O Partido Republicano, desde sua fundação, carregou uma identidade política centrada na ação governamental nacional. Foi este o partido que impôs a igualdade política no Sul após a Guerra Civil, que canalizou recursos públicos para o bem coletivo, que construiu ferrovias ligando as costas do continente e criou parques nacionais. Um partido que, por décadas, associou-se ao esforço de disciplinar o mercado por meio da regulação do comércio interestadual e da fragmentação de monopólios. Também defendeu uma emenda constitucional que garantiria igualdade de direitos às mulheres e impôs, com pragmatismo fiscal, o imposto sobre a renda como fonte de financiamento estatal. Esses elementos compunham uma visão de nacionalismo republicano, com raízes no protestantismo ético e na valorização do trabalho livre, da moral social e do estatismo.

Segundo John Gerring, essa fase nacionalista se estendeu até 1924. A partir de 1928, inicia-se um novo ciclo, o do “neoliberalismo”, cuja lógica fundamental desloca-se do “Estado versus anarquia” para o “indivíduo versus Estado”. Nesse novo paradigma, predominam temas como o antiestatismo, o populismo de direita, o individualismo e o capitalismo de mercado livre. A retórica do partido muda: passa a se opor ao registro de armas, abandona a luta pela igualdade racial e de gênero, e ergue barreiras contra a imigração. A lógica do bem público cede lugar à lógica da identidade individual e à desconfiança do governo central.

No entanto, a densidade e simultaneidade dessas transformações indicam algo mais profundo do que uma simples continuidade ideológica sob novas formas. A virada não é apenas neoliberal; é uma guinada etnocêntrica. A partir de 1964, com a candidatura de Barry Goldwater, o partido entra em uma nova época, cujo eixo estruturante passa a ser “cristãos brancos versus os outros”. Trata-se de um movimento em direção à preservação de uma ordem social específica, centrada na identidade branca, cristã e patriarcal.

Essa nova fase é marcada pela valorização da ordem social tradicional como reação às transformações culturais e civis dos anos 1960. A luta por direitos civis, a emancipação das mulheres, a secularização da vida pública e a mudança nos papéis de gênero são vistos como ameaças existenciais à coesão da sociedade. A direita religiosa acusa o “humanismo secular” de corroer os alicerces morais da família, do casamento, da autoridade e da tradição. Em resposta, alinha-se ao Partido Republicano, transformando-o em veículo político da cruzada por “valores tradicionais”.

Nesse contexto, o cristianismo deixa de ser apenas uma herança cultural e se torna elemento de mobilização política. A ética protestante de trabalho e disciplina moral dá lugar à militância explícita da identidade religiosa. O partido já não representa apenas protestantes brancos, mas incorpora católicos conservadores, evangélicos, fundamentalistas e mórmons sob a bandeira de uma aliança cristã contra o secularismo. A religião se torna o cimento de uma coalizão cultural voltada à defesa de um modo de vida que se percebe sob cerco.

Embora o Sul dos Estados Unidos tenha sido historicamente protestante e anticatólico, a polarização cultural e o medo da dissolução da ordem social tradicional aproximaram segmentos antes rivais sob a égide do cristianismo militante. A fé tornou-se arma ideológica e, paradoxalmente, fator de unificação entre diferentes tradições religiosas, desde que compartilhando a visão de mundo conservadora e moralizante. A distinção entre fé pessoal e agenda política desaparece. O “cristão verdadeiro” é, agora, um militante contra o relativismo moral, o multiculturalismo e a interferência do Estado nas esferas da família e da religião.

A virada etnocêntrica não ocorreu de forma inevitável nem sem resistência. Foi o resultado de lutas internas, rupturas, marginalização de vozes moderadas e reconstrução ideológica ao longo de décadas. A ascensão dos “Movement Conservatives” entre 1964 e 1980 não apenas radicalizou a retórica do partido, mas reconstruiu seus princípios fundacionais à luz de novos antagonismos culturais. O Partido Republicano não se limitou a reformular estratégias; ele reconcebeu quem deveria ser incluído na comunidade nacional e quem deveria ser excluído.

