O fogo e a água, forças ancestrais, parecem se equilibrar na criação e destruição de mundos. É um jogo imemorial, e não é de se estranhar que criaturas inteligentes em todo o universo respondam a essas forças de maneira semelhante. Uma reação alquímica, uma resposta primordial. Kathy e eu, de alguma forma, havíamos experimentado isso. O nosso relacionamento fora uma tempestade, uma coisa móvel, misteriosa, com o poder tanto de ferir quanto de criar e destruir. Ela fora minha secretária por quase dois anos antes de nos casarmos, uma garota pequena, de pele escura e mãos delicadas, que se destacava em cores vivas e gostava de alimentar os pássaros com migalhas. A contratei através de uma agência no mundo de Mael. Quando jovem, contratava-se facilmente uma garota inteligente que soubesse datilografar, arquivar e fazer taquigrafia. Contudo, à medida que as exigências acadêmicas aumentavam e o mercado de trabalho se tornava mais competitivo, contratei-a a conselho do meu escritório de pessoal, ao saber que ela possuía um doutorado em Ciências Secretariais pelo Instituto de Mael.

O primeiro ano foi um desastre. Ela automatizou tudo, bagunçou completamente meu sistema de arquivamento e me deixou seis meses atrasado com minha correspondência. Depois de reconstruir uma máquina de escrever do século vinte, a um custo considerável, e ensinar-lhe a operar, ela aprendeu taquigrafia, tornando-se tão competente quanto um graduado do ensino médio do século vinte com especialização em negócios. A situação se estabilizou, e descobrimos que éramos os únicos a conseguir ler as anotações em Gregg, o que era útil para assuntos confidenciais e nos dava algo em comum. Durante esse tempo, ela foi uma chama brilhante e eu um peso morto, reduzindo-a a lágrimas muitas vezes. Então, ela se tornou indispensável, e percebi que minha dependência não era apenas profissional. Acabamos nos casando e passamos seis anos felizes—seis anos e meio, para ser exato. Kathy morreu no incêndio, no desastre do Miami Stardock, quando estava a caminho de me encontrar para uma conferência. Tivemos dois filhos, e um deles ainda vive. Desde então, o fogo me persegue, assim como a água, que tem sido minha amiga. Embora eu me sinta mais próximo da água do que do fogo, meus mundos nascem de ambos.

Enquanto caminhava pela floresta de Illyria—a qual havia projetado como um parque, um resort—percebi que estava agora andando por um Illyria comprado pelo inimigo, que andava ao meu lado, vazio das pessoas para quem eu o criara: os felizes, os turistas, os descansantes, aqueles que ainda acreditavam nas árvores, nos lagos e nas montanhas com trilhas entre elas. Eles se foram, e as árvores por onde caminhava estavam retorcidas, o lago em direção ao qual me dirigia estava poluído, e a terra, ferida. O fogo, como sempre, aguardava-me. As nuvens pairavam sobre nós, e entre sua brancura amontoada e minha escuridão suja voava a fuligem que o fogo enviava, uma migração infinita de avisos fúnebres. Kathy teria gostado de Illyria, se o tivesse visto em outra época e em outro lugar. A ideia dela nesse tempo e nesse espaço, com Shandon controlando tudo, me repugnava.

O fogo, a água, as chamas que desfiguram tudo. Tentei entender. Essa era a alquimia. A criação através da destruição. A água que limpa, o fogo que consome. E o homem que, através de suas próprias mãos, constrói mundos e os destrói. No entanto, em algum lugar no fundo da mente, sabia que essa alquimia não era apenas sobre elementos. Era sobre o próprio ser, sobre como nossas escolhas, paixões e angústias podem se transformar nas mais poderosas forças da natureza.

Ao lado de Green Green, seguimos para um ponto próximo onde ele lembrava ter deixado o barco. Mas não estava lá. Questionamos, tentamos entender, e logo concluímos que, talvez, o barco tivesse sido levado pelas ondas. "Talvez tenha sido solto por um dos choques e tenha se afastado," disse Green Green. Como Pei’an, ele tinha a habilidade de nadar longas distâncias, mas as correntes quentes do vulcão tornavam a travessia impraticável. A solução foi construir uma jangada, algo improvisado, utilizando o que estava disponível. Os elementos à nossa volta eram implacáveis, e as soluções precisavam ser rápidas, adaptativas, como os próprios fluxos da vida e da natureza.

Em um mundo onde a destruição parece sempre à espreita, onde o fogo e a água se entrelaçam e modelam o destino, o que resta, então? O que permanece após tudo se extinguir? Certamente, não é a resistência a esses elementos que define a sobrevivência, mas a habilidade de transformar a adversidade em algo novo. O próprio processo alquímico, de transmutar o sofrimento em aprendizado, a destruição em criação, é a verdadeira essência da nossa existência. A verdadeira alquimia não está apenas nos elementos que moldam o universo, mas na capacidade humana de renascer, reconfigurar e continuar em frente, mesmo após o fogo e a água nos transformarem.

