A evolução das técnicas cirúrgicas tem sido marcada pelo progresso em direção à minimização de intervenções traumáticas, que resulta em menores complicações e uma recuperação pós-operatória mais ágil. Décadas atrás, a artroscopia representava a vanguarda, mas, subsequentemente, surgiram outras cirurgias minimamente invasivas, que hoje englobam um grupo heterogêneo de técnicas aplicáveis tanto para membros superiores, quanto inferiores, e para a coluna. Essas técnicas têm se tornado um ponto de referência, uma tendência convergente para o tratamento de diversas patologias, e atualmente são as mais utilizadas em uma variedade de condições.

A cirurgia percutânea no pé, também conhecida como cirurgia minimamente invasiva (MIS, do inglês Minimally Invasive Surgery), é um método cirúrgico que permite realizar intervenções no pé por meio de pequenas incisões, sem a exposição direta da área cirúrgica e sob controle fluoroscópico. Esse tipo de abordagem reduz o risco de lesões nos tecidos ao redor, sendo uma alternativa promissora à cirurgia aberta tradicional. A principal diferença entre a cirurgia aberta e a minimamente invasiva reside justamente na magnitude da incisão e na visão direta das estruturas anatômicas durante o procedimento, o que, no caso da cirurgia percutânea, se limita ao controle por imagem.

O tratamento cirúrgico das deformidades do pé visa restaurar a funcionalidade biomecânica e eliminar a dor. Para corrigir todos os elementos patológicos envolvidos, pode ser necessário realizar múltiplos gestos cirúrgicos. Com a abordagem aberta, isso traduz-se em grandes rotas de acesso, com amplas dissecções, mas a cirurgia minimamente invasiva permite que tais correções sejam feitas de maneira mais precisa, por meio de incisões pequenas e controladas, sem comprometer a integridade das estruturas adjacentes.

Embora as indicações cirúrgicas para ambos os métodos, aberto e minimamente invasivo, sejam semelhantes, a escolha da técnica depende da disponibilidade de equipamentos e da experiência do cirurgião. Para realizar uma cirurgia minimamente invasiva, é essencial possuir um conjunto específico de instrumentos. Esses materiais podem ser divididos em três categorias principais: instrumentos básicos, motorizarão e de controle radiológico.

Os instrumentos básicos incluem escalpelos, raspadores e elevadores. O uso de escalpelos Beaver 64 e Beaver 64MIS permite que pequenas incisões sejam feitas de maneira precisa, com cortes diretos que facilitam o acesso ao campo cirúrgico. Além disso, os raspadores e elevadores, disponíveis em diversas formas e tamanhos, ajudam na remoção de resíduos ósseos através das incisões. Para a sutura das feridas cirúrgicas, é necessário ter material adicional, como pinças de mosquito hemostáticas e portadores de agulhas.

Os instrumentos motorizarão, por sua vez, incluem um motor, um conjunto de brocas e um manual de mão. A utilização do motor, que pode ser elétrico ou a ar comprimido, exige controle rigoroso da velocidade para evitar danos ao osso. Uma rotação excessiva pode causar necrose óssea, enquanto uma velocidade muito baixa pode prejudicar a precisão do procedimento. A velocidade ideal está entre 1000 e 8000 rotações por minuto, permitindo maior controle e precisão nas manobras cirúrgicas.

Além disso, a utilização de instrumentos de controle radiológico, como fluoroscópios e sistemas de raio-X, é fundamental para a execução precisa da cirurgia percutânea. Esses dispositivos possibilitam que o cirurgião visualize em tempo real a área de intervenção, mesmo que de maneira bidimensional, oferecendo um guia essencial para a realização das osteotomias e demais procedimentos necessários. A diferença fundamental entre o uso do fluoroscópio e o raio-X convencional é que o primeiro utiliza uma quantidade menor de radiação e permite uma rotação de 360° para uma visão mais ampla da área cirúrgica.