Importa ao leitor perceber que essa transformação do Partido Republicano não pode ser compreendida apenas como uma sequência de plataformas eleitorais, mas como uma reconstrução sistemática de sua identidade política. O etnocentrismo, mais do que uma postura sobre temas específicos, configura uma nova gramática política, na qual pertencimento, moralidade e autoridade são codificados em termos raciais, religiosos e culturais. A linguagem política do partido passou a girar em torno de “nós contra eles” — onde “nós” representa os detentores de uma ordem moral legítima, e “eles” simbolizam a decadência, a ameaça e o caos.

Essa nova gramática política influencia diretamente políticas públicas e decisões judiciais, afeta a estrutura da educação, redefine o debate sobre imigração, sexualidade, gênero e liberdade de expressão. Trata-se de uma reconfiguração profunda da ideia de cidadania e das fronteiras simbólicas da nação. O Partido Republicano, ao adotar o etnocentrismo como princípio organizador, deslocou o eixo da política americana de um confronto entre ideologias para uma disputa sobre identidades.

Como o Partido Republicano Se Tornou o Veículo do Conservadorismo Religioso e Étnico nos EUA?

Durante as décadas de 1960 a 1980, o Partido Republicano dos Estados Unidos passou por uma reconfiguração profunda, deixando para trás suas raízes históricas ligadas à moderação e à herança de Abraham Lincoln, para abraçar um novo ethos político centrado no conservadorismo radical, tanto em termos ideológicos quanto culturais. Este processo foi marcado por uma mudança calculada no foco eleitoral e retórico, impulsionado por sucessivas campanhas presidenciais que transformaram o partido de dentro para fora, consolidando uma nova base social e política.

A eleição de Barry Goldwater em 1964 como candidato presidencial, embora fracassada em termos eleitorais, foi um ponto de inflexão fundamental. Goldwater não apenas rejeitou o papel intervencionista do governo federal, mas também operou com uma estratégia etnocêntrica deliberada, orientada a conquistar o voto dos brancos do sul, tradicionalmente democratas. Ao fazer isso, o Partido Republicano rompeu com a tradição de ser o partido que libertara os escravos e passou a alinhar-se com os ressentimentos raciais de setores brancos tanto do sul quanto do norte. Como observado à época, o movimento de Goldwater não era um desvio momentâneo, mas a expressão de uma corrente ideológica latente no partido.

Richard Nixon, eleito em 1968, deu continuidade à chamada "Southern Strategy", reafirmando o alinhamento com os interesses e medos da maioria branca. Nixon, entretanto, não era um libertário; ao contrário, apoiava medidas regulatórias que desagradavam os conservadores econômicos. Seu colapso político com o escândalo Watergate, no entanto, abriu caminho para uma guinada ainda mais acentuada.

A ascensão de Ronald Reagan em 1980 representou a culminação deste processo. Sua campanha articulou pela primeira vez, de forma eficaz e simbólica, a conexão entre conservadorismo político e religiosidade cristã. A performance cuidadosamente ensaiada de Reagan na convenção republicana, com referências a uma "Providência Divina" e o encerramento com um momento de oração silenciosa seguido por “God bless America”, marcou o início de uma nova retórica política. Antes dele, a frase era quase inexistente no vocabulário presidencial; depois dele, tornou-se um refrão obrigatório dos discursos republicanos.

Reagan compreendeu como poucos a linguagem codificada que apelava simultaneamente à identidade branca e à fé cristã evangélica. Quando falava de “law and order” ou atacava as “welfare queens”, usava termos que, sem serem explicitamente racistas, ressoavam com os temores e preconceitos raciais de seu eleitorado-alvo. A declaração “I believe in states’ rights” feita no condado de Neshoba, no Mississippi — um local impregnado de significado simbólico na história da segregação racial — não foi acidental. Era uma mensagem cifrada com endereço certo.

