A identidade social é uma força poderosa que pode moldar, unificar e até mesmo dividir nações e grupos. Em um contexto de crescente polarização política e social, a defesa da identidade nacional tem se tornado central para muitas lideranças populistas. Quando se fala de identidade, o que está em jogo é a forma como um líder consegue apresentar a si mesmo e ao seu povo como parte de uma coletividade coesa, unida por valores, história e interesses comuns. Esse "nós" coletivo é muitas vezes contrastado com um "eles" que ameaça a integridade dessa união, seja interna ou externamente.
Na Hungria, por exemplo, a noção de ser húngaro é tratada como um vínculo indissolúvel entre o indivíduo e a pátria, algo a ser preservado a qualquer custo. A nação, como conceito, não é apenas um pedaço de terra, mas um refúgio, um lar que deve ser protegido de forças externas que buscam diluí-la ou até destruí-la. Quando Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, fala sobre essa proteção, ele evoca um sentimento profundo de patriotismo e unidade, onde qualquer ameaça à soberania do país é vista não apenas como um risco político, mas como um ataque à própria essência da identidade húngara.
Este tipo de retórica populista é eficaz, pois cria uma linha divisória clara entre os "nós" e os "eles", onde "eles" são frequentemente associados a forças estrangeiras, poderosos interesses internacionais ou elites locais que, de alguma forma, estão corrompendo a verdadeira essência nacional. Orbán, por exemplo, constrói sua liderança sobre a ideia de uma ameaça externa, simbolizada por figuras como George Soros, um nome frequentemente citado em discursos sobre a "invasão" de imigrantes ou a influência de potências estrangeiras. Ao fazer isso, ele não apenas galvaniza o apoio popular, mas também fortalece seu papel como protetor da nação, estabelecendo um contraste nítido entre os "verdadeiros" húngaros e aqueles que, segundo ele, buscam destruir o país.
Esse tipo de liderança é uma exemplificação do protótipo de "líder populista". Ao se posicionar como o verdadeiro representante de uma identidade homogênea, Orbán usa a retórica da unidade e da defesa da pátria para justificar suas políticas, muitas vezes excluindo aqueles que discordam de suas visões. A noção de "traição" é frequentemente invocada, criando um clima de tensão política onde os opositores não são apenas adversários, mas inimigos do povo húngaro, inimigos que podem ser acusados de colaborar com o inimigo estrangeiro. Isso cria um ciclo de polarização, onde qualquer crítica ao governo é interpretada como um ato de traição, e o líder, ao defender a nação, ganha ainda mais poder e legitimidade.
O papel da identidade no populismo, portanto, não se limita à simples construção de uma imagem de "nós" contra "eles". Ele também serve como uma ferramenta para mobilizar e solidificar o apoio de uma base fiel, apresentando o líder como a única figura capaz de salvar o grupo da destruição iminente. Isso é particularmente evidente em momentos de crise, onde a identidade coletiva é acionada com mais força, e o líder se torna o ponto focal da resistência e da preservação dos valores nacionais.
Além disso, a relação entre tecnologia e identidade no contexto do populismo moderno não pode ser ignorada. As redes sociais e as plataformas de comunicação digital têm desempenhado um papel crucial na disseminação e reforço dessas identidades. A velocidade e o alcance da informação hoje permitem que líderes populistas se conectem diretamente com seus seguidores, sem a mediação de canais tradicionais de comunicação, como a imprensa. As mensagens, frequentemente personalizadas por algoritmos, atingem diretamente as emoções e os valores do público, criando um vínculo direto entre o líder e seus apoiadores. Esse tipo de comunicação, instantânea e sem filtros, reforça a sensação de que o líder está falando diretamente com o povo, sem a intervenção de forças externas que buscam distorcer a verdade ou esconder os perigos iminentes.
O uso de tecnologias digitais por líderes populistas, como Orbán e outros, também serve para criar um ambiente de "nós contra o resto do mundo". A mensagem de que o líder é o único capaz de proteger o povo das ameaças externas ganha força quando a comunicação direta entre o líder e seus seguidores é facilitada pela tecnologia. A desinformação e as teorias da conspiração podem se espalhar rapidamente, reforçando o sentimento de insegurança e a necessidade de se unir em torno da figura do líder.
Por fim, é essencial compreender que as identidades políticas e nacionais não são fixas. Elas são moldadas e reinterpretadas constantemente por líderes que, ao adaptar suas mensagens e retóricas, conseguem reforçar sua posição de poder. O populismo, em sua essência, não é apenas uma reação contra uma crise política ou econômica, mas uma estratégia para reafirmar a identidade e os valores de um grupo, e, mais importante, para consolidar o controle de um líder sobre essa identidade.
