A privacidade é uma questão central no desenvolvimento de tecnologias baseadas em inteligência artificial (IA), especialmente quando essas tecnologias são empregadas pelo governo. As implicações para os direitos individuais, principalmente em relação à privacidade, são profundas e exigem uma análise detalhada das estruturas regulatórias que emergem nos Estados Unidos e na União Europeia.

Nos Estados Unidos, ao contrário da União Europeia, que adota um modelo abrangente de proteção de dados pessoais com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) e o ato sobre Inteligência Artificial (AIA), a abordagem regulatória americana permanece fragmentada. O sistema de privacidade nos EUA é baseado em um conjunto de leis setoriais que protegem dados específicos, em vez de um direito geral à privacidade. Esse sistema inclui leis como a Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA), que regulamenta dados de saúde, a Gramm-Leach-Bliley Act (GLBA), que regula dados financeiros, e a Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA), que protege dados de crianças. No entanto, essas leis não cobrem todos os aspectos do tratamento de dados pessoais e não estabelecem um quadro único de governança da privacidade em todos os setores.

No contexto da IA, a ausência de uma legislação federal abrangente nos EUA fez com que a Comissão Federal de Comércio (FTC) assumisse um papel de autoridade regulatória, adotando diretrizes e realizando ações punitivas contra empresas que não garantem a proteção de dados pessoais ao implementarem sistemas de IA. Embora a FTC tenha emitido orientações sobre a utilização ética e justa da IA, ela ainda opera de maneira reativa e com recursos limitados. Além disso, a falta de um poder substantivo de regulamentação, que outras instituições internacionais como a Comissão de Proteção de Dados da União Europeia possuem, limita sua capacidade de garantir a conformidade com os direitos dos consumidores de maneira mais efetiva.

Um exemplo claro dessa falta de estrutura centralizada nos EUA é o caso de decisões judiciais recentes que restringiram a capacidade da FTC de impor penalidades monetárias e reparações aos consumidores. Isso deixou espaço para que governos estaduais, como o da Califórnia, criassem suas próprias leis de proteção de dados. A Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (CCPA), que entrou em vigor em 2018, e a Lei de Direitos de Privacidade da Califórnia (CPRA), de 2020, são marcos significativos nesse cenário. Com essas leis, a Califórnia estabelece um dos modelos mais rigorosos de governança de privacidade nos Estados Unidos, oferecendo aos consumidores o direito de acessar, corrigir, excluir e restringir o uso de seus dados pessoais. Essa abordagem, no entanto, ainda é limitada ao âmbito estadual e não se estende ao nível federal.

Enquanto isso, na União Europeia, a regulamentação da IA e da privacidade segue um modelo mais coeso e abrangente, como demonstrado pelo GDPR e pelo AIA. O GDPR foi desenhado para garantir uma proteção robusta dos dados pessoais de cidadãos da União Europeia, independentemente de onde as empresas que processam esses dados estão localizadas. A União Europeia exige que as empresas implementem medidas rigorosas de proteção de dados e forneçam aos consumidores um amplo conjunto de direitos, como a possibilidade de acessar, corrigir e excluir suas informações pessoais. Já o AIA, em processo de implementação, visa regular o uso de sistemas de IA, impondo restrições e requisitos para garantir que esses sistemas não resultem em discriminação ou viés indevido.

A eficácia da regulamentação da IA na União Europeia depende de uma integração sistemática de normas e práticas que visam garantir transparência, segurança e responsabilidade na implementação de IA. No entanto, esse sistema também enfrenta desafios, principalmente devido à rápida evolução das tecnologias e a dificuldade de acompanhar a inovação de maneira eficaz.

Nos Estados Unidos, a regulamentação da IA está mais dispersa, com a FTC e órgãos estaduais tentando preencher as lacunas regulatórias de maneira pontual, mas com um foco ainda limitado. Isso cria uma situação de incerteza para empresas que desejam operar de maneira responsável, uma vez que as regras podem variar consideravelmente entre os diferentes estados e setores. Em alguns casos, estados têm adotado leis focadas em áreas específicas da IA, como a privacidade biométrica, ou medidas que exigem maior transparência e responsabilização no uso de IA em setores como contratação, habitação e justiça criminal.

