A cadeia de comando das milícias fascistas italianas era estruturada de forma rigorosa: das inspeções gerais aos cônsules que lideravam as legiões, dos seniores que comandavam as coortes até os centuriões, decuriões e líderes de esquadrão. A estrutura refletia uma lógica implacável de hierarquia e disciplina. O uniforme — camisa preta, faixa preta, calças escuras de estilo militar, cinturão de couro, fez preto com laço e meias longas — era mais do que indumentária: era símbolo visual de ordem, unidade e poder. A iconografia incluía águias romanas e estrelas de cinco pontas, entre outros elementos que carregavam consigo um imaginário de glória e tradição imperial.

A nomeação dos inspetores gerais era prerrogativa do futuro Partido Nacional Fascista. Os demais cargos eram preenchidos por eleição interna, nomeações feitas pelos squadristi do escalão imediatamente inferior. Essa lógica de "democracia interna" funcional reforçava a ilusão de participação ao mesmo tempo em que consolidava uma estrutura de lealdade ascendente. Mas nenhuma estrutura, por mais hierarquizada que fosse, poderia manter-se eficaz sem o uso sistemático da propaganda.

Mussolini compreendeu com precisão que, para tornar funcional uma máquina política tão monumental, era necessário controlar os instrumentos de comunicação de massa. O rádio, o cinema, os jornais, os noticiários da Istituto Luce — todos tornaram-se ferramentas fundamentais de modelagem do imaginário coletivo. Um episódio decisivo catalisou essa estratégia: o sequestro e assassinato de Giacomo Matteotti, em 10 de junho de 1924. A comoção nacional ameaçou o regime nascente. Como resposta, surgiu a rádio pública nacional.

A URI (Unione Radiofonica Italiana) iniciou suas transmissões em 6 de outubro de 1924, simbolicamente inauguradas com a voz de Ines Viviani Donarelli. No dia anterior, Mussolini discursara no Teatro Costanzi, demarcando o novo território da política — o espectro invisível das ondas hertzianas. O rádio, até então reservado ao uso militar, tornava-se arma cultural e política. Atraiu intelectuais, artistas, poetas, e passou a refletir as angústias, os desejos e as paixões de uma sociedade que buscava estabilidade em meio ao caos pós-guerra. As transmissões divulgavam notícias da bolsa, do mundo do espetáculo, da moda, das viagens — e ofereciam à burguesia urbana uma promessa: proteção contra o bolchevismo. Em troca, bastava fechar os olhos à violência do regime.

Décadas depois, em outro continente e sob outra bandeira, o populismo norte-americano retomaria essa lógica, agora não mais através de rádios estatais ou filmes controlados, mas pela viralização digital e a espetacularização da política. A campanha de Donald Trump, especialmente em 2016, ilustra a nova encarnação da propaganda de massas. Com uma linguagem provocativa e polarizadora, Trump não precisou de fardas ou milícias: usou as palavras como bastão. Tweets ofensivos, frases de efeito, ataques ao establishment e à mídia — tudo era combustível para alimentar a máquina de atenção midiática.

A eficácia estava não no conteúdo programático, mas na força simbólica dos slogans. “Make America Great Again” funcionava como um mantra regressivo em um mundo globalizado que tornava essa grandeza inalcançável. Ainda assim, o apelo emocional era imenso entre os que se sentiam abandonados pelas elites tradicionais. A provocação constante gerava indignação, mas também atraía cobertura massiva, mesmo — e especialmente — por parte da mídia contrária. As tentativas de ridicularizá-lo nos grandes canais resultavam em efeito inverso: ampliavam sua visibilidade, reforçavam sua presença, construíam uma celebridade política inescapável. O grotesco tornava-se linguagem dominante.

