Em um lactente de quatro meses com sintomas iniciais de gastroenterite aguda — vômitos persistentes, diarreia leve não sanguinolenta e falha no crescimento — a avaliação clínica revelou hipertensão, febre moderada e sinais claros de desidratação. As primeiras análises laboratoriais foram pouco reveladoras, exceto por uma linfopenia significativa, com contagem total de linfócitos bem abaixo do intervalo de referência para a idade. Este achado isolado, porém crítico, levou a uma investigação imunológica mais aprofundada.
O paciente havia sido alimentado principalmente ao seio materno, com complementação esporádica com fórmula. Nenhuma introdução de alimentos sólidos havia ocorrido até então. Após investigação da história clínica, identificou-se que a família havia migrado recentemente da Índia para os Estados Unidos, dificultando o acesso completo ao histórico pré e perinatal. Embora os pais relatassem um nascimento sem intercorrências, mencionaram episódios recorrentes de infecções respiratórias no lactente, inicialmente atribuídos a exposições ambientais comuns.
Importante destacar que, de acordo com o calendário vacinal dos EUA, o paciente havia recebido a segunda dose da vacina pentavalente RotaTeq contra rotavírus apenas duas semanas antes do início dos sintomas. A análise molecular por PCR de patógenos entéricos detectou rotavírus A, sendo posteriormente confirmado que a cepa identificada era derivada da vacina, e não uma infecção selvagem adquirida. A excreção viral persistente por até seis semanas após o diagnóstico, confirmada por ensaio imunoenzimático (EIA), indicava uma resposta imune ineficiente à infecção viral, mesmo que vacinal.
A avaliação imunológica revelou uma deficiência combinada grave: ausência quase total de linfócitos T e células NK, com níveis normais de linfócitos B. Os níveis de IgG e IgA estavam significativamente reduzidos, configurando o perfil clássico de uma imunodeficiência combinada grave do tipo T−B+NK−. A ausência de círculos de excisão do receptor de células T (TREC), associada à não visualização de tecido tímico por imagem, confirmaram o diagnóstico. A análise genética determinou uma mutação ligada ao X no gene IL2RG, causador da forma ligada ao X da imunodeficiência combinada grave (SCID).
O tratamento foi iniciado imediatamente com imunoglobulina intravenosa e profilaxia antimicrobiana de amplo espectro para prevenir infecções oportunistas. Aos oito meses de idade, o paciente foi submetido com sucesso a um transplante de células-tronco hematopoiéticas haploidêntico.
O caso evidencia de forma contundente os riscos inerentes à administração de vacinas com vírus vivos atenuados, como a RotaTeq, em crianças com imunodeficiências primárias não diagnosticadas. O rotavírus, embora geralmente associado a infecções autolimitadas na infância, pode persistir e causar doença grave em hospedeiros imunocomprometidos. A cepa vacinal, considerada segura em indivíduos imunocompetentes, mostrou-se capaz de causar infecção sistêmica com excreção prolongada nesse cenário clínico.
A estrutura viral do rotavírus, com seu genoma de RNA fita dupla segmentado e três camadas de capsídeo, contribui para sua estabilidade ambiental e imunogenicidade. As proteínas VP7 e VP4, componentes da camada externa, são os principais alvos de anticorpos neutralizantes. No entanto, é a proteína VP6, da camada intermediária, que serve como base antigênica para a classificação do vírus em grupos A a G. Apenas os grupos A, B e C infectam humanos, sendo o grupo A — particularmente os genótipos G1P[8], G2P[4], G3P[8], G4P[8] e G12P[8] — responsável pela maioria das infecções na América do Norte.
O uso generalizado de vacinas como a RotaTeq reduziu drasticamente a mortalidade e morbidade associadas ao rotavírus em populações pediátricas. Contudo, este benefício coletivo depende de uma vigilância cuidadosa quanto às contraindicações absolutas à vacinação. Crianças com suspeita de imunodeficiência — mesmo que apenas por sinais sutis como infecções respiratórias de repetição ou linfopenia inexplicada — devem ser avaliadas de forma criteriosa antes da administração de vacinas com agentes vivos.
É fundamental compreender que muitos casos de SCID não são diagnosticados até que uma infecção grave exponha a falência imunológica subjacente. A introdução de testes de triagem neonatal baseados em TREC permitiu a identificação precoce de muitos desses pacientes, mas sua implementação ainda é desigual em diferentes regiões. A ausência desse rastreio universal pode permitir que crianças com SCID avancem no calendário vacinal e recebam vacinas potencialmente letais.
A combinação entre um diagnóstico tardio de SCID e a administração inadvertida de va
A raiva ainda é uma ameaça? O que precisamos saber sobre exposição, prevenção e tratamento
Um paciente foi atendido com uma ferida causada por um morcego, e imediatamente foram requisitados imunoglobulina humana antirrábica e vacina contra a raiva como parte do protocolo padrão de profilaxia pós-exposição (PEP). Ambos os imunobiológicos foram administrados na mesma noite: a imunoglobulina foi injetada próximo ao ferimento e o volume restante aplicado no bíceps do mesmo braço; a vacina foi aplicada no músculo deltoide do braço oposto. A permanência em observação estendeu-se até a manhã seguinte. Durante a noite, descobriu-se que o marido da paciente também havia manipulado o morcego morto ao colocá-lo em uma caixa enquanto ela cuidava do ferimento. Por precaução, ele também recebeu PEP. O morcego foi submetido a teste diagnóstico por imunofluorescência direta, confirmando infecção por RabV (vírus da raiva). Ambos completaram o ciclo vacinal sem manifestar sintomas.
