O domínio espacial, assim como o cibernético, está sendo cada vez mais explorado, e a tendência é que essa expansão continue a crescer. Nos dias atuais, é provável que tanto você quanto seus filhos ou netos tenham vivido boa parte de suas vidas com seres humanos em órbita, um testemunho claro da exploração dos recursos próximos à Terra. Esse cenário é reflexo da crescente importância e dependência das comunicações não-terrestres, que envolvem satélites em órbitas como a GEO (Geostationary Equatorial Orbit), MEO (Medium Earth Orbit) e LEO (Low Earth Orbit), entre outras. Com o aumento dessa exploração, torna-se fundamental a consideração da segurança cibernética para proteger essas infraestruturas vitais.

Embora a ameaça cinética, como ataques físicos a satélites, ainda seja uma preocupação, a ameaça não-cinética, que inclui ataques cibernéticos e atividades eletromagnéticas (CEMA), tem se tornado cada vez mais relevante. Essa transição é impulsionada pela evolução das capacidades ofensivas no ciberespaço, além da crescente dependência de sistemas espaciais para comunicações globais e outros serviços críticos. Nesse contexto, a segurança cibernética não é mais apenas uma questão de proteger a infraestrutura local, mas também de garantir a resiliência das operações espaciais.

O ataque cibernético pode ser dividido em várias fases, conforme o modelo MITRE ATT&CK. Primeiramente, o adversário precisa localizar o alvo, o que é descrito como a fase de "Reconhecimento". Em seguida, o invasor deve encontrar uma forma de acessar a rede ou sistema alvo, o que é denominado "Desenvolvimento de Recurso e Acesso Inicial". Após isso, a escalada de privilégios, o movimento lateral e a exploração do alvo entram em cena. O objetivo final é a exploração ou o ataque ao recurso alvo, e em todas essas etapas, o adversário tentará evitar a detecção.

Portanto, para defender os ativos no espaço, é crucial proteger cada uma dessas fases e, para isso, é comum adotar abordagens de resiliência cibernética, como as definidas pelo Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST). O NIST propõe uma série de efeitos cibernéticos que podem ser utilizados para garantir a segurança de sistemas, como a contenção (restrição dos efeitos de um evento de ameaça a um conjunto limitado de recursos) e a desinformação (fazer o adversário acreditar em informações falsas sobre sistemas e usuários). Porém, a aplicação de tais medidas de segurança pode gerar um dilema jurídico: em alguns casos, a forma como nos protegemos pode violar normas e regulamentações nacionais ou internacionais.

Um exemplo disso seria o uso de desinformação para enganar um possível atacante sobre a posição geográfica de um satélite. Embora em tempos de conflito, a manipulação de informações sobre a localização de um ativo espacial possa ser vista como uma tática legítima, em tempos de paz, isso poderia ser interpretado como um ato ilegal. Isso levanta a questão sobre a linha tênue entre garantir a segurança de um ativo e infringir a legislação internacional, especialmente quando se trata de países com jurisdições e normas diferentes.

Além disso, a implementação de abordagens de resiliência cibernética pode resultar em complicações legais, como a manipulação indevida de dados ou o uso de técnicas de dissimulação, o que pode ser interpretado como desinformação ou falsificação de informações essenciais. A questão se torna ainda mais complexa quando se observa a dificuldade de aplicar e fazer cumprir as leis, uma vez que os sistemas de segurança cibernética, embora projetados para prevenir ataques, podem ser invocados de maneira que infringem os direitos e as regulamentações de outros países.

Ao considerar a necessidade de proteger os ativos espaciais, é imperativo que as abordagens de segurança cibernética sejam cuidadosamente analisadas à luz da legislação internacional. A implementação de medidas como a desinformação ou outras táticas de proteção deve ser equilibrada com o respeito às normas jurídicas globais, considerando que a violação de tais normas poderia acarretar consequências diplomáticas ou até mesmo legais.

