A questão da afinidade com o povo, tratada de maneira imprecisa e frequentemente mal interpretada, revela-se uma categoria estética central em uma arena de feroz confronto ideológico. Tal conceito não surge de um erro terminológico ou de uma falha de comunicação, como alguns poderiam sugerir. Sua inadequação linguística não é o ponto crucial, pois, na prática, a experiência humana demonstra que o vocabulário pode ser transcendido quando as ideias fundamentais são compartilhadas entre aqueles que comungam de visões políticas e ideológicas semelhantes. A verdadeira raiz do problema está em sua utilização como um campo de batalha entre forças ideológicas antagônicas, um espaço onde arte e política se entrelaçam de maneira indissociável.

A afinidade com o povo se apresenta, assim, como um dos pontos mais críticos na luta travada por diferentes concepções sociais e políticas, especialmente no contexto da arte. A luta entre diferentes interpretações dessa categoria não é apenas uma disputa de terminologia, mas uma manifestação de uma incompatibilidade orgânica entre ideologias opostas. No caso da Rússia do século XIX, a crítica revolucionária-democrática e a estética marxista se colocam de maneira feroz contra interpretações reacionárias ou liberais sobre o que significa estar "afiliado ao povo". Para os revolucionários democratas, essa afinidade não é algo abstrato ou romântico, mas sim um princípio concreto de ligação entre a arte e a vida real da população. A literatura, para eles, deveria se enraizar no cotidiano do povo, refletindo suas realidades e aspirações.

A crítica estética revolucionária, exemplificada por figuras como Belinsky, Chernyshevsky e Dobrolyubov, rejeitava concepções idealistas, como o "arte pela arte" ou a arte como um reflexo puramente subjetivo e distante das condições sociais. Esses críticos viam na arte uma arma de transformação social, e a afinidade com o povo deveria ser sua base. Para Belinsky, por exemplo, a verdadeira poesia só poderia ser chamada assim se se manifestasse uma afinidade genuína com o povo. Ele não aceitava, portanto, que a arte, mesmo retratando a vida cotidiana ou utilizando a linguagem popular, fosse considerada realista ou verdadeira, caso não refletisse os anseios e as lutas do povo. A arte que ignorava ou distorcia essas questões era, na visão de Belinsky, falsa e hipócrita.

Por outro lado, a crítica conservadora e a reação cultural, representadas pelo movimento eslavófilo, tentaram subordinar a afinidade com o povo a um conceito estreito e sentimentalizado, alinhado com a visão da "Ortodoxia, Autocracia e Nacionalismo", um conjunto ideológico que exaltava o caráter nacional russo, mas de uma forma extremamente limitada e conservadora. A literatura, para os eslavófilos, deveria refletir apenas os aspectos "piedosos" e "nacionais" da vida russa, ignorando suas contradições e complexidades históricas. No entanto, a crítica revolucionária-democrática refutava esta visão, tratando a afinidade com o povo dentro de uma perspectiva histórica mais ampla. Assim, figuras como Saltykov-Shchedrin denunciaram a exagerada idealização da vida popular, argumentando que o povo não precisava ser constantemente louvado e enaltecido para ser digno de representação na arte.

Para os revolucionários democratas, a verdadeira afinidade com o povo estava na capacidade da arte de refletir as lutas sociais reais, as contradições da sociedade, e a complexidade dos processos históricos. A crítica de Chernyshevsky sobre a necessidade de "pegar o machado" não era uma simples metáfora, mas uma expressão da revolução que fervia no interior da consciência popular. A luta pela afinidade com o povo, portanto, estava diretamente ligada à luta pela transformação social, e a arte tinha que ser uma ferramenta nesse processo. A literatura deveria, assim, ser não apenas um reflexo da realidade, mas também uma força ativa no movimento rumo à revolução.

A abordagem marxista da estética, com sua base científica e revolucionária, é apresentada como a única solução verdadeira para o problema da arte e seu vínculo com o povo. Ao rejeitar as tendências liberais e populistas na arte, o marxismo propôs uma crítica profunda aos movimentos decadentes e às tentativas de suavizar ou neutralizar os antagonismos de classe. A arte, na visão marxista, não deveria ser uma ferramenta de conciliação das classes, mas sim um meio de expor e combater as desigualdades e opressões que estruturam a sociedade.

Este olhar revolucionário sobre a arte e a sua relação com o povo preparou o terreno para o desenvolvimento de uma estética marxista mais sólida, que, embora marcada por limitações históricas, ofereceu um modelo mais consistente e cientificamente fundamentado do que as visões anteriores. Ao rejeitar a ideia de uma arte apolítica ou ideologicamente neutra, a crítica marxista trouxe à tona a necessidade de uma arte que não apenas representasse a realidade, mas que também fosse uma força ativa na mudança dessa realidade.

Qual é a verdadeira relação entre o artista e o povo na literatura?