A situação nos Estados Unidos também levanta questões sobre o papel do governo federal. Por um lado, a falta de uma regulamentação federal uniforme dificulta a proteção de dados pessoais de forma consistente. Por outro lado, há uma necessidade crescente de que o governo central, através de agências como a FTC, tenha mais poder e recursos para fiscalizar o uso de IA, não apenas de forma reativa, mas também proativa, com regulamentações claras e abrangentes.

É essencial que, à medida que as tecnologias de IA se expandem, haja uma harmonização mais forte entre os diferentes sistemas de regulamentação de privacidade. A abordagem fragmentada dos Estados Unidos precisa ser repensada para permitir uma proteção mais robusta e uniforme dos dados pessoais, enquanto na União Europeia, embora o sistema seja mais coeso, ainda existem áreas que precisam de ajustes contínuos para lidar com os desafios que surgem com o rápido avanço tecnológico. A combinação de legislação local e global, além de uma supervisão constante, será crucial para garantir que as tecnologias de IA sejam usadas de maneira ética e em conformidade com os direitos dos cidadãos.

Como a Lei de Direitos Autorais Se Relaciona com a Inovação em Inteligência Artificial na China e Japão?

O artigo 3 do Regulamento de Implementação da Lei de Direitos Autorais da República Popular da China estabelece que o termo "criação" se refere a atividades intelectuais nas quais obras literárias, artísticas ou científicas são diretamente criadas. Qualquer atividade organizacional, consulta, apoio material ou outros serviços auxiliares prestados para a criação de outra pessoa não deve ser considerada como criação. Essa definição oferece uma linha de base importante para compreender como o direito autoral chinês lida com obras geradas por Inteligência Artificial (IA).

Embora os comentaristas japoneses tenham sido bastante reservados quando se trata de proteção de direitos autorais para conteúdo gerado por IA, na China houve uma postura mais aberta para considerar a proteção desse tipo de conteúdo. Essa abordagem mais flexível é reflexo do desejo de acompanhar o ritmo acelerado da inovação tecnológica no país. As empresas chinesas têm superado as japonesas no domínio da IA, não apenas devido ao vasto mercado interno protegido de produtos estrangeiros superiores, mas também por uma presença internacional crescente no mercado global de IA.

As inovações tecnológicas da China em IA são frequentemente refletidas na quantidade de patentes relacionadas à IA que os inventores chineses registram anualmente. Esses registros cobrem uma gama vasta de inovações, desde algoritmos básicos até complexas aplicações em robótica e análise de dados. Esse foco nas patentes demonstra o forte compromisso da China com a pesquisa e desenvolvimento, embora a quantidade de patentes por si só não garanta a superioridade tecnológica. Mesmo assim, o número crescente de patentes pode ser visto como uma forma de garantir proteção intelectual no campo da IA, o que fortalece a posição da China em relação à inovação tecnológica global.

Enquanto isso, o Japão, com sua legislação mais favorável à tecnologia, mantém uma forte presença nos mercados internacionais de mídia, com produtos como animes e filmes, que são amplamente reconhecidos e distribuídos ao redor do mundo. A distribuição internacional de conteúdos protegidos por direitos autorais, como filmes e literatura, continua a ser uma marca registrada do Japão, o que reflete a eficácia de seu regime de direitos autorais em promover e proteger suas criações culturais.

Porém, existe uma desconexão entre o desempenho internacional de determinados setores e a estrutura das leis de direitos autorais na China e no Japão. Enquanto a China se destaca no número de patentes de IA, o Japão continua a prosperar em mercados culturais internacionais, principalmente no setor de entretenimento. Essa diferença sugere que a lei de direitos autorais, embora crucial para a proteção de criações culturais e intelectuais, talvez precise ser adaptada para lidar com os desafios impostos pela IA e pelas inovações tecnológicas.

No contexto da IA gerativa, a forma como os países lidam com a propriedade intelectual e os direitos autorais será cada vez mais relevante. O avanço da IA levanta questões sobre a autoria e a originalidade, com implicações diretas para as leis de propriedade intelectual. Em um mundo cada vez mais automatizado, onde as máquinas estão criando conteúdo, a definição do que constitui uma "criação" e quem detém os direitos sobre isso torna-se um campo de debate importante. A abordagem mais liberal da China pode refletir um esforço para encorajar e proteger a inovação nesse novo cenário, enquanto o Japão, com sua postura mais conservadora, continua a priorizar a proteção dos direitos autorais em suas formas mais tradicionais.

