O manejo pós-operatório de pacientes com fisiologia de ventrículo único, em particular após a realização de um shunt central, exige uma abordagem meticulosa para equilibrar as circulações pulmonar e sistêmica. A falha no equilíbrio dessas circulações pode resultar em sérias complicações, incluindo a diminuição do suprimento de oxigênio aos tecidos, com consequências potencialmente fatais.
Quando o índice Qp:Qs cai abaixo de 1:1, a oferta de oxigênio para a circulação sistêmica diminui drasticamente. Isso ocorre porque, enquanto o fluxo sanguíneo sistêmico pode aumentar temporariamente, sua eficácia é logo anulada pela queda no conteúdo de oxigênio no sangue. A gestão desse processo visa, principalmente, otimizar a oxigenação e a pressão de perfusão da circulação sistêmica, além de manter o equilíbrio entre as circulações pulmonar e sistêmica.
Logo após a operação de shunt, um dos desafios é garantir que o fluxo sanguíneo pulmonar seja adequadamente restaurado. Para isso, pode ser necessário recorrer ao uso de drogas inotrópicas e vasopressores, como a norepinefrina, para aumentar a resistência vascular sistêmica (SVR) e reduzir a pós-carga. Um hematócrito superior a 40% também é essencial para garantir que o transporte de oxigênio seja eficiente.
Nos primeiros dias após a cirurgia, a obstrução residual do arco aórtico ou a presença de disfunção ventricular pode ser identificada como a causa de uma pressão arterial baixa (<60/30 mmHg), associada ao aumento da resistência vascular pulmonar (PVR). Nesse cenário, medidas como a ventilação controlada e o uso de óxido nítrico (NO) podem ser indicadas para reduzir a PVR e melhorar a oxigenação.
Além disso, em casos em que a saturação arterial de oxigênio (SaO2) cai abaixo de 65–75%, um aumento da oferta de oxigênio sistêmico pode ser necessário. Este aumento pode ser alcançado com o uso de fármacos cardiotônicos ou mesmo com intervenções cirúrgicas para corrigir o tubo do shunt ou tratar a obstrução do arco aórtico. Essas intervenções são necessárias quando a perfusão sistêmica e pulmonar está comprometida a ponto de não responder mais às terapias farmacológicas.
Os pacientes com shunt central também devem ser monitorados atentamente para complicações, como a formação de coágulos ou torções no tubo do shunt, que são situações de emergência, exigindo correção imediata. A monitorização rigorosa do sangue arterial e venoso é indispensável, especialmente em termos de gasometria, onde é necessário manter o pH dentro de valores normais e evitar a acidose ou alcalose excessivas.
Além disso, é importante considerar a função ventilatória. O uso de ventiladores mecânicos durante o período pós-operatório requer ajustes contínuos nas configurações do aparelho para evitar complicações, como atelectasias e hipoxia venosa pulmonar. O controle da ventilação deve ser feito com base na PaCO2, FiO2 e parâmetros como a pressão inspiratória máxima.
Outro ponto crucial é a administração de heparina para prevenir tromboses, que pode ser reiniciada no pós-operatório após uma avaliação cuidadosa do risco de sangramento. O monitoramento do tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT) é essencial para garantir que a anticoagulação esteja na faixa terapêutica ideal. Se não houver sinais significativos de sangramento e o débito de drenos torácicos for inferior a 3 ml/(kg·h), a heparina pode ser retomada 4 horas após a cirurgia.
No caso de complicações graves, como o risco de isquemia miocárdica ou falência ventricular, pode ser necessária a utilização de suporte mecânico, incluindo dispositivos de assistência circulatória, ou mesmo a preparação para o transplante cardíaco, se a condição do paciente se deteriorar.
A abordagem anestésica durante a realização de um procedimento de shunt central deve ser centrada na manutenção da oxigenação adequada e na estabilização hemodinâmica. A adaptação ao tipo de cirurgia, como o shunt bidirecional Glenn, exige que a anestesia seja ajustada para garantir que o fluxo sanguíneo entre as circulações sistêmica e pulmonar seja otimizado, sem comprometer a perfusão de órgãos vitais.
É fundamental que o anestesista esteja sempre atento às mudanças nas condições hemodinâmicas e à resposta clínica do paciente a diferentes intervenções. A vigilância constante e a resposta rápida a qualquer variação nas condições do paciente podem ser a chave para prevenir complicações fatais.
Como Gerenciar Anestesia Durante a Substituição da Válvula Mitral em Crianças com Insuficiência Mitral Severa?