A raiva é provocada pelo vírus Rabies lyssavirus (RabV), pertencente à família Rhabdoviridae e ao gênero Lyssavirus. O vírus apresenta morfologia característica em forma de bala e um genoma de RNA fita simples de polaridade negativa. Apesar de todos os mamíferos poderem ser infectados, apenas algumas espécies funcionam como reservatórios verdadeiros. Nos Estados Unidos, os principais reservatórios são guaxinins, raposas, coiotes e morcegos. Em Porto Rico, o principal vetor é o mangusto. O Havaí é o único estado norte-americano livre de circulação endêmica do RabV.
A transmissão ocorre quase exclusivamente pela mordida de um mamífero infectado. Contudo, há registros mais raros de infecção por exposição de mucosas, inalação de aerossóis em laboratórios e transplantes de órgãos. O vírus progride de maneira insidiosa, penetrando no organismo pelo local da mordida, replicando-se e se propagando por via neural. O período de incubação varia entre 3 e 12 semanas, modulável por fatores como a localização anatômica da mordida, a carga viral e o estado imunológico do hospedeiro. Durante a incubação, o indivíduo permanece assintomático. Quando o vírus alcança o sistema nervoso central, instala-se uma mieloencefalite que invariavelmente progride para sintomas clínicos.
Nesse estágio, a transmissão para outro hospedeiro pode ocorrer, uma vez que o vírus passa a ser eliminado pela saliva, mesmo antes do surgimento de sintomas. A hidrofobia intensa é característica da fase avançada. A morte é quase sempre inevitável e sobrevém tipicamente em até sete dias após o início dos sintomas.
Casos sintomáticos em humanos são extremamente raros graças à disponibilidade de intervenções profiláticas. Quando os sintomas se manifestam, o início geralmente mimetiza um quadro gripal, com febre, cefaleia e fadiga, seguido de parestesias na região da mordida. Posteriormente, desenvolvem-se disfunções cerebrais, como ansiedade, agitação, delírios, comportamento anormal e alucinações. A progressão é inexorável, e a taxa de letalidade é praticamente total. Registros de sobrevivência são inferiores a vinte casos, e poucos ocorreram sem profilaxia pré ou pós-exposição.
O manejo adequado de qualquer suspeita de exposição à raiva começa com a limpeza imediata da ferida utilizando agentes virucidas, como povidona-iodo, independente do histórico vacinal do paciente. A redução drástica na incidência de raiva em humanos e animais domésticos nos Estados Unidos desde a década de 1940 é atribuída, em grande parte, à vacinação sistemática de animais domésticos e a políticas eficazes de controle populacional animal. Ainda assim, o vírus persiste na fauna silvestre.
A profilaxia pós-exposição consiste na administração da vacina antirrábica humana – composta por vírus atenuado – que induz à produção de anticorpos neutralizantes em até 10 dias. Essa resposta imune pode ser duradoura, mas é recomendada revacinação periódica em populações de risco elevado. A imunoglobulina humana antirrábica (HRIG), composta por anticorpos IgG humanos, proporciona imunidade passiva e imediata nos primeiros 7 dias pós-exposição, período necessário para que a vacina estimule a resposta ativa. Após esse período, a HRIG não deve ser administrada, pois pode interferir negativamente na resposta vacinal. Em indivíduos previamente vacinados e com títulos protetores comprovados, a HRIG não é indicada pelo mesmo motivo.
Todo paciente com suspeita de exposição ao vírus da raiva deve iniciar PEP imediatamente, independentemente da disponibilidade de testes laboratoriais ou da evolução do animal agressor. A testagem laboratorial de humanos é reservada a casos sintomáticos e deve ser realizada por laboratórios de referência. Nenhum teste diagnóstico possui sensibilidade suficiente isoladamente, sendo necessário utilizar abordagens combinadas. Amostras de saliva podem ser analisadas por cultivo viral ou métodos de amplificação de ácidos nucleicos; soro e líquor podem ser examinados para anticorpos anti-RabV, embora isso não se confunda com os testes de sorologia vacinal. Biópsias de pele também são utilizadas para detecção antigênica em nervos cutâneos na base dos folículos pilosos.
A sorologia para resposta vacinal é realizada por meio do teste RFFIT (Rapid Fluorescent Foci Inhibition Test), baseado em neutralização viral e detecção fluorescente. Este teste nunca deve ser usado para diagnóstico de infecção. O parâmetro internacionalmente aceito de imunidade vacinal é um título igual ou superior a 0,5 UI/mL, embora a definição exata de imunidade protetora ainda não esteja plenamente estabelecida.
A profilaxia e vigilância sorológica só são indicadas em populações de risco elevado, como profissionais de laboratório, veterinários, espeleólogos e indivíduos que trabalham em áreas endêmicas ou com alta exposição a mamíferos silvestres.
Importa entender que a eficácia da prevenção depende da rapidez na administração da PEP e do rigor no seguimento dos protocolos. A exposição à raiva é uma emergência médica, e mesmo uma breve hesitação no início do tratamento pode ter consequências fatais. A confiança no estado vacinal prévio nunca deve substituir as medidas padrão de cuidado inicial. A complexidade imunológica da infecção, a progressão silenciosa durante a incubação e a letalidade quase absoluta após o início dos sintomas constituem uma tríade que exige resposta imediata, meticulosa e bem informada por parte dos profissionais de saúde.
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