A violência verbal, normalizada, passava a corroer os fundamentos da democracia. As hipérboles raciais, os ataques à imprensa, as ameaças a opositores, tudo isso criava um ambiente simbólico onde a agressão passava a ser aceitável. Em 2019, David Leonhardt apontava no New York Times que essa linguagem perigosa não podia mais ser relativizada. A banalização das ameaças retóricas abria espaço para consequências reais. A história oferecia ecos assustadores: a combinação de mentiras sobre inimigos políticos e o apelo ao “patriotismo” violento já fora usada por ditadores latino-americanos e fascistas europeus. O que antes era inominável tornava-se pronunciável.

Quando Trump falou dos "bons indivíduos" entre os membros da Ku Klux Klan após os eventos de Charlottesville em 2017, rompeu-se mais um limite simbólico. O resultado foi a escalada de crimes de ódio racial. O FBI registrou crescimento exponencial desses crimes. Em 2019, segundo a Anti-Defamation League, 39 dos 50 assassinatos por motivação racial nos EUA foram cometidos por supremacistas brancos. Outros 8 por extremistas anti-governo.

A propaganda, seja pela estética militar do fascismo ou pelas palavras incendiárias do populismo digital, continua a ser o instrumento mais poderoso de mobilização política. Não se trata apenas de persuadir. Trata-se de capturar a emoção coletiva, de organizar o desejo difuso por pertencimento e segurança em torno de uma linguagem simples, violenta e eficaz. A manipulação simbólica, quando bem-sucedida, reconfigura não só as percepções, mas os próprios limites do que é aceitável numa democracia.

É crucial compreender que a eficácia da propaganda não reside apenas na repetição ou no controle dos meios. Ela depende sobretudo da disposição do público em aceitar a promessa de proteção em troca da abdicação do julgamento moral. O fascismo italiano e o populismo contemporâneo compartilham esse pacto implícito: oferecer sentido em tempos de medo, ainda que à custa da verdade, da civilidade e da liberdade.

A Ascensão do Fascismo e o Impacto Cultural na Itália: Cinema e Rádio como Ferramentas de Propaganda

Em 26 de janeiro de 1936, na Via Tuscolana, nos arredores de Roma, foram lançadas as fundações da "Hollywood no Tibre" da Itália. O projeto, complexo e ambicioso, incluía três estruturas vizinhas em uma simbiose recíproca: o Istituto Luce, com seus próprios centros de desenvolvimento e plantas de impressão e laboratórios; o Centro Sperimentale di Cinematografia (Centro Experimental de Cinematografia, a mais prestigiada escola de cinema da Itália); e a novíssima Cinecittà, com seus diversos e ultra-modernos estúdios de gravação. Cinecittà foi inaugurada em 21 de abril de 1937. Para recuperar os investimentos, a produção se lançou em um agressivo programa de contratos internacionais. Contudo, logo se percebeu que, tanto os filmes americanos quanto os ingleses seriam excluídos da tela. A Itália se voltaria para a autarquia cinematográfica.

Cinecittà, desde seu início, se transformou em um importante centro de propaganda do regime fascista. As produções realizadas ali não apenas visavam entreter, mas também reforçar as ideias do Fascismo, consolidando a imagem do regime, do Duce e da unidade nacional sob o comando de Mussolini. Esse investimento na indústria cinematográfica estava alinhado com outras iniciativas de controle cultural, incluindo a rádio. Em 1928, a URI foi transformada no Ente Italiano Audizioni Radiofoniche (EIAR), uma instituição que tinha, além de seu papel de difundir programas e peças de rádio para os jovens, uma clara função de propaganda. Através do rádio, Mussolini alcançou vastas camadas da população, mas seu objetivo era não apenas informar, mas também moldar as mentes e corações, criando uma imagem de poder e estabilidade. No início, os aparelhos de rádio eram muito caros, acessíveis apenas a uma pequena elite. Mas, em 1937, com a introdução do modelo "Balilla" (que poderia ser pago em 18 parcelas mensais de 430 liras), o EIAR conseguiu aumentar drasticamente o número de ouvintes, alcançando um milhão de assinantes em pouco tempo.