Como a Identidade Social e os Movimentos Reacionários Impactam a Sociedade Contemporânea?
A teoria da identidade social é amplamente aplicável a situações de conflito grupal, incluindo aquelas causadas por movimentos reacionários. Contudo, não é possível extrair prescrições para intervenções em nível social diretamente dessa teoria, como, por exemplo, tentar influenciar as categorias pelas quais as partes se identificam. Para compreender e resistir aos movimentos reacionários, são necessárias perspectivas políticas, culturais e econômicas adicionais.
Movimentos populistas e fundamentalistas precisam ser enfrentados, pois estão impedindo que os sistemas e instituições sociais modernos abordem as questões existenciais reais da atualidade: a crise climática, a desigualdade e a guerra. Estes movimentos atacam a modernidade diretamente e, ao desviar recursos para questões secundárias, também geram custos de oportunidade, afastando a atenção dos problemas fundamentais.
O fundamentalismo, enquanto reação à modernidade, pode ser observado em diversas formas. Os grupos fundamentalistas compartilham uma característica central: o desejo de retornar a um passado idealizado e "puro", que eles acreditam ser o único caminho para a salvação ou para a verdadeira ordem. Essa visão, embora aplicada de maneira diferente por diversos grupos, é essencialmente restauracionista e absolutista. Mas as formas de atuação desses grupos variam significativamente. Por exemplo, o ISIS representa uma forma extrema de fundamentalismo, onde a violência e o terror são vistos como meios legítimos para estabelecer um califado, ou seja, um regime baseado em uma leitura purista da lei islâmica. Essa busca por poder e domínio global por meio da violência destaca a natureza reacionária do movimento, que visa destruir as estruturas modernas e restaurar um império religioso, como foi o caso dos primeiros califas após a morte do Profeta Maomé.
A história do ISIS, e sua busca pela restauração do califado, ilustra o que acontece quando um movimento fundamentalista ganha poder, mas acaba perdendo-o, quando a realidade começa a se impor. O califado foi uma ideia idealizada pelos fundadores do ISIS, que se inspiraram na época dourada do islamismo, quando o califado era visto como uma entidade unificadora que impunha a lei islâmica em todo o mundo muçulmano. No entanto, quando esse projeto de restauração fracassa, surgem sérias questões sobre como esses grupos se mantêm no poder e como as suas visões absolutistas são desafiadas pela realidade. Isso nos leva a refletir sobre a fragilidade dessas ideologias, que, por mais que ofereçam respostas absolutas, falham em lidar com as complexidades do mundo moderno.
É importante, portanto, que as sociedades contemporâneas, ao lidarem com movimentos populistas e fundamentalistas, não se limitem a ignorá-los ou a tratar apenas das questões mais evidentes. O diálogo com esses grupos é uma estratégia necessária, não para reforçar suas visões, mas para entender melhor as preocupações e os medos que os alimentam. Além disso, é fundamental que as sociedades encontrem formas de recuperar a confiança nos sistemas modernos, apresentando soluções concretas e eficazes para os problemas existenciais mais urgentes, como a crise climática e as desigualdades crescentes. Deixar essas questões de lado em nome de uma falsa paz social só contribui para o fortalecimento das narrativas reacionárias.
O caso do ISIS, com seu projeto utópico e destrutivo, serve como um alerta para o perigo de movimentos que, embora baseados em crenças religiosas ou ideológicas, buscam impor uma ordem que é, na verdade, regressiva e excludente. Sua ascensão e queda mostram que as ideologias absolutistas podem ganhar espaço em momentos de fragilidade social e política, mas também podem ser derrotadas quando confrontadas com a realidade das necessidades e das complexidades do mundo moderno.
É necessário que as sociedades modernas encontrem uma maneira de responder a esses desafios sem cair na tentação de respostas fáceis ou imediatas, que muitas vezes só alimentam mais polarização e violência. O diálogo, a inclusão de diferentes perspectivas e a atenção às questões globais que realmente afetam a vida das pessoas são os pilares para enfrentar os movimentos reacionários de forma eficaz.
