Durante grande parte da história política dos Estados Unidos, tanto críticos quanto estudiosos questionaram a autenticidade das diferenças entre os partidos Republicano e Democrata. Já em 1936, o comentarista Browne observava que uma das críticas mais contundentes feitas aos partidos americanos era justamente sua semelhança excessiva — acusação resumida na célebre comparação com “Tweedledum e Tweedledee”, personagens quase idênticos de Lewis Carroll, usados para representar a teatralidade superficial da disputa eleitoral.

Apesar disso, Browne se apoiava em evidências empíricas para rebater essa visão, apontando que em metade das eleições entre 1796 e 1924 existiram questões partidárias claramente divisivas, refletidas nas plataformas dos partidos. O termo “plataforma”, no contexto político americano, é usado para designar o conjunto de princípios declarados por um partido; suas partes constituintes são chamadas de “planks” — um conceito inexistente na maioria dos estudos internacionais sobre partidos, que geralmente se concentram em “promessas” ou “compromissos” de campanha.

O estudo sistemático dos "planks" republicanos, ou seja, das declarações programáticas específicas do Partido Republicano entre 1856 e 2016, revela não apenas a evolução do discurso político do partido, mas também sua adaptação estratégica às questões contemporâneas e sua fidelidade a determinados valores centrais. Em 1856, a plataforma republicana continha apenas 952 palavras; em 2004, o número chegava a mais de 41.000. Esse crescimento volumétrico não representa apenas prolixidade retórica, mas a complexificação dos temas tratados, a multiplicação de posicionamentos específicos e a necessidade de comunicar-se com um eleitorado cada vez mais segmentado.

A análise categorial dos "planks" foi conduzida com base em um esquema rigoroso de codificação, onde cada declaração foi atribuída a uma entre oito categorias gerais: Liberdade, Ordem, Igualdade, Bens Públicos, Governo, Política Externa, Forças Armadas e Simbólico. Estas categorias refletem, de forma estruturada, os eixos fundamentais de conflito político e os valores em jogo no discurso partidário.

Mais da metade das 2.722 declarações analisadas se concentrou na categoria de Bens Públicos — políticas destinadas ao bem coletivo, como educação, saúde, transporte ou meio ambiente. Em seguida, vieram os temas ligados à Liberdade, Política Externa e Ordem. Apenas 10% dos "planks" republicanos tratavam da Igualdade, evidenciando a posição relativamente marginal desse valor no conjunto das prioridades programáticas do partido. Ainda mais escassas foram as menções de caráter exclusivamente simbólico, que expressavam apoio ou pesar sem propor ações concretas.

As categorias utilizadas para a codificação não são apenas classificações técnicas; elas revelam as estruturas ideológicas implícitas no discurso partidário. Liberdade representa políticas que limitam o papel do governo; Ordem, ao contrário, implica restrições à liberdade dos cidadãos. Igualdade refere-se a políticas que beneficiam grupos historicamente desfavorecidos, enquanto Bens Públicos são bens ou serviços fornecidos a toda a sociedade. As demais categorias refletem esferas específicas de ação ou expressão política.

Importante ainda é destacar o caráter seletivo do processo de codificação. Para que uma declaração fosse considerada um “plank”, era necessário que implicasse uma proposta de ação e indicasse claramente uma posição do partido. Por exemplo, expressões genéricas como “lutar pelo agricultor” foram excluídas, por não apresentarem uma proposta concreta nem um posicionamento verificável.

A análise histórica permitiu, além disso, identificar mudanças de paradigma dentro do próprio Partido Republicano. Uma dessas inflexões ocorreu entre 1924 e 1928, quando o partido abandonou sua fase de nacionalismo clássico e passou a adotar uma nova postura em relação ao papel do Estado, à economia e à sua política externa — refletindo uma mudança de época e uma reorientação estratégica diante de transformações internas e globais.

