O tratamento de deformidades severas no pé e tornozelo em contextos de programas humanitários apresenta desafios significativos, especialmente quando comparado a abordagens realizadas em locais com recursos e infraestrutura adequados. Essas deformidades podem ser causadas por uma série de condições, desde malformações congênitas como o pé cavo até sequelas de lesões traumáticas ou condições neuromusculares. Em muitas partes do mundo, as opções para tratamento são limitadas, e os pacientes frequentemente enfrentam a dificuldade de acessar tratamentos repetidos ou procedimentos cirúrgicos complexos.

A abordagem para tratar esses casos em áreas de recursos limitados precisa ser adaptada à realidade local. A aplicação de técnicas como o método Ponseti, com uso de gessos e órteses, pode ser difícil em locais onde os pacientes não podem retornar para seguimentos contínuos. Além disso, a escassez de materiais e implantes, bem como a dificuldade de acessar cuidados pós-operatórios adequados, torna o uso de fixações externas e tratamentos prolongados inviáveis.

Deformidades graves como o pé cavo e o pé cavovaro são notoriamente desafiadoras. O pé cavo, caracterizado por uma elevação excessiva do arco do pé, pode estar associado a disfunções neuromusculares, mas também ocorre de forma idiopática. A condição pode provocar dor, instabilidade e até dificuldades na marcha, e, se não tratada adequadamente, pode levar à incapacidade funcional. O tratamento dessas deformidades, em muitos casos, requer uma abordagem multimodal, que pode incluir osteotomias, transferências de tendão e, em alguns casos, artrodese (fusão articular).

O primeiro passo no tratamento dessas deformidades é avaliar a flexibilidade do pé e tornozelo. O uso de técnicas como a osteotomia tibial ou a artroplastia de realinhamento pode ser necessário, dependendo da gravidade da deformidade e da presença de outros fatores complicadores, como o talo plano ou o equino fixo. Nesses casos, a correção isolada do pé pode não ser suficiente, sendo necessário intervir também na articulação do tornozelo, com a realização de osteotomias tibiais ou mesmo procedimentos de fusão para corrigir o alinhamento geral do membro.

A flexibilidade do pé é um fator crucial para determinar o tipo de cirurgia indicada. Uma técnica simples para testar a flexibilidade do pé no pé cavovaro é a avaliação da mobilidade do calcâneo e sua relação com o restante da estrutura do pé. Isso pode ser feito por meio de testes clínicos como a manobra de Coleman, que ajuda a identificar se o pé é flexível o suficiente para uma correção não invasiva, ou se a cirurgia será necessária.

Para os casos mais graves, onde a deformidade é rígida, a artroplastia ou a artrodese pode ser a melhor opção. O tratamento cirúrgico também pode incluir a transferência de tendões, um método eficaz para restaurar o equilíbrio funcional, especialmente em casos de comprometimento neuromuscular. As transferências tendinosas são indicadas quando há enfraquecimento de músculos específicos que contribuem para a deformidade, como o caso do tendão longo do perônio, comumente associado ao pé cavovaro.

A instabilidade do tornozelo é outra preocupação importante nos pacientes com deformidades graves no pé. A instabilidade lateral do tornozelo é frequentemente observada em conjunto com o pé cavovaro, e o tratamento dessa instabilidade deve ser considerado em qualquer plano terapêutico. Procedimentos como a artroplastia, associada a osteotomias ou transferências de tendão, podem ser necessários para restaurar a função e a estabilidade articulares, prevenindo complicações futuras, como artrite post-traumática.

Em cenários de programas humanitários, a escolha do tratamento também é fortemente influenciada pela disponibilidade de recursos. Isso exige uma abordagem pragmática, onde a solução deve ser eficaz dentro das limitações locais. Em muitos casos, a cirurgia precisa ser adaptada para ser realizada com o mínimo de equipamentos, sem comprometer a eficácia do procedimento.