Como a Identidade do "Eles" se Torna um Ponto Vulnerável em Movimentos Populistas
Quando os líderes populistas definem seu grupo "nós" como autêntico, puro e representativo dos interesses do povo, frequentemente escolhem um grupo opositor para criar uma identidade negativa de "eles". A construção dessa identidade é um instrumento poderoso no discurso populista, pois permite que os líderes mobilizem os seguidores, galvanizando o medo e o ressentimento contra um inimigo comum. Contudo, como a psicologia social revela, essa dinâmica pode ser fragilizada quando "eles" não se comportam como o esperado e começam a responder, questionando as narrativas impostas sobre suas identidades.
O caso de Jair Bolsonaro no Brasil exemplifica claramente essa dinâmica. Como político populista, Bolsonaro adotou uma estratégia de ataque direto a grupos marginalizados, como a comunidade LGBT, retratando-os como ameaças à ordem social e às famílias brasileiras. Suas declarações públicas sobre o comportamento homossexual, que variaram de ataques verbais a estigmatizações explícitas, ilustram a construção de um "outro" abominável, que serve como um alvo fácil para um discurso populista focado na proteção da maioria contra a minoria. Em muitos momentos, ele se posicionou como um "defensor do povo", adotando uma postura de protetor contra o que ele via como uma ameaça moral.
Contudo, o impacto dessa retórica foi o oposto do que ele esperava. Em vez de isolar a comunidade LGBT, os ataques de Bolsonaro resultaram em um fortalecimento da resistência. A maior marcha do orgulho gay em São Paulo em 2019, por exemplo, foi uma demonstração clara de que a tentativa de reduzir o grupo a um simples estereótipo de "ameaça" não teve o efeito desejado. Além disso, decisões judiciais, como a do Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional a exclusão da orientação sexual e identidade de gênero das leis de anti-discriminação, representaram um desafio direto a essa narrativa populista.
Essa reação não se limitou apenas a um movimento de resistência das minorias. O próprio Supremo Tribunal Federal, considerado por Bolsonaro um obstáculo para sua agenda, passou a ser atacado como parte do "sistema corrupto", refletindo outra característica comum em regimes populistas: a tentativa de subverter as instituições para consolidar o poder. A busca por mudanças no STF, com Bolsonaro sugerindo a nomeação de ministros evangélicos, também segue o modelo de populistas que veem as instituições do Estado como meios de legitimar sua visão de mundo.
Entretanto, o verdadeiro risco para o projeto populista se materializa no momento em que os membros de "eles" começam a contestar ativamente a identidade que lhes foi atribuída. Esse processo de resistência não é apenas político, mas também psicológico e social. Movimentos como o da comunidade LGBT no Brasil ou a crescente influência dos evangélicos demonstram que a imposição de uma identidade estigmatizada pode falhar quando as pessoas rotuladas começam a agir como sujeitos, em vez de objetos passivos.
Outro ponto crucial a ser destacado é a forma como o contato direto com "eles" pode desafiar as suposições e estereótipos impostos. A interação cotidiana com profissionais, especialistas ou membros de grupos antes estigmatizados pode minar a narrativa de que esses indivíduos são parte de um sistema corrupto ou alienígena. Por exemplo, a relação entre cidadãos e especialistas pode desmentir os mitos populistas de que a ciência é manipulada por uma elite. O contato direto tende a gerar emoções positivas, como a confiança e a gratidão, o que pode neutralizar o medo e a desconfiança alimentados pelo discurso populista.
Além disso, a dinâmica entre "nós" e "eles" é profundamente afetada pelas experiências pessoais. Embora os líderes populistas construam uma narrativa de oposição, a interação com os "outros" pode gerar uma reavaliação, principalmente quando as pessoas começam a perceber que os estereótipos não correspondem à realidade. Essa mudança é muitas vezes mais emocional do que racional, desafiando a visão polarizada promovida pelo populismo. Esse fenômeno é bem ilustrado pela experiência com especialistas e profissionais, onde o contato direto não só desmente os estereótipos, mas também desafia a narrativa de que "eles" são parte de uma conspiração contra "nós".
Em suma, o que se observa é que, embora os líderes populistas construam a divisão através de uma identidade artificial de "eles", a verdadeira vulnerabilidade desse método está na capacidade de resposta e adaptação daqueles que são rotulados. O maior erro de uma retórica populista é subestimar a resiliência dos "outros" e a capacidade destes de se mobilizarem contra as acusações infundadas. O impacto emocional do contato pessoal e a complexidade das identidades sociais tornam o processo de criação de um inimigo homogêneo cada vez mais difícil.
Como a Comunicação Local Transforma os Sistemas Sociais Globais?
