O debate sobre as mudanças climáticas, ao longo das últimas décadas, tem gerado uma polarização crescente, impulsionada principalmente pelas esferas políticas. O que antes parecia ser uma questão técnica e científica tornou-se um campo de batalha ideológico, onde os dados e a ciência enfrentam, muitas vezes, uma resistência agressiva. Bruno Latour, filósofo e sociólogo da ciência, argumenta que o papel dos cientistas nesse cenário precisa ser reconsiderado de forma urgente.

Latour considera que, historicamente, a ciência foi vista como uma atividade neutra, onde os fatos precedem a política e os valores. A ideia comum era que, uma vez que se estabelecessem os fatos científicos, a ação política deveria seguir naturalmente. No entanto, ele observa que a situação das mudanças climáticas não segue esse modelo tradicional. O processo de mudança climática é complexo e está em andamento há séculos, o que torna a abordagem convencional de agir com base apenas em dados científicos extremamente limitada. A ciência, nesse contexto, não é apenas uma questão de evidências objetivas; ela está profundamente entrelaçada com questões de interesse político, econômico e social.

A ciência precisa deixar de se refugiar em um "discurso neutro" e assumir um papel mais ativo e engajado. Para Latour, os cientistas não devem permanecer isolados em seus laboratórios, defendendo a imparcialidade absoluta, mas sim se envolver diretamente na política e nas questões públicas. A crise climática exige ação, e não mais o debate acadêmico isolado sobre os dados e as metodologias utilizadas. A equação entre "fatos" e "política" precisa ser repensada, porque, se os cientistas não se posicionarem de forma clara, a sociedade ficará vulnerável a interesses que distorcem a verdade científica para fins ideológicos ou econômicos.

Outro ponto importante levantado por Latour é a visão crítica sobre o papel da "opinião pública". O filósofo faz referência ao trabalho de Walter Lippmann, que, em seu livro The Phantom Public, descreve o público como alguém que chega tardiamente a um evento, observa superficialmente e, com base em fragmentos de informação, toma decisões apressadas. Lippmann acreditava que, apesar da falta de entendimento profundo, o público é chamado a se posicionar e votar, o que faz com que ele dependa dos especialistas para formar suas opiniões. Latour concorda com essa visão, mas argumenta que a situação atual tornou-se ainda mais desafiadora, dado o grau de desinformação e manipulação das evidências científicas, especialmente quando há uma disputa entre especialistas.

A confiança pública nas autoridades científicas, como Latour observa, se fragmentou, e o que antes poderia ser considerado como uma verdade incontestável passou a ser questionado, se não atacado, com argumentos que distorcem ou ignoram o conhecimento científico estabelecido. Neste contexto, a sociedade precisa aprender a detectar rapidamente a parcialidade nas informações e entender que a ciência não é um jogo de opiniões contraditórias, mas um processo contínuo de verificação e revisão de ideias com base em dados e evidências. A cartografia de controvérsias, uma ferramenta desenvolvida por Latour, se propõe a mapear as controvérsias em torno do conhecimento científico, ajudando a visualizar como a verdade científica é muitas vezes obscurecida por interesses políticos e comerciais.

O papel do público, portanto, não é simplesmente consumir as informações disponíveis, mas desenvolver uma habilidade crítica para identificar as falácias e os viéses nos debates científicos. Embora não se possa esperar uma imparcialidade absoluta da parte de ninguém, o que Latour propõe é uma detecção mais eficaz das partes que estão distorcendo ou manipulando a verdade científica para fins próprios. A tarefa de discernir a boa ciência da má ciência, ou até da ciência da ignorância deliberada, é vital para que o público possa formar uma opinião mais informada e menos suscetível às manipulações.

Além disso, é necessário compreender que a luta contra as mudanças climáticas não é uma questão exclusivamente científica, mas política. O que está em jogo são os interesses econômicos e políticos de grandes corporações, países e grupos de pressão que, por diversas razões, tentam retardar ou distorcer as ações necessárias para mitigar os impactos climáticos. Nesse contexto, o cientista não pode se isolar da política, pois sua pesquisa tem implicações diretas na vida de milhões de pessoas e no futuro do planeta. Eles devem, ao contrário, usar sua posição para expor as realidades da crise climática e exigir que a sociedade, como um todo, tome as medidas necessárias.

