A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos não pode ser compreendida isoladamente de sua eficácia sem precedentes na utilização das redes sociais. Desde o início da campanha, Trump superou Hillary Clinton em praticamente todas as plataformas digitais: no Twitter, seus seguidores alcançaram 12 milhões contra os 9 milhões de Clinton; no Facebook, ele contava com quase o dobro de fãs; no Instagram e no Snapchat, sua presença era ainda mais marcante entre os millennials, os eleitores mais jovens. Os algoritmos favoreceram quem melhor entendeu suas regras: Trump venceu em cada arena virtual, fazendo do espaço digital não apenas uma vitrine, mas um campo de batalha política onde ele se impôs com brutalidade calculada.

O que diferencia Trump de seus adversários não é apenas a quantidade de seguidores ou o volume de postagens, mas a natureza da linguagem que empregava: disruptiva, violenta, emocionalmente carregada. Ele manipulava a retórica da exclusão, do medo, da ameaça – e o fazia de forma performática, teatral. Em entrevista à Breitbart em março de 2019, declarou que possuía o apoio de “gente dura”: policiais, militares, motociclistas. E, ao mesmo tempo que afirmava que esses grupos “não jogavam duro”, deixava no ar a insinuação de que poderiam fazê-lo a qualquer momento – uma ameaça velada, mas compreensível. Era a dramatização da força, o uso do medo como instrumento de mobilização.

Esse mesmo tipo de linguagem já havia sido utilizado por Benito Mussolini na Itália do início do século XX. Quando eleito deputado em 1921, ocupou com propósito simbólico o último banco à direita no parlamento. De forma provocadora, declarou-se “anti-parlamentar, anti-democrático, anti-socialista”. Seus antigos companheiros o olhavam com perplexidade: havia rompido com o passado e agora avançava agressivamente para a extrema-direita. Como Trump, não hesitava em associar-se a atos de violência: justificava atentados, reivindicava responsabilidade moral sobre ataques terroristas, e explorava o medo como método de controle político.

A tática de ambos consistia em oscilar entre o confronto direto e a sedução estratégica. Mussolini insultava os comunistas, chamando-os de maestros de doutrinas surgidas da miséria, mas deixava uma fresta aberta para futuras alianças. Trump, de maneira semelhante, dividia o país entre “nós e eles”, fomentando clivagens raciais, econômicas e culturais – mas com uma retórica que soava inclusiva para aqueles que desejavam sentir-se parte de algo “forte”, “puro” e “vencedor”.

O sucesso eleitoral de Trump, no entanto, não se explicava apenas pela eficácia de seus discursos, mas pela capacidade de transformar cada interação digital em um microevento político. Seus posts no Facebook eram os mais compartilhados; seus vídeos no YouTube tinham dezenas de milhares de espectadores em tempo real. Hillary, em contraste, ficava para trás em todos os indicadores de engajamento. Em uma campanha marcada pela altíssima taxa de abstenção, a capacidade de capturar a atenção e convertê-la em voto tornou-se um diferencial definitivo.

Trump entendeu que o palco digital não exige coerência ideológica, mas performance contínua. Sua retórica podia ser contraditória, ofensiva, até absurda – como quando afirmou, após vencer as primárias em Nevada, que “amava os mal-educados”, ou que o México “ficaria feliz em pagar pelo muro”. Mas era precisamente essa dissonância que o tornava eficaz: falava diretamente à raiva, à frustração, ao ressentimento difuso de milhões de americanos.

A lógica do medo, empregada tanto por Trump quanto por Mussolini, não visa apenas o convencimento. Ela mobiliza, desestabiliza, isola o adversário, e oferece uma promessa de proteção sob um líder forte. Ao polarizar a sociedade, ao transformar adversários em inimigos, ao apelar ao instinto mais primitivo da autopreservação, ambos os líderes deslocaram o eixo do debate político para uma zona em que a razão perde para a emoção, e o argumento para o grito.

Importa compreender que esse modelo de comunicação não apenas conquista votos; ele redefine o próprio conceito de liderança. Substitui o estadista pelo performer, o projeto político pela reação imediata, e a busca pelo bem comum por uma luta contínua entre identidades em conflito. É nesse novo terreno que se decide o futuro da política contemporânea.

