A experiência de pacientes que utilizam dispositivos de assistência ventricular (VAD) ou suporte circulatório mecânico (MCS) implica não apenas uma abordagem médica rigorosa, mas também uma atenção delicada às dimensões espirituais, emocionais e familiares da pessoa em tratamento. O uso de dispositivos MCS pode transformar as perspectivas de sobrevida de pacientes com insuficiência cardíaca terminal, mas também impõe desafios únicos, tanto para os pacientes quanto para seus entes queridos. Nesse contexto, os cuidados paliativos surgem como uma ferramenta crucial para aliviar o sofrimento, melhorar a qualidade de vida e proporcionar uma abordagem holística à saúde do paciente.

Os capelães e profissionais de saúde com especialização em cuidados paliativos desempenham papéis fundamentais nesse processo, oferecendo suporte espiritual, emocional e prático, e ajudando a guiar os pacientes e suas famílias em decisões difíceis. A interação precoce e contínua entre as equipes de cuidados paliativos e as equipes de suporte circulatório pode melhorar significativamente o bem-estar do paciente, oferecendo não apenas alívio para sintomas físicos, mas também suporte psicológico e espiritual.

Estudos demonstram que uma abordagem multidisciplinar, envolvendo médicos paliativistas, enfermeiros, assistentes sociais e capelães, contribui para uma gestão mais eficaz dos sintomas complexos associados ao MCS, como dor refratária, depressão, ansiedade e sofrimento existencial. Esse cuidado integrado é especialmente importante em momentos de incerteza, quando os pacientes e suas famílias enfrentam decisões difíceis sobre continuidade de tratamento, retirada de suporte mecânico e escolhas sobre o final da vida.

A inclusão precoce dos cuidados paliativos no tratamento de pacientes com MCS, como sugerido por diretrizes internacionais, tem mostrado benefícios substanciais. Segundo a Sociedade Internacional para Transplante de Coração e Pulmão, o envolvimento de cuidados paliativos desde os estágios iniciais do tratamento com VAD melhora a qualidade de vida do paciente, reduz a ansiedade e a depressão e melhora o bem-estar espiritual. Isso se traduz em uma experiência mais significativa e menos angustiante para os pacientes e suas famílias, além de proporcionar maior conforto e esclarecimento sobre o prognóstico e as opções de tratamento.

Além disso, as organizações de saúde, especialmente aquelas com uma base religiosa, como as instituições católicas, seguem diretrizes éticas específicas para garantir que os cuidados prestados respeitem os valores espirituais e culturais dos pacientes. As Diretrizes Éticas e Religiosas para os Serviços de Saúde Católicos, por exemplo, orientam a prática de cuidados que estejam em consonância com os ensinamentos da Igreja Católica, abordando questões como a limitação de tratamentos invasivos e o respeito pela dignidade humana em todas as fases do cuidado.

É importante destacar que, embora os cuidados paliativos não envolvam a interrupção do tratamento médico, seu objetivo central é aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida, independentemente das escolhas terapêuticas. Em muitos casos, isso inclui o gerenciamento de sintomas refratários e a assistência emocional para lidar com o impacto do tratamento contínuo, como o uso de dispositivos MCS.

A integração de cuidados paliativos não deve ser vista apenas como uma resposta a uma crise de saúde, mas como um processo contínuo que deve começar tão logo os cuidados com MCS sejam indicados. Este cuidado contínuo ajuda as equipes médicas a se manterem cientes das necessidades emocionais e espirituais do paciente e da família, garantindo que o tratamento seja mais centrado nas necessidades do paciente do que apenas na doença.

A colaboração com as equipes de cuidados paliativos facilita a comunicação e garante que as famílias possam tomar decisões informadas sobre o futuro do tratamento. Em uma pesquisa conduzida por Rogers et al. (2017), foi observado que a intervenção de cuidados paliativos melhorou significativamente a qualidade de vida e reduziu níveis de ansiedade e depressão entre pacientes com insuficiência cardíaca avançada e suporte circulatório mecânico.

Por fim, a importância de uma abordagem precoce e contínua de cuidados paliativos em pacientes com MCS está claramente documentada em várias diretrizes médicas e pesquisas. A implementação dessa prática oferece uma oportunidade única de proporcionar aos pacientes não apenas um prolongamento da vida, mas também uma vida de maior qualidade e significado, centrada nas suas necessidades físicas, emocionais e espirituais. A presença constante de uma equipe de cuidados paliativos pode transformar a experiência de tratamento de pacientes e suas famílias, oferecendo um alicerce de suporte nas situações mais desafiadoras.

Quais são os principais riscos neurológicos em pacientes com dispositivos de assistência ventricular esquerda?

O impacto neurológico em pacientes com dispositivos de assistência ventricular esquerda (LVAD) continua a ser um dos aspectos mais complexos do tratamento de insuficiência cardíaca avançada. O uso desses dispositivos, especialmente os de fluxo contínuo, oferece uma solução promissora para muitos pacientes que aguardam transplante cardíaco, mas também traz consigo uma série de complicações, das quais as neurológicas são algumas das mais significativas. Entre os efeitos adversos mais comuns, destacam-se os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), que podem ser isquêmicos ou hemorrágicos. A prevalência de eventos neurológicos é uma das principais preocupações durante o acompanhamento de pacientes com LVAD.