A afinidade com o povo, no contexto literário, é um conceito frequentemente debatido, mas raramente compreendido em sua totalidade. Embora tenha sido amplamente reconhecido que certos artistas, ao criar suas obras, compartilham valores, códigos morais e estéticos com as massas trabalhadoras, a verdadeira natureza dessa relação é frequentemente negligenciada ou mal interpretada. A literatura não pode ser analisada apenas a partir de uma perspectiva superficial ou redutora; é preciso considerar as complexas e profundas interações entre as ideias, os métodos artísticos do autor e as longas tradições do povo.

Esta afinidade com o povo, como categoria estética, muitas vezes se apresenta de forma fugaz e esquiva, o que torna difícil para o crítico definir de maneira clara e objetiva. Assim como o fenômeno quântico, que os cientistas tentaram por um tempo negar sua materialidade, a afinidade do autor com o povo é uma realidade complexa, em constante transformação, que exige um método de análise mais apurado e dialético. Um simples desejo de definição conceitual não é suficiente para capturar a essência de tal afinidade; é necessário, mais do que nunca, aprofundar-se nas contradições e nas realidades concretas da literatura, abordando-a não apenas sob o prisma da teoria, mas também na sua manifestação artística.

Quando a literatura deixa de ser uma abstração teórica e se concretiza nas páginas de um livro, é quando surgem as divergências mais significativas. O que um crítico considera ser uma "verdadeira" afinidade com o povo pode variar enormemente dependendo do contexto histórico, social e político, bem como da própria compreensão estética e ideológica do autor. O que é decisivo não é apenas a adesão a um conjunto de fórmulas teóricas, mas a capacidade de entender a transformação da realidade social e política, refletida nas obras literárias.

Além disso, é importante ressaltar que, embora a análise literária dependa fortemente de uma base teórica sólida, essa base nunca pode ser dissociada da prática concreta e da experiência vivida pelo autor. A literatura nasce da realidade social, e essa realidade, com suas contradições e lutas, é o ponto de partida para qualquer análise genuína. Assim, a obra literária deve ser vista não apenas como um reflexo da alma do autor, mas como uma manifestação artística "materializada" em um livro, em uma peça de teatro, em um poema — uma expressão concreta das tensões e aspirações do povo.

Outro ponto fundamental a ser considerado é a relação do autor com a revolução. No contexto da literatura soviética, por exemplo, a revolução não é apenas um tema, mas uma força propulsora que molda a literatura de maneira profunda e indiscutível. A revolução é vista como um momento de ruptura, de transformação radical, e a literatura que nasce nesse período deve refletir essa radicalidade. A literatura revolucionária não é apenas uma literatura de transição, mas uma literatura engajada, que se coloca em oposição aos velhos valores e constrói novos paradigmas estéticos e ideológicos.

Essa tensão entre os novos valores revolucionários e as tradições anteriores do povo se manifesta de maneira complexa. Para os escritores que abraçaram a revolução, sua afinidade com o povo tornou-se uma forma de expressar artisticamente as aspirações das massas revolucionárias, e isso contribuiu diretamente para o desenvolvimento da arte. No entanto, a revolução, com suas promessas e seus desafios, também gerou uma divisão no campo literário. Aqueles que não conseguiram compreender ou se alinhar com a revolução, que se afastaram do povo, ficaram à margem da evolução literária e intelectual.

A verdadeira afinidade com o povo, portanto, não é uma questão de mera identificação superficial, mas de uma aliança profunda com os ideais revolucionários. O autor que não compreende a revolução como uma força criadora, como um momento de transformação profunda, não pode ocupar um lugar de relevância na história da literatura. Por isso, a afinidade com o povo na literatura deve ser entendida como uma expressão artística e ideológica de uma revolução que se reflete na arte, assim como a revolução reflete as aspirações do povo. O que é vital entender é que a literatura não é apenas um produto da imaginação individual do autor, mas um fenômeno social e histórico que, através da arte, busca traduzir os desejos, lutas e ideais das massas.

A Estética da "Ostranenie" e o Impacto da Linguagem Transracional na Arte Contemporânea

A noção de "ostranenie", ou estranhamento, que remonta às teorias formalistas russas, tem sido considerada uma característica fundamental na formação da arte moderna. A definição clássica do conceito, proposta por Viktor Shklovsky, enfatiza a necessidade de interromper a percepção automática do espectador, removendo o objeto da sua interpretação habitual e instintiva. Segundo essa teoria, o artista deve tornar o objeto ou a situação "estranho" ao espectador, forçando-o a parar e reconsiderar aquilo que já considera familiar. Esta ideia tem ressonâncias em diferentes áreas da arte, incluindo a poesia, o teatro e as artes plásticas.

