A descoberta do grafeno por Novoselov e seus colaboradores em 2004 não apenas deu início a um campo científico promissor, mas também trouxe desafios significativos, como a dificuldade de abrir uma lacuna de banda no grafeno. Esse obstáculo levou à busca por materiais semicondutores alternativos em duas dimensões (2D). Esses materiais, como o siliceno (Si), germaneno (Ge), staneno (Sn) e elementos do grupo V, como o fosforeno (P) e o arseneno (As), emergem como possíveis candidatos para a eletrônica flexível e transparente, além de dispositivos optoeletrônicos. A pesquisa se expandiu para além dos materiais elementares, abrangendo compostos como o nitreto de boro hexagonal (h-BN), dicalcogenetos de metais de transição (TMDCs), materiais elementares em camadas e heteroestruturas de Van der Waals (vdW), ampliando assim as possibilidades de aplicação desses materiais.

Os semicondutores 2D são materiais formados por camadas atômicas que apresentam forte ligação covalente plana, com ligação intra-planar de Van der Waals relativamente fraca. Essa estrutura permite que esses materiais sejam facilmente fracionados em camadas extremamente finas, com propriedades eletrônicas únicas. Dependendo da composição, os semicondutores 2D podem ser do tipo p ou n. Exemplos típicos de semicondutores 2D tipo n incluem MoS2, MoTe2, e WS2, enquanto MoSe2 e WSe2 são conhecidos por serem do tipo p.

Entre os materiais mais promissores, estão os semicondutores do grupo IV, como o siliceno, germaneno e staneno, que exibem características eletrônicas notáveis. Esses cristais 2D possuem bandas parcialmente preenchidas derivadas dos orbitais pz, o que resulta em pontos de Dirac, ou seja, pontos de contato entre os máximos da banda de valência e os mínimos da banda de condução, localizados em posições altamente simétricas na zona de Brillouin. O efeito do acoplamento spin-órbita (SOC) é capaz de abrir uma lacuna de banda nas posições de Dirac, como ocorre no staneno, germaneno e siliceno, com lacunas de 73,5, 23,9 e 1,55 meV, respectivamente. A aplicação de um campo elétrico externo ou a introdução de defeitos, como vacâncias ou hidrogenação desses cristais, pode resultar em lacunas de banda mais amplas, aumentando suas aplicabilidades para dispositivos optoeletrônicos.

Por outro lado, os elementos do grupo V, como o fosforeno, antimoneno e arseneno, têm se mostrado semicondutores em sua forma pura. O fosforeno, em particular, destaca-se por sua mobilidade de portadores de carga elevada e sua capacidade de comutação de corrente, tornando-o uma opção preferencial para dispositivos eletrônicos em 2D. A lacuna de banda do fosforeno varia entre 0,4 e 2,1 eV, enquanto a lacuna do arseneno varia de 1 a 2,5 eV. O antimoneno, por sua vez, apresenta uma lacuna indireta de 2,28 eV em seu monocamado, que diminui com o aumento do número de camadas.

Além disso, a pesquisa recente tem se concentrado em uma família de dicalcogenetos de metais de transição (TMDCs), como MoS2, MoSe2, WS2 e WSe2, que são semicondutores com lacunas de banda ajustáveis e propriedades ópticas promissoras. Ao contrário do grafeno, que é semimetálico e possui uma lacuna de banda inexistente ou negligenciável, os TMDCs exibem uma transição de uma lacuna indireta para uma lacuna direta quando se passa de camadas mais espessas para monocamadas, tornando-os ideais para aplicações optoeletrônicas. Isso é evidenciado por meio de espectroscopia de fotoemissão angular (ARPES), que mapeia a estrutura de bandas desses materiais com precisão, permitindo um estudo detalhado da evolução da estrutura de bandas com variações de espessura e composição química.

A mobilidade dos portadores de carga desses materiais pode chegar a cerca de 200 cm²/V·s a temperatura ambiente, o que favorece tempos de comutação mais rápidos em transistores de efeito de campo. Além disso, o efeito de temperatura, dopagem e defeitos na estrutura de bandas dos TMDCs são cruciais para suas aplicações em eletrônica e optoeletrônica. A dopagem e o empilhamento de camadas desses materiais melhoram a mobilidade dos portadores de carga em comparação com as monocamadas, tornando-os ainda mais promissores para o futuro.

Estudos sobre defeitos em materiais 2D também são fundamentais. No caso dos TMDCs, defeitos como vacâncias podem levar à dopagem do tipo n, o que afeta diretamente a condutividade elétrica. Vacâncias em MoS2, por exemplo, geram estados defeituosos na região intermediária da lacuna, que são altamente localizados e influenciam as propriedades eletrônicas do material.

A busca por novos semicondutores 2D continua a se expandir com a descoberta de novos materiais e a manipulação precisa de suas propriedades eletrônicas. Esses avanços abrem caminho para o desenvolvimento de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos mais eficientes, com aplicações que vão desde displays flexíveis e transparentes até componentes para circuitos de alta velocidade e comunicação óptica.

