas imagens e das implicações que isso tem para a forma como percebemos o digital e o físico, o real e o simulado.

Um ponto central dessa discussão envolve a ideia de “camadas representacionais” que se manifestam nas imagens geradas pela IA. Em termos simples, podemos observar a distinção entre a camada de representação inicial (como a imagem gerada pela IA), uma segunda camada que remete à forma representada, como uma fotografia antiga ou uma imagem distorcida, e, eventualmente, uma terceira camada que reflete sobre a própria natureza da representação, algo como o reflexo da mediação entre imagem e percepção. Essa abordagem sugere uma complexidade crescente, na qual cada camada não apenas transmite uma imagem, mas também uma compreensão mais profunda sobre como estamos relacionando o digital com o físico, o original com o copiado.

No entanto, há uma ressalva importante sobre a longevidade de certas convenções estéticas. As imagens geradas por IA podem emular ou transformar características estéticas de mídias mais antigas, como a fotografia de retratos ou a pintura de paisagens, mas essas convenções não são necessariamente fixas. Pooker observa que a “glória efêmera” de imagens geradas por IA pode ser entendida como uma continuação das tradições estéticas não digitais, mas a forma como essas imagens se apresentam pode estar sempre em processo de transformação. Essa ideia se conecta diretamente com o contraste entre ferramentas como DALL·E e Midjourney, cujas abordagens no processo de criação de imagens geram experiências estéticas diferentes. Midjourney, por exemplo, cria um processo mais dinâmico, em que a própria formação da imagem – com suas etapas distintas de criação – torna-se uma experiência estética em si. Isso é comparável ao desenvolvimento das fotos polaroides ou à revelação de fotografias no quarto escuro, onde o processo de construção da imagem torna-se uma parte integral da experiência sensorial do espectador.

Ao discutir essas camadas representacionais e sua complexidade, também se torna evidente que a IA, como DALL·E 3, ainda enfrenta desafios ao tentar "acompanhar" ou "distinguir" essas camadas de forma clara. Isso gera uma “sangria representacional”, onde os limites entre uma camada e outra se tornam borrados. Contudo, é esperado que esse fenômeno seja transitório. O aprimoramento do design de prompts e o desenvolvimento de novas tecnologias, como o “text-to-3D”, deverão refinar a precisão das imagens geradas por IA e melhorar o controle sobre essas camadas de representação, oferecendo uma forma mais precisa e menos confusa de gerar imagens com maior fidelidade às intenções do usuário.

O que se observa nesse processo é que a ascensão das humanidades digitais, juntamente com as tecnologias computacionais, afetou não apenas as disciplinas focadas em linguagem, como os estudos literários e a história, mas também aquelas orientadas para a imagem, como os estudos de mídia e a história da arte. Isso trouxe uma nova onda de abordagens quantitativas sobre as imagens geradas por IA, o que, embora útil para entender as possibilidades específicas de certos geradores de imagem em determinados momentos, não é suficiente para capturar a complexidade estética de tais imagens. A análise qualitativa continua sendo a mais adequada para explorar a estética pós-digital dessas imagens, dada a sua fluidez e a riqueza das camadas interpretativas que se revelam durante o processo de criação.

Além disso, a análise não deve se restringir às imagens geradas, mas também aos chamados "paratextos", como os guias de design de prompts. Estes textos auxiliam na configuração das expectativas e na definição da estética das imagens geradas. O estudo desses paratextos oferece uma maneira promissora de reconstruir o "espaço de possibilidades" dos geradores de imagens, além de revelar a forma como certas práticas estéticas estão se tornando convencionais no uso da IA. A crescente disponibilidade de tais guias, como os disponíveis no site dallery.gallery ou os publicados por Khan (2024), contribui para uma compreensão mais profunda das práticas envolvidas na criação de imagens digitais e das influências culturais que moldam esses processos.

Entender a estética pós-digital, então, exige uma reflexão não apenas sobre as imagens em si, mas sobre os sistemas, as ferramentas e os métodos que as geram. Ao se afastar da ideia de uma distinção clara entre o real e o virtual, essa estética coloca em questão o que entendemos por “representação” e como isso está evoluindo na era da IA. Assim, ao explorar imagens geradas por IA, é crucial considerar tanto as camadas de significado que essas imagens contêm quanto os contextos de sua criação e recepção, pois isso revela a complexidade e a interconexão entre o digital e o físico, o processo e o produto, o humano e a máquina.

Como a Inteligência Artificial Influencia o Estudo de Imagens e a Criação Artística

A inteligência artificial (IA) tem se tornado uma ferramenta cada vez mais presente nas discussões sobre criação artística, influenciando profundamente áreas como música, arte visual e literatura. A forma como a IA lida com imagens, sons e até mesmo com o texto, questiona as noções tradicionais de autoria, criatividade e o papel humano na produção cultural.

