As visões metafísicas, embora frequentemente compartilhem com o ceticismo um grau significativo de ignorância quanto à natureza última da realidade, não se confundem com ele. A ignorância metafísica pode ser ontológica, referindo-se ao que as coisas são em si mesmas, enquanto o ceticismo mais radical está preocupado com nossa capacidade de saber qualquer coisa sobre o mundo — ou até mesmo se há um mundo.

O veridicalismo oferece uma lente poderosa para entender que a preocupação cética não é apenas epistemológica, mas profundamente metafísica. Se somos vítimas de um demônio enganador, os objetos são dependentes da mente. Mas há também visões metafísicas não céticas, como o panpsiquismo, que defendem a dependência mental dos objetos, no sentido de que, sem estados mentais — os seus próprios — eles não existiriam. Assim, embora o panpsiquismo afirme algo positivo sobre a realidade (ao contrário do ceticismo, que nega nosso acesso a tal conhecimento), ele também confronta nossos pressupostos sobre o mundo, tal como os cenários céticos.

Suponhamos que não sabemos se o panpsiquismo ou o cenário do cérebro em uma cuba (CH) são verdadeiros. Essa ignorância é, em si, perturbadora? Se aceitarmos que tanto o panpsiquismo quanto o CH são hipóteses metafísicas não falseáveis, por que o panpsiquismo não poderia ser visto como uma forma de ceticismo? Assim como o idealismo de Berkeley, ele desafia a independência do mundo externo, apenas a partir de uma perspectiva construtiva. A diferença crucial é que o ceticismo é negativo: ele mina a possibilidade de saber. O panpsiquismo, por mais especulativo que seja, oferece uma ontologia.

Nosso desconforto parece derivar não apenas do conteúdo da hipótese, mas do grau em que ela contradiz nossos pressupostos intuitivos. A ideia de sermos vítimas de um demônio nos choca mais profundamente do que a ideia de que a natureza é consciente, porque o primeiro cenário colide mais diretamente com a experiência comum. A ignorância sobre se a mesa diante de nós é uma criação demoníaca ou uma entidade consciente no sentido panpsiquista nos afeta em níveis distintos — ambos desestabilizam pressupostos, mas em graus diferentes.

Essa gradação de choque ontológico ajuda a explicar por que certos tipos de ignorância são mais “ceticamente perturbadores” do que outros. A humildade ramseyana, por exemplo, nos lembra que mesmo conhecendo as propriedades estruturais das substâncias, nada sabemos sobre o que elas são em si. Essas substâncias podem muito bem ser partes da mente de Deus, uma função de onda quântica, ou mesmo um cérebro virtual. No entanto, essa ignorância não é automaticamente cética, porque não contradiz nossas suposições tão flagrantemente como o cenário do demônio.

David Lewis reconhecia essa limitação do conhecimento, mas não a considerava ceticismo radical: “quem prometeu que eu era capaz, em princípio, de saber tudo?”. Ainda assim, quando essa ignorância atinge o nível de abalar completamente a base sobre a qual interpretamos o mundo, ela deixa de ser apenas humildade epistêmica e passa a ser uma ameaça ao conhecimento. A inquietação emerge quando as possíveis substâncias realizadoras das experiências sensoriais são tão estranhas — tão alheias à nossa estrutura conceitual — que tornam nossas crenças comuns insustentáveis.

Como observou Rae Langton, se não pudermos ignorar adequadamente algumas dessas alternativas — por mais remotas que sejam — o conhecimento do mundo desaparece. A simples possibilidade de que aquilo que nos fornece experiências seja um demônio ou um simulador computacional, e não uma realidade material, torna-se suficiente para corroer nossas certezas.

É importante notar que nem toda ignorância metafísica equivale a ignorância cética. O fato de não sabermos o que são as coisas — em termos ontológicos — não significa necessariamente que estamos em uma situação cética. Se, após uma guerra apocalíptica, você acorda em um porão e se pergunta se ainda existem mesas no mundo, essa ignorância factual não configura uma crise cética. A diferença está na natureza e no impacto da ignorância. Não é o simples “não saber” que nos perturba, mas o colapso das fundações que sustentam nosso senso de realidade.