Paralelamente, o Partido Republicano passou a moldar suas plataformas políticas conforme os valores da direita cristã. O apoio anterior à Emenda dos Direitos Iguais (ERA), presente ainda na plataforma de 1976, foi abandonado em 1980, substituído por uma menção neutra à sua ratificação. Em contrapartida, passou-se a defender uma emenda constitucional para proteger “o direito à vida das crianças não nascidas”, posicionando-se frontalmente contra o direito ao aborto garantido por Roe v. Wade em 1973. A plataforma republicana começava a refletir não apenas preocupações políticas, mas compromissos morais inspirados por líderes evangélicos como Jerry Falwell e Pat Robertson, que abraçaram Reagan apesar de seu passado de ator divorciado e de Hollywood — um sinal da importância simbólica da causa conservadora sobre julgamentos pessoais.

Esse novo conservadorismo religioso, articulado por Reagan, não surgiu do nada. Era o resultado de uma aliança pragmática entre estrategistas políticos e líderes religiosos, interessada em transformar valores morais em políticas públicas. A religião passou a ser não apenas parte da identidade do eleitorado, mas um componente central da ação política. Esse deslocamento criou as bases para o que os estudiosos passaram a chamar de “política religiosa” nos EUA — um campo onde fé e Estado deixaram de ser esferas distintas

Como o Partido Republicano se Tornou uma Força em Perigo e o Que Isso Significa para a Democracia Americana

Desde meados do século XX, o Partido Republicano sofreu transformações profundas que o distanciaram de seu centro político e de suas origens como partido defensor da igualdade e da autoridade nacional. A troca histórica que marcou seu declínio foi a adoção da “Estratégia do Sul” em 1964, quando o partido, em busca de votos no sul dos Estados Unidos, renunciou a seus princípios fundadores da igualdade política e do controle nacional, aproximando-se de uma base eleitoral mais étnica e regionalmente específica. Essa estratégia, apesar de mal-sucedida para Barry Goldwater naquele ano, pavimentou o caminho para as vitórias subsequentes de Richard Nixon e Ronald Reagan, transformando a coalizão partidária e sua identidade política.

No entanto, essa mudança teve consequências duradouras. A dependência do partido no eleitorado branco cristão começou a ser minada pelas transformações demográficas que expandiram a diversidade da população americana, incluindo o crescimento de grupos não brancos e não cristãos. Essa erosão gradual da base tradicional do partido culminou em um estado de crise mais visível com a ascensão de Donald Trump, cuja eleição em 2016 foi possível graças ao último suspiro desse eleitorado. A derrota de Trump em 2020 e seus atos subsequentes, como a recusa em aceitar a derrota eleitoral e o incentivo à invasão do Capitólio, exacerbaram as divisões internas e a perda de legitimidade do partido.

Mesmo com a sua condição minoritária no eleitorado, o Partido Republicano continua sendo uma força política significativa, mas profundamente fragmentada. Muitos membros tradicionais e conservadores abandonaram a legenda, enquanto a liderança partidária permanece em grande parte alinhada com Trump. A lealdade de muitos eleitores republicanos parece estar mais voltada à figura do ex-presidente do que aos valores e ideais históricos do partido. Essa realidade coloca o GOP numa posição precária, ameaçando não apenas sua própria sobrevivência como entidade política, mas também a estabilidade da democracia americana como um todo.

O papel do Partido Republicano na democracia dos Estados Unidos é crucial. Historicamente, um sistema bipartidário vigoroso promove o equilíbrio de forças e o debate político que mantém a governança responsável. A fragilização de um dos dois grandes partidos pode abrir caminho para instabilidade e para a erosão das instituições democráticas. Como salientou Peggy Noonan, o partido em seus melhores momentos serviu como guardião da liberdade, da propriedade, da expressão e dos direitos religiosos, promovendo uma vida cívica justa e ampla. Essas funções são fundamentais para a ordem social e para a proteção dos cidadãos comuns.