A proposta de Shklovsky foi bem recebida pelos estruturalistas, que, em seus estudos, abordaram o estranhamento não apenas como um recurso estilístico, mas como um princípio central na construção de significados. I. Revzin, em seu trabalho "Sobre a Análise Semiótica das 'Línguas Secretas'", relaciona o estranhamento ao jargão dos criminosos, mostrando como a criação de uma linguagem "estranha" é uma ferramenta poderosa de comunicação e também de formação de um senso de identidade coletiva. Para ele, o estranhamento é uma característica universal da construção artística, pois, em qualquer obra de arte, a intenção é levar o espectador a uma nova percepção da realidade.

Bertolt Brecht, frequentemente associado à teoria do estranhamento, é outro exemplo de como essa técnica se articula no campo do teatro. No entanto, a teoria brechtiana de "Verfremdungseffekt" (efeito de estranhamento) não deve ser confundida com a aplicação formalista do estranhamento. Shklovsky e Brecht divergem quanto aos objetivos dessa técnica. Para Brecht, o efeito de estranhamento não se limita a um mero distanciamento estético, mas visa, antes de tudo, criar uma atitude crítica e analítica nos espectadores, incentivando-os a refletir profundamente sobre as condições sociais e políticas representadas no palco. Portanto, a diferença crucial entre o conceito formalista de estranhamento e a proposta brechtiana é que, enquanto o primeiro foca na disjunção estética e no impacto visual, o segundo enfatiza a conscientização social e a reflexão crítica.

De forma paralela, alguns estudiosos tentam traduzir o "efeito inesperado" presente nas artes contemporâneas, especialmente no surrealismo e na arte abstrata. A pesquisa de A. Moles, por exemplo, sugere que a originalidade na arte moderna surgiu com a crescente complexidade informativa e a imprevisibilidade das mensagens artísticas. Movimentos como o surrealismo e o abstracionismo se destacam por quebrarem com as convenções tradicionais e, ao fazer isso, proporcionarem ao espectador uma experiência estética que quebra a familiaridade da realidade, criando um ambiente de surpresa e desconcerto.

No entanto, esse tipo de "originalidade" não se dá sem consequências. A busca por uma ruptura radical com a realidade e suas representações usuais, como ocorre no surrealismo e na abstração, pode levar à perda de uma conexão direta com o mundo tangível, resultando numa forma de arte que, muitas vezes, se afasta da comunicação clara e imediata com o público. Por exemplo, a destruição das relações tradicionais de perspectiva no surrealismo ou a eliminação das normas de cor na arte abstrata não são apenas um exercício estético, mas sim uma tentativa de forçar o espectador a um novo tipo de percepção, onde a desconexão com o habitual é total.

Esse movimento em direção à abstração radical também encontra eco na noção de "linguagem transracional", ou "zaum", que foi crucial para os formalistas russos, como os membros do OPOYAZ (Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética). O conceito de zaum, essencialmente uma linguagem além do racional, foi visto como a expressão máxima da arte pura, onde o prazer não vem do significado das palavras, mas sim de seu som, ritmo e construção. O próprio Shklovsky afirmava que o prazer na poesia muitas vezes se origina da própria pronúncia das palavras, do "dançar dos órgãos da fala", mais do que da comunicação direta de um conteúdo específico. A ênfase estava no valor intrínseco da linguagem e no jogo sonoro, desvinculado de significados convencionais.

Ainda hoje, muitos críticos estruturais continuam a explorar as possibilidades da linguagem transracional, muitas vezes destacando seu valor estético. Boris Uspensky, por exemplo, sugere que certas combinações experimentais de sons, mesmo sem um significado claro, podem ter um valor estético significativo. No entanto, o perigo dessa abordagem é o risco de reduzir o papel do significado e da semântica a algo secundário, algo que pode ser visto como uma tentativa de dissolver a função comunicativa da linguagem em favor de um jogo formal. Para Uspensky, a fonética pode gerar significado, mas não devemos reduzir a função semântica a meros "efeitos fonológicos", como ele mesmo adverte.

O pensamento estruturacionalista contemporâneo ainda preserva, em muitos casos, a herança do formalismo russo, especialmente na valorização do aspecto sonoro da linguagem e da quebra das convenções linguísticas tradicionais. A conexão entre as duas abordagens é clara: ambas visam romper com as normas estabelecidas para provocar uma experiência estética profunda, que não seja apenas intelectual, mas também sensorial e emocional.

Além disso, é fundamental notar que, embora a transgressão de regras tradicionais e a busca por uma forma de linguagem pura e despojada possam ser vistas como um objetivo artístico legítimo, elas também devem ser contextualizadas dentro de um movimento cultural que questiona os valores da realidade representada. Isso não significa que todas as formas de arte abstrata ou experimental possam ser consideradas igualmente eficazes ou universais em sua capacidade de gerar um impacto profundo no espectador. O verdadeiro desafio da arte contemporânea está em equilibrar a busca pela originalidade com a necessidade de comunicação e reflexão, de maneira que o estranhamento não se torne uma mera estratégia estética, mas um meio de engajamento com o mundo e suas complexidades.