Além disso, é importante destacar que a reabilitação pós-operatória e a recuperação a longo prazo são igualmente desafiadoras em contextos de escassez de recursos. Embora a cirurgia seja crucial para corrigir as deformidades estruturais, o acompanhamento adequado e a fisioterapia são essenciais para garantir a funcionalidade do pé e tornozelo após o procedimento. O retorno à mobilidade plena depende de um acompanhamento contínuo, que nem sempre é possível em áreas de difícil acesso.

O manejo de deformidades severas no pé e tornozelo, especialmente em contextos de programas humanitários globais, exige uma compreensão profunda das condições locais, limitações de recursos e necessidades dos pacientes. A adaptação das técnicas cirúrgicas à realidade do paciente, aliada a uma avaliação precisa da flexibilidade e instabilidade, pode determinar o sucesso do tratamento e melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes.

Como a distração e a fusão do tornozelo contribuem para o tratamento da artrose avançada?

A técnica de distração do tornozelo consiste em utilizar um fixador externo para reduzir a carga sobre a superfície articular, frequentemente combinada com a remoção de osteófitos, microfraturas, liberação de tecidos moles e correção de deformidades, quando necessário. Ao diminuir temporariamente o peso suportado pela articulação, busca-se promover a reparação da cartilagem. Esse método tem a função de interromper ou mesmo reverter parcialmente o processo artrítico no tornozelo. No entanto, a seleção criteriosa dos pacientes é fundamental para o sucesso da artroplastia por distração; os critérios incluem a existência de uma articulação congruente com movimento preservado acima de 20°. A distração deve ser mantida por pelo menos oito semanas, visto que não há benefício comprovado além de doze semanas. O fixador pode proporcionar distração com ou sem dobradiça, sendo que estudos mostraram inicialmente melhores resultados a curto prazo com fixadores articulados, enquanto acompanhamentos mais longos indicam resultados superiores com fixadores fixos. Tentativas de estimular a regeneração da cartilagem hialina por meio da injeção de aspirado de medula óssea autólogo não apresentaram evidências clínicas consistentes até o momento. É importante destacar que a maioria dos pacientes selecionados para esse procedimento eram candidatos a artroplastia ou fusão do tornozelo, refletindo as taxas elevadas de falha do método. Em até um ano após a remoção do fixador, as taxas de fusão variam entre 24% e 27%, aumentando para cerca de 45% em acompanhamentos mais longos de até doze anos.

A fusão do tornozelo permanece, há muitos anos, o tratamento mais confiável para a artrose terminal do tornozelo. Diferentemente do quadril e do joelho, cuja fusão praticamente foi substituída por próteses, a artrodese do tornozelo dificilmente será superada pela artroplastia, apesar dos avanços tecnológicos recentes em próteses de tornozelo. Essa técnica é indispensável não apenas como procedimento de salvamento, mas também como opção primária em diversas situações clínicas. A artrodese pode ser realizada por diferentes acessos cirúrgicos: anterior, lateral (transfibular ou anterolateral), posterior ou por via artroscópica. Historicamente, o acesso lateral foi o preferido, mas atualmente o acesso anterior tem ganhado popularidade, especialmente para fusões isoladas, coincidente com o mesmo acesso utilizado para artroplastia.

No acesso anterior, uma incisão de 10 a 12 cm é realizada na região anterior do tornozelo, estendendo-se até a articulação talonavicular. Após expor e abrir o retináculo dos extensores entre os tendões tibial anterior e extensor longo do hálux, chega-se ao terço distal da tíbia. A capsulotomia e a ressecção parcial da cápsula permitem a visualização da articulação até o colo do tálus. Para ampliar o campo operatório, utiliza-se frequentemente um afastador auto-retentor, como o distractor de Hintermann. A remoção dos osteófitos e a limpeza das superfícies articulares tibial e talar, incluindo as valas articulares, são cruciais para a preparação da fusão, eliminando cartilagem, tecido fibroso e material necrótico. Essa limpeza cria um descompasso entre as superfícies ósseas, pois o raio da superfície tibial aumenta enquanto o do tálus diminui; assim, é necessário realizar um nivelamento com formão para ampliar o contato ósseo.