É fundamental que a ciência, ao se engajar com o público, não se rebaixe a uma troca de "debates sobre fatos". Em vez disso, a verdadeira questão é a ação política que deve ser tomada com base nesses fatos, uma ação que respeite as evidências, mas que também reconheça a necessidade de uma mudança de paradigma econômico, social e ambiental. O envolvimento dos cientistas deve ser, assim, um chamado à ação coletiva e política, onde os valores e os interesses de todas as partes envolvidas são explicitamente reconhecidos e debatidos.

Como Resolver o Conflito: A Arte da Controvérsia Construtiva e a Busca pela Verdade

Na dinâmica das sociedades democráticas, o papel da argumentação não é apenas inevitável, mas essencial. No entanto, a forma como argumentamos e as intenções subjacentes a esses debates são muitas vezes negligenciadas, conduzindo ao que pode ser descrito como um terreno fértil para a desinformação e a polarização. A história do debate público, como exemplificado nas falhas táticas de Barack Obama no debate presidencial de 2012, ilustra a importância da argumentação não apenas como uma ferramenta para ganhar a confiança popular, mas como um instrumento essencial para alcançar a verdade.

O caso de Obama, que optou por uma postura de "passividade chocante", revela uma falha em uma liderança que deveria ser mais do que conciliatória. Como observado pelo acadêmico Ganz, essa atitude não só compromete as funções adversariais de um sistema democrático, mas também apaga um dos principais mecanismos pelo qual a sociedade pode se proteger contra a injustiça: a argumentação aberta. Se os líderes não se engajam em debates vigorosos, o que resta é uma forma de governo onde as discordâncias são abafadas e a verdade se torna irrelevante. A democracia não se baseia em consenso simplista, mas na habilidade de se confrontar, de questionar e de expor falácias, e, ao fazer isso, se aproximar de uma realidade mais justa e verdadeira.

O conceito de uma "argumentação pelo bem do céu" propõe uma abordagem mais profunda e ética para o debate. Esse princípio, tirado das tradições da Torá judaica, é uma chamada para que a disputa se dê não com a intenção de derrotar o oponente, mas com o intuito de alcançar uma maior compreensão da verdade. A disputa que visa exclusivamente ao poder, ou à destruição do outro, é destrutiva para a sociedade. Portanto, ao contrário da guerra retórica, o debate construtivo visa a construção de soluções e a busca pela justiça social, ouvindo os outros com seriedade e respeitando as diferentes perspectivas. O desafio não é simplesmente “vencer”, mas entender, refletir e propor soluções que transcendam o ego e as narrativas de divisão.

Outro exemplo fundamental de como transformar a retórica polarizada em uma plataforma para mudança é ilustrado pelo trabalho de Adam Kahane, especialista canadense em mudança social. Sua experiência de facilitar o diálogo em situações de intenso conflito, como o fim do apartheid na África do Sul e as discussões sobre mudanças climáticas no Canadá, destaca a importância de uma abordagem colaborativa. Kahane não só ajudou a desenvolver cenários possíveis para a África do Sul pós-apartheid, mas também facilitou o entendimento entre diferentes facções políticas e sociais. Sua experiência mostra que é possível ir além da demonização do oponente e criar um espaço de entendimento mútuo, o que é vital para a resolução de problemas complexos como o aquecimento global.

Embora as discussões polarizadas sejam um fenômeno global crescente, é possível, e necessário, encontrar formas mais acessíveis e eficazes de enfrentar as narrativas destrutivas. A polarização não deve ser uma desculpa para o fechamento do diálogo, mas um sinal de que há mais trabalho a ser feito para restaurar a confiança e promover um espaço público saudável. A verdadeira arte da comunicação não reside em manipular informações ou em criar estereótipos do “inimigo”, mas em moldar narrativas que eduquem, inspirem e integrem, permitindo que as sociedades avancem de forma mais consciente e justa.

O que é fundamental entender é que a narrativa que construímos ao discutir e debater questões sociais é um reflexo não só de nossos valores, mas também de nossa capacidade de ouvir e adaptar nossas próprias percepções. A busca pela verdade não pode ser uma atividade solitária, onde apenas uma visão prevalece. Deve ser um esforço coletivo, onde a discordância é não apenas tolerada, mas valorizada como um meio para o crescimento e a evolução.