A valvopatia aórtica em crianças, especialmente a valva aórtica bicúspide (BAV), continua a representar um desafio significativo no campo da cirurgia cardíaca pediátrica. A BAV é uma condição congênita em que a aorta apresenta duas cúspides desiguais, com a maior frequentemente resultante da fusão de duas cúspides normais. Esta anomalia pode levar à insuficiência aórtica e estenose progressiva, aumentando o risco de disfunção hemodinâmica e complicações cardiovasculares. Para pacientes com BAV, o manejo anestésico durante intervenções cirúrgicas é fundamental, não apenas para a estabilidade imediata durante o procedimento, mas também para garantir uma recuperação satisfatória no pós-operatório.

A cirurgia de Bentall, frequentemente indicada para pacientes com BAV associado a dilatação da aorta ascendente, envolve a substituição da valva aórtica, a raiz aórtica e a aorta ascendente com um vaso sanguíneo artificial com válvula. A gestão cuidadosa do pré, intra e pós-operatório é necessária para minimizar os riscos associados a essa intervenção complexa. O tempo de circulação extracorpórea (CPB) e o tempo de clampeamento aórtico são indicadores importantes para o sucesso do procedimento, e qualquer flutuação significativa na pressão arterial pode levar a complicações como ruptura de aneurisma ou insuficiência cardíaca.

A anestesia para este tipo de cirurgia é particularmente desafiadora devido à necessidade de evitar flutuações significativas na pressão arterial durante a manipulação da aorta e a valva. Manter uma taxa cardíaca elevada e reduzir a pós-carga durante o procedimento pode melhorar o débito cardíaco e reduzir a regurgitação aórtica. Além disso, a administração de medicamentos como protamina para neutralizar a heparina e ajustes precisos de líquidos são essenciais para manter o equilíbrio hemodinâmico durante o processo de reanimação.

Após a cirurgia, o gerenciamento anestésico continua a ser crítico. O controle da temperatura, monitoramento da função renal e a monitorização neurológica com o uso de perfusão cerebral seletiva (SCP) são elementos chave para reduzir o risco de complicações cerebrais após a parada circulatória. O uso de técnicas de monitoramento de temperatura, como a monitorização timpânica, permite ajustes finos na reanimação do paciente, evitando variações abruptas de temperatura que possam prejudicar a recuperação cerebral.

Embora a cirurgia seja uma intervenção eficaz para tratar doenças da aorta associadas à BAV, a condição pode levar a complicações como insuficiência renal aguda (IRA) e falência cardíaca. Nestes casos, a utilização de terapias como diálise peritoneal e terapia renal substitutiva contínua pode ajudar a estabilizar o paciente e melhorar a função renal. Com a intervenção adequada, a maioria dos pacientes pode ser transferida de volta para a enfermaria geral e receber alta em um intervalo relativamente curto, com uma recuperação bem-sucedida.

No entanto, o acompanhamento pós-operatório rigoroso é essencial. Para pacientes com BAV, a monitorização regular da aorta, especialmente no que diz respeito ao diâmetro da raiz aórtica e aorta ascendente, deve ser parte integrante do tratamento. A dilatação progressiva da aorta é uma complicação frequente, e a cirurgia precoce pode ser necessária para evitar eventos mais graves, como dissecção ou ruptura da aorta.

Em muitos casos, a decisão de realizar a cirurgia é tomada com base na avaliação do diâmetro da aorta e na presença de sintomas. A atual diretriz ACC/AHA sugere que, para pacientes com BAV e aorta ascendente superior a 5,5 cm, a cirurgia seja realizada de forma proativa, mesmo na ausência de sintomas. Já para aqueles com aorta entre 5,0 e 5,5 cm e histórico familiar de dissecção aórtica, a abordagem preventiva também é recomendada.