Esses contrastes entre os dois países mostram como as diferentes abordagens à legislação de direitos autorais podem impactar suas respectivas posições no mercado global de IA e inovação. A China, com sua postura mais flexível, tende a adotar rapidamente novas tecnologias, enquanto o Japão, embora ainda seja uma potência cultural, precisa revisar e adaptar seu regime jurídico para se manter competitivo no novo mundo digital.

É importante entender que, enquanto o número de patentes e a proteção legal são cruciais, a verdadeira inovação tecnológica e o impacto no mercado dependem da capacidade dos países em integrar e adaptar essas inovações no tecido econômico e social. A legislação de direitos autorais precisa se expandir para abranger novos tipos de criação e produção, que envolvem não apenas seres humanos, mas também máquinas inteligentes.

O impacto da personalização algorítmica e as práticas comerciais manipulativas

A prática comercial baseada na personalização algorítmica vem ganhando destaque em um mundo onde as tecnologias digitais podem moldar decisões de consumo de maneira mais eficaz do que nunca. Este fenômeno se refere à capacidade das empresas de influenciar comportamentos de compra por meio de sugestões personalizadas, alimentadas por dados que capturam o comportamento individual dos consumidores. O exemplo de uma pessoa, que chamaremos de Parte B, ilustra de forma clara como essa personalização pode ser utilizada para manipular decisões de compra sem recorrer a coerção ou engano explícito.

Imaginemos a situação em que a Parte B, após uma discussão emocional com seu pai, decide compartilhar sua experiência nas redes sociais. Nesse momento, seu corpo está em um estado emocional alterado, com aumento do ritmo cardíaco, e o dispositivo que usa para monitorar esses dados começa a registrar essas informações, incluindo a localização geográfica. Ao se aproximar de uma loja de cigarros eletrônicos, o telefone da Parte B recebe uma sugestão personalizada, mostrando um anúncio de um cigarro eletrônico vendido por uma empresa (Parte A), em que um influenciador popular segue e compartilha sua experiência com o produto.

Este tipo de "empurrão" digital — um exemplo clássico de "nudge" — é o que poderia ser chamado de uma manipulação mais sofisticada, onde as escolhas do consumidor são moldadas por meio de tecnologias de aprendizado de máquina e IA generativa. No exemplo, a Parte A não apenas sugere um produto, mas o faz de forma que explore as vulnerabilidades cognitivas da Parte B, aproveitando dados emocionais e contextuais para impulsionar sua decisão. Essa estratégia, que usa um nível de personalização profundamente individual, é um reflexo de como as empresas estão utilizando algoritmos para atingir decisões de consumo de forma extremamente eficaz.

Embora esse tipo de manipulação não se baseie em coerção ou engano no sentido clássico, ele levanta questões importantes sobre até que ponto as empresas podem influenciar as escolhas dos consumidores. A regulação, como a do UCPD (Diretiva de Práticas Comerciais Desleais), busca estabelecer limites sobre as práticas comerciais desleais, levando em conta a manipulação dos sistemas cognitivos dos consumidores. No entanto, a linha entre o uso legítimo de estratégias de marketing e a manipulação de decisões do consumidor pode ser tênue.

O conceito de "diligência profissional" no contexto de práticas comerciais desleais se refere ao padrão de cuidado que uma empresa deve ter ao lidar com consumidores. No entanto, a definição precisa de quando esse padrão é violado, especialmente em um cenário de personalização algorítmica, continua sendo uma questão em debate. A violação da diligência profissional poderia ser identificada quando as práticas de marketing manipulam as decisões dos consumidores de uma forma que eles não fariam caso estivessem totalmente cientes dos vieses cognitivos aos quais foram expostos.

Essa manipulação algorítmica vai além das práticas tradicionais de marketing, que sempre utilizaram elementos emocionais e psicológicos para atrair consumidores. O uso de IA permite um nível de personalização que vai muito além do que era possível anteriormente, criando um ambiente onde os consumidores podem ser influenciados sem nem perceberem. Isso traz à tona a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre a ética da personalização digital e as fronteiras do consentimento informado.

