A hemorragia gastrointestinal (GI) em pacientes com suporte de dispositivos de assistência ventricular esquerda (LVAD) tem se mostrado uma complicação significativa, com uma série de fatores patofisiológicos interligados que influenciam tanto a ocorrência quanto a gravidade dessas hemorragias. Um dos principais fatores associados é a disfunção plaquetária, que se intensifica devido ao estresse mecânico excessivo causado pelo dispositivo. A presença de estresse de cisalhamento elevado, característico dos suportes LVAD, pode degradar estruturas fundamentais das plaquetas e ativá-las de maneira anormal, o que, por sua vez, pode resultar em agregação plaquetária anômala, aumentando o risco de complicações trombóticas e hemorrágicas.

Além disso, o uso de LVAD pode levar a uma redução na concentração de multimérios de alto peso molecular (HMWM) de vWF (fator de von Willebrand), que desempenha um papel crucial na hemostasia. O modelo HM3 de LVAD, por exemplo, foi associado à preservação desses multimérios de vWF, o que sugere que ele impõe menos estresse de cisalhamento e, portanto, pode levar a um risco menor de sangramentos. Contudo, a relação entre a atividade do vWF e a gravidade das hemorragias GI é complexa, sendo que o aumento ou a diminuição de certos fatores patológicos não explica por completo o risco elevado de sangramentos gastrointestinais.

A idade avançada é um fator de risco amplamente identificado para sangramentos GI em pacientes com LVAD. Em um estudo com 1149 pacientes, aqueles mais velhos apresentaram maior risco de hemorragia GI, o que pode ser explicado por uma combinação de mudanças fisiológicas relacionadas à idade, como alterações no colágeno vascular, permeabilidade das paredes vasculares e no sistema de coagulação, além de comorbidades e tratamentos medicamentosos adicionais. Mulheres também apresentam risco elevado para sangramentos GI, possivelmente devido a variações hormonais e diferenças na farmacodinâmica de medicamentos anticoagulantes, além de uma maior incidência de disfunção do ventrículo direito (RV), como será discutido mais adiante.

A disfunção do ventrículo direito (RV) é outro fator crítico no desenvolvimento de hemorragias GI durante o suporte LVAD. A falência do RV, que pode ser observada antes e após a implantação do dispositivo, resulta em aumento das pressões da artéria pulmonar e da veia cava central, além de uma diminuição do débito cardíaco, levando à hipertensão portal e congestão venosa portal. Esse aumento da pressão venosa portal favorece a permeabilidade da mucosa intestinal, o que pode desencadear hemorragias no trato gastrointestinal. A falência do RV também pode aumentar o risco de tromboembolismo na circulação esplâncnica, o que, em conjunto com o aumento da pressão portal, eleva ainda mais o risco de sangramentos.

Pacientes com disfunção do RV antes da implantação do LVAD apresentam um risco elevado de complicações hemorrágicas pós-implante, muitas vezes devido à presença de angiodisplasias antes do procedimento, as quais se agravam com o dispositivo. O suporte nutricional adequado, tanto pré quanto pós-implante, é essencial para reduzir esses riscos. A sarcopenia, muitas vezes associada a pacientes com disfunção do RV crônica, pode torná-los mais vulneráveis a complicações hemorrágicas e complicações associadas ao uso de anticoagulantes.

Além disso, o uso de um modelo como o Utah Bleeding Risk Score, que considera fatores como idade avançada, histórico de sangramentos prévios, doença arterial coronariana, insuficiência renal crônica, disfunção do RV grave, pressão atrial direita elevada e níveis elevados de glicose, pode ser útil para a predição de hemorragias GI em pacientes com suporte LVAD. Entretanto, a eficácia desse sistema é limitada, pois falhou em prever sangramentos em estudos de validação externa.

No que diz respeito ao manejo da hemorragia gastrointestinal em pacientes com LVAD, as abordagens terapêuticas devem ser multidimensionais, abordando não apenas os fatores de risco identificados, como a disfunção plaquetária e a disfunção do RV, mas também considerando os tratamentos anticoagulantes necessários para o controle do risco trombótico. Em alguns casos, a redução da terapia anticoagulante ou a implementação de terapias adjuntas para melhorar a função plaquetária podem ser necessárias, juntamente com a monitorização contínua da função cardíaca e hemodinâmica.

Os pacientes que apresentam sangramentos GI frequentes ou persistentes durante o uso do LVAD devem ser cuidadosamente monitorados para detectar sinais de complicações adicionais, como a trombose na circulação esplâncnica ou a formação de angiodisplasias. Embora a transplante cardíaco tenha mostrado reduzir o risco de rebleeding em alguns casos, a eficácia dessa intervenção em longo prazo ainda precisa ser mais bem estabelecida.

