As infecções profundas do pescoço (IDPs) representam um desafio clínico significativo devido à complexidade anatômica e à possibilidade de complicações graves. A etiologia dessas infecções varia conforme a faixa etária: em crianças, a causa mais comum permanece a amigdalite, enquanto em adultos predomina a origem odontogênica. Em alguns casos, a origem pode não ser identificada claramente, e a coleta detalhada do histórico clínico é fundamental para a suspeita diagnóstica. Pacientes com histórico de uso de drogas intravenosas ou infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) estão sob maior risco de desenvolver IDPs tuberculosas ou abscessos associados.

O quadro clínico pode ser sutil e de difícil reconhecimento inicial, pois os sintomas podem ser mínimos. Contudo, alguns pacientes apresentam sinais alarmantes, como dificuldade respiratória, estridor, trismo e sinais de comprometimento da via aérea, exigindo atenção imediata. Manifestações comuns incluem febre, mal-estar, dor de garganta, odinofagia, disfagia, otalgia referida, salivação excessiva, rouquidão, edema cervical, limitação dos movimentos do pescoço e torcicolo. A celulite de Ludwig, uma forma particularmente agressiva de infecção envolvendo o espaço submandibular, caracteriza-se pela induração da região submentoniana e assoalho da boca, com risco iminente de obstrução das vias aéreas devido à elevação e retroposição da língua, sendo um diagnóstico clínico crítico que demanda monitoramento rigoroso da via aérea.

A avaliação física das IDPs é complexa, pois as infecções localizam-se em espaços profundos cobertos por tecidos moles normais, dificultando a palpação e visualização. Em muitos casos, a avaliação clínica pode subestimar a extensão da infecção, o que pode comprometer o prognóstico se a conduta inicial for conservadora inadequada. Abscessos como o peritonsilar são geralmente diagnosticados pela história e exame clínico, porém o paciente pode estar em desconforto ou resistência à colaboração, especialmente crianças.

A investigação laboratorial inclui marcadores inflamatórios elevados e hemoculturas em casos suspeitos de septicemia. O exame radiológico é essencial para a localização precisa e avaliação da extensão da infecção, auxiliando na diferenciação entre adenite e abscesso. Radiografias laterais do pescoço podem não excluir IDPs em crianças. A tomografia computadorizada com contraste é o exame padrão-ouro para diagnóstico, identificando com clareza coleções líquidas, presença de ar dentro do abscesso e definindo a relação com estruturas anatômicas adjacentes. Ressonância magnética pode complementar para melhor avaliação de tecidos moles e diagnóstico diferencial. Arteriografia é reservada para casos com suspeita de envolvimento dos grandes vasos cervicais.

As IDPs podem ocorrer em diferentes compartimentos do pescoço, cada um com características clínicas próprias. O abscesso do espaço parafaríngeo pode causar trismo intenso, odinofagia e deslocamento da parede faríngea. O abscesso retrofaríngeo pode comprometer a via aérea em crianças pequenas e manifestar-se com torcicolo e assimetria cervical. O espaço perigoso pode ser a porta de entrada para mediastinite e septicemia, uma complicação grave. O espaço submandibular está relacionado à celulite de Ludwig, frequentemente associada a infecções dentárias, traumatismos ou sialadenite. Outros espaços, como o carotídeo, pré-traqueal, peritonsilar, parotídeo e temporal, possuem suas próprias manifestações específicas que auxiliam na localização clínica da infecção.

O exame ultrassonográfico oferece um meio adicional para diagnóstico e permite aspiração guiada para cultura, orientando a terapia antimicrobiana. A bacteriologia das IDPs é tipicamente polimicrobiana, refletindo a flora oral, com presença de aeróbios e anaeróbios, além de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Casos pediátricos podem apresentar infecção por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), exigindo atenção especial na escolha do tratamento.

Avanços nas técnicas laboratoriais, imagiológicas e uso de antibióticos de amplo espectro reduziram significativamente a morbidade e mortalidade associadas a essas infecções. A decisão de realizar drenagem cirúrgica depende da extensão, localização e resposta ao tratamento clínico, sempre visando a preservação da via aérea e o controle da infecção. A avaliação integrada do paciente, combinando histórico detalhado, exame físico cuidadoso e exames complementares adequados, é indispensável para o manejo eficaz.

Além do entendimento dos sinais clínicos e das técnicas diagnósticas, é fundamental que o leitor compreenda a gravidade potencial das infecções profundas do pescoço. A proximidade de estruturas vitais, como as vias aéreas, grandes vasos e órgãos mediastinais, exige vigilância contínua para evitar desfechos fatais. O conhecimento das características anatômicas específicas de cada espaço cervical permite a previsão do curso da infecção e suas possíveis complicações, fundamentando uma abordagem terapêutica precisa. A integração interdisciplinar entre otorrinolaringologistas, radiologistas, infectologistas e cirurgiões é essencial para o sucesso do tratamento e recuperação do paciente.