Ademais, a avaliação pré-operatória deve incluir a monitorização cuidadosa da função renal e do equilíbrio ácido-base, visto que alterações nos níveis de potássio, cálcio e hemoglobina podem impactar significativamente o manejo intraoperatório. A suplementação de potássio e o uso de sangue concentrado podem ser necessários dependendo dos resultados da gasometria arterial. Esses detalhes são cruciais para garantir a estabilidade hemodinâmica e minimizar o risco de complicações durante e após a cirurgia.

Como o Sistema Arterial e a Função Cardíaca Influenciam o Fluxo Sanguíneo e a Saúde Vascular

O sistema arteriolar existe em série dentro da circulação, e essa disposição tem implicações importantes para a dinâmica do fluxo sanguíneo e para o impacto das doenças vasculares e cerebrovasculares. Quando o fluxo sanguíneo atinge as arteríolas, o diâmetro vascular diminui consideravelmente, o que aumenta a resistência vascular. O estresse de cisalhamento, que se refere à força exercida sobre a parede do vaso devido ao atrito entre o sangue em movimento e o endotélio, é um dos principais fatores que determinam a função vascular. Esse estresse é proporcional à viscosidade do sangue e à taxa de cisalhamento, e pode ser descrito pela equação de Hagen–Poiseuille, que estabelece que o estresse de cisalhamento é diretamente proporcional ao fluxo sanguíneo e inversamente proporcional ao cubo do raio do vaso.

Além disso, a conformidade das veias é consideravelmente maior em comparação com as artérias. Isso ocorre porque as paredes das veias são mais finas, o que permite que elas armazenem uma quantidade significativamente maior de volume sanguíneo. O impacto de um aumento no volume sanguíneo é, portanto, mais pronunciado no sistema venoso. Essa diferença de conformidade entre os vasos arteriais e venosos é uma das razões pelas quais a expansão do volume terapêutico tem um efeito mais acentuado na capacidade venosa.

A função da bomba cardíaca é crucial para impulsionar o sangue através do sistema circulatório, e essa função está intimamente ligada à ação dos cardiomiócitos. Esses células musculares especializadas possuem uma estrutura complexa, incluindo proteínas como miosina, actina e tropomiosina, que formam os filamentos que se deslizam uns sobre os outros durante a contração do coração. A unidade básica da contração muscular cardíaca é o sarcômero, e o comprimento desse sarcômero influencia diretamente a força gerada. Quando o comprimento do sarcômero está dentro de uma faixa ideal de 2,2 a 3,5 μm, a sobreposição dos filamentos é otimizada, permitindo uma contração mais eficiente. Caso o sarcômero seja muito curto ou muito longo, a capacidade de gerar força diminui, afetando a função cardíaca.

Os mitocôndrias, as usinas de energia das células cardíacas, desempenham um papel essencial na produção de ATP, que é necessário para a contração muscular. Essas organelas são responsáveis pela maior parte da produção de energia, particularmente através da oxidação de ácidos graxos, que é o principal caminho metabólico em condições normais. Sob estresse, os cardiomiócitos podem também utilizar outros nutrientes como glicose, lactato, aminoácidos e corpos cetônicos para produzir energia. Em indivíduos com condições patológicas, como insuficiência cardíaca ou miopatias dilatadas, a produção de ATP por oxidação de ácidos graxos é reduzida, e os mecanismos de regulação metabólica tornam-se alterados.

Quando se observa o funcionamento do coração em nível celular, é importante considerar as proteínas envolvidas na contração e no relaxamento dos cardiomiócitos. O complexo troponina, composto por troponina T, troponina C e troponina I, regula a interação entre actina e miosina, sendo crucial para o processo de contração muscular. As mutações em proteínas do disco intercalar, que conecta os cardiomiócitos entre si, podem levar a uma variedade de condições cardíacas, como arritmias e miopatias.