No entanto, alguns tipos de ignorância ontológica se aproximam do ceticismo em sua capacidade de desestabilizar nossa confiança nas crenças do senso comum. A linha entre cenários céticos e hipóteses metafísicas, portanto, não é nítida. O veridicalismo mostra que o problema do ceticismo está enraizado em questões sobre a constituição do real — e não apenas em dúvidas sobre o conhecimento.

Ainda assim, essa constatação não elimina a força das preocupações céticas. Mesmo que algumas ignorâncias metafísicas não sejam perturbadoras, outras o são profundamente. A intuição de que o cenário do demônio ou do cérebro em cuba colide mais violentamente com nossas suposições nos ajuda a entender por que certas hipóteses nos inquietam mais do que outras. O grau de perturbação parece depender do quanto a hipótese desafia a estrutura básica de nossas crenças sobre o mundo, e da profundidade com que ela desestabiliza a relação entre experiência e realidade.

É importante compreender que a distinção entre “não saber o que algo é” e “não saber se esse algo existe” pode ser sutil, mas suas implicações epistêmicas são vastas. A natureza do mundo pode nos ser para sempre velada — quer seja feita de consciência distribuída, quer de substâncias com propriedades intrínsecas inacessíveis. Mesmo assim, há diferença entre uma ignorância que nos convida à humildade e uma que nos mergulha no abismo do ceticismo radical. O limite entre ambas não é fixo, mas o impacto emocional

Como a Filosofia Empírica Lida com o Ceticismo: A Interpretação de Hume e Berkeley

O desafio central da epistemologia moderna reside na questão de saber se nossas percepções são causadas por objetos externos ou se são simplesmente o produto da nossa mente. Trata-se, em última instância, de entender se podemos afirmar com certeza que as coisas que percebemos existem de forma objetiva ou se são ilusões geradas internamente. Filósofos como Hume e Berkeley tentaram oferecer respostas a esse dilema, mas, embora tenham abordado a questão de maneiras diferentes, ambos reconheceram a complexidade da relação entre percepção e realidade.

David Hume, por exemplo, lidou com o problema do ceticismo de uma maneira que mantém a dúvida como parte essencial da filosofia. Em seu ceticismo, ele questionava a origem das nossas percepções: poderiam ser causadas pela nossa própria mente, por um "demônio" ou por alguma outra força desconhecida? Hume não negava a existência das percepções, mas insistia que a causa de sua origem era incerta, já que não podíamos saber com precisão a natureza dessas causas. Para ele, essa dúvida fundamental era o cerne do ceticismo. O filósofo não afirmava explicitamente que não existem mesas ou outros objetos externos, mas sim que não podemos saber com certeza o que são esses objetos em sua essência. Assim, o ceticismo de Hume não é um ceticismo absoluto, mas um ceticismo sobre a natureza dos objetos do mundo e a veracidade de nossas percepções sobre eles.

Por outro lado, George Berkeley ofereceu uma versão radicalmente diferente de idealismo. Para ele, os objetos não existiam independentemente da mente; em vez disso, eles eram ideias na mente de Deus. No entanto, Berkeley rejeitava o ceticismo, acreditando que nossa percepção das coisas não estava em dúvida, pois essas percepções eram manifestações diretas da mente divina. Assim, ele via o ceticismo como um erro, pois acreditava que podíamos conhecer a verdadeira natureza das coisas, desde que as enxergássemos como ideias.

A partir dessas abordagens, surge uma questão importante: podemos realmente afirmar que os objetos existem como os percebemos, ou estamos condenados a uma ignorância fundamental sobre a verdadeira natureza das coisas? Hume sugeria que, embora saibamos que algo nos causa as percepções, não podemos afirmar com certeza o que é esse "algo" — uma ideia que se alinha com o ceticismo. Berkeley, em contraste, defendia uma visão de mundo onde as percepções são garantidas, mas a essência dos objetos permanece uma questão de fé na mente divina.