Além disso, é importante entender que a crise do Partido Republicano não é apenas uma questão de liderança ou de figuras específicas, mas um reflexo de tensões sociais, culturais e demográficas profundas que desafiam a coerência do sistema político americano. O reequilíbrio desse partido exigirá o reconhecimento de sua própria história, uma reconciliação com seus princípios originais e uma resposta inteligente às mudanças na composição do eleitorado. A busca por uma identidade partidária que dialogue com a diversidade atual do país é essencial para que o GOP possa voltar a desempenhar seu papel como força política vital, capaz de competir e colaborar em prol da democracia.

É igualmente crucial reconhecer que o futuro da democracia americana depende do engajamento saudável de ambos os principais partidos, que precisam coexistir em um sistema competitivo, mas responsável. A presença de duas forças políticas robustas ajuda a garantir que nem o conservadorismo nem o progressismo dominem unilateralmente o cenário, promovendo um equilíbrio dinâmico. O enfraquecimento ou disfunção de um desses polos pode acarretar riscos graves, inclusive a polarização extrema e a crise institucional.

Por fim, além do panorama político, o leitor deve ter em mente que a trajetória do Partido Republicano oferece uma lição sobre a complexidade da evolução política: partidos são organismos vivos que refletem as transformações sociais, culturais e econômicas de seu tempo. Compreender essas dinâmicas é fundamental para interpretar não apenas a política americana, mas os processos democráticos em geral, nos quais princípios, interesses e identidades entram em constante negociação e redefinição.

Como o Partido Republicano Enfrentou as Mudanças Demográficas e Seus Efeitos no Futuro Eleitoral dos EUA

Nos últimos anos, o Partido Republicano tem refletido profundamente sobre o futuro e sua capacidade de se manter relevante em uma nação em constante transformação demográfica. Desde a presidência de George W. Bush, a liderança republicana tem expressado preocupações sobre o futuro do partido diante de um eleitorado cada vez mais diverso. Em 2005, Kenneth Mehlman, então presidente do Comitê Nacional Republicano (RNC), alertava sobre a diminuição da população branca nos Estados Unidos e a dependência excessiva do partido em votos de eleitores brancos. O mesmo pensamento foi compartilhado por Edward Gillespie em 2007, que já indicava que, com a atual composição demográfica, a maioria republicana estava em risco.

Essa realidade ficou ainda mais clara após as derrotas nas eleições presidenciais de 2008 e 2012. Em 2012, Barack Obama foi reeleito, vencendo com uma margem significativa do voto popular, apesar de uma diferença menor no número absoluto de votos. Diante dessa situação, o RNC, sob a liderança de Reince Priebus, lançou o projeto "Growth and Opportunity" (Crescimento e Oportunidade), um esforço para fortalecer o partido e alcançar uma base mais ampla de eleitores, indo além do histórico apoio entre os eleitores brancos.

O "Growth and Opportunity Project" envolveu consultas com milhares de líderes do partido e ativistas de base em todo o país, além de pesquisas e discussões com especialistas políticos e eleitores. O relatório resultante foi claro: "Os republicanos perderam o voto popular em cinco das últimas seis eleições presidenciais". O partido estava ciente de que, se não se adaptasse às mudanças demográficas do país, correria o risco de se tornar um partido marginalizado, com pouca representatividade entre as comunidades de minorias.

O relatório reconheceu que a composição do eleitorado dos Estados Unidos havia mudado significativamente. Em 1980, os brancos representavam 88% do eleitorado; em 2012, esse número caiu para 72%. Ao mesmo tempo, o número de hispânicos, asiáticos e afro-americanos nas urnas estava crescendo, com o relatório apontando que essas comunidades minoritárias poderiam vir a representar uma parte significativa do eleitorado até 2050. De acordo com projeções demográficas, até lá, os brancos não hispânicos seriam menos da metade da população dos EUA, enquanto os hispânicos poderiam representar 29% e os asiáticos cerca de 9%.

Diante desse cenário, o relatório do RNC enfatizou a necessidade de o partido se engajar com grupos étnicos e raciais, com foco em hispânicos, afro-americanos, asiáticos e outras comunidades, buscando uma agenda inclusiva que mostrasse sinceridade no compromisso com a diversidade. A ideia era que, se o Partido Republicano quisesse manter sua relevância no futuro, deveria ampliar sua base eleitoral, conquistando o apoio dessas comunidades.