O controle da comunicação visual e sonora foi uma prioridade para Mussolini. Com a criação da União Cinematográfica Educacional em 1925, e a produção de noticiários cinematográficos semanais que eram exibidos antes dos filmes nos cinemas, Mussolini garantiu que os espectadores estivessem imersos numa narrativa que exaltava o regime fascista. A propaganda nos cinemas foi uma ferramenta estratégica para a manipulação das massas, ao mesmo tempo em que o regime também usava "Cinemóveis" – cinemas móveis que projetavam os noticiários nas praças das cidades e no campo, para garantir que até os camponeses mais afastados tivessem contato visual com a figura de Mussolini.

O impacto do Fascismo na cultura italiana não se limitou ao campo da comunicação. No início da década de 1920, a violência e a mobilização dos fascistas rurais, os "squadristi", transformaram-se em uma forma de pressão política, que levou Mussolini a consolidar sua posição no poder. Esses fascistas rurais eram um componente essencial para a transformação do movimento fascista em um partido nacional. Até 1921, o partido contava com cerca de 20 mil membros; mas, com o crescente apoio da classe conservadora e a colaboração de Giolitti, esse número subiu para quase 250 mil membros em menos de um ano. Mussolini, que até então era visto como um personagem marginal, começou a se tornar uma figura central na política italiana.

À medida que o fascismo se consolidava, as figuras da cultura, como Gabriele D'Annunzio, tornaram-se obstáculos ao avanço do regime. D’Annunzio, que havia ocupado a cidade de Fiume, representava uma resistência à hegemonia fascista, mas seu destino seria selado quando Mussolini, sob o pretexto de neutralidade, permitiu que as tropas italianas invadissem a cidade em 1920, forçando D'Annunzio a se retirar. Essa vitória ajudou Mussolini a solidificar sua autoridade, e a forma como ele lidou com as tensões internas reflete sua habilidade em manipular as circunstâncias a seu favor.

A propaganda fascista, seja através do cinema, rádio ou da violência política, desempenhou um papel crucial na construção do mito de Mussolini e na criação de uma imagem de unidade e força para o país. A relação entre o Estado e os meios de comunicação foi um componente fundamental na consolidação do regime, refletindo uma tentativa de controlar a percepção pública e moldar as atitudes das massas. Essa manipulação das informações e a imposição de um único ponto de vista sobre os acontecimentos nacionais e internacionais não era apenas uma característica do regime fascista italiano, mas um modelo que, em muitos aspectos, ainda ressoaria nas práticas políticas de séculos seguintes.

A utilização da cultura como ferramenta de poder não foi um fenômeno restrito à Itália. O controle da mídia e a criação de uma narrativa unificada podem ser vistos como estratégias comuns em regimes autoritários, que buscam não apenas silenciar a oposição, mas também moldar a percepção pública em torno de uma única visão oficial. Para o regime fascista, o cinema e o rádio foram peças-chave para garantir que as massas não apenas consumissem entretenimento, mas que absorvessem as ideologias que alimentavam a máquina de guerra do regime.

Como o capitalismo global e o populismo autoritário se entrelaçam na crise das democracias ocidentais?

O capitalismo contemporâneo, em sua fase globalizada, demonstra uma incapacidade estrutural para garantir a sobrevivência digna de bilhões de indivíduos. Essa falência não apenas expõe uma crise humanitária profunda, mas também carrega em si os germes da sua própria autodestruição. No centro desse cenário, as elites políticas perdem sua legitimidade e controle, abrindo espaço para o surgimento de figuras que encarnam o que Alain Badiou denomina “exterioridade interna” — políticos que, embora inseridos no sistema, atuam como forças desestabilizadoras, utilizando discursos violentos, contraditórios e inflamados para manipular as emoções coletivas e oferecer soluções artificiais.