O Lado Escuro da Existência: Reflexões Sobre a Morte e a Sobrevivência

O silêncio da noite, com sua atmosfera de mistério e decadência, pode ser uma das maiores fontes de inquietação para aqueles que já experimentaram a solidão da existência. Quando tudo parece tranquilo, como na calmaria de uma noite florida em algum canto do mundo, a mente de um homem pode ser invadida por uma sensação inexplicável de melancolia. Sentado sozinho, saboreando um charuto e um conhaque, observando o luar que surge no horizonte, surge o desejo de permanecer naquele momento. A tranquilidade da noite, a beleza efêmera do ambiente, parece deixar claro que não podemos retornar ao que foi.

Mas, como a experiência de se perder no tempo, essa sensação de plenitude é breve, um reflexo momentâneo daquilo que somos: seres temporais, cada vez mais conscientes de nossa finitude. O homem, ao lado de uma mulher que, com um olhar penetrante e uma postura enigmática, chama sua atenção, é, talvez, uma metáfora do dilema humano: o anseio por viver plenamente a vida, mas, ao mesmo tempo, o temor constante da morte. O diálogo entre os dois, quase como uma dança de palavras, revela o abismo que se abre diante de todos quando confrontados com a ideia do desaparecimento.

O medo de perder algo — seja o status, a riqueza ou até mesmo a vida — é uma constante na existência humana. No entanto, o que torna esse medo mais angustiante é a percepção de que a morte é um inimigo incerto, que pode se manifestar de várias formas. Desde as ameaças sutis de doenças e desastres até as consequências mais imprevistas das próprias escolhas. A sobrevivência, antes um conceito simplista, torna-se um jogo complexo, repleto de armadilhas. A ideia de controlar o próprio destino é uma ilusão, e as inúmeras maneiras de morrer, seja por causas naturais ou externas, se tornam parte de uma paisagem mais vasta, mais intrincada.

Há algo que se transforma no indivíduo ao longo do tempo. O medo da morte se torna mais palpável, não por causa de uma simples ameaça externa, mas pela constatação da própria fragilidade. O homem que se move pelo mundo, cercado por milhões de possibilidades e perigos, percebe que a imortalidade, embora desejada por alguns, não passa de uma quimérica esperança. A morte se esconde nas esquinas, disfarçada de muitas formas — nas máquinas que nos servem, nas doenças que surgem, nas forças invisíveis que manipulam nossas vidas. O mais insidioso, porém, é o fato de que a morte não apenas nos persegue, mas nos ensina, silenciosamente, a valorizar cada momento que temos.

E há, para aqueles que chegaram a entender a profundidade da questão, uma aceitação silenciosa de que a morte não é algo a ser temido ou negado, mas, sim, algo a ser compreendido e integrado à própria vida. Aquele que se arrisca, que vive à margem do perigo, que se aproxima da morte com uma mistura de curiosidade e coragem, alcança um tipo de sabedoria que não pode ser ensinada nas escolas. A experiência pessoal, o entendimento de que o fim de todos os caminhos é a morte, e que a verdadeira essência da vida está na capacidade de viver plenamente, sem ilusões ou arrependimentos, traz uma sensação de liberdade.

Além disso, a maneira como a vida é vivida ao longo do tempo deve ser moldada pela consciência dessa finitude. O peso da responsabilidade de não se deixar consumir pela rotina ou pela busca incessante de algo intangível é uma chave importante para viver bem. A vida não é sobre acumular riquezas ou poder, mas sim sobre a qualidade das experiências que acumulamos ao longo do caminho. Essa compreensão da morte não apenas como um fim, mas como uma parte natural do ciclo existencial, pode ajudar a desvendar o verdadeiro significado da vida.

O medo da morte é um reflexo do nosso desejo de preservar o que consideramos precioso, mas também é um convite para olhar além das aparências, para viver de forma mais intensa e verdadeira. Encarar a morte como uma presença constante e inevitável é um ato de maturidade e coragem. Não se trata de negar o sofrimento ou a dor da perda, mas de aceitar a morte como uma das mais profundas experiências humanas.

O Inimigo Invisível e o Jogo da Perdição

O lugar onde a foto de Ruth fora tirada não era como os outros, que mostravam rochas e o céu azul. Eu havia procurado por qualquer pista, mas não encontrei nada: nem vestígios de violência, nem uma pista sobre a identidade do meu inimigo. Falei em voz alta, para mim mesmo: "Meu inimigo". Era a primeira vez que falava desde o simples "Boa noite" ao advogado de cabelo branco, que de repente se mostrou cooperativo. E aquelas palavras soaram estranhas naquele vasto ambiente, como se o espaço se ampliasse e ao mesmo tempo se tornasse mais insuportável. "Meu inimigo." Agora estava claro. Eu era desejado, mas para o quê, exatamente? Morte? Isso eu poderia até imaginar. O que me faltava era saber qual dos meus inúmeros inimigos estava por trás disso. Voltei minha mente para o momento e para o local do encontro. A escolha do ponto de encontro, o campo de batalha, era algo que parecia peculiar. Lembrei-me do meu sonho sobre aquele lugar, e logo percebi que se esse fosse o objetivo de quem estivesse por trás disso, seria uma armadilha estúpida. A menos que a pessoa que me atraíra ali não soubesse absolutamente nada sobre o poder que possuo quando adentro qualquer mundo que criei. Se eu retornasse a Illyria, o mundo que eu construí lá, séculos atrás, tudo seria meu aliado. Illyria guardava a Ilha dos Mortos, minha Ilha dos Mortos.