Além disso, a função do sistema cardiovascular não se limita apenas ao transporte de sangue, mas também à manutenção da integridade das células endoteliais, que revestem os vasos sanguíneos. O estresse de cisalhamento dentro de limites normais ajuda a preservar a função endotelial, mas se esse estresse for excessivo ou insuficiente, pode resultar em danos à parede vascular e até contribuir para o desenvolvimento de doenças vasculares, como aneurismas ou formação de placas ateroscleróticas.

É fundamental que, ao se considerar o funcionamento do sistema cardiovascular e suas interações, se compreenda que a saúde do coração e dos vasos sanguíneos depende de um equilíbrio dinâmico entre a estrutura das células musculares cardíacas, a função dos vasos sanguíneos e os processos metabólicos que geram energia. Isso implica que o estresse de cisalhamento, as adaptações metabólicas dos cardiomiócitos e a conformidade vascular desempenham papéis interconectados na manutenção da homeostase cardiovascular.

Como deve ser a condução anestésica em cirurgias cardíacas complexas: controle hemodinâmico e manejo de tumores e cardiomiopatias obstrutivas

A indução anestésica em procedimentos cardíacos delicados deve ser realizada com extrema cautela, priorizando a administração lenta e controlada dos fármacos para evitar alterações abruptas na hemodinâmica. A combinação de midazolam, etomidato, sufentanil e rocurônio por via venosa é comumente utilizada para garantir um início anestésico seguro e eficaz. A manutenção da anestesia, por sua vez, envolve infusão contínua de propofol, sufentanil, rocurônio e sevofluano, ajustando-se a velocidade do propofol de acordo com as variações da frequência cardíaca e pressão arterial, buscando estabilizar esses parâmetros e assegurar profundidade anestésica adequada. Cateterizações arterial e venosa são rapidamente estabelecidas após a indução para monitorização rigorosa da pressão arterial invasiva e da pressão venosa central, permitindo intervenções imediatas caso surjam instabilidades.

Durante a ressecção de tumores cardíacos, especialmente em casos de mixomas atriais, procedimentos mecânicos devem ser suaves para evitar manipulações bruscas que possam desencadear arritmias ou isquemia miocárdica. A oclusão do orifício da valva mitral com gaze embebida em solução salina antes da abertura do átrio esquerdo previne a dispersão de fragmentos tumorais na circulação. A remoção completa e o cuidadoso lavado com grande volume de solução fisiológica são fundamentais para eliminar resíduos tumorais, cuja presença pode resultar em embolias e outras complicações graves. Avaliações pós-operatórias por meio de ecocardiografia transesofágica asseguram a integridade valvar, permitindo correções imediatas em casos de insuficiência mitral.

Em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (HOCM), o manejo anestésico exige foco específico na prevenção da obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo (LVOT). A obstrução é exacerbada por aumentos na contratilidade miocárdica, diminuição do volume ventricular e queda da pressão arterial, o que pode precipitar insuficiência cardíaca e eventos adversos durante a cirurgia. Portanto, a anestesia deve priorizar a redução da contratilidade e o aumento da pré-carga e pós-carga para manter a estabilidade hemodinâmica. O uso de propranolol para controle pré-operatório evidencia a necessidade de inibir a resposta simpática exacerbada.

O monitoramento intraoperatório deve ser minucioso e contínuo, com cateterização de veias centrais e artérias, avaliação do índice bispectral (BIS) para assegurar o nível anestésico ideal, controle da pressão venosa central e vigilância dos parâmetros de oxigenação e ventilação, incluindo a pressão positiva ao final da expiração (PEEP) e o dióxido de carbono expirado (ETCO2). A ventilação mecânica deve ser ajustada para evitar hiperventilação ou hipoventilação, mantendo valores de ETCO2 entre 35 e 40 mmHg.