No entanto, a personalização por meio de IA não é necessariamente uma prática ilegal. Se o consumidor der seu consentimento explícito para que seus dados sejam coletados e usados para personalizar ofertas, isso pode legitimar o uso de tais tecnologias, conforme as normas do GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados). Esse consentimento, contudo, deve ser informado, consciente e dado de forma clara, para que o consumidor não seja manipulado sem perceber.

Além disso, quando uma distorção material na capacidade de tomar uma decisão informada ocorre, o comportamento do consumidor é comprometido a tal ponto que ele pode tomar uma decisão que, de outra forma, não tomaria. A linha entre uma persuasão legítima e uma distorção material das decisões dos consumidores é difícil de traçar, mas, no fundo, trata-se de evitar que as escolhas dos consumidores sejam reduzidas a um reflexo de preferências induzidas artificialmente, em vez de decisões genuínas.

Essas práticas precisam ser cuidadosamente monitoradas, pois há o risco de que as empresas se aproveitem dos dados e dos algoritmos para moldar os desejos dos consumidores de uma maneira que ultrapasse os limites da ética de mercado. A manipulação não deve ser confundida com a inovação ou com o marketing eficaz, mas deve ser identificada e regulamentada para proteger os consumidores de decisões que poderiam ser tomadas em um ambiente mais livre de influências manipulativas.

Como a União Europeia Está Abordando a Responsabilidade por Danos Causados por Sistemas de Inteligência Artificial: Desafios e Soluções Legais

A crescente complexidade dos sistemas de Inteligência Artificial (IA) tem gerado desafios sem precedentes no campo jurídico, principalmente no que tange à responsabilidade por danos causados por essas tecnologias. A União Europeia (UE), reconhecendo as características únicas da IA – como opacidade, complexidade, vulnerabilidade, dependência de dados e autonomia – se vê diante de uma série de dilemas legislativos sobre como adaptar suas normas de responsabilidade não contratual para lidar adequadamente com os danos provocados por esses sistemas.

Primeiramente, um dos dilemas centrais envolve a escolha entre criar regras específicas de responsabilidade para a IA ou adaptar as normas gerais de responsabilidade à natureza única da IA. O entendimento tradicional de responsabilidade, baseado em conceitos clássicos como culpa, negligência ou risco, não consegue abarcar adequadamente as nuances trazidas por sistemas autônomos que operam de forma opaca, com decisões difíceis de rastrear e prever. A própria complexidade da IA, aliada à sua dependência de grandes volumes de dados e à sua autonomia, coloca em questão a viabilidade da aplicação direta das normas atuais de responsabilidade.

Além disso, um outro dilema importante é decidir se a responsabilidade por danos causados por sistemas de IA deve ser baseada em um regime de responsabilidade objetiva (onde não seria necessário provar culpa) ou se a abordagem tradicional de responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, deve prevalecer. A UE propôs um sistema misto, com responsabilidade objetiva para sistemas de IA de alto risco e responsabilidade baseada em culpa para sistemas de menor risco. Essa proposta foi refletida na resolução do Parlamento Europeu de 2020, que sugeria a criação de um regime específico de responsabilidade para a IA. No entanto, a Comissão Europeia, em sua proposta mais recente, adotou uma abordagem mais cautelosa, que não seguiu a radicalidade da proposta do Parlamento. Em vez disso, a Comissão se concentrou em revisões do regime de responsabilidade do produto, como a revisão da Diretiva de Responsabilidade por Produtos (revPLD), para acomodar os sistemas de IA e produtos "inteligentes".

Outro desafio enfrentado pela UE é o nível de harmonização a ser alcançado nas regras de responsabilidade por danos causados pela IA. A proposta inicial do Parlamento visava uma harmonização radical, mas a Comissão preferiu uma abordagem mais flexível, adotando uma Diretriz (e não um regulamento) para adaptar as regras de responsabilidade. A Diretriz proposta não estabelece diretamente regras de responsabilidade específicas para a IA, mas trata de aspectos importantes como a divulgação de provas e a facilidade da carga da prova em casos de responsabilidade não contratual.

A complexidade dos sistemas de IA exige que as regras de responsabilidade considerem a interação entre as normas da IA, as normas de responsabilidade por produtos e as normas nacionais de responsabilidade por negligência. A UE tem procurado um equilíbrio entre a regulação da IA, a responsabilização por danos e a proteção do consumidor, levando em conta que a legislação nacional ainda desempenha um papel importante na determinação da responsabilidade, especialmente no que diz respeito à negligência.