Como otimizar a implantação de dispositivos de assistência ventricular esquerda (LVAD) para falência cardíaca avançada

A técnica de implantação do dispositivo de assistência ventricular esquerda (LVAD), especificamente o HeartMate 3 (HM3), representa um avanço significativo no tratamento da falência cardíaca avançada, com foco na melhora da compatibilidade hemocompatível e na redução de complicações pós-operatórias. O sucesso do procedimento depende de vários fatores técnicos e clínicos, que devem ser seguidos com precisão para garantir a funcionalidade ideal do dispositivo e minimizar os riscos de complicações, como falência do ventrículo direito (RV) e disfunção valvular.

A posição da anastomose entre o dispositivo e a aorta deve ser meticulosamente planejada. Idealmente, o ponto de junção da anastomose deve estar situado de forma que o ventrículo não seja comprimido ou torcido, evitando qualquer obstrução no fluxo sanguíneo. A anastomose deve ser realizada com um ângulo de aproximadamente 45° a 60°, o que é considerado ideal para reduzir a estase na raiz da aorta e otimizar a perfusão downstream (Hanke et al., 2017). A ausência de tensão na anastomose é fundamental para garantir a funcionalidade adequada e evitar falhas mecânicas. Durante a operação, o ultrassom intraoperatório (TEE) deve ser utilizado para confirmar que o fluxo do HM3 é direcionado de maneira adequada para a válvula mitral.

A implantação do dispositivo segue uma sequência rigorosa, começando com a clampa aorta e a realização de uma arteriotomia, seguida pela criação da anastomose com sutura monofilamentar 4-0 ou 5-0. Após a colocação do dispositivo e a realização do descolamento de ar, a válvula do dispositivo deve ser testada em um regime de alta rotação (3000 RPM) para garantir que o sistema está livre de bolhas de ar e funcionando corretamente. A monitorização contínua do TEE e da função do ventrículo direito é necessária para assegurar que o processo de descompressão e liberação da aorta seja realizado sem problemas adicionais.

Após a instalação do LVAD e a estabilização do paciente, a transição do bypass cardiopulmonar (CPB) para o suporte LVAD deve ser feita com grande cuidado. Isso envolve a monitorização de vários parâmetros hemodinâmicos, incluindo a pressão arterial média, o volume circulante e os parâmetros de coagulação. Os pacientes que não possuem um marca-passo permanente podem se beneficiar da colocação de um marcapasso temporário, especialmente durante os primeiros dias após a cirurgia, quando o aumento do débito cardíaco do ventrículo direito pode ser necessário. O uso de ventiladores de transporte e a monitorização cuidadosa da função pulmonar também são aspectos essenciais para evitar complicações respiratórias.

No período pós-operatório imediato, é crucial garantir que não haja sangramentos significativos e que os espaços pericárdico e pleural estejam adequadamente drenados. A remoção de drenos deve ser feita quando o fluxo de drenagem for mínimo, geralmente abaixo de 100 ml por dia, o que indica que a estabilização do paciente foi alcançada. A monitorização da função renal e a administração de heparina em doses controladas, conforme necessário, são essenciais para garantir a recuperação completa do paciente. O ajuste gradual da velocidade do dispositivo (5200-5600 RPM) após a descontinuação do CPB é orientado pela monitorização contínua do TEE, com o objetivo de minimizar a regurgitação nas válvulas mitral e tricúspide e garantir uma boa perfusão do ventrículo direito.

O uso do HeartMate 3, com seu sistema de fluxo centrífugo magneticamente levitado, tem demonstrado resultados superiores em termos de sobrevida, redução de complicações e melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Estudos recentes indicam que, com a técnica correta e cuidados pós-operatórios meticulosos, a maioria dos pacientes apresenta uma recuperação robusta, com menos complicações de arritmias ventriculares e falência do ventrículo direito, como mostrado no estudo MOMENTUM 3 (Mehra et al., 2017).

A eficácia a longo prazo do HeartMate 3, no entanto, depende de um acompanhamento contínuo e da adaptação a novas gerações de dispositivos que possam reduzir ainda mais os eventos adversos. A expansão dos critérios de elegibilidade para implantação do LVAD é uma expectativa para os próximos anos, e as inovações tecnológicas têm o potencial de melhorar ainda mais os resultados clínicos, oferecendo novas alternativas terapêuticas para pacientes com insuficiência cardíaca avançada. Além disso, deve-se continuar a monitorar as implicações no uso de dispositivos em populações de pacientes mais amplas, incluindo aqueles com comorbidades complexas.