A insuficiência mitral (IM) é uma condição caracterizada pelo fechamento incompleto das válvulas entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo, o que resulta em um fluxo sanguíneo retrogrado, do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo. A cirurgia de substituição da válvula mitral normalmente não é considerada a primeira opção para pacientes pediátricos com IM, a menos que haja lesões irreversíveis da válvula, como calcificação do anel valvular ou prolapso mitral grave. Nesses casos, a substituição valvular permanece como uma intervenção eficaz. Este estudo de caso aborda o manejo anestésico durante a cirurgia de substituição da válvula mitral em uma criança com IM grave.
Uma menina de 13 anos, com histórico de plástica da artéria pulmonar e valvuloplastia mitral realizados sete anos antes devido a estenose da artéria pulmonar e insuficiência mitral, apresentou recentemente piora da dispneia após exercícios físicos. A ecocardiografia revelou insuficiência mitral grave, com um jato de regurgitação de 1,2 cm de largura e uma área do jato de IM correspondente a 45% da área do átrio esquerdo. A função de ejeção ventricular esquerda (LVEF) foi de 42%, indicando que a paciente estava em risco elevado de falência cardíaca esquerda.
A paciente foi programada para cirurgia de substituição da válvula mitral sob anestesia geral. Durante o procedimento, a monitoração invasiva foi estabelecida com a cateterização da artéria radial esquerda e da veia jugular interna direita. A indução anestésica foi realizada com uma dose intravenosa de midazolam, etomidato, sufentanil e rocurônio. A ventilação foi controlada com um volume corrente de 300 mL, com uma taxa respiratória de 16 respirações por minuto e uma fração de oxigênio inspirada de 60%.
O manejo anestésico nesse contexto exige atenção especial para garantir a pré-carga adequada, evitar sobrecarga excessiva após a ejeção do ventrículo esquerdo e manter uma frequência cardíaca relativamente alta. Devido ao aumento da pressão e do volume do ventrículo esquerdo, é crucial monitorar possíveis ocorrências de falência ventricular esquerda. Durante a descontinuação da circulação extracorpórea (CEC), a paciente apresentou falência cardíaca esquerda, o que exigiu ajustes na infusão de drogas inotrópicas positivas, como dopamina, epinefrina e norepinefrina. Após estabilização hemodinâmica, a paciente foi gradualmente deswean da CEC e o procedimento foi completado com sucesso.
Após a operação, a paciente foi monitorada em unidade de terapia intensiva cardíaca, onde foi possível realizar uma reavaliação da evolução clínica. Com um tempo de cirurgia de cerca de seis horas e perda estimada de sangue de 500 mL, além de um débito urinário de 800 mL, a paciente apresentou uma recuperação pós-operatória satisfatória. Ela foi extubada no terceiro dia pós-operatório, recebeu alta da unidade de terapia intensiva no quinto dia e foi liberada do hospital no 14º dia.
A insuficiência mitral pode ser classificada em três graus: leve (<20%), moderada (20–40%) e grave (>40%). Nos casos graves, além de sintomas como diminuição da tolerância ao exercício e dispneia, pode haver comprometimento do crescimento e desenvolvimento da criança. O volume de regurgitação da IM depende de fatores como a área do orifício de regurgitação, a duração da IM e o gradiente de pressão entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo. A regulação indireta do volume de regurgitação pode ser feita controlando a frequência cardíaca e a resistência vascular sistêmica.
Em casos de IM grave, a realização de ecocardiografia é crucial para monitorar o aumento do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo, bem como a função de ejeção ventricular esquerda, que pode se deteriorar. No caso de nossa paciente, a diminuição da LVEF foi um indicativo claro de que ela estava em alto risco de falência cardíaca esquerda durante a cirurgia, o que justificou a atenção contínua à estabilidade hemodinâmica durante o procedimento.
A anestesia durante a substituição da válvula mitral exige uma compreensão profunda da fisiologia do paciente com insuficiência mitral grave e da necessidade de manter uma estabilidade hemodinâmica rigorosa, evitando picos de pressão ou redução excessiva da pressão após a retirada da circulação extracorpórea. A correta escolha e dosagem dos fármacos inotrópicos, assim como o ajuste constante dos parâmetros ventilatórios, são essenciais para garantir a segurança do paciente durante e após a cirurgia.
Como o Volume Sistólico e a Pré-carga Afetam o Débito Cardíaco: Uma Análise Fisiológica Completa
O volume sistólico (SV) é a quantidade de sangue ejetada pelo ventrículo a cada batimento cardíaco, e é representado pela diferença entre o volume end-diastólico (EDV) e o volume end-sistólico (ESV). O impacto de fatores como pré-carga, contratilidade miocárdica e pós-carga sobre o débito cardíaco (CO) é multifacetado, e o entendimento dessa interação é crucial para a compreensão da fisiologia cardiovascular. A relação entre o volume sistólico e a pré-carga, especialmente a forma como mudanças no volume diastólico podem afetar o desempenho do coração, é central para qualquer estudo sobre a função cardíaca.