Um aspecto fundamental das propostas mais recentes da Comissão é a adaptação das regras de responsabilidade do produto para incluir produtos habilitados por IA e sistemas de IA autônomos. Ao expandir o alcance da responsabilidade do produto para englobar essas novas tecnologias, a Comissão busca fortalecer a harmonização das normas de responsabilidade, sem recorrer a uma solução unificada e obrigatória para todos os estados-membros. Essa abordagem visa criar uma rede de interações entre as normas da UE e as leis nacionais, criando um sistema mais flexível e adaptável à diversidade das situações envolvendo IA.

A Diretriz proposta, que visa lidar com a carga da prova em casos de danos causados por IA, também introduz presunções refutáveis, que permitem suavizar a dificuldade de comprovação da culpa em casos envolvendo tecnologias complexas. Esse mecanismo busca facilitar o processo para os afetados por danos causados por IA, permitindo que a responsabilidade seja atribuída com mais clareza, mesmo em um cenário em que a culpa seja difícil de determinar devido à opacidade do funcionamento dos sistemas de IA.

É importante observar que, enquanto a abordagem da Comissão é menos drástica do que a do Parlamento, ela ainda busca criar uma estrutura legal eficaz para lidar com os danos causados por IA, embora não proponha um regime completamente novo ou uma harmonização total das regras de responsabilidade. A estratégia adotada pela Comissão, ao lidar com os dilemas da responsabilidade por IA, reflete um movimento em direção a soluções mais pragmáticas, que consideram a complexidade e as particularidades da tecnologia sem causar rupturas no sistema jurídico europeu.

A revisão da PLD (Diretiva de Responsabilidade do Produto) desempenha um papel crucial nesse processo, com a possibilidade de estender a responsabilidade por danos a produtos habilitados por IA e sistemas de IA autônomos. A proposta de harmonização, ainda que limitada, tem um potencial significativo de transformar o panorama jurídico europeu, alinhando-se com a evolução da tecnologia e da economia digital.

O debate sobre a responsabilidade por IA está longe de ser resolvido, mas a abordagem da UE indica um esforço em equilibrar inovação, proteção do consumidor e a adaptação das regras jurídicas a uma realidade tecnológica em constante mudança. A combinação de normas regulatórias e ajustes nas regras de responsabilidade pode ser a chave para uma solução eficaz e justa para os danos causados por IA, mas é necessário continuar monitorando a evolução das tecnologias e das necessidades jurídicas para garantir que as normas sejam sempre adequadas e eficazes.

Como a Governança Internacional Está Moldando o Futuro da Inteligência Artificial

A governança internacional sobre a Inteligência Artificial (IA) tornou-se um tema crucial nos debates globais, à medida que os avanços tecnológicos nessa área prometem transformar de maneira profunda sociedades e economias. Diversas iniciativas internacionais têm surgido para abordar os desafios da IA, com foco em princípios como segurança, transparência, responsabilidade e a proteção dos direitos humanos. No entanto, esses esforços também têm mostrado as complexidades e as divergências entre os países e as regiões quanto à forma ideal de regulamentar e supervisionar o desenvolvimento da IA.

A declaração de Bletchley, assinada por 29 países e regiões, é um exemplo importante dessa movimentação internacional. Ela aborda questões essenciais da segurança da IA, incluindo a proteção dos direitos humanos, a mitigação de preconceitos, a transparência e a privacidade. Além disso, a declaração reconhece os riscos associados à capacidade de manipular ou gerar conteúdo enganoso, um problema crescente à medida que os sistemas de IA se tornam mais sofisticados. Esses riscos, se não controlados, podem afetar negativamente a confiança pública e a integridade das informações, prejudicando as sociedades de maneiras inesperadas.

O Processo de Hiroshima sobre IA, lançado pelos países do G7, também se destaca como uma tentativa de criar um entendimento comum sobre como gerenciar as tecnologias emergentes de IA de forma ética e segura. Este processo se concentrava não só em reduzir os riscos da IA, mas também em assegurar a inclusão e a inovação, considerando as implicações globais e a necessidade de uma convergência de regulamentações. Em maio de 2024, durante a segunda Cúpula de Segurança em IA, realizada em Seul, 30 países reafirmaram a importância de uma abordagem colaborativa para enfrentar o ritmo acelerado dos avanços da IA. A declaração resultante apontou para a urgência de garantir que as tecnologias de IA sejam usadas de maneira que não comprometam a segurança nem excluam partes significativas da população global.