Em casos de falha de artroplastia ou fusão prévia, os implantes são removidos preservando-se ao máximo o estoque ósseo saudável. O tecido ósseo necrótico é extirpado até a exposição de osso viável, e os defeitos resultantes são preenchidos com enxertos ósseos autólogos (geralmente da crista ilíaca), aloenxertos ou enxertos ósseos vascularizados em defeitos extensos, como os provenientes do côndilo femoral medial, pelve ou escápula. Produtos ortobiológicos, como a matriz óssea desmineralizada, podem ser adicionados para estimular a cicatrização óssea.

A fixação pode ser realizada com parafusos e/ou placas. Na fusão primária, utilizam-se comumente dois ou três parafusos canulados. A técnica ideal para posicionamento dos parafusos depende do seu alinhamento: parafusos paralelos podem ser parcialmente rosqueados para gerar compressão; quando não paralelos, apenas um deve ser de compressão, e o outro totalmente rosqueado para estabilidade. A utilização de um terceiro parafuso não tem demonstrado aumento nas taxas de consolidação óssea. No planejamento da fixação com placas, é fundamental posicioná-las de modo que criem compressão sobre o domo talar e a vala medial do tornozelo. Evitar a subluxação anterior do tálus é essencial e pode ser conseguido fixando-se primeiro a placa no tálus, com um espaçador temporário entre o topo da placa e a tíbia anterior, permitindo o posterior deslocamento do tálus ao apertar os parafusos tibiais.

A posição usual para a fusão é neutra em flexão/extensão, neutra ou com leve rotação externa no plano transversal e neutra a leve valgo no plano coronal. Entretanto, variações podem ser indicadas em casos especiais, como pacientes com fraqueza do quadríceps, que podem se beneficiar da fusão em equino para estabilizar o joelho, como em síndromes pós-pólio.

No acesso lateral, o paciente pode ser posicionado em decúbito lateral ou dorsal. A incisão ocorre sobre a fíbula, com descolamento anterior para exposição óssea. A fíbula é osteotomizada aproximadamente 10 cm proximal à sua extremidade distal. A síndesmose anterior e os ligamentos talofibulares anteriores são liberados para permitir o deslocamento posterior da fíbula, preservando os tecidos moles posteriores. As superfícies articulares entre tíbia, fíbula e tálus são removidas e preparadas com múltiplos furos na subcondral, incentivando a fusão. A redução do tálus é fixada conforme descrito, com parafusos ou placa lateral, tomando cuidado para não comprometer a articulação sub-talare. A fíbula é então fixada novamente à tíbia/fíbula, preservando o sulco retromaleolar para a função dos tendões fibulares.

A abordagem posterior, seja posteromedial ou posterolateral, permite acesso ao tornozelo por trás da fíbula, exigindo cuidado para preservar os tendões fibulares e a exposição entre o tendão do flexor longo do hálux e os fibulares, garantindo visualização adequada do aspecto posterior da articulação.

Além dos aspectos técnicos, é crucial compreender que a fusão do tornozelo, embora elimine o movimento articular, pode proporcionar alívio efetivo da dor e restauração da função em casos de artrose avançada. O alinhamento correto e a fixação estável são essenciais para a consolidação e para minimizar complicações como pseudoartrose ou desalinhamentos que possam comprometer a biomecânica do membro inferior. A escolha da técnica e do acesso cirúrgico deve considerar as condições específicas do paciente, incluindo a qualidade óssea, presença de deformidades, e o histórico cirúrgico prévio.

Quais são as abordagens terapêuticas para as lesões osteocondrais do tálus em pacientes jovens?