Como as Propriedades Morfológicas dos Semicondutores Inorgânicos Influenciam o Comportamento Eletrônico e Magnetismo

A existência de defeitos na estrutura cristalina dos semicondutores metálicos, como no Ag2O, tem sido alvo de intensas investigações devido ao impacto direto que esses defeitos causam nas propriedades eletrônicas e magnéticas do material. Em particular, a criação de vacâncias de oxigênio (V′ O) no Ag2O induz a formação de níveis intermediários na banda de energia, conhecidos como "bandas planas", que são responsáveis por um pequeno intervalo de banda indireto de 0,25 eV. Além disso, as vacâncias de oxigênio podem ser ionizadas, transformando-se em V′′ O e adquirindo um caráter diamagnético, com momento magnético nulo (μz), devido aos elétrons acoplados.

Essa modificação no comportamento magnético é crucial, pois o Ag2O com esse defeito apresenta uma característica não magnética com um comportamento metálico. Embora a maioria dos semicondutores à base de prata discutidos neste estudo sejam não magnéticos, o Ag2O, em particular, revela um magnetismo residual. Esse fenômeno está diretamente relacionado à presença de vacâncias de prata ou vacâncias de oxigênio monovalentes nas superfícies do material. As vacâncias de prata, por exemplo, geram uma redistribuição dos elétrons remanescentes, resultando em cátions de prata reduzidos com ocupação de elétrons desemparelhados (μz = 0.343). Por outro lado, as vacâncias de oxigênio são responsáveis por localizar os elétrons desemparelhados dentro de aglomerados metálicos de prata, criando centros magnéticos (μz = 0.214). Esses resultados evidenciam a possibilidade de utilizar a criação de vacâncias como uma ferramenta acessível para gerar características magnéticas em Ag2O, que, de outra forma, seria um material não magnético. Esse comportamento também foi confirmado por experimentos prévios.

No contexto de propriedades fotocatalíticas, a estabilidade dos portadores de carga foi analisada para diferentes tipos de vacâncias no Ag2O. As vacâncias de prata, tanto neutras quanto carregadas, favorecem o comportamento fotocatalítico do Ag2O, uma vez que a taxa de recombinação entre elétrons e lacunas diminui. Em contraste, as vacâncias de oxigênio reduzem a atividade fotocatalítica do Ag2O, pois a taxa de recombinação de portadores de carga aumenta, tornando o processo fotocatalítico ineficaz. A estabilidade das superfícies de Ag2O, em particular as superfícies de índices baixos (100), (110) e (111), foi também investigada, observando-se uma ordem de estabilidade das superfícies: (111) > (110) > (100). Isso reflete a densidade de defeitos nas superfícies, concordando com resultados teóricos anteriores. A estrutura eletrônica calculada dessas superfícies sugere um intervalo de banda metálica para as superfícies (110) e (110), enquanto a superfície (111) apresenta um intervalo de banda semicondutor.

A investigação dos portadores de carga revelou que os elétrons fotogerados (e−) e as lacunas (h+) apresentam diferentes caminhos de mobilidade ao longo de cada direção cristalográfica. As superfícies (100) e (110), por exemplo, possuem a maior eficiência fotocatalítica devido à maior estabilidade dos portadores de carga. De acordo com os resultados teóricos obtidos com a abordagem DFT (Teoria do Funcional de Densidade), várias morfologias possíveis foram previstas usando a teoria de Wulff, sendo que as superfícies de baixa energia (100) e (010) são predominantes nessas morfologias. As nanocristais de Ag2O, compostos principalmente pelas superfícies (100) e (110), apresentam propriedades fotocatalíticas aprimoradas, facilitando a geração de radicais eficazmente a partir dos portadores fotogerados.

Esses achados fornecem uma visão importante sobre a origem das propriedades eletrônicas, magnéticas e fotocatalíticas do Ag2O e abrem novas possibilidades para o desenvolvimento de dispositivos eletrônicos e materiais baseados em fotocatálise.

A engenharia de novos materiais com propriedades controladas continua sendo uma área central na pesquisa de materiais e nanotecnologia, principalmente devido à necessidade de um entendimento detalhado, em nível atômico, das funções físicas e químicas. O Ag2O e outros semicondutores metálicos têm despertado grande interesse devido às suas propriedades dependentes da morfologia, que variam conforme a coordenação dos metais nas superfícies expostas. Esse controle permite modulações significativas nas propriedades eletrônicas, magnéticas e fotocatalíticas, essenciais para aplicações industriais e biomédicas. O estudo desses materiais não só avançou em termos de caracterização experimental, mas também se beneficiou de simulações baseadas em cálculos de primeiros princípios, que revelaram como essas modificações nas superfícies podem ser manipuladas para otimizar a atividade fotocatalítica e antimicrobiana.