E eu voltaria. Ruth e a possibilidade de Kathy... Esses pensamentos exigiam meu retorno àquele estranho Éden que eu um dia criei. Ruth e Kathy... Dois nomes que eu não gostava de juntar, mas que agora estavam ali, inevitavelmente conectados. Elas nunca existiram ao mesmo tempo para mim, e a sensação que isso me causava era desconfortável. No entanto, eu iria. E quem quer que tivesse armado essa armadilha se arrependeria, mas só por um breve período. Depois, ele habitaria a Ilha dos Mortos para sempre.

Apaguei o cigarro, tranquei a porta do castelo e segui para o Spectrum. De repente, estava com fome. Troquei de roupa para o jantar e desci até o lobby. Um restaurante atraente estava à esquerda, mas já estava fechado. Perguntei à recepção sobre um bom lugar para comer que ainda estivesse aberto. O atendente, com um bocejo abafado, me disse: “Bartol Towers, na Baía, ainda vai estar aberto por várias horas.” Peguei as direções e fui até lá, ainda pensando sobre os acontecimentos que me aguardavam.

O ridículo parece ser a palavra mais apropriada, não estranho. Mas, afinal, todos nós vivemos à sombra da Grande Árvore, não é? Cheguei e deixei o carro ser estacionado por um policial que parecia estar em todos os lugares. Aquele sorriso que ele sempre exibia, como se fosse uma obrigação, já não me incomodava tanto. Era apenas mais uma parte desse mundo absurdo, onde todos, uma vez fora de casa, eram turistas, sujeitos a esse exército sorridente que se espalhara por todo o planeta. Por algum motivo, comecei a refletir sobre como os uniformes e os sorrisos haviam se tornado símbolos de nossa subordinação a um sistema que parecia ter tomado conta de tudo. Era como se o mundo tivesse sido conquistado não por forças militares, mas por legiões sorridentes, prontas para nos explorar sem piedade.

Ao chegar ao restaurante, percebi que o lugar estava cheio. O atendente me colocou na lista de espera, e enquanto aguardava, decidi entrar no bar. Ali, enquanto tomava uma cerveja, algo chamou minha atenção: um rosto familiar. Coloquei meus óculos especiais, que funcionavam como telescópios, e analisei o rosto. A estrutura do nariz, das orelhas, tudo era igual. A cor do cabelo e da pele estavam diferentes, mas isso poderia ser facilmente alterado. Levantei-me e comecei a me aproximar, mas um garçom me impediu de levar minha bebida. Quando disse que iria ao outro bar, ele ofereceu-se para carregar a bebida para mim, com aquele sorriso peculiar, o braço direito na altura da cintura.

Achei mais barato comprar uma nova bebida, então disse que ele poderia tomar a minha. Ele estava sozinho, com um pequeno copo à sua frente. Quando me aproximei da mesa, falei em um falsete forçado: “Posso me juntar a você, Sr. Bayner?” Ele deu um leve sobressalto, e o rosto gordinho tremeu por um momento. Seus olhos, como uma máquina, já estavam me observando, pronto para classificar cada movimento meu.

“Você deve estar enganado...” ele começou, mas logo corrigiu: “Não, estou enganado. Faz tanto tempo, Frank, e ambos mudamos.” Olhei para ele com uma leve ironia. Ele chamou um garçom e pediu uma bebida. Quando a garçonete se afastou, ele me perguntou: “O que você vai beber?” “Cerveja, qualquer marca”, respondi, ainda absorvendo o encontro inesperado. Ao nos acomodarmos em uma mesa, ele comentou que já havia comido, mas estava degustando uma bebida depois do jantar. Continuamos conversando, mas, no fundo, algo me incomodava: o que ele sabia sobre minha missão? O que ele queria? Estava claro que ele também estava dentro do jogo, mas não tinha certeza de qual seria seu papel.

Esse tipo de situação nos faz refletir sobre como nossas vidas podem ser manipuladas por forças invisíveis e desconhecidas. Em momentos como esse, nos vemos como peças em um jogo maior, movidas por mãos que não vemos, influenciadas por forças que não compreendemos totalmente. A Ilha dos Mortos, com sua promessa de destino e vingança, torna-se um reflexo de nossas próprias lutas internas, onde somos desafiados a confrontar nossas escolhas e os inimigos que, muitas vezes, estão mais próximos do que imaginamos.