A comparação entre o colonialismo israelense e o processo histórico de colonização na América do Norte é mais do que uma simples analogia. Ela carrega consigo a ideia de uma narrativa de conquista, onde a ideia de progresso e a “civilização” sobrepõem-se à resistência dos povos nativos e aos direitos territoriais que lhes pertencem. A argumentação de que os povos indígenas na América foram despossuídos de suas terras em nome de um “destino manifesto” possui paralelos com as justificativas que sustentam a ocupação israelense da Palestina. Em ambas as situações, a ideia de um território a ser conquistado e civilizado é central para entender a permanência dessas ocupações.

A observação de Laila Al-Marayati é esclarecedora nesse contexto: enquanto a maioria dos americanos não vê a expulsão e destruição de tribos indígenas como justificável, o argumento utilizado para justificar a ocupação de terras palestinas se apoia na ideia de que, dado que nada será devolvido aos índios, também não há razão para que os israelenses devolvam a terra aos palestinos. Esse raciocínio ignora os direitos históricos dos povos originários e tenta transformar a colonização em algo irreversível, naturalizando-a.

Neste tipo de lógica, os palestinos são equiparados aos índios americanos, sendo colocados em um passado distante, irrelevante e irremediavelmente conquistado, enquanto a colonização se apresenta como uma característica inevitável e permanente da história moderna. Ao mesmo tempo, essa narrativa exime os colonizadores de responsabilidade histórica, ao transformá-la em um progresso linear e contínuo, desprovido de conflitos ou remorsos. O domínio sobre a terra, a força militar e o poder econômico são justificados sob o manto da civilização e da democracia, com uma ideologia de “posse divina” que se entrelaça com uma estrutura política e econômica neoliberal.

A aceitação de que a colonização é irreversível é exposta por Ari Shavit, colunista de Haaretz, que, em uma entrevista, desconsidera as atrocidades cometidas pelos israelenses em 1948, como o massacre de Lydda, afirmando que crimes muito mais graves ocorreram na história dos Estados Unidos. Em sua visão, o tempo e o processo histórico são capazes de atenuar o sofrimento, como se o massacre de palestinos fosse algo que se torna insignificante à medida que os anos passam, tal como ocorre com os crimes de colonização nos Estados Unidos. A implicação é clara: uma vez que a colonização se consolida, sua violência tende a ser esquecida, e os direitos dos povos conquistados são permanentemente subjugados.

Essa ideia de que o sofrimento do passado se esvai com o tempo é um reflexo da lógica colonial que trabalha para preservar o status quo. Shavit e outros defensores dessa visão não apenas subestimam a dor e a resistência dos palestinos, mas também ignoram o fato de que as lutas por justiça e restituição nunca cessam para aqueles que foram deslocados e despossuídos. A negação do direito de retorno para os palestinos, que vivem como exilados em sua própria terra, é um exemplo claro dessa negação histórica.

Quando se observa as comparações entre a Palestina e os Estados Unidos, percebe-se que o processo de colonização na Palestina é mais um capítulo de um ciclo de conquistas territoriais que, sob uma lógica expansionista, diminui o valor dos povos nativos, colocando-os como obstáculos a um destino inevitável de progresso. Ao olhar para a resistência palestina, é impossível não traçar paralelos com a luta dos nativos americanos, que também se veem como os legítimos habitantes de um território que lhes foi roubado e que agora se encontra sob um regime de ocupação e negação de direitos.

Em um nível mais profundo, a comparação entre a colonização americana e israelense revela uma continuidade ideológica que ultrapassa as fronteiras geográficas e políticas. O ethos do “destino manifesto”, que justifica a violência contra os povos indígenas nos Estados Unidos, também justifica a colonização e o etnocídio que os palestinos enfrentam em suas terras. Para os primeiros colonos americanos, a ideia de que a terra deveria ser ocupada por cristãos brancos, em nome de Deus, era uma missão divina, e essa mentalidade foi transmitida para as justificação da ocupação em Israel.