Outro ponto importante para o sucesso da cirurgia minimamente invasiva é o conhecimento detalhado da anatomia. Durante o planejamento pré-operatório, é crucial identificar as estruturas anatômicas em risco, como vasos sanguíneos, nervos e tendões, para escolher a abordagem cirúrgica mais adequada e evitar lesões. Embora, na cirurgia aberta, essas estruturas possam ser visualizadas e protegidas diretamente, na cirurgia percutânea, o guia intraoperatório será baseado exclusivamente em imagens fluoroscópicas, o que exige uma adaptação por parte do cirurgião, que precisa desenvolver uma nova perspectiva anatômica. Esse processo de adaptação é fundamental, pois, ao contrário da cirurgia aberta, onde o cirurgião tem uma visão tridimensional clara da área de operação, a cirurgia percutânea depende da habilidade de manipular instrumentos com precisão em uma visão bidimensional limitada.

Entender as diferenças entre as duas abordagens cirúrgicas e as indicações para cada uma delas é essencial para que o cirurgião possa escolher a técnica mais apropriada para cada caso específico, garantindo não apenas a eficácia do tratamento, mas também a segurança do paciente durante todo o processo.

A prática da cirurgia minimamente invasiva exige, assim, não só conhecimento técnico sobre os instrumentos e a execução das manobras cirúrgicas, mas também uma compreensão aprofundada da anatomia do pé, a qual precisa ser constantemente reavaliada à medida que novas tecnologias e abordagens cirúrgicas vão surgindo. O sucesso na utilização dessa técnica depende também da experiência acumulada pelo cirurgião e da sua capacidade de se adaptar a um novo estilo de operação, muito mais preciso e controlado.

Qual a Importância dos Fatores Intrínsecos e Extrínsecos no Tratamento da Tendinopatia Não-Insercional do Tendão de Aquiles?

A tendinopatia não-insercional do tendão de Aquiles é uma das condições mais comuns, representando entre 55% e 65% dos distúrbios relacionados ao tendão de Aquiles. Esse quadro, também conhecido como tendinose, é caracterizado por alterações histológicas que incluem a perda da arquitetura colagenosa normal, substituição por um material mucinoso amorfo, hipercelularidade, aumento dos glicosaminoglicanos e neovascularização. Embora antes se acreditasse que a inflamação não desempenhasse um papel significativo, estudos mais recentes indicam que a inflamação pode contribuir para o desenvolvimento da tendinopatia, embora a principal lesão ainda seja considerada uma resposta de cicatrização falha.

O termo “tendinopatia” é preferido ao termo “tendinite”, pois não implica diretamente nos conceitos de inflamação ou degeneração, refletindo de forma mais precisa a natureza do distúrbio. A incidência de tendinopatia do tendão de Aquiles pode ser tão alta quanto 37,3 por 100.000 pessoas em algumas populações europeias, sendo resultado de uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos.

Fatores intrínsecos incluem a idade, o tipo de corpo, a nutrição, doenças metabólicas, genética, desalinhamento dos membros inferiores, discrepância no comprimento das pernas e limitação da dorsiflexão do tornozelo. Já os fatores extrínsecos estão relacionados a erros de treinamento, uso de medicamentos, como esteroides e fluoroquinolonas, compressão, desuso e excesso de carga. A obesidade, diabetes mellitus e hipertensão têm mostrado associações significativas com a tendinopatia, além de condições metabólicas, como a dislipidemia, que, apesar de não ser amplamente medida em todos os pacientes, pode ser um fator relevante, especialmente em casos de doença bilateral extensa ou episódios intermitentes de dor severa no tendão.

Entre as atividades esportivas, corredores de médias e longas distâncias são os mais suscetíveis a essa condição, com uma incidência anual de 7% a 9% entre corredores de clubes de alto nível. A dor, sintoma predominante, costuma ser mais intensa após períodos de descanso e pode interferir tanto na função atlética quanto nas atividades diárias. A origem da dor no tendão de Aquiles é ainda uma questão controversa, mas a presença de neovascularização e neoinervação anormal frequentemente está associada à dor, desempenhando um papel central no desenvolvimento do quadro clínico.