A relação entre cibersegurança e direito espacial é um campo de estudo ainda em expansão. A complexidade das questões jurídicas associadas à defesa do espaço cibernético exige que se busque um equilíbrio entre a proteção de ativos e a manutenção da integridade das normas internacionais. A evolução das tecnologias cibernéticas, juntamente com o aumento da vulnerabilidade do espaço, torna essencial que as partes envolvidas compreendam não apenas os desafios tecnológicos da cibersegurança, mas também os limites legais que podem surgir.

O Uso de Satélites para a Sustentabilidade nas Cadeias de Suprimento: Desafios e Oportunidades

O uso de satélites para monitoramento ambiental, especialmente no contexto das cadeias de suprimento, representa um avanço significativo na forma como as empresas podem gerenciar os impactos ambientais e sociais de suas operações. As cadeias de suprimento globais são complexas, dinâmicas e muitas vezes opacas, dificultando para as empresas rastrear a origem dos materiais além de seus fornecedores diretos. A introdução de regulamentações, como o Regulamento de Desmatamento da União Europeia (EUDR), tem acelerado o uso de tecnologias espaciais para garantir que os produtos colocados no mercado europeu não estejam vinculados ao desmatamento.

Historicamente, os processos de auditoria e certificação, embora fundamentais, têm se mostrado limitados, especialmente quando se trata de rastrear as fontes de risco de desmatamento nas regiões mais remotas das cadeias de suprimento. A tecnologia de satélites, por sua vez, oferece uma solução escalável, permitindo monitoramento contínuo e em tempo real, o que contribui para a maior transparência e visibilidade das operações, especialmente nos setores de commodities de risco florestal, como óleo de palma, café, cacau, carne, borracha, madeira e soja.

Embora o uso de monitoramento por satélites tenha ganhado popularidade, o seu impacto nas cadeias de suprimento vai além da simples observação do desmatamento. O uso dessa tecnologia é uma tentativa de mitigar impactos como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e as violações dos direitos humanos, questões que costumam ocorrer nas camadas mais profundas da cadeia de suprimento, longe do olhar público. Pesquisas indicam que quanto mais upstream uma organização está na cadeia, maior é o impacto que ela pode ter na sustentabilidade, uma vez que as atividades em níveis mais elevados da cadeia podem afetar diretamente os recursos naturais e as comunidades locais.

O advento do EUDR, que entrou em vigor em 2023, exige que as empresas realizem diligências e demonstrem evidências de que suas commodities não estão vinculadas ao desmatamento. Isso inclui a necessidade de fornecer dados completos sobre a rastreabilidade dos materiais, além de geolocalização das fazendas, florestas e plantações, com monitoramento contínuo dessas áreas. Isso implica uma transformação na maneira como as empresas precisam se comportar, com as soluções baseadas em satélites ganhando cada vez mais relevância, pois permitem que essas empresas obtenham uma visão abrangente e precisa de suas operações em tempo real.

A utilização de satélites no monitoramento do desmatamento e outros impactos ambientais é uma oportunidade para as empresas aumentarem a transparência e mitigarem riscos relacionados a práticas insustentáveis. No entanto, este tipo de monitoramento também traz consigo desafios complexos. O principal obstáculo ainda é a adaptação das empresas à utilização dessas tecnologias e a construção de capacidades internas para integrar dados espaciais em suas operações de gestão de sustentabilidade. Embora algumas empresas líderes tenham desenvolvido suas capacidades de monitoramento por satélite, muitas outras estão apenas começando a entender e a explorar as possibilidades que essa tecnologia oferece.

Além disso, surgem questões importantes sobre a interoperabilidade das diferentes plataformas de monitoramento, a segurança da informação e as preocupações éticas em torno da privacidade e do uso de dados sensíveis. O uso de tecnologias espaciais para monitorar práticas sustentáveis precisa ser acompanhado por uma análise crítica dos impactos que esse monitoramento pode ter, tanto para as comunidades locais quanto para a proteção dos ecossistemas. A forma como as empresas e governos lidam com essas questões determinará, em grande parte, o sucesso dessas iniciativas de sustentabilidade.