O vínculo entre essas narrativas históricas é ilustrado pelo trabalho de pensadores como Steven Newcomb, que explora como as narrativas bíblicas, muitas vezes inconscientemente, moldam a forma como os povos indígenas são vistos como inferiores e os seus territórios como disponíveis para apropriação. Ao refletir sobre esses elementos, é possível perceber que o conflito entre israelenses e palestinos não é apenas um embate territorial, mas uma batalha de narrativas que busca estabelecer o controle sobre a memória histórica e o futuro das gerações vindouras.

Por isso, o entendimento da história da Palestina não pode ser simplificado a uma luta entre dois povos com interesses conflitantes. Ao contrário, ela faz parte de uma longa tradição de colonização, na qual os nativos não apenas se veem privados de sua terra, mas também são forçados a aceitar uma visão de mundo que legitima sua opressão e negação como algo natural e irreversível. Ao examinar essa dinâmica, é essencial lembrar que a verdadeira resistência não se encontra apenas no campo da guerra, mas também na preservação da memória, na luta por justiça e, principalmente, na defesa do direito de os povos ocupados reescreverem suas próprias histórias.

Por que os Estudos dos Nativos Americanos Devem Ser Importantes para a Solidariedade com a Palestina?

Os Estudos dos Nativos Americanos (EIA) são muitas vezes confinados ao campo acadêmico, mas sua relevância ultrapassa as fronteiras da teoria e da pesquisa. A importância desses estudos se revela em fenômenos como as visitas de nativos americanos à Palestina. Essas viagens, frequentemente acompanhadas de relatos emocionantes e profundos, não apenas abrem novos horizontes para os estudiosos da Palestina, mas também desafiam nossas concepções sobre a geografia política e simbólica do país. Ao analisar esses fenômenos, surge uma questão fundamental: o que motiva esses visitantes e como suas experiências podem lançar luz sobre a solidariedade com a Palestina?

A conexão entre os povos indígenas e a Palestina não é mera curiosidade intelectual, mas uma interseção de vivências coloniais compartilhadas. Visitas de nativos a terras colonizadas, como a Palestina, geram uma reflexão sobre os legados da colonização e a continuidade das lutas pela liberdade e pela autodeterminação. O vínculo entre essas duas realidades – aparentemente distantes em termos geográficos e históricos – está na luta contra a opressão, uma luta que persiste em ambas as regiões, com suas especificidades, mas também com suas semelhanças estruturais.

Esse fenômeno, longe de ser um caso isolado ou efêmero, exige uma análise mais profunda, que recorra aos próprios fundamentos dos Estudos dos Nativos Americanos. Esses estudos envolvem uma análise dinâmica do conhecimento cultural, da história, dos movimentos políticos, das tradições intelectuais e da jurisprudência, elementos que têm sido fundamentais nas lutas de povos indígenas por justiça e reconhecimento. Essa estrutura de análise tem implicações diretas para o movimento de solidariedade com a Palestina, pois permite que os ativistas se conectem com as narrativas palestinas de uma maneira mais ampla, abordando questões globais de colonialismo, neoliberalismo e plutocracia.

No entanto, as comparações entre as diversas experiências de colonização não são simples ou diretas. As diferentes práticas e crenças nas comunidades nativas tornam qualquer generalização difícil, mas não impossível. A riqueza de perspectivas dentro de uma comunidade indígena pode variar, como no caso das diferenças de opinião entre intelectuais indígenas e outros membros das comunidades de diferentes estratos socioeconômicos. Mesmo assim, a base para comparações está no campo do internacionalismo e das imperativas decoloniais globais, que reconhecem a continuidade das estruturas coloniais em diversas partes do mundo.

