Antes mesmo da pandemia, nossos dispositivos digitais já haviam demonstrado causar altos níveis de disfunção emocional e fisiológica. O uso excessivo das telas nos deixa frequentemente sobrecarregados, inquietos e desconectados dos nossos próprios corpos. Esse processo de desregulação emocional não acontece sem consequências. Quando nos expomos de maneira constante ao estímulo digital, perdemos a capacidade de nos regular de maneira saudável, substituindo atividades que acalmam e reequilibram nosso estado emocional por distrações temporárias. O impacto disso é ainda mais profundo nas crianças, que, ao longo dos últimos anos, passaram a viver em um mundo quase exclusivamente virtual.

Para uma criança, as interações digitais substituíram as experiências que anteriormente poderiam proporcionar um equilíbrio emocional mais saudável. Enquanto os encontros ao vivo — como caminhar pelos corredores da escola, cortar o cabelo ou participar de eventos sociais — oferecem uma nutrição emocional vital, a substituição dessas experiências por interações digitais gera uma falta de combustível emocional. Quando forçamos nossas crianças a se engajarem em situações que exigem mais de suas capacidades do que elas possuem, as consequências são evidentes. Elas podem reagir com agitação, querer mais atenção e se preocupar com questões que, à primeira vista, parecem triviais. Isso se assemelha a um corredor tentando completar uma maratona sem ter treinado ou preparado o corpo adequadamente.

As crianças, ao se sentirem sobrecarregadas e ansiosas, acabam buscando uma reação intensa dos pais, muitas vezes sem se importar se essa reação é positiva ou negativa. Elas não têm a capacidade de expressar de forma clara suas emoções e necessidades. O que importa para elas é sentir que alguém está prestando atenção de maneira significativa. Quando a resposta dos pais é dispersa, fraca ou excessivamente positiva, sem foco real, isso não proporciona o alívio necessário. Para elas, qualquer tipo de atenção intensa — mesmo que negativa — é preferível a ser ignorada.

Em tempos de crise emocional, como durante e após um período de pandemia, é fundamental que os pais compreendam a importância de ajudar seus filhos a desenvolverem habilidades de autorregulação. Cada criança possui formas diferentes de lidar com suas emoções. Alguns podem precisar de técnicas de respiração profunda, outros podem liberar a tensão correndo ou saltando, e alguns preferem expressar suas emoções por meio de atividades como cantar, desenhar ou até mesmo jogar. O papel dos pais, nesse processo, é perceber e incentivar as formas mais eficazes de autoacalmar suas crianças, ajudando-as a estabelecer um plano de autorregulação que corresponda às suas preferências e temperamento.

Em um ambiente familiar, uma maneira prática de monitorar e responder às necessidades emocionais das crianças é através de um sistema de cores, como o modelo "Zones of Regulation". Esse modelo divide os estados emocionais em três zonas: verde (calma e alerta), amarela (ligeiramente agitada, mas ainda controlada), e vermelha (emocionalmente desregulada, agitada). Ao identificar a cor correspondente ao estado emocional de cada membro da família, os pais podem adaptar suas respostas de maneira mais eficaz.

Além disso, a criação de espaços e práticas dentro de casa que incentivem o autocuidado e a regulação emocional pode fazer uma grande diferença. Espacos tranquilos, com luz suave, cobertores pesados e objetos que proporcionam conforto físico, como brinquedos de pelúcia ou jogos manuais, são recursos importantes. Um tempo diário de desconexão, onde todos podem simplesmente estar presentes, sem pressões externas, também é fundamental. A prática da "boredom", ou a habilidade de se entediar de maneira produtiva, tem mostrado ser uma excelente ferramenta para ajudar as crianças a se reconectarem com seus próprios sentimentos e aprenderem a lidar com eles de maneira saudável.

Em relação ao processo de comunicação sobre as emoções, iniciar conversas sobre autorregulação pode parecer desconfortável no início, mas é um passo crucial para o desenvolvimento emocional das crianças. Para os mais novos, as conversas podem começar de maneira simples, perguntando o que os ajuda a se sentir melhor quando estão angustiados. Para as crianças mais velhas, é importante reconhecer que o retorno à interação social pode trazer emoções complexas e conflitantes, como o medo ou a ansiedade. Ter um espaço para explorar essas emoções e oferecer apoio é essencial.