No entanto, o futuro do partido tomou um rumo inesperado em 2015, com o lançamento da candidatura de Donald Trump à presidência. Trump, em sua campanha, fez declarações abertamente xenofóbicas e racialmente divisivas, como quando afirmou que o México estava enviando criminosos e estupradores aos EUA. Ele desafiou diretamente as orientações do RNC, que buscavam um partido mais inclusivo e atento às mudanças demográficas. Mesmo assim, o RNC, que havia patrocinado o relatório de 2013, acabou dando apoio à campanha de Trump, que fez uso de uma estratégia focada na mobilização dos eleitores brancos, especialmente os que se sentiam ameaçados pelas mudanças demográficas.

Trump, ao apelar para o eleitorado branco em declínio, conseguiu vencer as eleições de 2016, aproveitando a divisão nas grandes cidades e a vitória nos estados mais rurais e com menor população. Mas sua estratégia foi uma continuação da política da "Southern Strategy" de Barry Goldwater, de 1964, que também procurava conquistar os votos dos brancos conservadores do Sul dos EUA, mas sem abrir mão de princípios fundamentais do Partido Republicano.

A diferença, porém, é que, ao longo das décadas, a demografia do país mudara significativamente. Estava claro que a estratégia de apelar exclusivamente para os eleitores brancos e conservadores já não era mais uma aposta segura para garantir vitórias eleitorais no futuro. Em 2020, estados tradicionalmente republicanos, como Virgínia, Geórgia e até Arizona, votaram em candidatos democratas, evidenciando a mudança nas preferências eleitorais e a erosão do apoio republicano nas zonas mais urbanas e diversificadas.

Este cenário expôs uma grande contradição dentro do Partido Republicano: enquanto a liderança sabia da necessidade de se adaptar às mudanças demográficas para sobreviver politicamente, o partido parecia, em muitos momentos, escolher um caminho cada vez mais etnocêntrico e segregacionista. A estratégia de Trump, que ignorava os apelos do RNC por uma agenda mais inclusiva, teve sucesso imediato nas urnas, mas trouxe à tona a tensão entre as velhas e novas forças dentro do partido.

A principal lição do "Growth and Opportunity Project" de 2013 é clara: para garantir sua relevância no futuro, o Partido Republicano precisaria se engajar com as comunidades minoritárias de forma sincera e mostrar um compromisso real com a diversidade. No entanto, os eventos que se seguiram, especialmente a ascensão de Donald Trump, revelaram que as dinâmicas internas do partido estavam longe de serem simples e que a luta entre diferentes visões sobre o futuro do partido estava apenas começando.

Como a Política Tribal Transforma os Partidos: A Evolução do Partido Republicano

A política tribal, como descrita por Patir, Dreyfuss e Shayo, envolve a existência de um conjunto de eleitores cuja principal preocupação é definir quem está com eles e quem está contra eles. Esses eleitores apoiam candidatos que representam seu grupo étnico, religioso ou nacional, independentemente das políticas que esses candidatos promovam. Isso remete ao conceito de tribalismo político, no qual as identidades dos indivíduos são profundamente ligadas ao grupo a que pertencem, sendo mais suscetíveis a se identificar com ele se ele lhes proporciona um sentido de orgulho ou status. Tradicionalmente, as políticas tribais estão enraizadas nas classes sociais médias e baixas, enquanto os regimes não tribais se caracterizam por políticas mais centradas, que buscam atender ao eleitor médio da sociedade em geral. Assim, um partido cujas políticas atendem majoritariamente aos seus partidários não está mirando no eleitor médio, e, portanto, não está tentando apelar para os independentes, que se encontram em posições mais neutras.