Como a Narrativa de Mussolini Revela as Contradições e Complexidades do Fascismo

A narrativa em torno da figura de Benito Mussolini não se limita a uma simples descrição histórica; ela desvela um mosaico complexo de contradições e estratégias que revelam a essência do fascismo em sua forma mais pura. A insistência em recontar a história de Mussolini, mesmo após a derrocada do antifascismo, tem como objetivo reacender a compreensão das razões que sustentam essa postura, em um tempo em que o revisionismo e a complacência ameaçam apagar as lições do passado.

Apesar da aparente admiração internacional em certos círculos democráticos, Mussolini permanece uma vergonha para a Itália e para o mundo, representando a violência fascista em sua expressão mais crua. A prolífica produção acadêmica, televisiva e cinematográfica sobre sua vida e regime mostra não apenas um homem, mas a encarnação do autoritarismo que seduziu e destruiu ao mesmo tempo. Obras como a monumental biografia de Renzo De Felice e documentários emblemáticos da televisão pública italiana oferecem visões multifacetadas do Duce, revelando aspectos humanos e perturbadores, como em “Mussolini Ultimo Atto”, que o apresenta como uma figura quase vulnerável, e Claretta Petacci como uma vítima do seu magnetismo fatal.

Mussolini, além de líder político, manipulava habilmente sua imagem pública, controlando cada frame das filmagens do Istituto Luce para projetar uma sensualidade subliminar que parecia dirigir-se tanto a seus seguidores masculinos quanto às mulheres, usando seu corpo e postura para seduzir e dominar. A sexualidade do Duce, marcada por uma voracidade insaciável e desfechos infelizes, sugere uma repressão profunda, incluindo indícios de uma homossexualidade latente. Seu poder de sedução não se restringia ao plano nacional; ele o aplicava também nas relações internacionais, configurando alianças e rivalidades como jogos de ciúme entre nações, num teatro diplomático em que França, Inglaterra e Alemanha desempenhavam papéis de amantes conflitantes.

A intimidade de Mussolini com mulheres poderosas revelava sua vulnerabilidade e insegurança, evidenciada em episódios como o encontro com Maria José da Bélgica, que o desconcertou a ponto de uma falha de desempenho. A relação com sua filha legítima, Edda, também traz à tona uma ambivalência carregada de tensões, onde afeto e controle se entrelaçam de maneira ambígua e perturbadora.

No âmbito masculino, Mussolini mostrava-se submisso diante de figuras agressivas, como Roberto Farinacci, e até mesmo em sua relação com Hitler, que por vezes o dominava abertamente. Esta dinâmica de poder complexa entre homens sugere que o fascismo não se restringia ao domínio público, mas se estendia às relações pessoais, em que a força e a submissão se entrelaçavam de formas contraditórias.

O perfil íntimo do Duce é ainda mais enriquecido pelas múltiplas relações extraconjugais e alianças afetivas que manteve, desde a socialista Angelica Balabanoff até a influente jornalista e biógrafa Margherita Sarfatti, que ajudou a construir o mito fascista internacionalmente. Essas conexões pessoais, muitas vezes pouco exploradas, são chaves para compreender o fascismo não apenas como um sistema político, mas como uma rede de afetos, medos e estratégias pessoais que alimentavam o regime.

Entender o fascismo a partir desta perspectiva multifacetada exige reconhecer que a figura de Mussolini não foi apenas um tirano isolado, mas uma construção cultural e simbólica que usava o corpo, a sexualidade e as relações interpessoais para exercer e perpetuar o poder. A história não deve se limitar a julgamentos morais simplistas, mas abrir espaço para uma análise crítica que desvele como o fascismo se infiltrou nas esferas mais íntimas da vida humana, tornando-se uma força abrangente e insidiosa.

É fundamental, além da narrativa factual, refletir sobre a persistência dos mecanismos fascistas nas estruturas sociais e políticas atuais, compreendendo que os modos de sedução, manipulação e violência simbólica permanecem ativos. A vigilância contra a naturalização dessas dinâmicas passa pelo reconhecimento das nuances que envolvem a construção do poder autoritário, suas contradições internas e o impacto que causam na vida cotidiana dos indivíduos.