Tanto a osteocondrite dissecante do tálus quanto as lesões osteocondrais traumáticas apresentam resposta satisfatória ao tratamento conservador em uma parcela modesta dos pacientes, com redução de dor e edema em aproximadamente 16%. No entanto, a proporção de pacientes que não evoluem satisfatoriamente permanece significativa. É comum identificar alterações cicatriciais mesmo em indivíduos assintomáticos que não apresentaram quadro clínico ou foram tratados ainda na infância ou adolescência.

O único fator de mau prognóstico para o tratamento conservador relatado na literatura é a presença de lesões grau III segundo a classificação de Berndt-Harty, especialmente em pré-adolescentes. A falha do tratamento conservador, a instabilidade das lesões ou o desvio dos fragmentos, sinais de progressão da lesão ou presença de corpos livres são indicações claras para a abordagem cirúrgica.

O tratamento cirúrgico deve ser individualizado conforme as características específicas da lesão e os tratamentos prévios realizados. Em pacientes com esqueleto imaturo, o uso de abordagens abertas que envolvam osteotomias maleolares é limitado, devido ao potencial risco ao crescimento. Nesses casos, os procedimentos artroscópicos mostram-se particularmente valiosos.

Entre as abordagens cirúrgicas possíveis, destacam-se a perfuração retrógrada, excisão de fragmentos soltos, desbridamento do leito da lesão com redução e fixação de fragmentos viáveis, estimulação da medula óssea, uso de scaffolds com ou sem recursos ortobiológicos, e procedimentos de substituição. A perfuração retrógrada é indicada para lesões em que a cartilagem articular está preservada, mas há comprometimento do osso subcondral. Utilizando abordagem trans-talárica por meio do seio do tarso, são realizadas múltiplas perfurações na zona patológica, guiadas por radioscopia, evitando violar a cartilagem íntegra que recobre a lesão. O objetivo é induzir uma crise celular local, favorecendo a neovascularização da medula óssea e da placa subcondral, promovendo a cicatrização.

Atualmente, esse procedimento é otimizado pela combinação de artroscopia do tornozelo e radioscopia, o que minimiza os erros de localização e perfuração. Guias específicos auxiliam o cirurgião a alcançar com precisão as regiões anatômicas de interesse, reduzindo o dano aos tecidos adjacentes.

A estimulação convencional da medula óssea, realizada por microperfurações no fundo da lesão, é uma técnica simples, de baixa morbidade e alta eficácia, especialmente quando executada artroscopicamente em lesões rasas e de até 10 mm de diâmetro. Contudo, sua eficácia reduz-se diante de lesões maiores ou quando há comprometimento significativo do osso subcondral ou da medula adjacente, como edema, cistos ou áreas necróticas. Nessas situações, o uso dessa técnica deve ser criterioso.

Nos últimos anos, a ortobiologia tem ganhado espaço, com estudos apontando benefícios na associação de técnicas de estimulação da medula óssea com o uso de membranas de colágeno, especialmente em lesões osteocondrais maiores e mais profundas. Especificamente para casos de osteocondrite dissecante, há relatos de bons resultados com o uso combinado de membranas de colágeno e aspirado de medula óssea.

Embora o uso de técnicas como o implante autólogo de condrócitos (ACI) e o transplante de células da medula óssea (BMDCT) ainda conte com casuística reduzida, são consideradas promissoras. A taxa de sucesso do tratamento cirúrgico da osteocondrite dissecante do tálus gira em torno de 78%, conforme revisão sistemática de 2012, embora um número considerável de pacientes necessite de procedimentos de revisão.

A relevância clínica deste tema reside na necessidade de considerar a osteocondrite dissecante do tálus como diagnóstico diferencial em quadros de dor no tornozelo em crianças e adolescentes. A investigação por imagem deve ser meticulosa e detalhada. O tratamento conservador, nas fases iniciais da patologia, tem mostrado resultados bastante favoráveis. Nos casos em que o tratamento conservador falha, e há sinais de instabilidade ou deslocamento do fragmento osteocondral, a intervenção cirúrgica oferece melhores perspectivas de recuperação e prognóstico funcional.