Em momentos de crise, a população, fragilizada, tende a se agarrar a promessas irracionais, muitas vezes idealizadas por um passado mítico e irrecuperável. Esse fenômeno é a gênese do que Badiou chama de “fascismo democrático”: uma reinterpretação e reintegração de ideias antigas — nacionalismo, racismo, colonialismo, sexismo — num amálgama caótico e irracional, onde o velho e o novo coexistem sem critérios lógicos claros. Diferente do fascismo clássico, este não possui um inimigo físico definido, como o comunismo, tampouco se organiza em torno de líderes com estruturas formais. Ele se manifesta dentro do próprio sistema dominante, cuja essência é a sacralização da propriedade privada.

Os Estados Unidos, especialmente no início do século XXI, ilustram essa dinâmica tumultuada. Três eventos em particular abalaram profundamente o país: o trauma do 11 de setembro de 2001, que representou um ataque direto ao seu centro simbólico e real; a Grande Recessão de 2008, que expôs a fragilidade do capitalismo como sistema incontestável; e a eleição de Barack Obama, o primeiro presidente afro-americano, que trouxe à tona o persistente racismo estrutural norte-americano. Essas crises simultâneas revelam a complexidade e os dilemas da alma americana, marcada pela perda de uma inocência jamais realmente existente, pelo questionamento do paradigma capitalista e por uma herança racial não superada.

Porém, o que diferencia os Estados Unidos é a sua capacidade de regeneração — um processo brutal, que exige expor suas feridas sem maquiar seus fracassos, buscando alternativas mesmo após o fundo do poço. É nesse contexto que se insere a análise comparativa entre dois líderes emblemáticos e polêmicos: Benito Mussolini e Donald Trump. Apesar das diferenças óbvias, ambos se apresentam como produtos de suas respectivas crises nacionais, expressando uma mesma energia política de violência — direta, no caso do fascismo italiano, e indireta, por meio da incitação verbal e populista nos Estados Unidos.

Mussolini, filho de um ferreiro, emergiu na Itália pós-Primeira Guerra Mundial com um discurso que buscava unificar e mobilizar massas contra as elites tradicionais, capitalizando sobre o ressentimento da “vittoria mutilata”. Trump, por sua vez, herdeiro da riqueza imobiliária, converteu sua fama televisiva em capital político, articulando uma retórica que busca fomentar o medo, dividir e apontar inimigos internos, enquanto promete soluções milagrosas. Ambos exemplificam o modo como crises profundas podem alimentar movimentos autoritários que se apropriam do imaginário coletivo para legitimar seus projetos.

Essa recorrência histórica não deve ser entendida como mero acaso, mas como expressão de tensões estruturais dentro do sistema capitalista global. O fascismo democrático atua como um mecanismo de defesa e reação frente à percepção de ameaça existencial — econômica, cultural e identitária — que atinge amplas camadas sociais. Sua eficácia reside em transformar insegurança em raiva e medo, conduzindo multidões a aceitar narrativas simplificadoras e excludentes.

Para compreender plenamente esse fenômeno, é essencial reconhecer que ele não emerge do nada, mas se inscreve em processos históricos e sociais complexos, nos quais fatores econômicos, culturais e políticos se entrelaçam. A análise crítica das imagens e discursos — a partir de ferramentas das Visual Studies e da História — revela como esses elementos simbólicos atuam para consolidar lideranças carismáticas e fortalecer ideologias que ameaçam o tecido democrático.

Além disso, a reflexão sobre essas dinâmicas exige a percepção de que a crise do capitalismo e o avanço do populismo autoritário são parte de um quadro maior, onde o medo, a desigualdade e a exclusão se alimentam mutuamente. Assim, a luta contra essas formas contemporâneas de fascismo não pode ser apenas política ou cultural, mas deve envolver a busca por modelos econômicos e sociais que garantam justiça, inclusão e dignidade para todos.