Como o Poder e a Dinâmica de Gênero Moldaram as Relações de Donald Trump com as Mulheres

Donald Trump sempre exerceu uma vantagem significativa sobre as mulheres em sua órbita, uma vantagem que transcende o simples relacionamento pessoal para abarcar o poder, a riqueza e o prestígio social. Essa disparidade foi detalhadamente observada por jornalistas que evidenciaram a dinâmica clara: ele detinha o poder, enquanto as mulheres muitas vezes não o tinham. Com fama, dinheiro e conexões, Trump entrou em contato com mulheres que buscavam aprovação, sucesso e orientação — especialmente no universo dos concursos de beleza, como o Miss Universo, que ele adquiriu.

Esse ambiente tornou-se terreno fértil para comportamentos que revelam uma relação profundamente desequilibrada, onde a figura masculina ocupa posição dominante, frequentemente abusiva, e as mulheres permanecem vulneráveis e dependentes. Mesmo após episódios de comportamento rude ou invasivo por parte de Trump, algumas mulheres continuavam a buscar sua ajuda para impulsionar suas carreiras ou permaneciam ao seu lado, demonstrando a complexidade da relação de poder e dependência. Seu envolvimento direto nas competições femininas trouxe à tona uma série de relatos sobre invasão de privacidade, comentários obsessivos e explícitos sobre o corpo das participantes e um tipo de inspeção constante e autoritária, que as objetificava e rebaixava sua autonomia.

Esse comportamento não ficou restrito ao âmbito privado. Politicamente, as ações de Trump tiveram impacto ainda mais profundo na desvalorização e desempoderamento das mulheres. Ao indicar centenas de juízes antiaborto, quase todos homens brancos, inclusive para a Suprema Corte, ele contribuiu para retrocessos nos direitos reprodutivos femininos. Sua conduta pública e sua retórica incentivaram um tipo de masculinidade tóxica que se refletiu no comportamento de seus seguidores, ampliando padrões sociais prejudiciais e reforçando estruturas de poder dominadas por homens.

O conceito de “empoderamento” que Trump promove pode ser compreendido apenas sob a ótica da mercantilização das mulheres — elas são apresentadas como bens, mercadorias para valorizar seus próprios negócios ou imagem. Sua família, composta por esposa, filhas e noras, deve se alinhar a um padrão estético e comportamental que ecoa o universo dos concursos e dos reality shows, um reflexo de uma cultura que reduz as mulheres a objetos de consumo e projeção.

A trajetória de Trump também se entrelaça com práticas questionáveis da indústria da moda e do entretenimento, em que o limite entre oportunidade e exploração é tênue. Seu círculo social inclui indivíduos acusados de crimes graves contra menores, e relatos indicam que ele participou de festas onde meninas jovens, algumas menores de idade, eram expostas a situações de abuso e exploração sexual. O ambiente criado por esses “modelizadores” de Nova York visa a objetificação das mulheres jovens, que muitas vezes, em busca de ascensão, acabam submetidas a situações de humilhação, abuso ou violência.

Além das evidências de abuso pessoal e sexual, é fundamental entender que a estrutura de poder sustentada por Trump é parte de um sistema maior que perpetua desigualdades de gênero, raça e classe. O comportamento de figuras públicas que ostentam tanto poder influencia normas sociais e institucionais, reforçando uma cultura que naturaliza o abuso e a exploração das mulheres. A luta contra essas estruturas não é apenas uma questão individual, mas um desafio coletivo que exige a desconstrução de padrões arraigados e a promoção de uma verdadeira equidade.

Compreender esse panorama exige não apenas olhar para os episódios concretos de abuso, mas também reconhecer o papel das instituições políticas, sociais e culturais na manutenção dessas dinâmicas. É imprescindível perceber como a convergência entre poder econômico, político e simbólico pode criar ambientes onde a dignidade e os direitos das mulheres são sistematicamente violados. A consciência crítica sobre esses mecanismos é essencial para a construção de sociedades mais justas, onde as relações de gênero sejam pautadas pela igualdade e respeito mútuo.