O diagnóstico clínico é feito com base em sinais como inchaço na face posterior medial do tendão, dor à palpação, e testes como o "signo do arco doloroso" e o teste de Royal London Hospital (RLH). A combinação desses testes mostra uma boa especificidade, mas a sensibilidade ainda pode ser aprimorada. A ultrassonografia (US) e a ressonância magnética (RM) são exames úteis para avaliar a natureza, localização e tamanho da lesão. A US, especialmente com Doppler de potência, é valiosa para identificar áreas de neovascularização, correlacionando diretamente com as regiões dolorosas. Embora a RM seja superior na caracterização da degeneração do tendão, a US tem demonstrado maior precisão no diagnóstico de tendinopatia, com a ultrassonografia por elastografia e outras modalidades emergentes mostrando resultados promissores.

O tratamento da tendinopatia não-insercional do tendão de Aquiles é predominantemente conservador. Embora medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), fisioterapia, imobilização e terapias como crioterapia, terapia de ondas de choque e injeções peritendíneas possam ser utilizados, a evidência de eficácia dessas abordagens é limitada. A principal linha de tratamento conservador envolve exercícios excêntricos, que demonstraram ser a terapia mais eficaz para essa condição. O protocolo de Alfredson, que consiste em três séries de 15 repetições, duas vezes ao dia por 12 semanas, tem mostrado bons resultados em vários estudos. Porém, os resultados podem ser mais variáveis em outros estudos, e a adesão do paciente é crucial para o sucesso dessa abordagem.

Além disso, a combinação de exercícios excêntricos com outras terapias, como a terapia de ondas de choque de baixa energia repetitiva (ESWT), mostrou ser mais eficaz do que os exercícios isolados, com melhora significativa nos escores de avaliação funcional e redução da dor após quatro meses de tratamento. No entanto, deve-se ressaltar que cerca de 25% dos pacientes não respondem a tratamentos conservadores, o que demanda uma avaliação contínua das abordagens terapêuticas.

Em casos mais graves, ou quando o tratamento conservador falha, podem ser consideradas intervenções mais invasivas, como a cirurgia. Porém, a grande maioria dos pacientes responde bem a uma combinação de abordagens conservadoras, sendo os exercícios excêntricos e as terapias de ondas de choque as mais recomendadas na literatura atual.

A compreensão dos fatores que influenciam o desenvolvimento da tendinopatia do tendão de Aquiles e a aplicação de tratamentos adequados de forma individualizada são fundamentais para alcançar os melhores resultados. A adesão ao tratamento conservador e a atenção cuidadosa aos sinais clínicos são essenciais para a reabilitação bem-sucedida e para a prevenção de recaídas.

Como Identificar e Avaliar Lacerações nos Tendões Peroneais

A avaliação clínica dos tendões peroneais requer uma abordagem detalhada, com a compreensão de suas características e das condições associadas que podem interferir no diagnóstico. A inspeção física de um paciente com suspeita de lesão nos tendões peroneais deve ser feita com a articulação tibiotársica em flexão plantar, pois isso ajuda a isolar os efeitos dessas lesões. Os sinais mais consistentes incluem dor à palpação, inchaço e aumento no tamanho dos tendões, com esses sintomas sendo particularmente evidentes em lacerações do perônio curto (peroneus brevis). Estudos indicam que a dor foi encontrada em 100% dos pacientes com lacerações confirmadas cirurgicamente do perônio curto, e o inchaço em 90% dos casos.

A dor e o inchaço localizados na região proximal ao maléolo lateral indicam uma laceração do perônio curto, enquanto esses mesmos sinais ao longo do tubérculo peroneal e da fenda do cuboide são mais típicos de lesões no perônio longo (peroneus longus). Além disso, é importante que o examinador seja capaz de distinguir a dor distal e o inchaço na inserção do perônio curto daquele observado no perônio longo, devido à localização mais dorsal do perônio curto. Outro sinal frequentemente observado na avaliação clínica é a dor com a eversão resistida do pé, embora, como a dor à palpação e o inchaço, também possa ocorrer em casos de tendinite, sendo assim pouco confiável isoladamente para confirmar uma laceração.