Portanto, o futuro da sustentabilidade nas cadeias de suprimento passa pela integração efetiva de novas tecnologias, como os satélites, mas também pela gestão das implicações sociais e éticas dessas tecnologias. As empresas que desejam liderar esse movimento de transformação precisam não apenas adotar essas tecnologias, mas também garantir que suas implementações sejam feitas de maneira responsável e alinhada aos princípios éticos de transparência, privacidade e justiça social.

Em um cenário cada vez mais complexo e regulado, a colaboração ao longo da cadeia de suprimento será essencial. Empresas, fornecedores, governos e organizações não governamentais precisam trabalhar juntos para garantir que os objetivos de sustentabilidade sejam atingidos de forma eficaz, respeitando os direitos humanos e protegendo os ecossistemas. A adoção de tecnologias de monitoramento, como os satélites, abre caminho para uma nova era de práticas empresariais mais transparentes, responsáveis e sustentáveis. No entanto, sua implementação bem-sucedida exigirá não só inovação tecnológica, mas também uma mudança de mentalidade em relação ao que significa ser uma empresa verdadeiramente sustentável.

Como a Tecnologia de Satélites Pode Impulsionar a Conformidade com o EUDR no Monitoramento de Cadeias de Suprimento

A implementação do Regulamento da União Europeia sobre Produtos de Risco de Desmatamento (EUDR) exige uma abordagem meticulosa para garantir a rastreabilidade e minimizar os riscos associados à cadeia de suprimento. A lei, que entrou em vigor em 30 de junho de 2023, representa um marco significativo na luta contra o desmatamento global. Ela exige que as empresas comprovem, por meio de um processo rigoroso de due diligence, que seus produtos não estão associados ao desmatamento ilegal. Esse processo envolve três etapas fundamentais: exigências de informações, avaliação de risco e mitigação de risco.

Na primeira etapa, as empresas devem ser capazes de rastrear a origem de seus produtos até a parcela de terra específica onde foram cultivados, coletando dados geoespaciais detalhados, como a localização das parcelas (polígonos para áreas superiores a 4 hectares) e informações sobre a quantidade, a data de produção, os fornecedores e outros dados relevantes. Esses dados precisam ser apresentados em uma declaração de due diligence, comprovando a origem legal e sustentável dos produtos.

A segunda etapa envolve a avaliação de risco. As empresas precisam verificar e analisar as informações coletadas para avaliar o risco de não conformidade com o EUDR. A lei especifica diversos critérios a serem considerados, como a prevalência do desmatamento na região de produção, questões de corrupção, falsificação de dados ou a falta de aplicação da lei no país. Essa avaliação deve ser realizada anualmente, no mínimo.

A terceira e última etapa é a mitigação de riscos. Quando a avaliação de risco identificar possíveis problemas, as empresas devem implementar procedimentos adequados para reagir e reduzir o risco para níveis "nulos ou negligenciáveis". Isso pode incluir a coleta de dados adicionais ou a realização de auditorias independentes.

A principal dificuldade que as empresas enfrentam ao tentar atender às exigências do EUDR é a complexidade das cadeias de suprimento. A legislação não oferece margem para desculpas, como a falta de visibilidade ou a opacidade nas cadeias de suprimento. Independentemente da complexidade da cadeia, as empresas devem garantir rastreabilidade total. Mesmo que se trate de grandes remessas de produtos, como soja proveniente de diversas parcelas em vários países, é necessário garantir que cada lote esteja acompanhado de uma declaração de due diligence que cubra todos os países de origem e todas as parcelas de terra envolvidas.

Outro desafio importante do EUDR é que não há espaço para erros, ou seja, a conformidade precisa ser demonstrada para 100% do lote. Por exemplo, uma rastreabilidade de 98% não é suficiente; os últimos pontos percentuais exigem um esforço significativamente maior. Não há um limite mínimo de volume ou valor que permita isenção das regras, o que significa que até os menores importadores de produtos florestais ou ingredientes de risco devem garantir a conformidade total.