Além das técnicas descritas, é essencial compreender que a cronificação da lesão, muitas vezes silenciosa durante a infância, pode impactar de forma definitiva a função articular na vida adulta. A detecção precoce, sobretudo em pacientes assintomáticos com fatores de risco ou histórico familiar de lesões osteocondrais, é determinante. A escolha do momento cirúrgico deve respeitar não apenas a maturidade esquelética, mas também o equilíbrio entre o potencial de regeneração espontânea e o risco de deterioração progressiva. A precisão na classificação da lesão, a avaliação do estado da cartilagem, do osso subcondral e das estruturas articulares adjacentes são fundamentais para guiar a conduta e prever o desfecho. A integração de estratégias biológicas e minimamente invasivas representa uma tendência crescente, mas exige critério, conhecimento técnico refinado e acompanhamento longitudinal rigoroso.

Como Gerenciar Fraturas por Estresse no Pé e Tornozelo

As fraturas por estresse são lesões ósseas que ocorrem devido a forças repetitivas e a sobrecarga dos ossos, sendo particularmente comuns entre atletas e pessoas que praticam atividades físicas intensas. O pé e o tornozelo são locais frequentemente afetados, com várias estruturas propensas a lesões desse tipo. Entre as lesões mais comuns estão as fraturas no talus e no calcâneo, que apresentam características distintas em termos de diagnóstico, tratamento e recuperação. A abordagem para essas fraturas deve ser cuidadosa e adaptada ao tipo e gravidade da lesão, com foco em estratégias que garantam a cura sem prejudicar a funcionalidade a longo prazo.

Fraturas por estresse de baixo risco, em que os sintomas são menos graves, podem ser tratadas com redução da intensidade das atividades físicas, enquanto as fraturas de alto risco exigem, em certos casos, a interrupção total dos exercícios e a remoção do peso do membro afetado. Em todos os casos, o retorno ao esporte deve ocorrer após pelo menos 14 dias da cessação completa da dor. O tratamento nutricional é igualmente importante, com a recomendação de suplementação de vitamina D, mesmo em pacientes com níveis normais de 25(OH)D, sendo aconselhada a ingestão de 800 UI diárias (ou 2000 UI para aqueles em risco elevado). O cálcio também é essencial, com a ingestão de 2g diárias recomendadas por alguns estudos, podendo ser aumentada em casos de deficiências graves.

No que diz respeito ao tratamento farmacológico, o uso de medicamentos como bisfosfonatos e teriparatida não tem respaldo científico para o tratamento das fraturas por estresse, e a recomendação geral é evitar medicamentos anti-inflamatórios, que podem prejudicar o processo de cicatrização óssea. Em contrapartida, a administração de analgésicos pode ser realizada de forma pontual para controle da dor, sem comprometer a regeneração óssea. Além disso, a inclusão de magnésio na dieta e a correção de deficiências calóricas e proteicas também são essenciais para a recuperação.

É fundamental que o acompanhamento médico e o monitoramento da condição do paciente durante o tratamento sejam feitos com rigor. Isso inclui o controle de fatores externos que possam influenciar o processo de cura, como o estresse psicológico e a falta de sono, que são frequentemente associados a lesões por sobrecarga. A vigilância atlética, com a supervisão de treinamentos e o ajuste gradual da intensidade das atividades, desempenha um papel crucial na prevenção de recidivas.

A abordagem ideal para o tratamento de fraturas por estresse no pé e tornozelo requer, portanto, um tratamento integrado que envolva a redução da carga, o controle nutricional, o manejo adequado da dor e a reabilitação física gradual. Deve-se também garantir que fatores como a biomecânica da marcha e o uso de calçados adequados sejam corrigidos, visando a prevenir futuras lesões.

