Os portões estavam fechados. Permaneciam fechados. No mosteiro, o mal se espalhava silencioso — o megrim, essa doença sem rosto que ceifava monges e colonos, e deixava apenas o odor do fogo e da morte. Tansman esperou sob a chuva prometida por Garth, o vento cortando o silêncio como um presságio. Do outro lado da porta, uma voz ordenou: que o irmão Boris fosse deixado junto à entrada. Ele seria levado. E assim foi — corpo pesado, respiração fraca, olhos vazios. “Os Homens dos Navios estão entre nós”, murmurou Boris antes de calar-se para sempre.

A cidade de Delera fechou suas janelas. As casas seladas pareciam túmulos habitados. Os que podiam fugiam, buscando refúgio em lugares que imaginavam seguros. Mas quem poderia se dizer a salvo quando até um monge era atingido? O medo tornou-se uma língua comum, e o silêncio — uma forma de oração. O fogo na praça, erguido primeiro para lenha e depois para corpos, tornou-se o novo altar. O cheiro era absoluto, penetrante, invadindo até o mais hermético dos aposentos. Ali, sob o peso do ar saturado, Tansman compreendeu a natureza da morte: ela não era um evento, mas uma substância.

Ele sabia que poderia interferir. O kit médico de Rilke estava guardado, ocultando o segredo de sua origem — o segredo dos “shippens”, os homens vindos do espaço, proibidos de revelar-se. Romper o selo seria trair um pacto mais antigo que o próprio medo. E, ainda assim, à medida que as fogueiras cresciam e as vozes diminuíam, Tansman se perguntava se o silêncio era uma forma de ruína mais profunda que a própria revelação.

As noites tornaram-se longas e sem sonho. Zebulon, o pesadelo recorrente, era mais real que a vigília. E quando a batida veio à porta — hesitante, quase tímida — era o velho Garth, trêmulo, suplicando o uso da carroça. Queria ajudar a recolher os mortos. O gesto simples de um homem que compreendia o dever, mesmo na presença do terror. “Aye, estou com medo”, disse ele, “mas precisa ser feito.” E Tansman, que carregava segredos demais para responder com verdade, apenas cedeu.

Garth partiu ao amanhecer, e Tansman sentiu a vergonha pesada como o próprio corpo de Boris. Quando a noite voltou e o som dos cascos ecoou na rua, ele soube. Garth retornava — febril, cambaleante, marcado pelo megrim. Caiu da carroça e confessou, antes de desmaiar: “Estou doente, senhor Tansman.”

O gesto seguinte foi automático. Tansman o levou para dentro, o despindo como a um filho, colocando-o em sua própria cama. Depois, desceu até o estábulo, cuidou dos cavalos com uma destreza que suas mãos lembravam, mas sua mente já havia esquecido. Quando tudo terminou, subiu novamente, abriu o baú de Rilke e retirou o kit. Não havia dúvida, embora sua consciência fingisse não saber. Os músculos sabiam. O corpo sabia.

Salvar Garth era um ato contra as ordens, contra o pacto, contra o medo. Mas havia, naquela fragilidade humana do velho, algo que rompia o isolamento de Tansman. Pela primeira vez, ele reconhecia no outro não a diferença, mas a semelhança. Um homem limitado, mortal, ignorante — e, ainda assim, digno de ser salvo. Era esse o crime e a revelação.

O que Tansman compreendia, ao abrir o estojo de metal, não era apenas a urgência de um gesto médico. Era a consciência de que a humanidade não se define pela origem, mas pela escolha de agir diante da dor. No fim, não era o segredo de Rilke que ele traía, mas o silêncio que matava mais lentamente que a doença.

O megrim não era apenas uma praga: era o espelho daquilo que o medo faz aos vivos. Ele isola, endurece, transforma a compaixão em cálculo e o dever em omissão. Tansman, ao decidir salvar Garth, cruzou uma fronteira invisível — a que separa o sobrevivente do homem.