O Partido Republicano, nos Estados Unidos, ilustra esse fenômeno de forma marcante. Desde 1992, o partido capturou a maioria do voto popular em apenas uma eleição presidencial (2004), o que sugere que suas campanhas estão mais voltadas para o eleitorado republicano interno do que para o eleitorado norte-americano de maneira geral. Esse movimento representa um contraste com a história do Partido Republicano, que foi fundado em 1854 com o propósito de se opor à expansão da escravidão e, ao longo do século seguinte, exerceu um governo popular, com políticas que visavam o bem-estar da maioria da população. Durante seu período de nacionalismo, os republicanos implementaram políticas que abarcavam um espectro de medidas progressistas, como a criação de parques nacionais, a regulamentação de ferrovias, o apoio a uma educação pública acessível e a regulamentação do trabalho infantil, além da implementação de impostos nacionais e da construção de infraestrutura fundamental, como a ferrovia transcontinental.

No entanto, por volta de 2020, o Partido Republicano evoluiu para um partido que se posicionava cada vez mais contra o governo, defendendo um modelo de "libertarianismo" que pregava uma menor intervenção estatal, algo que contrastava com os ideais de governança propostos por Abraham Lincoln em seu famoso discurso de Gettysburg. A ideia de governo, entendida como a capacidade de controlar e administrar uma sociedade, exige a aceitação de algumas limitações à liberdade individual, um ponto que os republicanos tradicionais de épocas passadas compreenderam de maneira pragmática. No entanto, ao longo das décadas, especialmente a partir das décadas de 1960 e 1980, com figuras como Barry Goldwater e Ronald Reagan, o Partido Republicano passou a adotar uma postura mais radical contra o governo, alegando que este era o problema e não a solução para os desafios da sociedade. A postura contra o governo, no entanto, foi contraditória, visto que o partido continuou a apoiar políticas que dependem fortemente do aparato estatal, como leis que impõem penas severas e regulamentações contra imigrantes, por exemplo.

Dentro dessa estrutura, a questão do governo e sua função se tornou um tema polarizador no Partido Republicano, que, ao mesmo tempo em que prega a liberdade individual, também defende uma série de políticas que envolvem uma grande intervenção do Estado. Esse contraste se torna evidente quando se observa, por exemplo, as posturas contraditórias do partido em relação à vacinação obrigatória, que historicamente foi apoiada pelos republicanos em algumas ocasiões, mas rejeitada em outras.

Além disso, a transformação do Partido Republicano reflete uma mudança na base de seu eleitorado. Antigamente, o partido era a casa dos trabalhadores de classe média e dos grupos que se beneficiavam de suas políticas de governança nacionalista. No entanto, na atualidade, o partido passou a representar uma base de eleitores cada vez mais voltada para um segmento da classe trabalhadora que enfrenta uma queda nas condições de vida e nos salários, muitas vezes devido às políticas de livre mercado que o próprio Partido Republicano promoveu. Donald Trump, como candidato, soube canalizar o descontentamento de parte desse eleitorado, oferecendo-lhes não mais uma promessa de prosperidade econômica por meio de políticas públicas, mas sim uma alternativa cultural, atacando minorias e imigrantes.

Essa mudança na natureza do Partido Republicano também reflete o impacto de sua adesão à ideologia neoliberal, que, ao longo do tempo, os afastou da responsabilidade por prover bens públicos essenciais, como saúde e educação, que passaram a ser tratados com mais ênfase pelo Partido Democrata. Essa transição resultou na ascensão de uma nova forma de política, que não mais busca atender às necessidades coletivas, mas sim preservar uma narrativa de identidade tribal e cultural.

É importante compreender que essa transformação do Partido Republicano não é um fenômeno isolado, mas parte de um movimento global que reflete a ascensão de políticas de identidade tribal e o enfraquecimento de partidos que se dedicam ao bem-estar coletivo. Esse fenômeno é observado não apenas nos Estados Unidos, mas também em outras democracias ocidentais, onde o populismo e o nacionalismo têm ganhado força. A polarização política, fomentada por essas políticas tribais, tem levado a uma crescente fragmentação das sociedades, dificultando a construção de consensos e soluções políticas eficazes.