Fraturas por estresse no talus e no calcâneo apresentam características clínicas distintas. As fraturas do talus, por exemplo, embora raras, são consideradas de alto risco devido à possibilidade de cicatrização retardada. Pacientes com fraturas no talus geralmente se queixam de dor não específica ao redor do tornozelo, com inchaço, mas sem hematomas evidentes. O diagnóstico pode ser desafiador e geralmente é feito por radiografia seguida de tomografia computadorizada ou ressonância magnética para avaliar a extensão da fratura.

O tratamento para fraturas não deslocadas do talus é geralmente conservador, com redução de carga nas atividades físicas e, em casos mais graves, uso de muletas e imobilização por até seis semanas. Em casos de fraturas deslocadas, o tratamento cirúrgico é indicado, com estabilização anatômica. Embora a maioria dos pacientes tenha uma recuperação favorável, alguns podem apresentar sintomas residuais a longo prazo ou sinais degenerativos na avaliação por ressonância magnética.

As fraturas do calcâneo, por sua vez, são mais comuns e frequentemente associadas a aumentos súbitos na intensidade ou volume de atividades físicas. A dor plantar difusa é o sintoma mais comum, muitas vezes confundida com fascite plantar. O diagnóstico é feito através de compressão lateral do calcâneo e exames de imagem como radiografias e ressonância magnética. O tratamento das fraturas do calcâneo também é geralmente conservador, com descanso e redução de carga, mas em casos graves, pode ser necessária a intervenção cirúrgica.

Além do manejo físico, o acompanhamento psicológico e a adequação do treinamento também desempenham um papel fundamental na prevenção de fraturas por estresse. O treinamento supervisionado e gradual, a correção de erros na execução dos movimentos esportivos e o uso de equipamentos adequados são medidas preventivas indispensáveis.

Por fim, é importante que os atletas e praticantes de atividades físicas estejam conscientes da necessidade de uma abordagem multifatorial para a prevenção e tratamento das fraturas por estresse. A combinação de cuidados médicos, ajustes no treinamento, nutrição adequada e suporte psicológico constitui o melhor caminho para uma recuperação bem-sucedida e para a prevenção de novas lesões.

Como a cinemática e a cinética das articulações do quadril, joelho e tornozelo influenciam a marcha humana?

Durante a marcha, a desaceleração acontece principalmente por ação excêntrica, com a absorção correspondente de energia. Um dos aspectos fundamentais da marcha normal é a conservação da energia, que ocorre pela transferência entre os segmentos corporais e pela transformação entre energia cinética e potencial do centro de massa. A energia cinética atinge seu pico nos períodos de duplo apoio, enquanto a energia potencial é mínima, invertendo essa relação no suporte monopodal. A análise dos dados obtidos permite a elaboração de gráficos que representam o movimento angular, os momentos articulares, bem como a geração e absorção de potência em cada articulação e nos três planos do espaço.

A marcha é um processo aprendido, complexo e difícil de adquirir, mas, uma vez consolidada, realiza-se quase que de forma subconsciente. A peculiaridade da marcha de cada indivíduo é tão única que podemos identificá-lo apenas pelo som dos seus passos. Apesar dessa individualidade, quando representamos graficamente os movimentos das articulações (cinemática) ou as forças envolvidas (cinética), constatamos padrões semelhantes entre indivíduos saudáveis, que são alterados em condições patológicas.

A quantificação da marcha por meio de sistemas modernos de captura de movimento possibilita a representação detalhada do comportamento articular durante a progressão, que ocorre principalmente no plano sagital. É nesse plano que os movimentos articulares do quadril, joelho e tornozelo apresentam maior amplitude. Paralelamente, dispositivos registram as forças de reação do solo nos três planos espaciais, permitindo aplicar o método da dinâmica inversa. Com isso, e conhecendo os parâmetros inerciais dos segmentos corporais, é possível determinar quais ações motoras são necessárias para gerar os movimentos observados. A eletromiografia dinâmica e a estimativa do consumo energético, via trocas gasosas, complementam essa análise quantitativa, com aplicações clínicas fundamentais, como o estudo de paralisias e a adaptação de órteses e próteses, além de possibilidades emergentes, como o desenvolvimento de jogos eletrônicos.