A história de Tansman e Garth, mais que o retrato de uma peste, é o retrato do instante em que o medo se transforma em escolha. O instante em que a fidelidade a um segredo é menos importante do que a fidelidade à vida. O instante em que, mesmo com as portas fechadas, o homem compreende que a única saída é abrir-se por dentro.

Importa compreender que a peste, em qualquer forma — biológica, moral ou espiritual —, sempre exige um preço: a definição do que significa ser humano quando tudo ao redor convida à desistência. Não é a cura que salva, mas o gesto. A mão que, mesmo tremendo, se estende. A decisão de permanecer humano quando as portas se fecham.

O que resta quando tudo o que você conhecia deixa de existir?

O dente quebrou sob a pressão, arrancando-o do momento. Ele aprenderia o poder das palavras, sim, e as usaria como armas para golpear e cortar. Cuspiu o fragmento e virou-se, ouvindo a risada de Churchward enquanto inspirava fundo. Mas a respiração era livre. Era o ar frio da noite, claro, aberto. E isso bastava. Começou a trotar ao longo do rio, ouvindo ao longe o som insultuoso de Churchward urinando. Ninguém o seguiu. Isso era bom, mesmo que significasse apenas que ninguém se importava.

Quando a curva do primeiro morro apagou o brilho da fogueira, o acampamento, a nave de reconhecimento, Churchward e a Grande Nave já não existiam. Apagados. Aquele não era Nova Albión, mas serviria. Os últimos dois anos nunca tinham acontecido. A vida estava começando de novo.

Os windhovers cavalgavam o sol e o vento como pipas em forma de pássaros, planando alto sobre as colinas. Mas seriam livres? Podiam ser puxados de volta à terra, recolhidos à vontade? Quem eram eles? Quem? Arpad achava que sabia. As colinas eram eternas. As colinas eram lar. Caminhava entre a relva curta e verde-amarronzada que cobria os contornos do terreno como dedos, punhos, ombros. A grama sussurrava contra suas pernas. Ele tinha olho para o terreno, talento para encontrar o seu chão, um ritmo que podia carregá-lo para sempre e um senso de direção que o levaria para longe e de volta.

O país era um deleite. Sentia-se em casa. De novo. Os últimos dois anos foram punição por ter sonhado ser um Shippie. Orgulhara-se de um pai que fora mais que os outros por ter viajado entre as estrelas. Sentiu-se superior. E por esse orgulho, foi devidamente condenado. Raptado, levado à Nave de seu pai, a Moskalenka. Enfeitiçado, transformado em windhover.

Mas os windhovers sempre voltam à terra. Voam, flutuam, mas no fim, sempre pousam. Que planos tinham para Arpad? Para provar valor, os windhovers passam por um rito de puberdade. Largam os filhos num planeta colônia para sobreviver como um Mudeater qualquer por um mês. Dão treinamento, mas se os filhotes fracassam, é uma perda pequena para o ninho. Foi dessa aula de sobrevivência, sob o olhar do jovem mestre de voo Churchward, que Arpad fugiu. Três dias em Aurora bastavam. Por que esperar mais um ano? Seria apenas uma chance a mais de se tornar um kite completo — ou de retomar a vida real. Ele podia fazer isso agora. Estava fazendo isso agora.

Aurora não era Nova Albión, mas era terra firme. Era real. Arpad podia construir uma vida ali. E, se tudo corresse bem, talvez descobrisse como cortar asas. Churchward ainda poderia aprender o que era o mundo real.

Ao pôr do sol, Arpad avistou, de cima de uma colina, um agrupamento de construções de pau e barro, dispostas num vale em forma de tigela. Longe das sólidas casas de tábuas que lembrava de sua infância, as construções pareciam cogumelos de telhado de palha no crepúsculo. Crianças corriam entre as casas. O sol poente tingia a colina oposta de vermelho opaco. Uma névoa de fumaça pairava sobre os telhados. Ele parou, uma figura solitária no topo da colina: um menino magro, de camisa vermelha e calções marrons, com uma mochila nas costas.