No final das contas, o que as crianças precisam mais do que qualquer outra coisa é aprender a se autorregular. Isso não acontece de um dia para o outro, mas com a paciência, apoio e estratégias certas, é possível ajudá-las a encontrar maneiras eficazes de lidar com suas emoções. Por mais difícil que seja para os pais, é importante entender que o caminho para a autorregulação emocional é um aprendizado contínuo, tanto para as crianças quanto para os adultos que as acompanham.

Como Estabelecer Novos Pontos de Referência e Romper com Hábitos Prejudiciais

Quando refletimos sobre o impacto das normas sociais e dos hábitos em nossa vida, percebemos que estamos constantemente sendo moldados por expectativas, papéis e metas que, em muitos casos, não escolhemos conscientemente. As normas que orientam nosso comportamento e as metas que buscamos podem, muitas vezes, nos aprisionar, tornando difícil encontrar um foco claro e uma direção verdadeira. Mas como podemos reverter isso e criar um ambiente propício para mudanças duradouras?

Para entender melhor esse processo, podemos começar com um experimento simples, mas revelador. Em um ambiente controlado, utilize post-its para listar as expectativas que sente de si mesmo e dos outros, os papéis que ocupa no mundo (como empregado, amigo, parceiro ou membro da comunidade) e as metas que está tentando alcançar. Coloque cada post-it aleatoriamente em uma parede e, então, escolha um para focar. Observe como é desafiador manter a concentração nesse único ponto, diante de tantos outros post-its semelhantes ao redor. Este experimento ilustra o que é viver sem uma clareza de valores e metas bem definidas. Em um mundo onde estamos constantemente sendo bombardeados por expectativas externas, encontrar um ponto claro de referência é crucial para a nossa capacidade de focar e agir com propósito.

Esse exercício também pode ser aprimorado ao fazer uma reflexão mais profunda sobre nossos valores fundamentais. Com cinco folhas de papel, escreva um valor que você tenha identificado em cada uma delas, de forma legível e visível de longe. Prenda as folhas nas paredes de uma sala, de modo que você possa girar e ver cada valor à medida que se move. À medida que gira, reflita sobre os hábitos que não estão servindo ao seu bem-estar e como esses valores podem orientá-lo para uma mudança real. Ao olhar para cada valor, pense em como ele pode ajudá-lo a substituir velhos comportamentos por novos hábitos mais alinhados com o seu verdadeiro propósito. O simples ato de identificar essas novas formas de agir, sentir e pensar pode ser o primeiro passo para transformar padrões arraigados que já não são úteis.

O papel dos valores, ao definirmos novos padrões de comportamento, é imensurável. Quando sabemos claramente para onde estamos indo, podemos traçar um caminho muito mais eficaz para alcançar nossos objetivos. Estabelecer pontos de referência baseados em nossos valores nos dá a estrutura necessária para moldar um futuro mais saudável e equilibrado. Essa é uma das razões pelas quais se tornar específico sobre o que estamos buscando é fundamental. Quando deixamos nossas metas e valores vaguearem, nosso foco se dilui, tornando mais difícil realizar mudanças significativas.

Além disso, é crucial preparar o ambiente para o sucesso. Que hábitos ou padrões seu espaço está favorecendo? Quando analisamos nossas casas, nos escritórios ou até mesmo nossos meios de transporte diários, frequentemente vemos um reflexo de nossos hábitos mais arraigados. Se o seu sofá está posicionado de forma a facilitar o acesso a dispositivos eletrônicos ou se a disposição dos móveis torna fácil cair em comportamentos automáticos, talvez seja hora de uma reorganização. Ao fazer ajustes no ambiente físico, podemos criar espaços que promovam hábitos mais saudáveis. Por exemplo, ao mudar a posição do sofá, criando um ponto de referência que favoreça interações mais construtivas (como uma janela ou uma mesa de atividades), podemos mudar o nosso comportamento sem precisar de um esforço consciente constante. Esses pequenos ajustes no espaço têm um grande impacto em como nos comportamos.