No plano sagital, a articulação do quadril inicia o contato com o solo em flexão próxima a 40° em relação ao eixo anatômico da pelve, correspondendo a cerca de 30° em relação ao eixo vertical do laboratório, devido à inclinação anterior da pelve. A flexão máxima ocorre logo após o contato inicial, seguida de uma extensão progressiva que atinge o pico por volta de 50% do ciclo de marcha, limitada pela tensão dos tecidos moles anteriores, especialmente o ligamento em Y de Bertin. A amplitude total do arco de movimento do quadril é de cerca de 40°. Ao final do ciclo, antes do próximo contato, ocorre nova flexão, auxiliada pelo psoas e pela inércia dos segmentos distais, que possuem massa considerável.

No plano coronal, durante a fase de apoio, o peso do corpo gera um momento adutor que tende a baixar a hemipelvis contralateral. Para estabilizar essa ação, os músculos abdutores do quadril, liderados pelo glúteo médio, atuam inicialmente de forma excêntrica, compensando com um braço de momento mais curto o peso do segmento passageiro (cabeça, braços, tronco) e do membro contralateral, que possuem braços de momento maiores em relação ao centro de rotação do quadril.

No plano transversal, a rotação da pelve dita o movimento do quadril. O contato inicial ocorre com a hemipelvis ipsilateral avançada (rotação externa do quadril), enquanto, durante a fase de apoio, essa pelve fica atrasada em relação à contralateral (rotação interna do quadril). A demanda de momentos internos no quadril nesse plano explica a predominância dos músculos rotadores externos sobre os internos. A rotação interna é amplamente passiva, causada pela inércia do membro oposto, enquanto a rotação externa, que ocorre durante o balanço, é ativa.

O joelho, em sua cinemática sagital, apresenta uma curva característica em "dupla corcova". O primeiro pico de flexão, menor em amplitude, ocorre na fase de apoio para amortecer o impacto do contato inicial com o solo. Em alguns sujeitos, esse pico pode estar ausente, especialmente em quem apresenta marcha com joelho em recurvatum ou marcha lenta, que demanda menor amortecimento. Essa flexão excêntrica é controlada pelos músculos do quadríceps, exceto pelo reto anterior, que se manteria ativo de modo indesejável para não flexionar o quadril nessa fase.

Após o pico de flexão, o joelho se estende durante a fase intermediária do apoio para aumentar o comprimento efetivo do membro, facilitando a passagem do membro contralateral em balanço. Essa extensão ocorre com o quadríceps inativo, evidenciada pela eletromiografia dinâmica, sendo controlada principalmente pelo músculo sóleo, que, apesar de não cruzar o joelho, atua sobre ele por meio da cadeia cinética fechada. A inércia do segmento passageiro, combinada com o controle da rotação da tíbia no tornozelo, gera um momento extensor no joelho durante essa fase.

A marcha humana depende, portanto, de uma interação complexa entre a cinemática articular e a cinética muscular, combinadas com a transferência eficiente de energia entre os segmentos corporais. O equilíbrio entre a absorção e a geração de potência em cada articulação assegura uma locomoção eficiente e econômica. O entendimento profundo dessas relações é fundamental não apenas para o diagnóstico e tratamento de patologias locomotoras, mas também para o desenvolvimento tecnológico e biomecânico, que busca melhorar a qualidade de vida e potencializar a performance humana.

Além da análise quantitativa detalhada, é importante compreender que a marcha é uma habilidade que incorpora adaptação constante às condições ambientais e corporais. Assim, a variabilidade natural da marcha deve ser considerada um componente essencial para a saúde do sistema locomotor, não apenas como ruído ou desvio, mas como expressão da capacidade adaptativa. Reconhecer essa flexibilidade permite intervenções mais eficazes, respeitando o indivíduo em sua singularidade biomecânica e funcional.