Encontrou o caminho mais pisado que levava morro abaixo e desceu até a aldeia. Estava faminto, exausto, mas ali estava. Encontrando. Encontrado.

No meio da descida, foi avistado pelas crianças. Apontaram, gritaram e desapareceram. Num instante havia vida na aldeia. No seguinte, só fumaça.

Mas, ao chegar ao sopé da colina, um grupo de três homens vinha ao seu encontro. Dois empunhavam lanças de cabo curto e lâminas largas. Caminhavam com uma precisão que a Arpad pareceu afetada. Pisavam com a ponta dos pés, não com os calcanhares. Vestiam calças até os joelhos, camisas largas e barbas sem bigodes. Arpad tocou o rosto. Sem barba. Sem bigode.

Dois usavam chapéus de aba reta. O terceiro, descalço, parecia ter sido tirado de uma soneca após o jantar. Arpad achava exagero tanto aparato. Tentou parecer pacífico. Mas os cheiros vinham com eles — fumaça, comida, e o odor confuso de gente desconhecida. Parou à distância apropriada. Eles não. Aproximaram-se demais. As lanças eram reais, perigosas. Teria fugido se não estivesse tão cansado e faminto.

O homem descalço, o mais novo, mas claramente o líder, perguntou num tom seco: “O que você quer, garoto?”

“Meu nome é Arpad Margolin. Eu preciso—” Parou, interrompido pelas reações indignadas dos que empunhavam as lanças. Um deles exclamou: “Não tens senso de decoro? Que vergonha! O que teus antepassados devem pensar?”

O líder ergueu a mão, silenciando-os. Repetiu a pergunta: “O que você quer?”

Arpad tentou novamente. “Estive numa das Naves nos últimos dois anos. A Moskalenka. Fugi. Estou procurando alguém que me acolha.” Seu olhar era suplicante. Tinha treze anos. Podia andar um dia inteiro rumo ao desconhecido. Podia contar e recontar mentalmente seus inimigos. Mas seus recursos eram limitados.

“Uma das Grandes Naves?”

“Sim, senhor.”

“E você os deixou?”

“Sim, senhor.”

Os três se entreolharam. O líder apertou o nariz com os dedos, pensativo. Franziu os lábios, coçou o queixo. Disse por fim: “Espere aqui.” Chamou os outros dois e se afastaram. Arpad ouviu fragmentos: “Sabemos o nome dele. Já estamos comprometidos.” E: “Ele está de vermelho. Talvez seja sorte ouvi-lo.” Nada disso fazia sentido para Arpad. Só palavras.

Voltaram e o cercaram de novo. O líder assentiu. “Tudo bem. Você pode ficar. Vamos escutar sua ladainha. Teremos a prestação de contas em uma hora. Por ora, vá com este Bill.” Apontou o homem descalço. Bill assentiu e sorriu. Mas não era um sorriso amistoso. Era o lembrete do vazio no estômago de Arpad.

“Posso comer algo?”, arriscou. Arrependeu-se de imediato. Estava disposto a retirar o pedido, se isso prejudicasse sua chance de permanência. Mas era verdade: precisava comer.

“Vá”, disse o líder. “Vá.”

Arpad seguiu Bill, um homem grande, calvo, de nariz largo, ombros pesados e pés abertos. Caminhava sobre os dedos com precisão. Arpad o imitava, maldizendo o desconforto. Sentia-se como quem caminha descalço sobre pedras afiadas.

O que Arpad ainda não compreendia, mas em breve aprenderia, é que fugir da abstração não é o mesmo que encontrar o concreto. Aurora era real, sim. Mas o real também impõe regras, hierarquias, códigos não ditos. A fuga do céu não é liberdade — é apenas a primeira escolha entre muitas. Os que flutuam, cedo ou tarde, terão que aprender a pisar o chão sem medo e, mais ainda, a ser aceitos por aqueles que jamais deixaram de pisá-lo. E nesse aprendizado, nem sempre se é acolhido como se espera. O nome, a cor, o gesto, a lembrança — tudo tem peso. Tudo conta.