A dor também pode ser provocada pela inversão passiva do pé, que tensiona ambos os tendões peroneais sobre suas fulcras ósseas. Além disso, o exame deve incluir a avaliação de subluxação intra-sheath dos tendões, embora, na ausência de deslocamento evidente, a instabilidade peroneal possa ser difícil de detectar. É fundamental, ainda, realizar uma avaliação abrangente das extremidades inferiores, com foco em possíveis diagnósticos confusos ou que possam contribuir para o quadro clínico do paciente. A posição e a amplitude de movimento do pé e tornozelo devem ser observadas, pois a deformidade cavovarus predispõe a lacerações nos tendões peroneais, e em alguns casos, pode ser necessária intervenção cirúrgica. Embora as lacerações tendíneas peroneais também possam ocorrer em deformidades plano-valgas, especialmente quando associadas à instabilidade dos ligamentos laterais, o diagnóstico pode ser confundido por lesões no subtálamo ou no subfíbula. A instabilidade lateral dos ligamentos frequentemente coexiste com a patologia tendínea peroneal e pode precisar de correção simultânea.

Em alguns casos, condições como neurite sural, patologias no tendão de Aquiles e artrite no retropé podem complicar o quadro clínico. A radiografia inicial, incluindo vistas anteroposterior, oblíqua e lateral do pé e tornozelo, proporciona informações valiosas sobre o alinhamento das articulações e pode ajudar a excluir condições que confundem o diagnóstico, como artrite do retropé. A presença do os peroneum, uma pequena ossificação normalmente localizada dentro do tendão peroneus longus, pode ser visível nas radiografias. A migração proximal desse os peroneum indica uma laceração no perônio longo distal ao os, sendo facilmente observada nas vistas radiográficas de rotação interna de 45 graus. Além disso, a fratura do os peroneum frequentemente está associada a uma lesão no tendão peroneus longus.

A imagem por ressonância magnética (RM) é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico das lacerações nos tendões peroneais. Contudo, sua interpretação exige um conhecimento refinado, pois mudanças na forma do tendão, incluindo divisões em diferentes feixes, e aumento de sinal (edema) dentro do tendão são indicativos claros de lesões. A técnica de reconstrução para-axial oblíqua, com a orientação perpendicular aos tendões, proporciona a representação mais precisa da morfologia e do sinal dentro dos tendões, principalmente nas regiões críticas perto do maléolo lateral, onde as lesões do perônio curto são mais comuns. A imersão em imagens T2 com supressão de gordura é essencial para avaliar corretamente o sinal dentro dos tendões, já que a artefato do "ângulo mágico" pode distorcer a imagem em posições padrão de exame. Para mitigar esse efeito, imagens devem ser adquiridas com o pé em 20 graus de flexão plantar.

Lacerações no perônio curto geralmente se apresentam como tendões em forma de "C" ou divididos em feixes distintos, com sinais anormais de edema variando de acordo com a idade da lesão. Já as lacerações no perônio longo aparecem como áreas lineares ou arredondadas de aumento do sinal intra-tendinoso, visíveis nas reconstruções oblíquas mais proximais, bem como nas imagens coronais do tornozelo nas regiões distais. A ruptura completa com defeito é mais comum nas lacerações do perônio longo.

Embora a RM seja altamente eficaz, a importância de uma história clínica detalhada e de um exame físico meticuloso não pode ser subestimada, uma vez que estudos demonstraram que uma alta taxa de patologia tendínea peroneal pode ser detectada por RM em pacientes assintomáticos.

O ultrassom, por sua vez, pode ser uma modalidade útil para diagnosticar a patologia dos tendões peroneais. Estudos indicam que sua sensibilidade para detectar lacerações é de 100%, com uma especificidade de 85% e uma precisão geral de 90%. No entanto, sua principal limitação está na dependência da experiência do ultrassonografista, tornando seu uso um desafio em regiões onde especialistas altamente treinados são menos acessíveis.

Quais são os Achados Radiográficos e as Estratégias de Tratamento para a Hemimelia Fibular?

A hemimelia fibular é uma condição rara que se caracteriza pela ausência parcial ou total do fêmur distal e da fíbula, causando uma série de deformidades nos membros inferiores. Em casos leves, é comum observar um alinhamento valgo da extremidade, geralmente impulsionado por uma hipoplasia do côndilo lateral. No entanto, este padrão não é universal, sendo fundamental resistir à tentação de realizar uma análise de deformidade superficial, especialmente a tibial. Em nossa prática, realizamos uma análise completa da deformidade em cada radiografia, conforme o sistema descrito em The Art of Limb Alignment.