Como identificar e avaliar o estridor na infância?

O estridor, ruído respiratório audível causado por obstrução das vias aéreas, é um sintoma que pode refletir uma gama variada de patologias anatômicas. A sua análise criteriosa pode orientar a localização da obstrução, embora essa correlação não seja absoluta. O estridor inspiratório sugere, em geral, uma obstrução ao nível supraglótico ou glótico, enquanto o estridor expiratório ou a fase expiratória prolongada indicam envolvimento traqueal inferior ou brônquico. O estridor bifásico, por sua vez, costuma ser associado a lesões fixas na traqueia superior ou subglote, particularmente em torno da cartilagem cricóide.

A qualidade do som, embora descrita classicamente com características distintas, possui valor diagnóstico limitado devido à sua subjetividade. A laringomalácia, por exemplo, é tradicionalmente descrita com um estridor musical; a paralisia de pregas vocais, com um som soproso; a laringotraqueíte viral, com tosse metálica; e a traqueomalácia, com uma tosse mais grave e retumbante. No entanto, essas descrições não são confiáveis entre diferentes avaliadores, sendo essencial considerar o quadro clínico completo.

O exame físico deve ser realizado com extremo cuidado, especialmente em casos suspeitos de epiglotite. Nestes, é aceitável estabelecer um diagnóstico provisório com base na história clínica e na aparência da criança, adiando a avaliação formal para o ambiente seguro de um centro cirúrgico sob endoscopia controlada. O exame deve incluir a observação da criança em repouso, choro e sono, além da alimentação, principalmente se houver relatos de aspiração ou dificuldades alimentares. A ausculta pode auxiliar na localização da obstrução, embora a transmissão de sons pelo tórax seja inconsistente. Além disso, a avaliação das narinas, orofaringe, pescoço e orelhas é indispensável para identificar massas, hipertrofias ou sinais de obstrução supraglótica.

A monitorização da saturação de oxigênio é um recurso acessível e não invasivo, mas deve ser interpretada com cautela. Crianças com obstrução significativa podem manter a saturação normal caso ainda possuam reservas fisiológicas suficientes. A administração de oxigênio suplementar, embora útil, pode mascarar a hipoventilação e os níveis elevados de CO₂, tornando a gasometria arterial uma ferramenta valiosa, especialmente quando há risco de exaustão respiratória. Do ponto de vista clínico, a cianose manifesta-se tardiamente na insuficiência respiratória pediátrica.

Exames complementares devem ser solicitados de forma seletiva, conforme a apresentação clínica. Radiografias laterais de partes moles do pescoço demonstram o contorno da via aérea até a subglote, enquanto a radiografia torácica posteroanterior permite avaliar os campos pulmonares e o mediastino. Em casos de aspiração ou corpo estranho, a retenção de ar pode ser evidenciada em incidências inspiratórias e expiratórias, ou com decúbito lateral. A videofluoroscopia é especialmente útil na avaliação de traqueomalácia, podendo ser combinada com estudo contrastado de deglutição para excluir compressões vasculares, fístulas traqueoesofágicas ou aspiração.

Tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas, embora eficazes para visualizar compressões extrínsecas e anomalias vasculares, não substituem a endoscopia para avaliação de estenoses dinâmicas. A chamada “endoscopia virtual”, gerada por reconstruções tridimensionais a partir de dados radiológicos, oferece imagens da luz aérea de forma não invasiva, inclusive em projeções retrográdas. A ultrassonografia das pregas vocais e a eletromiografia laríngea podem, em casos específicos, contribuir no diagnóstico de imobilidade vocal.

A obstrução de via aérea que se agrava durante o sono é frequentemente consequência de colapso faríngeo, como ocorre em obstruções adenotonsilares ou em anomalias craniofaciais. Ainda assim, patologias laríngeas e traqueais, como a laringomalácia, também podem se exacerbar neste período, exigindo investigação através de polissonografia.

A endoscopia das vias aéreas pediátricas requer equipamentos específicos e uma equipe experiente. Uma avaliação inadequada deve ser repetida em centro de referência. A endoscopia flexível, com endoscópios ultrafinos, permite a visualização mesmo em neonatos sem anestesia geral. No entanto, essa abordagem possui limitações, sendo principalmente um exame de triagem. A endoscopia rígida permanece superior para identificação de anomalias estruturais. A documentação fotográfica ou em vídeo durante a endoscopia é essencial para comparações clínicas sequenciais, ensino e registro médico-legal.

É fundamental compreender que a avaliação do estridor exige uma abordagem holística, baseada na integração da história clínica, exame físico cuidadoso e, quando necessário, exames complementares e endoscópicos. A sobreposição de sinais e sintomas, a variabilidade entre pacientes e a subjetividade de certas descrições tornam o raciocínio clínico e a experiência elementos indispensáveis nesse contexto.