Os antibióticos glicopeptídicos, como o dalbavancina e oritavancina, têm sido estudados para o tratamento de infecções em pacientes pediátricos, mas a definição da dosagem ideal, especialmente para faixas etárias menores, ainda é um campo em evolução. Estudos realizados até agora demonstraram que a farmacocinética (PK) desses medicamentos em crianças pode diferir substancialmente daquela observada em adultos, com implicações diretas sobre as estratégias de dosagem.

No caso do dalbavancina, a diferença na meia-vida entre crianças e adultos pode ser atribuída a diferenças na função hepática e renal, que em adolescentes saudáveis são mais eficientes do que em adultos. Um estudo envolvendo 10 adolescentes revelou que a área sob a curva (AUC) foi 30% inferior à registrada em estudos com adultos, o que sugere que esses pacientes têm uma depuração mais rápida da substância. No entanto, foi observado que nove dos dez sujeitos ainda apresentavam níveis plasmáticos detectáveis de dalbavancina 55 dias após a administração, o que indica uma persistência do medicamento por um longo período de tempo, possivelmente devido à maior capacidade de clearance hepático e renal na faixa etária adolescente.

Em outro estudo pediátrico, o PK do dalbavancina foi avaliado após a administração de uma única dose intravenosa em crianças hospitalizadas, com idades variando de 3 meses a 11 anos. A análise de 311 concentrações de dalbavancina no soro de 43 pacientes permitiu a formulação de um modelo de dosagem mais adequado para diferentes faixas etárias. A dosagem recomendada para crianças entre 6 e 18 anos é de 12 mg/kg no primeiro dia e 6 mg/kg no oitavo dia, com um máximo de 1.000 mg no primeiro dia e 500 mg no oitavo. Para crianças de 3 meses a 6 anos, a dosagem de 15 mg/kg no primeiro dia e 7,5 mg/kg no oitavo dia (também com limite máximo) parece ser eficaz, atingindo níveis de exposição semelhantes aos observados em adultos que recebem um regime de duas doses. Esses achados sugerem que a adaptação da dosagem com base na idade é essencial para alcançar uma eficácia semelhante à de adultos, evitando efeitos colaterais ou toxicidade.

Embora esses estudos ofereçam informações úteis, a quantidade de dados disponíveis sobre a farmacocinética do dalbavancina em crianças é limitada, especialmente para neonatos. Além disso, o estudo do oritavancina em pediatria ainda está em estágios iniciais. Um estudo de fase 1, publicado em 2018, avaliou a farmacocinética, segurança e tolerabilidade de uma dose única intravenosa de 15 mg/kg de oritavancina em crianças. Os dados preliminares indicam que o oritavancina é bem tolerado em crianças, especialmente na faixa etária de 6 a 18 anos, com perfis farmacocinéticos similares aos observados em adultos com uma dose de 1.200 mg. Contudo, as concentrações plasmáticas em crianças de 2 a 6 anos foram mais baixas do que o esperado, indicando a necessidade de ajustes na dosagem para esse grupo etário.

Em relação aos antibióticos glicopeptídicos, a monitorização das concentrações séricas, especialmente os níveis mínimos de concentração (trough levels), é crucial para otimizar a eficácia e minimizar a toxicidade. No caso da vancomicina, que tem sido amplamente utilizada em pediatria, é comum monitorar a concentração plasmática para atingir níveis terapêuticos. No entanto, estudos indicam que as crianças têm uma eliminação renal mais rápida, o que pode dificultar a manutenção de níveis terapêuticos desejados. Portanto, doses mais altas ou mais frequentes podem ser necessárias para alcançar o efeito terapêutico desejado.

As diretrizes mais recentes sugerem que, para otimizar o tratamento com vancomicina, a relação AUC/MIC (Área sob a curva / concentração mínima inibitória) deve ser maximizada, visando atingir uma concentração mínima no sangue de 15 a 20 mg/L em casos de infecções graves. No entanto, como as crianças têm uma eliminação renal mais eficiente, é necessário ajustar a dosagem para alcançar esses níveis mais altos, o que, em muitos casos, requer doses de 60 mg/kg/dia ou mais. Estudos recentes indicam que doses iniciais mais altas que as tradicionalmente usadas podem ser necessárias, mas dados mais robustos ainda são necessários para apoiar essa mudança de prática.

Esses dados apontam para uma necessidade urgente de mais estudos clínicos em pediatria para definir com precisão as dosagens ideais de glicopeptídeos. A única forma de garantir uma abordagem terapêutica eficaz e segura é por meio de uma compreensão mais aprofundada das diferenças farmacocinéticas entre adultos e crianças, especialmente nas faixas etárias mais jovens e neonatais.