Esse debate tem profundas implicações para a filosofia contemporânea, especialmente no que diz respeito à maneira como entendemos a relação entre o sujeito e o objeto. O ceticismo moderno, embora derivado de questões filosóficas mais antigas, toma novas formas à medida que questiona não apenas a existência dos objetos, mas também a nossa capacidade de conhecer suas essências. Por exemplo, embora filósofos como G.E. Moore tenham afirmado que temos certeza de nossa percepção de objetos físicos, como mesas e mãos, ainda restava a dúvida sobre a natureza desses objetos. Moore e outros que defendem uma forma de "veridicalismo" sugerem que, embora o ceticismo continue a ser um problema legítimo, a nossa experiência cotidiana nos proporciona um acesso direto à realidade — uma visão que minimiza a separação entre percepções e o mundo exterior.

A questão que surge, então, é: até que ponto a filosofia pode nos ajudar a ultrapassar a dúvida cética sobre as coisas que nos são mais familiares? Enquanto alguns, como Moore, propõem que nossa percepção é, de alguma forma, infalível, outros, como Hume, sugerem que a verdadeira natureza do mundo sempre escapará ao nosso conhecimento direto, seja porque as causas de nossas percepções são incertas, seja porque nossas próprias percepções podem ser ilusórias.

É fundamental entender que o ceticismo não é apenas um ponto de vista filosófico, mas uma lente pela qual questionamos a própria base do conhecimento humano. Através do ceticismo, não estamos apenas duvidando das percepções, mas também da confiança que depositamos nas ideias e crenças que sustentam nosso entendimento do mundo. A resolução desse ceticismo, então, não reside apenas na afirmação de que sabemos o que existe, mas na compreensão de que nossa capacidade de conhecer é sempre limitada. A noção de que "somente as coisas que percebemos com certeza existem" é um argumento que pode ser sustentado até certo ponto, mas nunca com a certeza absoluta que os filósofos como Descartes e Hume demonstraram em suas análises.

Essa discussão também nos leva a uma reflexão mais profunda sobre o que significa "existir". Mesmo que aceitemos que os objetos existam como os percebemos, isso não significa que possamos afirmar com certeza qual é sua natureza intrínseca. Talvez o maior legado de Hume e Berkeley seja o reconhecimento de que nossa compreensão do mundo está sempre em aberto, sempre sujeita a revisões e a novas interpretações. Portanto, ao refletirmos sobre o ceticismo, devemos ter em mente que, longe de ser uma falha do conhecimento, ele é uma característica fundamental de nossa busca por entender a realidade.

A Metafísica e o Ceticismo: Desafios e Estratégias para Superar as Dúvidas sobre o Mundo Externo

O ceticismo é uma dúvida filosófica profunda, que questiona nossa capacidade de conhecer a realidade de maneira confiável. Em sua forma mais tradicional, a dúvida cética coloca em xeque a existência do mundo externo e de nossos conhecimentos sobre ele. Existe, contudo, uma questão crucial que parece fundamentar o ceticismo: como podemos ter certeza de que a realidade que percebemos é realmente o que parece ser? Podemos estar vivendo em uma simulação, ou sendo manipulados por um “demônio” que nos engana, como Descartes sugeriu? Para os céticos, essas possibilidades levantam a dúvida central de se realmente sabemos o que há no mundo.

A resposta cética sugere que, diante dessas incertezas, não podemos confiar totalmente em nossas percepções ou em nossos conhecimentos sobre o que existe. Mas é possível resistir a essa dúvida radical, oferecendo uma nova forma de entender as coisas sem recorrer à solução extrema do idealismo de Berkeley, que afirmava que o mundo é, na verdade, uma construção puramente mental. Em vez disso, há uma estratégia metafísica alternativa que mantém a resistência ao ceticismo sem aceitar a ideia de que tudo é ideal ou puramente mental.