Como o Fascismo e a Manipulação da Memória Coletiva Modelaram a Política Moderna

O fascismo, enquanto movimento político, foi fundamentalmente caracterizado por uma habilidade excepcional em manipular a memória coletiva e criar narrativas que reconfiguravam a realidade histórica e política. Benito Mussolini, como líder do Partido Nacional Fascista, exemplificou esse uso da propaganda e da persuasão. A construção da figura do "Duce" foi cuidadosamente orquestrada, com Mussolini se apresentando como um salvador da Itália, um líder carismático que se opunha tanto à democracia liberal quanto ao comunismo. No entanto, para entender como essa manipulação de memória e discurso se perpetuou ao longo dos anos, é necessário observar não apenas a ascensão de Mussolini, mas também a sua continuidade e a emulação de seus métodos por líderes contemporâneos, como Donald Trump.

Trump, em muitas maneiras, seguiu uma trajetória paralela à de Mussolini no uso da mídia, da retórica agressiva e do culto à personalidade. Assim como Mussolini, Trump entendeu que a política moderna exigia mais do que propostas políticas sólidas ou programas de governo consistentes. O poder de dominar os meios de comunicação e manipular as emoções do público tornou-se o centro de sua estratégia. Como Mussolini antes dele, Trump construiu sua imagem como um outsider, alguém contra o "sistema", apesar de ser, na verdade, uma figura profundamente inserida nas estruturas de poder.

O uso de slogans simplificados e mensagens que apelavam diretamente aos sentimentos de raiva e frustração da população foi outra característica que uniu ambos os líderes. Mussolini, por exemplo, tinha um controle rigoroso sobre a rádio e o cinema, enquanto Trump aproveitou o alcance imediato das redes sociais, como o Twitter, para moldar sua narrativa e desafiar a mídia tradicional. Ambos construíram uma relação simbiótica com seus seguidores, apresentando-se como heróis que combatem uma elite corrupta e distorcendo a realidade para criar uma narrativa de vitórias constantes e incompreendidas.

A manipulação da memória coletiva é uma das formas mais poderosas de controle político. Para os fascistas, a história não era um registro neutro de fatos, mas uma ferramenta para moldar o futuro. Mussolini transformou eventos históricos, como a Marcha sobre Roma, em uma grande epopeia, recontando-os de maneira que os tornavam não apenas legítimos, mas necessários para o progresso da nação. O mesmo fenômeno pode ser observado em Trump, que frequentemente referia-se ao seu movimento como uma espécie de "renascimento" ou "revolução" política, distorcendo a percepção de sua própria eleição e das circunstâncias em que ela ocorreu.

É crucial também compreender como a violência foi incorporada a esse processo de construção política. Mussolini usou as "camisas negras", um exército de voluntários paramilitares, para intimidar a oposição e consolidar o poder. No entanto, essa violência não se limitava ao confronto físico, mas se estendia ao campo psicológico e simbólico, criando uma atmosfera de medo que consolidava ainda mais a autoridade do regime. Trump, embora não tenha utilizado grupos paramilitares da mesma forma, também empregou uma retórica de confronto e provocação que estimulava a violência em certos círculos, especialmente em relação à oposição política e aos movimentos sociais.

Além disso, a relação entre o fascismo e as massas precisa ser observada com cautela. Os fascistas não governavam apenas com base no medo, mas também com base em uma ideologia populista que apelava diretamente à "vontade do povo". Mussolini compreendeu que, para garantir a permanência no poder, era necessário não apenas ser temido, mas também ser adorado. O mesmo princípio se aplica a Trump, que cultivou uma base de apoio fanática, que se via como parte de um movimento maior contra a suposta corrupção do establishment.

Esse uso de manipulação simbólica e emocional é talvez uma das maiores lições que o fascismo pode ensinar sobre a política moderna. A construção de uma narrativa emocional, que transcende os fatos e cria uma realidade alternativa, tem um poder impressionante de moldar as opiniões e comportamentos das massas. Portanto, mais do que um simples estudo de regimes autoritários, a análise do fascismo e de suas técnicas de controle social oferece uma reflexão essencial sobre como a política e a memória coletiva interagem no cenário contemporâneo.

Em um nível mais profundo, é importante entender que a política moderna, especialmente nas democracias liberais, não está imune a essas táticas. A ideia de que a história pode ser manipulada para atender às necessidades políticas do presente é uma ferramenta que transcende o fascismo e se reflete em muitas formas de retórica política hoje em dia. A habilidade de recontar a história de forma a se alinhar com os objetivos de uma figura ou movimento é uma arma poderosa, que pode ser tanto criadora de consenso quanto divisora.