Como o Desenvolvimento Enzimático e a Função Renal Afetam a Metabolização de Medicamentos em Crianças

O desenvolvimento enzimático e a função renal têm um impacto significativo na metabolização de medicamentos, especialmente em crianças, cujas capacidades biológicas estão em constante mudança ao longo das primeiras fases de vida. Esse desenvolvimento pode ser dividido em três padrões principais. O primeiro grupo de enzimas é expresso predominantemente durante os primeiros dois trimestres da gestação, como o CYP3A7, FMO1, e as sulfatases SULT1A3/4 e SULT1E1. O segundo grupo apresenta enzimas cujos níveis permanecem relativamente constantes ao longo da gestação, como o CYP2C19, CYP3A5 e SULT1A1. Já o terceiro grupo é composto por enzimas cuja expressão aumenta significativamente após o nascimento, como o CYP1A2, CYP2D6 e a CYP3A4, entre outras.

Essas enzimas desempenham um papel fundamental na forma como o corpo processa e elimina substâncias, e as alterações no seu desenvolvimento podem ter implicações significativas para os efeitos adversos dos medicamentos, principalmente em crianças pequenas. A capacidade metabólica aumentada de crianças, especialmente em relação à oxidação de medicamentos, pode levar a uma maior bioativação de fármacos em comparação com adultos. Esse processo de bioativação, por sua vez, pode resultar em reações adversas imprevisíveis, como a hipersensibilidade medicamentosa, um tipo de reação idiossincrática mediada pelo sistema imunológico, que tem sido associada ao início da resposta imune com a bioativação de determinados fármacos.

É sabido que crianças apresentam um risco maior para reações adversas graves em comparação com adultos. Um exemplo notável disso é o risco aumentado de reações cutâneas graves em crianças tratadas com lamotrigina, que é três vezes maior do que o observado em adultos. Além disso, a hepatotoxicidade induzida pelo ácido valpróico em crianças é dez vezes mais comum do que nos adultos. Esses riscos, embora raros, são severos e podem ser fatais, sendo muito mais comuns entre crianças pequenas, como mostrado em casos de reações adversas induzidas por cefaclor. Esse fenômeno reflete não apenas a fisiologia em desenvolvimento das crianças, mas também as peculiaridades na forma como elas processam os medicamentos.

Outro aspecto crucial para entender os efeitos dos medicamentos em crianças é a excreção renal. A capacidade de excreção de medicamentos pelos rins nas crianças se desenvolve ao longo do tempo, com diferenças significativas entre recém-nascidos, lactentes e crianças mais velhas. Ao nascer, a taxa de filtração glomerular (TFG) é muito mais baixa, atingindo valores próximos aos de adultos somente após o primeiro ano de vida. Esse desenvolvimento gradual da função renal implica que, nos primeiros meses de vida, os recém-nascidos, especialmente os prematuros, têm uma capacidade reduzida de eliminar substâncias, o que aumenta o risco de toxicidade dependente da concentração dos medicamentos. Por outro lado, durante a fase de lactente, a taxa de filtração glomerular aumenta significativamente, o que pode favorecer a eliminação mais eficiente de certos medicamentos.

Porém, esse aumento na capacidade de eliminação nos lactentes também pode estar relacionado com um risco maior de toxicidade em certos casos, como ocorre com o uso de medicamentos que dependem da metabolização renal. A capacidade dos rins de metabolizar medicamentos, embora muitas vezes ofuscada pela função hepática, é substancial. A ativação renal de substâncias, como acontece com a vitamina D, também pode influenciar a resposta a medicamentos que são metabolizados nesse órgão. Um exemplo notável é o caso do ifosfamido, um agente alquilante usado no tratamento de câncer, que pode induzir nefrotoxicidade em crianças devido ao metabolismo renal do fármaco.

O transporte de medicamentos também desempenha um papel importante na farmacocinética, pois a absorção e excreção dos fármacos são mediadas por sistemas de transporte ativos nas células e tecidos. A expressão de transportadores de fármacos nos rins e outros órgãos continua a ser um campo pouco explorado, mas sabe-se que existem diferenças significativas na expressão e na atividade desses transportadores entre crianças e adultos. Por exemplo, o transportador de ânions orgânicos 1 (OAT1), essencial para a excreção renal de medicamentos, é expresso em níveis muito baixos durante a gestação, mas a expressão aumenta consideravelmente após o nascimento.

Compreender essas diferenças é essencial para a prescrição de medicamentos em crianças, pois a variabilidade nas respostas ao tratamento pode ser atribuída, em parte, a essas diferenças no desenvolvimento dos sistemas enzimáticos e de transporte. Isso destaca a importância de ajustar a dosagem e os intervalos de administração, especialmente em populações vulneráveis como os prematuros e lactentes, a fim de minimizar os riscos de efeitos adversos e garantir a segurança terapêutica.

Em resumo, as mudanças no metabolismo e na eliminação de medicamentos em crianças são complexas e multifacetadas. O desenvolvimento enzimático e a maturação da função renal não só influenciam a eficácia do tratamento, mas também aumentam a suscetibilidade a reações adversas, que podem ser mais frequentes e graves do que em adultos. Assim, é crucial que os profissionais de saúde considerem essas variações fisiológicas ao planejar e administrar terapias farmacológicas em crianças.