No momento da intervenção cirúrgica propriamente dita, procedimentos como a miomectomia modificada de Morrow são indicados para pacientes com obstrução severa do LVOT e hipertrofia ventricular significativa. A ressecção do septo ventricular hipertrofiado reduz a pressão de gradiente e melhora o fluxo sanguíneo. O uso do clampeamento aórtico e da circulação extracorpórea permite um campo cirúrgico controlado e uma recuperação do ritmo sinusal após a liberação do clampeamento. A ecocardiografia transesofágica é imprescindível para avaliação imediata do sucesso do procedimento e da função valvar.

É crucial entender que, além da técnica anestésica, o sucesso da cirurgia depende de uma avaliação pré-operatória rigorosa, que deve contemplar não apenas exames cardíacos tradicionais como ecocardiograma, eletrocardiograma e ressonância magnética, mas também a avaliação funcional e laboratorial detalhada para mapear o risco e planejar o manejo hemodinâmico durante todo o procedimento. A escolha criteriosa dos agentes anestésicos, o ajuste fino dos parâmetros ventilatórios e a prevenção de eventos adversos por manipulações cirúrgicas inapropriadas são fundamentais para preservar a integridade cardiovascular do paciente.

O leitor deve compreender que a estabilidade hemodinâmica em cirurgias cardíacas complexas não é obtida apenas por um protocolo rígido, mas sim por uma combinação dinâmica de monitorização contínua, ajustes rápidos dos fármacos, e entendimento profundo da fisiopatologia do paciente. A antecipação das possíveis complicações, a coordenação entre equipe anestésica e cirúrgica, e a adaptação em tempo real são essenciais para resultados favoráveis. Além disso, o impacto da anestesia no sistema circulatório deve sempre ser minimizado para evitar exacerbações da condição subjacente, como a obstrução do LVOT em HOCM ou a dispersão de fragmentos tumorais em mixomas.

Como Gerenciar a Anestesia em Neonatos com Transposição das Grandes Artérias (TGA) Durante Cirurgias de Emergência

A transposição das grandes artérias (TGA) é uma das doenças cardíacas congênitas cianóticas mais comuns, representando de 5 a 7% de todos os casos de doenças cardíacas congênitas. Caracteriza-se por uma conexão atrioventricular (AV) normal, mas uma conexão ventriculo-arterial (VA) discordante, o que implica que a aorta se origina do ventrículo direito e a artéria pulmonar do ventrículo esquerdo. Essa alteração faz com que a aorta receba sangue venoso desoxigenado, enquanto a artéria pulmonar recebe sangue arterial oxigenado. Como resultado, a circulação sanguínea entre os sistemas sistêmico e pulmonar não ocorre adequadamente após o nascimento, causando cianose e hipoxemia grave logo após o parto.

A sobrevida do recém-nascido depende de uma ou mais comunicações entre as circulações sistêmica e pulmonar, permitindo a mistura do sangue. A necessidade de intervenção precoce, muitas vezes com procedimentos como a cirurgia de correção das grandes artérias, exige cuidados anestésicos específicos.

O gerenciamento anestésico em neonatos com TGA exige considerações detalhadas e uma abordagem muito cuidadosa. No caso de um neonato com TGA submetido a uma laparotomia exploratória de emergência, a preparação pré-operatória e o manejo intraoperatório devem ser planejados com extrema precisão. A ventilação e a monitorização da função cardíaca são fundamentais para garantir uma circulação sanguínea adequada, minimizando os riscos de complicações.

Avaliação Pré-operatória e Cuidados de Emergência

Antes da anestesia, é imperativo realizar a descompressão gastrointestinal por meio de uma sonda gástrica. Os neonatos com TGA são particularmente vulneráveis à hipotermia, sendo necessário preparar dispositivos de aquecimento, como cobertores térmicos ou aquecedores de ar. O controle da temperatura ambiente da sala de operação também é essencial, mantendo-a entre 26 e 30°C. A pré-anestesia deve ser cuidadosamente ajustada, considerando o baixo peso corporal e volume sanguíneo total do neonato, com uma estimativa precisa da quantidade de sangue necessária para reposição rápida durante a cirurgia.