A preparação do ambiente não se limita ao espaço físico. É importante também contar com a ajuda de pessoas próximas. Compartilhar suas metas e pedir apoio cria uma rede de responsabilidade, fundamental para manter o foco e a motivação, especialmente quando as dificuldades surgem. À medida que entramos em novos ciclos de vida, como após períodos de confinamento ou mudanças significativas, ter apoio social e um sistema de feedback é essencial para garantir que os novos hábitos sejam sustentáveis.

Porém, vale destacar que a mudança de hábitos não acontece de forma linear. Como seres humanos, muitas vezes somos atraídos por comportamentos que nos oferecem gratificação imediata, mesmo que, a longo prazo, esses comportamentos sejam prejudiciais. Essa tendência de voltar aos antigos padrões, especialmente após uma ruptura ou mudança drástica, como uma quarentena ou uma pausa forçada, é comum. Durante a pandemia, muitos de nós experimentamos a solidão e a necessidade de reavaliar nossas relações com o mundo, seja em termos de tecnologia, trabalho ou vida social. À medida que saímos dessa fase, o retorno ao convívio social pode nos deixar excitados, mas também nos coloca frente à possibilidade de recaídas em hábitos não saudáveis, como o uso excessivo de tecnologia ou o excesso de consumo de álcool e comida.

Portanto, o que é importante entender é que, embora seja fácil idealizar uma vida anterior à pandemia, o desafio real está em escolher conscientemente como vamos lidar com a liberdade que agora se nos apresenta. O risco de retornar a hábitos prejudiciais é alto, mas essa também é uma oportunidade única para repensar, reconfigurar e estabelecer padrões que sirvam melhor à nossa saúde mental, física e emocional.

Neste processo de reintegração ao "mundo normal", a prática do "mindset de principiante", ou Shoshin, é essencial. Esse conceito budista nos convida a manter uma mente aberta e curiosa, como a de um iniciante, mesmo quando já temos experiência ou conhecimentos prévios. Isso significa aproximar-se de novas situações com humildade, reconhecendo que o que aprendemos até agora não é uma fórmula definitiva, mas uma base sobre a qual podemos construir e ajustar conforme necessário. Quando nos permitimos ver o mundo com uma mentalidade fresca, somos mais capazes de identificar e adotar hábitos que realmente nos apoiem a longo prazo, em vez de cairmos na tentação de adotar velhos comportamentos sem reflexão.

Estabelecer novos hábitos, portanto, não é uma tarefa simples e exige uma abordagem multifacetada: clareza de valores, preparação do ambiente, e o apoio de outros são peças-chave desse quebra-cabeça. Ao integrar essas práticas no nosso cotidiano, podemos começar a estabelecer normas mais saudáveis e sustentáveis para nossas vidas, criando uma base sólida para um futuro mais equilibrado.

Qual é o impacto das interações virtuais e do uso excessivo de telas na nossa saúde emocional?

As interações humanas mudaram drasticamente nos últimos anos, principalmente após a pandemia de COVID-19. Se antes a ideia de transitar quase todas as nossas interações para plataformas digitais parecia algo distante, a realidade nos impôs uma adaptação forçada. O impacto dessa transição vai muito além das questões tecnológicas e tem reflexos profundos em nossa saúde emocional e social.

Antes da pandemia, a ideia de interagir constantemente por meio de chamadas de vídeo parecia um cenário de ficção científica, uma invenção mais própria de filmes do que de nossas rotinas diárias. Porém, essa realidade chegou com força total. No começo, a tecnologia foi uma aliada, permitindo que muitas pessoas continuassem seus trabalhos e estudos de forma segura. No entanto, também trouxe à tona uma série de questões relacionadas ao impacto psicológico e social, exacerbando desigualdades e revelando as vulnerabilidades de diferentes grupos sociais.