É fundamental compreender que o estudo das plataformas partidárias não é um exercício meramente acadêmico ou documental. Ele permite identificar a coerência (ou incoerência) entre discurso e ação, detectar padrões ideológicos duradouros e reconhecer como os partidos

Como os princípios filosóficos e ideológicos moldam a dinâmica dos partidos políticos nos EUA?

A compreensão dos partidos políticos nos Estados Unidos exige uma análise profunda dos seus princípios filosóficos e ideológicos que orientam não apenas suas plataformas, mas também a forma como estes se articulam com as estruturas sociais, econômicas e culturais. A política partidária norte-americana não é simplesmente um jogo de poder eleitoral, mas uma manifestação complexa de valores conflitantes e coexistentes, que envolvem desde a defesa da ordem até a promoção da liberdade, frequentemente em tensões históricas e contemporâneas.

Os partidos se estruturam em torno de “planks”, ou pontos fundamentais, que traduzem esses princípios em propostas concretas para o governo e a sociedade. Estes pontos refletem debates essenciais sobre liberdade econômica, direitos individuais, igualdade, propriedade privada e o papel do governo na regulação e proteção social. A evolução dessas plataformas é permeada por desafios históricos como o racismo institucionalizado, a imigração, a defesa da soberania popular e as crises de ordem social.

Os princípios de ordem e estabilidade frequentemente coexistem com a busca por liberdade individual e autonomia econômica, criando uma tensão que é o cerne do debate político americano. A proteção da propriedade privada, por exemplo, é um tema que encontra suporte nos valores conservadores, mas que também sofre pressões em contextos de desigualdade e redistribuição. O respeito à tradição e ao patriotismo convive com demandas por justiça social e inclusão, o que leva a um cenário dinâmico, onde ideologias de direita e esquerda tentam se afirmar.

A polarização política, por sua vez, emerge da divergência entre visões de mundo fundamentadas em identidades étnicas, religiosas e sociais, reforçando a fragmentação da sociedade em grupos que, muitas vezes, se fecham em bolhas culturais e partidárias. Essa polarização influencia a estrutura das eleições, as estratégias de mobilização e a comunicação política, refletindo uma divisão que ultrapassa o campo eleitoral e penetra nas relações cotidianas dos cidadãos.

A história das eleições, dos plebiscitos e dos direitos de voto mostra também um processo constante de inclusão e exclusão, marcado por episódios como o imposto eleitoral, a luta pelo sufrágio feminino, os direitos civis e as recentes controvérsias sobre o acesso ao voto e o sistema do Colégio Eleitoral. Essas batalhas revelam o caráter profundamente político e simbólico da democracia americana, que se sustenta tanto na participação popular quanto na manutenção de regras que definem quem pode ou não influenciar o poder.

Além disso, a importância das personalidades políticas, dos cultos à personalidade e dos movimentos populistas não pode ser subestimada, pois eles influenciam a percepção pública e a mobilização eleitoral, muitas vezes direcionando o curso das agendas partidárias para além dos princípios filosóficos, para uma dimensão mais emocional e identitária.

Para compreender completamente o funcionamento dos partidos nos EUA, é fundamental considerar também o papel das instituições, das normas jurídicas, e das dinâmicas econômicas que configuram o ambiente em que essas disputas ocorrem. A interseção entre religião, propriedade, regulação econômica e proteção social cria um mosaico complexo onde o debate sobre o bem público está sempre presente, porém em constante tensão com interesses privados e ideológicos.

É igualmente importante notar que a política americana não é estática. A evolução das plataformas partidárias, a transformação das bases sociais, o impacto de eventos como pandemias e crises econômicas e as mudanças demográficas redefinem continuamente as prioridades e estratégias dos partidos. Por isso, a análise das plataformas partidárias ao longo do tempo revela não só a persistência de certos valores centrais, mas também a adaptação necessária diante das demandas e desafios contemporâneos.

A compreensão desse panorama é essencial para que o leitor perceba que o sistema partidário americano é mais do que disputas eleitorais superficiais; ele reflete tensões profundas da sociedade, cuja resolução ou exacerbação tem implicações diretas para a democracia, a justiça social e o futuro político do país.