Além disso, é fundamental garantir o bom funcionamento dos sistemas hemodinâmicos. Drogas como epinefrina e norepinefrina são frequentemente usadas para manter a pressão arterial dentro de uma faixa aceitável para a idade, enquanto o lactato deve ser monitorado, evitando níveis elevados que possam indicar comprometimento circulatório.

Indução e Manutenção Anestésica

Durante a indução da anestesia, o objetivo principal é manter a função cardíaca e a contratilidade miocárdica, preservando o débito cardíaco. A utilização de anestésicos que não causem inibição excessiva do miocárdio é crucial, pois o coração do neonato ainda não está completamente desenvolvido e é muito sensível às drogas anestésicas. Em neonatos com TGA, uma diminuição no débito cardíaco pode levar à queda na saturação de oxigênio do sangue venoso sistêmico, o que comprometeria ainda mais a oxigenação do sangue arterial.

A estratégia ventilatória preferida para neonatos com TGA é o uso de ventilação com controle de pressão (PIP), com um volume corrente ajustado para evitar barotrauma e lesões pulmonares. A ventilação deve ser ajustada para manter a concentração de CO2 expelido dentro dos limites desejáveis e evitar a hipercapnia. A monitorização contínua dos gases sanguíneos é essencial, já que os parâmetros ventilatórios podem precisar de ajustes rápidos.

Gestão de Fluidos e Sangue

Os neonatos com TGA são particularmente suscetíveis a distúrbios no volume de líquidos. A reposição de líquidos deve ser feita com extrema cautela, considerando a tendência a sobrecarga ou subcarga de líquidos. O volume de líquidos perdidos durante a cirurgia deve ser monitorado, e a reposição com cristaloides deve ser feita com base em parâmetros como frequência cardíaca, pressão arterial e débito urinário. Em alguns casos, a infusão de prostaglandina E1 pode ser necessária para manter o ducto arterioso aberto, facilitando a mistura sanguínea entre as circulações.

A monitoração da glicemia também é essencial durante procedimentos cirúrgicos em neonatos, uma vez que esses pacientes possuem reservas de glicogênio limitadas e são mais propensos à hipoglicemia, especialmente em situações de jejum prolongado e estresse. Se houver perda sanguínea significativa, a transfusão de sangue deve ser realizada, com a reposição de sangue total ou glóbulos vermelhos, conforme necessário.

Monitoramento Hemodinâmico Intraoperatório

A monitorização intraoperatória da saturação de oxigênio e da pressão arterial deve ser constante. Em neonatos com TGA, a monitorização do oxigênio regional dos tecidos (rSO2) pode ser útil para detectar alterações precoces na perfusão tecidual, como em casos de sangramentos intraoperatórios ou insuficiência de volume. A diminuição dessa saturação pode ser um indicativo de falha na reposição adequada de líquidos ou de um colapso circulatório iminente.

É importante frisar que, apesar dos avanços na monitorização hemodinâmica, ainda há lacunas no desenvolvimento de técnicas e dispositivos específicos para neonatos, o que pode dificultar a precisão nas intervenções rápidas necessárias para esses casos críticos.

Considerações Finais

O manejo anestésico de neonatos com TGA em cirurgias de emergência exige uma abordagem multifacetada e a constante adaptação aos desafios que surgem no decorrer da operação. A ventilação, a manutenção da função cardíaca, a gestão cuidadosa dos líquidos e a monitoração hemodinâmica são componentes essenciais de um plano anestésico bem-sucedido. Em última análise, a sobrevivência e o sucesso da cirurgia dependem da capacidade de estabilizar rapidamente o paciente e evitar complicações fatais.