Robert Lovelace, ao comparar Gaza ao "maior território indígena do mundo", nos oferece uma metáfora poderosa, mas também nos convida a refletir sobre uma conexão mais profunda entre as vítimas da colonização. Gaza, com sua densidade simbólica e real de violência colonial, é uma metáfora do que poderia ser considerado uma "reserva indígena", pois é um espaço onde a violência colonial é intensificada, visível e concentrada. Lovelace destaca que a comparação não se limita à geografia física, mas busca iluminar uma história comum de opressão e resistência.

J. Kēhaulani Kauanui, por sua vez, traz uma reflexão mais pessoal e afetiva ao associar sua ligação com a Palestina à sua relação com o Havai. Kauanui não apenas analisa a Palestina como um caso de geopoliticamente relevante, mas a vê como uma extensão das próprias lutas decoloniais que marcam sua história e sua identidade havaiana. O exemplo de Kauanui ilustra como o estudo da colonização e das suas vítimas não se limita a um campo acadêmico frio, mas envolve um envolvimento profundo e pessoal com a causa da libertação de outros povos colonizados.

O que as visitas de nativos americanos à Palestina e os estudos que as acompanham demonstram é que os Estudos dos Nativos Americanos devem ser fundamentais para o movimento de solidariedade com a Palestina. O engajamento das comunidades indígenas com a causa palestina traz um senso de responsabilidade e compromisso que vai além da simples simpatia ou interesse acadêmico. Isso implica que as lutas pela autodeterminação e pela justiça social não devem ser vistas como causas isoladas, mas interligadas dentro de um contexto de luta global contra o colonialismo e a opressão.

A solidariedade entre esses povos colonizados oferece uma perspectiva enriquecedora, pois desafia a ideia de que a luta pela liberdade e pelos direitos humanos é exclusivamente local ou isolada. Ela também nos força a questionar as premissas que moldam nossas visões sobre a Palestina, sugerindo que a solução para a questão palestina deve ser entendida dentro de uma análise mais ampla, que aborde o colonialismo desde suas origens, longe da visão isolada de que o sionismo é uma ocupação recente.

Portanto, o estudo das experiências indígenas e a reflexão sobre suas lutas devem ser incorporados de maneira séria e reflexiva no movimento de solidariedade com a Palestina. Quando consideramos essas interconexões, vemos que a luta pela liberdade, justiça e autodeterminação transcende fronteiras e gera um vínculo profundo entre povos que, apesar das diferenças, compartilham a história comum de resistência à colonização.

Como a Palestina se Tornou Importante: A Influência das Relações Internacionais e a Colonização Contemporânea

A questão da Palestina e seu papel nos conflitos geopolíticos globais tornou-se uma peça central nas dinâmicas de poder internacional. Em grande medida, a intervenção israelense na América Central nas décadas de 1980 e 1990 exemplifica a extensão da influência israelense em várias regiões do mundo, frequentemente como um instrumento indireto de políticas dos Estados Unidos. Um exemplo marcante é o apoio militar que Israel forneceu ao regime guatemalteco durante a década de 1980, especialmente no que diz respeito ao treinamento de soldados e ao fornecimento de helicópteros utilizados em operações de contrainsurgência. A conexão entre Israel e os regimes militares da América Central não se limitou apenas a aspectos militares; ela também envolveu uma forte relação ideológica e estratégica que ultrapassou as fronteiras de simples alianças diplomáticas.

O envolvimento de Israel na América Latina, especialmente no apoio aos regimes autoritários e militares, foi parte de um projeto mais amplo de alinhamento com os Estados Unidos durante a Guerra Fria. No caso da Guatemala, a declaração de Rodolfo Lobos Zamora, chefe do Estado-Maior do Exército guatemalteco, sobre o modelo do soldado israelense, reflete uma adaptação das táticas israelenses na repressão de populações indígenas e movimentos populares. A utilização de helicópteros fornecidos por Israel e a criação de canais de inteligência que facilitaram a tortura e o encarceramento de ativistas é apenas um exemplo das práticas que se estenderam para outras regiões do mundo, incluindo a África e o Sul da Ásia, onde Israel atuou como um agente indireto das políticas dos EUA.