A capacidade das IAs de gerar imagens que são quase indistinguíveis das criadas por seres humanos tem sido um ponto de destaque nas investigações sobre a estética digital. Um dos aspectos mais intrigantes dessa questão é o impacto dessas ferramentas sobre o campo da fotografia, uma das mídias mais diretamente afetadas. No estudo realizado por Lehmuskallio et al. (2019), foi demonstrado que até mesmo fotógrafos profissionais têm dificuldade em distinguir imagens geradas por computador de fotografias reais, o que coloca em xeque a autenticidade e a veracidade das imagens digitais no contexto moderno. Esse fenômeno não se limita ao campo da fotografia, mas abrange também a arte digital e as artes visuais em geral.

Por outro lado, a IA também tem uma relação ambígua com a noção de autoria e de "origem" das obras criadas. Quando uma IA é responsável pela criação de uma obra, surge a questão de quem seria o verdadeiro autor: o programador que desenvolveu a IA, o usuário que a instrui, ou a própria máquina que gerou a obra? Este debate é crucial para entender as implicações filosóficas e éticas da IA na arte. A ideia de autoria, especialmente quando se trata de obras criadas por IAs, desafia conceitos profundamente enraizados nas ciências humanas, como a originalidade e a expressão individual.

Um exemplo claro dessa discussão está nas críticas ao uso da IA na criação de poesia. Pesquisas, como a de Köbis e Mossink (2021), revelaram que as pessoas não conseguem diferenciar de maneira consistente a poesia gerada por IA da escrita humana. Isso levanta questões sobre a natureza da criatividade: se uma máquina pode criar algo tão indiscutivelmente artístico, até que ponto o talento humano continua sendo essencial? A IA, assim, coloca em questão a própria definição do que significa ser "criativo" ou "artista", mudando para sempre a paisagem da criação literária.

Além disso, a IA também está moldando a forma como as imagens e a música são consumidas e apreciadas. O uso de algoritmos para criar composições musicais ou para gerar imagens artísticas implica em uma transformação das normas de recepção dessas obras. A espectativa de que a IA deve gerar obras que se ajustem aos gostos ou padrões visuais já conhecidos implica na criação de uma estética padronizada, onde as noções de inovação ou experimentação podem ser subordinadas a preferências comerciais ou culturais.

Outro aspecto crucial que surge com a presença da IA na criação artística é a questão da "intencionalidade" na arte. A IA, em seu funcionamento, não possui intenção própria. Sua "criação" é baseada em padrões e parâmetros definidos previamente por seres humanos. Isso gera uma ruptura nos paradigmas de autenticidade e intenção que, por muito tempo, estiveram no centro das discussões filosóficas sobre a arte. Um exemplo disso pode ser observado na música gerada por IA, onde compositores humanos podem se sentir desconectados do processo criativo, já que o software é capaz de imitar estilos e compor sem uma "emoção" ou "sentimento" subjacente.

A IA, com sua crescente capacidade de gerar conteúdo que se alinha às expectativas humanas, representa não apenas uma nova ferramenta para criadores, mas também uma nova forma de comunicação, que questiona os limites da arte, da estética e da criatividade. A reflexão sobre o papel da IA na arte deve ser acompanhada por um exame mais profundo sobre como essas tecnologias estão sendo aplicadas, para que não se perca o valor fundamental da expressão humana.

A indústria da arte, portanto, se encontra em um ponto de inflexão: ou se adapta a essa nova realidade e abraça as possibilidades criativas oferecidas pelas IAs, ou se resiste a essa mudança, mantendo uma visão mais tradicional da criação artística. No entanto, independente da escolha, uma coisa é certa: a IA está aqui para transformar a forma como entendemos e praticamos a arte, e é vital que os criadores estejam preparados para lidar com as implicações dessa transformação.

Além disso, é importante observar que a ascensão das IAs não apenas muda a maneira como as obras são criadas, mas também amplia o alcance da arte. Ferramentas geradoras de imagem e música podem democratizar o acesso à criação artística, permitindo que mais pessoas, independentemente de seu treinamento técnico, possam expressar-se através de mídias visuais e sonoras. Isso abre um novo campo para a inclusão e a diversidade artística, mas também traz desafios relacionados à autenticidade e à originalidade dessas obras. Portanto, a reflexão sobre a IA na arte não se limita apenas ao campo da estética, mas também às questões sociais e éticas que envolvem a democratização da criação e o impacto no mercado cultural.