Uma curvatura tibial anteromedial pode contribuir para o alinhamento geral em valgo, assim como a fise tibial proximal. Um sinal clínico comum de curvatura tibial anteromedial é a presença de um pequeno afundamento na pele na superfície anteromedial da tibia. Em crianças com hemimelia fibular, a coalizão tarsal é praticamente uma constante, sendo mais comum entre o tálus e o calcâneo. A coalizão pode se apresentar de forma anatômica ou em uma posição lateral, com aparência semelhante a um “canhão de dois canos”, sugerindo a necessidade de osteotomia subtalar. Os médicos devem evitar a tentação de descartar a coalizão tarsal nas radiografias de crianças pequenas, uma vez que essa associação se torna mais evidente com o aumento da idade.

A anatomia do antepé mostrou-se mais variável do que o tradicionalmente ensinado. O conceito clássico de que as deficiências do raio são laterais na hemimelia fibular tem sido questionado, embora a importância prognóstica desse achado ainda precise ser mais bem definida. Embora o diagnóstico radiográfico seja importante, a ressonância magnética (RM) também desempenha um papel fundamental na avaliação do joelho e do tornozelo, especialmente nos primeiros anos de vida. A principal utilidade da RM reside na capacidade de avaliar com precisão as porções não ossificadas do tornozelo e do retropé. Ela também fornece informações relevantes sobre a localização anatômica das estruturas neurovasculares e a anatomia do joelho. Além disso, a artrografia do tornozelo pode ser realizada durante a cirurgia, gerando uma "linha de referência" suave para a orientação da articulação do tornozelo nas visões anteroposterior e lateral durante a osteotomia de reorientação.

Nos casos em que a reconstrução é indicada, os objetivos principais são garantir uma articulação do quadril, joelho e tornozelo estáveis. Isso envolve a correção do pé, que geralmente apresenta equinovalgus, para uma posição plantígrada estável, a equalização do comprimento dos membros inferiores até a maturidade esquelética, e a restauração do alinhamento normal dos membros. Além disso, a reconstrução ligamentar do joelho instável é uma etapa crucial. No entanto, o tornozelo permanece como o centro da atenção no tratamento mediado por reconstrução, uma vez que um tornozelo rígido tende a continuar rígido ao longo do tratamento, o que pode dificultar a mobilidade, mas pode ser funcional por longo período.

O método tradicional de lengthening do membro inferior, embora útil, tem suas limitações. A imobilização do retropé durante o lengthening pode intensificar a rigidez pós-operatória, o que levou muitos centros a reconsiderarem o uso de grandes alongamentos simultâneos à reconstrução do tornozelo. A correção da curvatura anteromedial severa é frequentemente realizada com o uso de fixadores tipo Ilizarov ou com quadros hexapod, enquanto que em curvaturas menos severas, o procedimento de osteotomia de encurtamento e realinhamento distal da tíbia (SHORDT) pode ser uma alternativa viável.

Além disso, é importante considerar que a quantidade de discrepância de comprimento de membro que se espera atingir na idade adulta é um fator essencial no aconselhamento das famílias quanto ao curso da reconstrução. Em geral, estima-se que cada elongação possa proporcionar um ganho de cerca de 5 cm, embora centros especializados possam ultrapassar esse objetivo. Em discrepâncias muito pequenas (<5 cm) ou muito grandes (>20 cm), a epifisiodese contralateral pode ser uma ferramenta útil para alcançar o resultado desejado.

Embora o foco da maioria dos tratamentos seja a correção da curvatura e a recuperação do alinhamento normal dos membros, a abordagem deve ser cuidadosa quanto ao limite seguro de alongamento. Estudos provenientes da literatura sobre trauma em adultos sugerem que, em casos onde mais de 1-2 cm de encurtamento são necessários para corrigir a deformidade, o tecido mole pode não tolerar bem a mudança abrupta. Isso sugere que, para membros com tecidos densos, o limite seguro pode ser ainda mais baixo, exigindo técnicas precisas e um acompanhamento rigoroso para evitar complicações como necrose tecidual ou fechamento prematuro das fise.