Essa abordagem pode ser resumida da seguinte forma: se o mundo for uma simulação ou um sonho, então as mesas continuam a existir, mas sob a forma de objetos simulados ou ideias. Ou seja, a questão não é se o mundo existe ou não, mas o que ele é. Quando nos encontramos diante de uma dúvida sobre a natureza das coisas, como em um cenário de simulação ou de ilusão demoníaca, a resposta não é concluir que não sabemos se há uma mesa ou não. O correto seria entender que, se estivermos em um cenário desses, a mesa será, na realidade, um objeto virtual ou uma ideia, dependendo da perspectiva que adotarmos.

A verdadeira questão, então, não é sobre a existência de uma mesa, mas sobre sua natureza: ela é uma simulação ou uma ideia na mente de um ser superior? A ignorância sobre o que as coisas são — a sua verdadeira essência — não é catastrófica em termos epistemológicos. Afinal, sempre soubemos que as melhores explicações científicas ou metafísicas não conseguem responder a todas as questões sobre a natureza última das coisas. A verdadeira humildade metafísica deve aceitar que o conhecimento sobre a essência das coisas pode ser limitado, mesmo que possamos conhecer as características imediatas do que está ao nosso redor.

Essa posição, conhecida como veridicalismo, propõe que, embora possamos saber que existe uma mesa à nossa frente, não sabemos o que ela é em termos absolutos — se é uma simulação ou uma ideia em uma mente demoníaca. Isso não diminui o valor do conhecimento prático que possuímos, e nossa interação com o mundo continua a ser perfeitamente funcional, mesmo que nosso entendimento metafísico seja incompleto. Veridicalismo não resolve o problema do ceticismo, mas apenas desloca o foco da dúvida. A dúvida não está mais sobre a existência das coisas, mas sobre a sua verdadeira natureza.

Esse movimento de aceitar a incerteza sobre o que as coisas são, sem abrir mão do conhecimento prático sobre o que há, remete a uma distinção importante entre diferentes tipos de ignorância. Por exemplo, uma criança pode não ter uma compreensão metafísica da realidade, mas isso não significa que ela esteja em um estado cético. Sua ignorância é uma questão de maturidade, não uma dúvida filosófica fundamental sobre a natureza das coisas. Por outro lado, a ignorância cética sobre o que as coisas são é uma questão muito mais profunda, que não pode ser resolvida pela simples falta de conhecimento sobre o que as coisas parecem ser.

Essa diferenciação é crucial. Ignorar a verdadeira natureza das coisas pode ser uma limitação, mas não é a mesma coisa que enfrentar uma dúvida cética, que implica uma negação fundamental de que possamos conhecer qualquer coisa com certeza. O ceticismo, em sua forma mais extrema, não se limita a questionar as coisas em um nível superficial; ele ataca a própria possibilidade de conhecer qualquer coisa de maneira confiável. Por isso, mesmo que possamos saber muito sobre o que existe — que há mesas, que podemos colocá-las em cima de outras coisas —, a dúvida cética coloca em questão nossa capacidade de entender a realidade de uma forma mais profunda, levando-nos a um estado de incerteza radical.

O veridicalismo, então, nos mostra que o ceticismo não é apenas uma questão de ignorância sobre o que há, mas também sobre o que as coisas são. A nossa posição, portanto, não é necessariamente catastrófica. Sabemos o suficiente para interagir com o mundo de maneira eficaz, mas nossa compreensão sobre a essência do que nos cerca pode ser limitada. E isso não deve ser visto como um fracasso, mas como uma característica intrínseca da condição humana: a nossa percepção do mundo é sempre mediada por limitações cognitivas e epistemológicas, que não precisam, necessariamente, nos impedir de agir de maneira racional e eficaz no mundo.