Gestão Anestésica na Cirurgia de Correção de Cor Triatriatum Obstrutivo em um Lactente de 3 Meses

Durante a preparação para a cirurgia de correção de cor triatriatum obstrutivo (CTS) em um paciente pediátrico de 3 meses, o quadro clínico foi detalhadamente avaliado para determinar os parâmetros a serem seguidos durante o procedimento. O quadro pré-operatório indicava hipertensão pulmonar leve, defeito do septo atrial (ASD) tipo secundum, e presença do cor triatriatum (CTS) com características anatômicas específicas. A condição do paciente foi estabilizada através da intubação traqueal com tubo endotraqueal de 3,5 mm, sob orientação visual de laringoscopia, seguida de ventilação mecânica.

Ao iniciar o processo cirúrgico, os sinais vitais do paciente eram cuidadosamente monitorados. O paciente foi intubado, e a ventilação mecânica foi iniciada com controle de pressão (PCV) e fluxo de oxigênio ajustado para manter a saturação (SpO2) acima de 97%. A monitorização constante da pressão arterial (ABP) e pressão venosa central (CVP) foi feita, sendo a ABP estabilizada em níveis adequados para a condição do paciente, com uso de drogas vasoativas como dopamina e epinefrina.

A gestão anestésica se concentrou na manutenção da anestesia profunda utilizando sufentanil, propofol e rocurônio, com infusão contínua via acesso venoso periférico, além de inalação intermitente de sevoflurano. O índice bispectral (BIS) foi mantido entre 40 e 60, e os parâmetros de ventilação foram ajustados para garantir uma pressão de CO2 expirado (EtCO2) entre 35 e 40 mmHg, com ventilação moderada para evitar complicações respiratórias.

Após a abertura do esterno e administração de heparina, o paciente foi colocado em circulação extracorpórea (CEC) com normotermia ou hipotermia leve, conforme a necessidade de controle da temperatura durante o procedimento. A técnica de cardiopulmonar foi aplicada com a remoção do septo fibromuscular responsável pela obstrução na câmara acessória do átrio esquerdo. O fechamento do defeito do septo atrial foi realizado com o uso de um patch pericárdico autólogo.

Durante o pós-operatório imediato, o paciente foi transferido para a unidade de terapia intensiva cardiovascular (CICU), sendo mantida a ventilação manual assistida até a extubação no segundo dia pós-operatório. Os parâmetros hemodinâmicos e gasométricos foram cuidadosamente monitorados, com infusão de líquidos e ajustes na medicação, se necessário. No terceiro dia, o paciente foi transferido da CICU, e a alta hospitalar ocorreu no quinto dia após a cirurgia.

Considerações Importantes:

É essencial que o médico anestesista compreenda a complexidade do cor triatriatum e suas implicações clínicas e hemodinâmicas. A obstrução ao fluxo sanguíneo dentro das câmaras cardíacas, especialmente no CTS, pode levar a sintomas semelhantes à estenose mitral, como dispneia, telangiectasia e edema pulmonar. Em casos graves, pode ocorrer shunt direito-esquerdo devido à comunicação inadequada entre as câmaras. Por isso, o manejo da ventilação, a monitorização rigorosa da pressão arterial e o uso de fármacos vasoativos são fundamentais para estabilizar o paciente.

Além disso, é crucial estar atento à resposta do paciente ao tratamento com anticoagulantes e ao manejo da coagulação durante a cirurgia. A administração de protamina e a utilização de técnicas de ultrafiltragem modificada ajudam a prevenir complicações tromboembólicas, garantindo que o sangue flua sem obstruções após a correção do defeito anatômico.

A compreensão das características anatômicas e da fisiopatologia do CTS é fundamental para um planejamento adequado da cirurgia e manejo anestésico. As decisões sobre o tipo de acesso, a profundidade anestésica e os ajustes nas drogas durante o procedimento dependem de uma avaliação cuidadosa das condições específicas de cada paciente, garantindo a segurança durante todo o processo.