Como a Instabilidade da Coluna Medial Contribui para a Progressão do Hallux Valgus

O hallux valgus, deformidade comum do pé, envolve uma série de fatores anatômicos e fisiopatológicos complexos que se inter-relacionam, resultando em uma variação na forma e funcionamento da articulação metatarsofalângica (MTP) do dedão do pé. A articulação MTP é cercada por uma rede de ligamentos e tendões que fornecem estabilidade e suporte ao movimento do dedão. Dentre esses, os tendões flexores como o flexor longo do hálux (FHL) e o flexor curto do hálux (FHB), bem como os ligamentos metatarsossesamoidianos e colaterais, desempenham papéis essenciais na biomecânica do pé.

Os ossos sesamoides localizados sob a articulação MTP têm diversas funções que incluem proteger o tendão FHL contra cargas excessivas, aumentar a alavanca para os músculos flexores e distribuir as forças de carga, que podem chegar até 50% do peso corporal, podendo até atingir 300% durante o impulso. Esses ossos podem ser bipartidos em até 30% dos casos ou, em raros momentos, ausentes congenitamente, mas, independentemente disso, são cruciais para a estabilidade da articulação do hálux.

A relação entre os diversos tendões e ligamentos que cercam essa articulação cria uma "rede" plantar que serve para ancorar a região e estabilizar a articulação. O tendão do adutor do hálux, por exemplo, se insere nas extremidades lateral e proximal do primeiro metatarso e da falange proximal, funcionando como um estabilizador adicional. O músculo abdutor do hálux, em oposição, tem inserções mais médias, o que ajuda a equilibrar a ação do adutor. Essas inserções musculares contribuem diretamente na dinâmica do movimento do pé, sendo fundamentais para a análise da progressão do hallux valgus.

Ao examinar as causas do hallux valgus, fica claro que a instabilidade da coluna medial do pé, incluindo o desalinhamento dos ossos sesamoides, pode levar à deformidade progressiva da articulação MTP. A rotação do metatarso, combinada com a instabilidade da coluna medial, é um fator crucial para o desenvolvimento do hallux valgus. O metatarso começa a desviar para o varo, e o hálux, por consequência, se desloca para o valgus. Nesse processo, a forte ligação dos ligamentos e tendões do complexo sesamoide impede que os sesamoides se movam junto com a rotação, o que resulta em uma deformidade progressiva.

O desenvolvimento de hallux valgus não ocorre de forma isolada; ele está profundamente relacionado à biomecânica da coluna medial do pé. A rotação do primeiro metatarso e o movimento pronador subsequente são processos interligados que favorecem o agravamento da deformidade. Além disso, como os tendões flexores (FHL e FHB) passam lateralmente ao centro da cabeça do metatarso, sua ação acaba exacerbando a força que desloca o hálux para o valgus, um fator dinâmico que acelera a progressão da deformidade.

Outros fatores, como o uso de calçados estreitos e de salto alto, têm um impacto significativo, como foi observado após a Segunda Guerra Mundial, quando o aumento do uso de sapatos com bico fino e salto contribuiu para o aumento da prevalência do hallux valgus, especialmente em mulheres japonesas. A predisposição genética também desempenha um papel importante na gênese do hallux valgus, com a prevalência de até 94% de mães de indivíduos com a condição apresentando a mesma deformidade. Embora a causa exata ainda não tenha sido completamente identificada, a instabilidade estrutural e os fatores biomecânicos estão bem estabelecidos como os principais responsáveis pela deformidade.

A anatomia da articulação MTP também desempenha um papel fundamental. A forma do primeiro metatarso, seja arredondada ou quadrada, influencia diretamente o risco de desenvolver hallux valgus. A forma quadrada, por exemplo, oferece menos risco de deformidade do que a forma arredondada, uma consideração importante ao planejar intervenções terapêuticas. Em termos de tratamento, a compreensão dessa interação entre a instabilidade da coluna medial e a rotação do metatarso é crucial, pois apenas corrigir o alinhamento esquelético pode não ser suficiente. A estabilização e a reeducação dos músculos e tendões que envolvem a articulação MTP são igualmente importantes para prevenir ou retardar a progressão da deformidade.