A contração atrial, embora represente uma parte pequena do volume ventricular, tem um papel importante na dinâmica do enchimento do ventrículo. Durante a sístole atrial, a pressão aumentada no átrio esquerdo facilita a entrada de sangue no ventrículo, com uma contribuição direta para o aumento do volume ventricular. Em condições de enfraquecimento da contratilidade atrial, como após algumas cirurgias cardíacas ou em doenças cardíacas congênitas, essa contribuição diminui substancialmente. Isso pode resultar numa redução significativa do débito cardíaco, uma vez que a entrada de sangue no ventrículo é diminuída, afetando negativamente o SV e, por consequência, o CO.
Após a contração ventricular, o ponto máximo da pressão ventricular é atingido, o que define o limite superior da curva de pressão-volume (P-V). A partir desse ponto, a relação entre a pressão e o volume do ventrículo esquerdo durante a diástole reflete a complacência do ventrículo. Uma diminuição na compliance ventricular, comum em casos de hipertrofia, isquemia ou infarto, pode aumentar a pressão diastólica final (LVEDP), mesmo quando o volume final diastólico (LVEDV) permanece constante. O aumento da pré-carga, portanto, pode causar uma elevação do LVEDP, o que afeta diretamente a eficiência do coração, dificultando a função de bombeamento.
O efeito do ritmo cardíaco sobre o débito cardíaco e o volume sistólico é complexo e não linear. A aceleração da frequência cardíaca reduz o tempo disponível para o enchimento ventricular durante a diástole, diminuindo a pré-carga e, consequentemente, o SV. Contudo, frequências muito altas podem melhorar a contratilidade miocárdica por aumentar a influxo de cálcio nos músculos cardíacos, o que potencializa a força da contração, levando a um aumento do SV, apesar da redução do tempo de enchimento. Por outro lado, frequências cardíacas muito lentas ou uma desincronia atrioventricular podem diminuir o débito cardíaco de maneira significativa, levando a uma disfunção circulatória em pacientes com doenças cardíacas congênitas ou em condições de bloqueio atrioventricular.
Outro fator importante que afeta o SV é o pós-carga, que é o esforço necessário para que o ventrículo ejetore sangue durante a sístole. Quando a resistência à ejeção aumenta, como no caso de estenoses valvulares ou hipertensão, o ventrículo precisa gerar uma pressão mais alta para superar essa resistência, o que pode levar a uma redução do volume sistólico. O aumento da pós-carga desloca a curva P-V para cima, o que resulta em um menor SV, já que o ventrículo encontra maior dificuldade em se contrair adequadamente para ejetar o sangue. Além disso, a hipertrofia ventricular pode surgir como uma resposta a um aumento prolongado da pós-carga, afetando ainda mais a eficiência cardíaca.
A relação entre volume sistólico e pré-carga é explicada pela famosa Lei de Frank-Starling, que descreve a relação positiva entre o aumento da distensão ventricular (pré-carga) e o aumento do volume ejetado (SV). Em termos simples, quanto maior a quantidade de sangue que retorna ao coração, maior será a quantidade de sangue ejetada pelo ventrículo. No entanto, à medida que a pré-carga aumenta além de um certo ponto, o SV atinge um platô, onde não há mais incremento significativo no volume ejetado, independentemente do aumento da pré-carga.
Por fim, a regulação do retorno venoso é outro fator crucial que determina a pré-carga. O gradiente de pressão entre a pressão sistêmica média e a pressão atrial direita é o principal motor do retorno venoso, que, por sua vez, determina o volume de sangue disponível para o enchimento ventricular. Alterações em fatores como volume sanguíneo, resistência venosa e pressão atrial direita podem afetar diretamente o retorno venoso e, consequentemente, a pré-carga. Esse retorno venoso também é regulado pela relação entre o volume sanguíneo tenso e não tenso, onde a maior parte do volume sanguíneo não gera tensão na parede vascular, enquanto uma parte menor, chamada de volume sanguíneo tenso, contribui para a pressão arterial.
Em situações clínicas, como em crianças com insuficiência valvar mitral ou estenose da válvula aórtica, essas interações se tornam ainda mais evidentes. Em pacientes com insuficiência mitral, por exemplo, o sangue pode regurgitar para o átrio esquerdo durante a contração ventricular, comprometendo a função contrátil do ventrículo e resultando em um desequilíbrio na dinâmica de pressão e volume. Alterações na função cardíaca, como as observadas após cirurgias de correção cardíaca em crianças, podem causar uma desincronia atrioventricular, resultando em diminuição do débito cardíaco, já que o aumento compensatório do SV não é suficiente para manter o fluxo sanguíneo adequado.

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