Um dos primeiros efeitos notáveis foi a percepção de desconforto gerado pela exibição de nossos próprios ambientes e aparências durante as videochamadas. Para muitas pessoas, o espaço em que estavam não era ideal para o trabalho ou o aprendizado. Ao expor seu lar ou escritório improvisado para colegas ou professores, surgiram sentimentos de julgamento e insegurança. Isso foi particularmente desafiador para aqueles cujas condições de vida não permitiam um ambiente propício para essas atividades. A sensação de estar sendo avaliado não apenas pela qualidade do trabalho ou aprendizado, mas também pelo ambiente visível na tela, gerou uma pressão emocional adicional.

Além disso, as plataformas de vídeo, por sua natureza, alteraram a dinâmica da comunicação. As conversas virtuais são regidas por regras diferentes das interações presenciais. O áudio e vídeo de baixa qualidade, os atrasos e as interrupções constantes criaram barreiras invisíveis para a comunicação eficiente. Aqueles que eram mais hesitantes em falar em grupo encontraram ainda mais dificuldade para se expressar, já que, em muitas plataformas, apenas uma pessoa pode falar de cada vez. Esse fenômeno fez com que os mais assertivos dominassem as conversas, enquanto os mais introspectivos, muitas vezes, passavam despercebidos.

Outro aspecto psicológico importante das videochamadas é a constante presença de nossa própria imagem. Se antes a ideia de observar a si mesmo enquanto se comunica parecia um pesadelo, nas chamadas de vídeo isso tornou-se uma constante. Estar sempre diante de nosso reflexo enquanto falamos pode gerar uma autoavaliação constante, o que, para muitos, é desgastante e desmotivante. Isso diminui a espontaneidade das interações e afeta diretamente a confiança e o bem-estar emocional. A constante necessidade de avaliar nossa aparência, ajustar a postura e corrigir pequenas imperfeições, embora pareça inofensiva, é um fator que contribui para a exaustão mental, como um peso invisível que carregamos a cada chamada.

A reabertura gradual das interações presenciais exige um processo de reintegração emocional. O retorno ao "mundo real" não é simples, especialmente para aqueles que passaram mais tempo conectados em plataformas digitais. As redes sociais, por exemplo, ofereceram uma forma de contato e conexão durante o isolamento, mas também contribuíram para a intensificação de ansiedade, estresse e fadiga emocional. A comparação constante com a vida de outras pessoas e a busca incessante por atualizações fizeram com que muitos perdessem o equilíbrio emocional, já que o consumo excessivo de mídias digitais não levou a uma regulação emocional efetiva, mas sim a uma distração momentânea.

O excesso de tela tem consequências mais profundas do que parece à primeira vista. Embora as redes sociais e as plataformas digitais tenham nos conectado de maneira inédita, elas também nos desconectaram de nós mesmos e das interações físicas. A incapacidade de interromper o fluxo contínuo de informações e de focar em uma atividade de cada vez gerou uma sobrecarga mental, muitas vezes mascarada pela sensação de que estamos "produtivos" ou "em dia" com as novidades. Essa desconexão do corpo e da experiência sensorial no mundo físico fez com que nos tornássemos mais propensos ao estresse e à ansiedade, sem percebermos o impacto.

Reiniciar nossa relação com a tecnologia e as interações digitais exige uma abordagem mais consciente e cuidadosa. Precisamos aprender a identificar nossos sentimentos durante as chamadas de vídeo, refletir sobre o impacto que elas têm em nossa percepção de nós mesmos e, principalmente, adotar práticas de autocuidado digital. Organizar um espaço adequado para as videochamadas, fazer ajustes em nossa aparência antes de entrar na tela e, quando possível, esconder nossa própria imagem para evitar a autoavaliação constante são pequenas atitudes que podem melhorar nossa experiência. Além disso, práticas de socialização presencial, mesmo que breves, são essenciais para nos relembrarmos das interações face a face e restabelecermos a conexão genuína com os outros.

O uso excessivo de dispositivos e a dependência das telas também devem ser reavaliados. Verificar nosso histórico de uso, identificar os padrões de consumo de conteúdo e refletir sobre o que essas escolhas digitais dizem sobre nosso estado emocional são passos importantes para recuperar o equilíbrio e a saúde mental. A chave para uma adaptação saudável ao novo normal está em aprender a desligar-se dos dispositivos, estabelecer limites e dedicar mais tempo ao autocuidado e às interações pessoais reais.