O papel de Israel como um "proxy" ou uma ferramenta geopolítica dos Estados Unidos, especialmente em áreas como a África e a América Latina, levanta questões complexas sobre a interconexão entre as formas de colonização e o impacto sobre os povos indígenas, não apenas no Oriente Médio, mas também nas Américas. As consequências materiais da parceria entre os Estados Unidos e Israel têm sido devastadoras para as populações indígenas, particularmente nos Estados Unidos, onde as comunidades nativas sofrem com o processo de neoliberalismo que pilha recursos e limita o desenvolvimento econômico, priorizando o capitalismo destrutivo em detrimento de modelos de igualdade e justiça social.

Ao olhar para a colonização de territórios palestinos, é essencial entender que a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia e em Gaza não é apenas uma questão territorial, mas uma questão ideológica que reflete o prolongamento das dinâmicas de colonização contemporânea. Desde a década de 1970, os assentamentos israelenses na Cisjordânia e em Gaza cresceram substancialmente, em grande parte impulsionados por apoio financeiro e político dos Estados Unidos. A presença de cidadãos americanos nesses assentamentos, com motivações que variam de fatores econômicos a ideológicos, é emblemática da forma como a colonização se perpetua em novas formas, mesclando interesses de diferentes origens culturais e políticas.

Em 2011, a publicação de documentos do WikiLeaks revelou que os cidadãos americanos que se mudaram para os assentamentos israelenses eram motivados por uma combinação de fatores sociais, econômicos e ideológicos. A ideia de viver em comunidades isoladas e altamente vigiadas pelos soldados israelenses, junto aos benefícios econômicos como isenções fiscais e subsídios, se combina com uma visão messiânica de redimir a terra, como se fosse uma extensão da sua identidade cultural e religiosa. Esse fenômeno, muitas vezes descrito como messianismo, na realidade, se traduz em um projeto colonizador mais amplo, que se fundamenta na crença de que a Palestina é uma terra que pertence ao povo judeu, independentemente das reivindicações do povo palestino.

A questão do messianismo em relação aos assentamentos israelenses é complexa. Embora muitos dos colonos americanos se vejam como liberais em termos políticos e, à primeira vista, se distanciem de um "messianismo" tradicional, o ato de colonizar a Palestina sob a justificativa de direitos civis judeus segue, na prática, um impulso messiânico. A ideologia por trás da colonização é intrinsecamente ligada a uma visão que privilegia o direito do povo judeu à terra palestina, em detrimento do povo palestino. Essa visão se alinha com a narrativa de colonização dos Estados Unidos e sua justificação para a ocupação de terras pertencentes a povos indígenas, refletindo uma continuidade de colonialismo em formas diversas, mas com o mesmo princípio de dominação e apropriação.

É importante destacar que os assentamentos na Cisjordânia e em Gaza não são apenas um reflexo de interesses individuais ou de uma ideologia religiosa, mas também uma manifestação das dinâmicas de poder entre os Estados Unidos e Israel, onde a justiça e os direitos humanos são frequentemente marginalizados em favor de um projeto geopolítico mais amplo. Além disso, a propaganda em torno de esses assentamentos, que frequentemente minimiza a violência associada à ocupação e à expulsão de palestinos, reforça a ideia de que a presença israelense na Palestina é natural e justa, uma perspectiva que apaga as realidades do sofrimento palestino.

Este fenômeno deve ser compreendido dentro do contexto mais amplo de como os Estados Unidos e Israel atuam juntos em várias partes do mundo, desde a América Latina até o Oriente Médio, e como essa parceria tem impactos diretos e indiretos sobre as populações indígenas, tanto na Palestina quanto em outros lugares. O modelo de colonização imposto por Israel e apoiado pelos Estados Unidos reflete uma continuidade das dinâmicas coloniais históricas, adaptadas aos tempos modernos, com novas formas de opressão e controle sobre os povos indígenas e suas terras.