O uso estratégico de vacâncias, seja de prata ou oxigênio, permite uma modulação precisa das propriedades desejadas, oferecendo novas possibilidades para aplicações em sistemas fotocatalíticos e dispositivos eletrônicos. A interação entre as características geométricas, eletrônicas e magnéticas dos materiais semicondutores representa um campo promissor para o desenvolvimento de novos materiais com funções específicas, com impactos significativos no avanço das tecnologias sustentáveis e inovadoras.

Como a Teoria Hartree-Fock e suas Equações Definem o Comportamento Eletrônico em Sistemas Interagentes?

A teoria Hartree-Fock (HF) é um método fundamental em física e química computacional para estudar sistemas de elétrons, principalmente quando se deseja descrever interações entre partículas de forma aproximada, mas ainda assim precisa. A partir de uma função de onda de tipo determinante de Slater, a teoria busca resolver as equações que governam o comportamento de sistemas de múltiplos elétrons. A estrutura dessa teoria se baseia no princípio de que cada elétron é descrito por uma função de onda individual, ou seja, a função de onda total do sistema é dada por um determinante de Slater que leva em conta a natureza antissimétrica das funções de onda devido ao princípio de exclusão de Pauli.

No contexto da teoria de Hartree-Fock, é importante compreender como os conceitos de matrizes de densidade reduzidas de primeira e segunda ordem ajudam a caracterizar as distribuições de partículas no espaço. A primeira matriz de densidade reduzida (ρ₁) descreve a distribuição de partículas individuais, enquanto a segunda matriz (ρ₂) leva em consideração as correlações entre pares de partículas. Ambas as matrizes têm um papel crucial na construção de modelos que representam o comportamento de sistemas eletrônicos.

As equações de Hartree-Fock, quando aplicadas a um sistema de elétrons interagentes, formam um sistema complexo de equações diferenciais que podem ser resolvidas numericamente. Em sistemas fechados, ou seja, onde o número de elétrons é constante e bem definido, cada orbital é degenerado em spin, o que significa que para cada orbital espacial existem dois estados de spin possíveis: para cima e para baixo. Isso permite que as equações sejam simplificadas para sistemas com número par de elétrons, com a soma de orbitais espaciais ocupados indo de 1 até N/2, onde N é o número total de elétrons no sistema.

Uma parte importante da teoria Hartree-Fock é a introdução de um potencial de troca, que não é multiplicativo (ou seja, é um operador não-local) e depende dos orbitais eletrônicos. Esse potencial de troca é essencial para descrever as interações de troca entre elétrons com spins opostos, e seu cálculo envolve a consideração das densidades de partículas em diferentes posições no espaço, levando em conta a correlação entre as distribuições espaciais dos elétrons.

Em sistemas de elétrons não interagentes, o modelo Hartree-Fock pode ser ajustado para incorporar as correções de troca, resultando em uma equação de Hartree-Fock-Slater. Nessa versão da teoria, a densidade de partículas é aproximada por uma matriz de densidade de primeira ordem sem considerar a interação Coulombiana entre elas diretamente. Esse ajuste simplifica os cálculos, permitindo obter soluções aproximadas com maior eficiência computacional.

A introdução de um "buraco de Fermi" é uma característica fundamental na teoria, especialmente ao lidar com sistemas com múltiplos elétrons. Este conceito se refere à lacuna na distribuição de elétrons criada pelas interações de exclusão de Pauli, que evitam que dois elétrons ocupem o mesmo estado quântico. A distribuição do buraco de Fermi é fundamental para entender a energia de troca e os efeitos de correlação entre os elétrons.

No entanto, a teoria Hartree-Fock não leva em consideração a correlação completa entre os elétrons. Para sistemas em que as interações de correlação são significativas, como nos casos de sistemas fortemente interagentes ou em condições de alta densidade, o modelo Hartree-Fock por si só não é suficiente. A correção dessas falhas pode ser feita por métodos mais avançados, como as teorias de densidade funcional (DFT), que tratam a correlação eletrônica de forma mais eficaz.

Adicionalmente, o método Hartree-Fock pode ser modificado para incluir o efeito Coulombiano total, resultando em uma teoria mais sofisticada, como a teoria de troca-Coulomb, em que o "buraco de Fermi" é modificado pela consideração do efeito de correlação entre os elétrons.

É importante que o leitor entenda que, embora a teoria Hartree-Fock forneça uma boa aproximação para muitos sistemas, ela ainda possui limitações significativas. A principal dessas limitações é que ela não consegue tratar adequadamente a correlação eletrônica de forma completa, o que pode resultar em desvios consideráveis quando aplicada a sistemas altamente correlacionados. Portanto, quando se trabalha com sistemas complexos ou materiais com fortes interações de correlação, é fundamental considerar métodos mais avançados, como o método de densidade funcional, para obter resultados mais precisos.