Além das declarações e compromissos intergovernamentais, a Organização das Nações Unidas (ONU) também tem se empenhado em estabelecer um corpo de governança internacional para a IA. Em setembro de 2024, o Painel Consultivo da IA da ONU divulgou o “Relatório Final sobre Governança da IA para a Humanidade”. Este relatório propõe a criação de uma série de estruturas, como um Painel Científico Internacional de IA para orientar pesquisas e promover a troca de conhecimento, bem como um Diálogo Político para impulsionar regulamentações consistentes. A proposta também inclui o estabelecimento de uma Rede de Desenvolvimento de Capacidades para promover o treinamento e os recursos necessários em países com menor capacidade de lidar com IA. Em paralelo, a criação de um Fundo Global para a IA e uma estrutura de dados mundial também são apontadas como medidas essenciais para garantir uma gestão responsável da informação.

No contexto europeu, o Conselho da Europa tem liderado iniciativas significativas, como a introdução da Convenção Quadro sobre Inteligência Artificial, Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito, conhecida como Tratado de IA. Este tratado, adotado em maio de 2024, estabelece normas rigorosas para garantir que o desenvolvimento e o uso da IA estejam alinhados com os princípios fundamentais do direito internacional, incluindo os direitos humanos e a democracia. Ele inclui obrigações para os países signatários implementarem mecanismos de transparência e accountability ao longo de todo o ciclo de vida da IA, desde o seu desenvolvimento até a sua utilização. Essa abordagem visa a prevenção de violações de direitos, a realização de avaliações rigorosas de riscos e impactos, e o fomento de uma colaboração internacional eficaz.

Um dos aspectos mais significativos da governança internacional de IA tem sido o papel do G7. Representando países com grande impacto econômico, regulatório e tecnológico, como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Alemanha, o G7 tem se posicionado como um pilar importante na formação de regras globais para IA avançada. O G7 não só participa de quase todas as iniciativas internacionais relevantes, como o Tratado de IA e a Cúpula de Segurança de IA, mas também desempenha um papel crucial na criação de normas interoperáveis para IA, facilitando a inovação global e evitando custos excessivos de conformidade. Sua capacidade de estabelecer padrões globais, mesmo em um cenário internacional diverso, é vital para que as regulamentações não se tornem um obstáculo ao desenvolvimento da tecnologia.

Além da contribuição direta do G7, o contexto democrático desses países oferece uma vantagem na promoção de valores fundamentais como a proteção dos direitos humanos, a liberdade e o respeito pela dignidade humana no desenvolvimento da IA. Isso os torna um aliado importante na criação de uma governança que não só busque segurança, mas também garanta que a IA não seja usada para reforçar sistemas de opressão ou para discriminar grupos vulneráveis. O compromisso dos países do G7 com a democracia facilita a implementação de normas que priorizam a responsabilidade e a justiça, fundamentais para garantir a equidade no uso da IA.

É importante compreender que, embora as iniciativas internacionais ofereçam um caminho para regular a IA, elas também enfrentam o desafio de equilibrar a inovação com a responsabilidade. Há uma pressão constante para garantir que as regulamentações não sejam tão rígidas a ponto de sufocar o avanço tecnológico, nem tão flexíveis que permitam que as empresas ou governos usem a IA de maneira irresponsável. As diferentes perspectivas culturais, políticas e econômicas dos países tornam esse equilíbrio um processo delicado. Além disso, a governança de IA também deve lidar com questões emergentes, como o impacto da IA nos mercados de trabalho, a forma como ela pode ser usada para manipulação política ou social, e o papel da IA em ameaças à segurança global.

A transparência, a prestação de contas e a capacidade de intervenção humana no uso de IA são temas fundamentais que devem ser compreendidos e debatidos de maneira profunda. A governança não deve apenas focar em garantir que as tecnologias sejam seguras e justas, mas também em assegurar que as sociedades possam entender e questionar as decisões tomadas por sistemas de IA, principalmente quando esses sistemas afetam diretamente a vida das pessoas.