Além disso, o EUDR proíbe a mistura de materiais que atendem à conformidade com o regulamento com materiais que podem não estar em conformidade. Isso implica a necessidade de infraestrutura separada, como moinhos, refinarias ou silos, para garantir que não haja contaminação entre os materiais.

No entanto, uma das maiores mudanças trazidas pela EUDR é a exclusão de certificados ambientais tradicionais, como o FSC ou o RSPO, como prova de que um produto está livre de desmatamento. Embora esses certificados possam apoiar a avaliação de risco, a responsabilidade final pela conformidade recai sobre a empresa, que precisa realizar sua própria investigação detalhada. Para muitas empresas, isso significa uma mudança significativa na forma como elas monitoram suas cadeias de suprimento.

Diante dessa complexidade e das exigências rigorosas do EUDR, as empresas estão buscando soluções tecnológicas para garantir a coleta de informações e a avaliação de riscos de maneira eficaz. Uma das ferramentas mais promissoras para lidar com esse desafio é o monitoramento por satélites, que oferece uma maneira eficaz e em tempo real de verificar mudanças no uso da terra e potenciais eventos de desmatamento, sem a necessidade de auditorias físicas caras e demoradas.

O monitoramento por satélite é uma solução interessante para a avaliação de riscos, pois permite a detecção de mudanças no uso do solo, como o desmatamento, de forma contínua e objetiva. A tecnologia funciona sobrepondo imagens de satélite atuais a conjuntos de dados como níveis de cobertura florestal e uso da terra, para identificar alterações significativas. A integração desses dados permite que as empresas monitorem, de forma precisa, a origem dos produtos que compram e apliquem as regras do EUDR para garantir que os produtos não estejam associados ao desmatamento ilegal.

Para que o monitoramento por satélite seja eficaz, é essencial que as empresas disponham de dados detalhados sobre suas cadeias de suprimento, como os limites das concessões e as fronteiras das plantações ou fazendas de seus fornecedores. Essas informações podem ser cruzadas com as imagens de satélite para identificar quais fornecedores estão associados a eventos de desmatamento. Caso esses dados não estejam disponíveis, as empresas podem usar estimativas mais amplas para entender as dinâmicas de risco em suas cadeias de suprimento.

Além disso, o uso de satélites permite a adição de camadas de dados adicionais que podem proporcionar uma compreensão mais detalhada da situação. Informações sobre áreas protegidas, zonas de alto valor de conservação, áreas de alto estoque de carbono, pântanos e dados sobre direitos de terra e informações cadastrais podem ser incorporados às imagens de satélite para garantir que não haja violação de direitos territoriais ou desmatamento fora das concessões.

Esses sistemas não funcionam de forma isolada. As empresas geralmente trabalham com fornecedores de tecnologia especializados, que fornecem as imagens de satélite e as ferramentas de análise para integrar esses dados em suas práticas de gestão de cadeias de suprimento sustentáveis. Os fornecedores de tecnologia variam em suas ofertas, desde a coleta e fornecimento de dados até a utilização de constelações de satélites com imagens de alta resolução.

A adoção da tecnologia de satélites nas cadeias de suprimento pode ajudar as empresas a melhorar a transparência e a confiabilidade dos seus processos, o que se torna cada vez mais crucial diante das rigorosas exigências do EUDR. Embora a tecnologia de satélites represente uma inovação importante, ela também exige um entendimento aprofundado e uma integração cuidadosa com os sistemas de gestão existentes, o que pode ser um desafio para muitas empresas que não estão familiarizadas com essa tecnologia.

Para garantir que as práticas de rastreabilidade sejam robustas, é fundamental que as empresas não apenas adotem tecnologias de monitoramento, mas também desenvolvam uma cultura de due diligence contínua, onde os dados são coletados, analisados e verificados de forma regular. Isso inclui garantir a rastreabilidade completa em todas as etapas da cadeia de suprimento, integrar tecnologias de ponta e colaborar com parceiros tecnológicos e especialistas em sustentabilidade para otimizar os processos e garantir a conformidade com o EUDR.