A comunicação local, tanto dentro quanto entre os grandes subsistemas globais, é essencial para a compreensão das dinâmicas sociais em um mundo cada vez mais diferenciado. Ao discutir a posição de um autor dentro de um pequeno subsistema das ciências sociais, observa-se a necessidade de levar em conta as crenças e valores dos sistemas maiores dos quais esse subsistema faz parte. A multiplicidade de perspectivas e sistemas, cada um com sua forma única de comunicação, geram tensões e desafios, mas também abrem portas para uma nova compreensão da interação entre os diversos elementos da sociedade global.
Definir um sistema social como uma rede de comunicação implica em entender a complexidade e a multiplicidade das relações que o compõem. As redes sociais contemporâneas, cada vez mais interconectadas, ilustram essa definição de maneira clara. Elas funcionam como pontes entre diferentes subsistemas, como a política, a economia, a religião e a ciência, e, através delas, se comunicam valores, informações e significados. No entanto, a crescente diferenciação desses sistemas gera uma lacuna entre os diversos grupos sociais e o sistema global. A comunicação local, em sua forma mais pura, pode oferecer uma resposta para a necessidade de adaptar as grandes redes de comunicação a uma variedade de contextos locais, respeitando suas especificidades sem perder o elo com a totalidade.
Os benefícios da diferenciação crescente dos sistemas sociais são, sem dúvida, notáveis. A especialização permite um foco mais profundo e eficiente em áreas específicas, gerando avanços significativos nas ciências, nas artes e na tecnologia. Entretanto, as consequências dessa diferenciação são igualmente desafiadoras. O distanciamento entre os sistemas mais especializados e o sistema social global pode resultar em conflitos e incompreensões, como evidenciado em diversos episódios de crise política, econômica ou religiosa. A globalização, ao mesmo tempo que promove uma maior conectividade, também cria uma disjunção entre aqueles que estão localizados dentro de subsistemas altamente especializados e aqueles que fazem parte do sistema social mais amplo.
No cenário atual, onde a comunicação local desempenha um papel fundamental, são cada vez mais evidentes as dificuldades que surgem quando sistemas altamente diferenciados tentam se comunicar entre si. As complexidades das redes de comunicação contemporâneas são tais que a compreensão mútua entre os membros de diferentes subsistemas pode ser um desafio. O exemplo das políticas populistas e fundamentalistas revela como a falta de comunicação eficaz e a ausência de um diálogo genuíno podem levar a uma maior polarização e fragmentação social. A crise de representatividade e a rejeição das elites, como no caso do populismo, ilustram a resistência de certos grupos em aceitar a autoridade de um sistema global que percebem como alienante ou opressor.
Essas dificuldades são amplificadas quando sistemas sociais, como a política e a religião, se distanciam ainda mais uns dos outros. O populismo, por exemplo, ao tentar impor uma visão monolítica de "vontade do povo", acaba excluindo diversos grupos e gerando novas formas de alienação. O fundamentalismo, por sua vez, ao reivindicar uma visão absoluta da verdade religiosa, não só entra em confronto com as ideologias seculares, mas também com outras interpretações religiosas. Ambos os fenômenos, embora de naturezas diferentes, possuem características comuns: um desejo de retornar a uma forma de ordem social mais simples e compreensível, em contraste com a complexidade do mundo moderno.
Em última análise, a crescente diferenciação dos sistemas sociais não é um fenômeno neutro; ele traz consigo uma série de implicações importantes. O principal desafio está em como a comunicação entre esses sistemas pode ser realizada de maneira eficiente e inclusiva. A capacidade de adaptação das sociedades a essa nova configuração global será determinada, em grande parte, pela habilidade de estabelecer canais de comunicação que respeitem as especificidades locais sem perder a conexão com o sistema global. A globalização exige que os subsistemas sociais, cada um com sua visão do mundo e suas formas de comunicação, aprendam a interagir de maneira mais fluida e menos fragmentada.
Ao considerar os sistemas sociais como redes de comunicação, fica claro que a verdadeira força da globalização reside na capacidade de criar uma rede de comunicação mais inclusiva, que leve em conta as diferentes perspectivas sem perder de vista o objetivo de uma sociedade mais coesa. Para alcançar essa meta, será necessário um esforço conjunto para reduzir a lacuna entre os sistemas especializados e o sistema global, criando espaços para a interação genuína e a troca de ideias e valores. A comunicação local, nesse contexto, torna-se um elo fundamental para tornar a globalização mais eficaz e menos polarizadora.
A Afiliação com o Povo na Estética Revolucionária: O Conflito Ideológico na Arte
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