Os fatores que influenciam os resultados neurológicos variam amplamente, desde características do dispositivo até condições pré-existentes do paciente. No caso de dispositivos como o HeartMate II, o risco de AVC está relacionado a uma série de variáveis, incluindo a hemodinâmica do dispositivo e a interação entre o fluxo sanguíneo e a superfície do dispositivo. Embora os avanços nos sistemas de assistência ventricular, como as bombas de fluxo contínuo, tenham demonstrado benefícios na melhoria da função cardíaca, também impõem desafios significativos para a neuroproteção dos pacientes.

Os tipos de AVC observados em pacientes com LVAD são predominantemente isquêmicos, mas eventos hemorrágicos também são uma preocupação substancial. A presença de um AVC hemorrágico reduz ainda mais as chances de um paciente receber um transplante cardíaco, o que já é uma possibilidade limitada devido à condição crítica de muitos desses pacientes. O risco de complicações hemorrágicas está frequentemente associado ao uso de terapias anticoagulantes, necessárias para evitar a formação de trombos no sistema do dispositivo. No entanto, o uso de anticoagulantes aumenta significativamente o risco de sangramentos, incluindo sangramentos intracranianos, que podem ser fatais.

É importante notar que os dispositivos de assistência ventricular de fluxo contínuo, como o HeartWare HVAD, apresentam diferentes perfis de risco quando comparados a dispositivos de fluxo pulsátil. A análise de dados clínicos mostra que os dispositivos de fluxo contínuo, embora mais eficientes em termos de desempenho mecânico, apresentam um risco maior de eventos neurológicos, especialmente AVCs isquêmicos. A eficácia dos dispositivos, portanto, deve ser ponderada em conjunto com a necessidade de otimizar a gestão dos riscos associados, como o controle da anticoagulação e a monitorização rigorosa das condições neurológicas.

Além disso, os fatores relacionados ao paciente, como comorbidades, idade avançada, e histórico de doenças neurológicas, também desempenham um papel crucial na determinação do risco de complicações. Pacientes com um histórico de hipertensão, diabetes ou dislipidemia, por exemplo, podem ter uma predisposição maior a complicações neurológicas após a implantação de um LVAD. A interação desses fatores com a terapia de suporte circulatório pode resultar em um quadro clínico mais complexo, exigindo ajustes contínuos no manejo do paciente.

O uso de terapias complementares, como o monitoramento neurológico intensivo e a otimização dos parâmetros do dispositivo, são medidas essenciais para reduzir o risco de complicações. A personalização do tratamento, levando em consideração o perfil clínico único de cada paciente, tem mostrado ser a chave para minimizar os danos neurológicos e melhorar os desfechos a longo prazo. O acompanhamento contínuo e a adaptação das estratégias terapêuticas são, portanto, fundamentais para garantir a melhor qualidade de vida possível para os pacientes com LVAD.

Além disso, a literatura científica está começando a explorar as possíveis abordagens para otimizar a biocompatibilidade dos dispositivos. Melhorias no design dos dispositivos, visando reduzir o risco de formação de trombos e complicações relacionadas ao fluxo sanguíneo, são áreas ativas de pesquisa. O desenvolvimento de novos materiais e técnicas que promovam uma interação mais suave entre o sangue e as superfícies do dispositivo pode ser a chave para reduzir os eventos adversos neurológicos em longo prazo.

Importante também é compreender que, apesar das melhorias na tecnologia dos dispositivos de assistência ventricular, a intervenção precoce e o ajuste contínuo do tratamento para minimizar os riscos neurológicos continuam a ser a base da gestão desses pacientes. O gerenciamento desses riscos não é apenas uma questão de tecnologia, mas também de um acompanhamento clínico holístico que leve em consideração todos os aspectos da saúde do paciente, desde o estado hemodinâmico até as condições neurológicas preexistentes.

Quais são os avanços no design de dispositivos e como eles impactam a qualidade de vida dos pacientes com MCS?

O design de dispositivos de suporte circulatório mecânico durável (MCSD) tem evoluído ao longo dos anos, proporcionando melhores resultados clínicos e melhorando a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, complicações neurológicas e infecções continuam a ser eventos adversos significativos que afetam esses pacientes, além da trombose da bomba, que tem se tornado um problema frequente, especialmente em dispositivos com design axial, como o HeartMate II. A trombose da bomba associada a esses dispositivos de fluxo contínuo, com o design axial, foi identificada como uma das principais complicações, o que resultou em alertas da FDA e uma série de análises de causas raiz pela indústria (Kirklin et al., 2014a, 2015b; Najjar et al., 2014; Starling et al., 2014).

Estudos observacionais mostraram que a incidência de trombose da bomba aumentava com o uso desses dispositivos, levando a um refinamento no design e nos protocolos de uso. Embora o uso isolado de um LVAD durável seja o procedimento mais comum, o suporte ventricular direito (BiVAD), quando implantado em conjunto com o LVAD, mostrou resultados mais positivos apenas em situações de falência do coração direito pós-cirúrgica ou em casos em que o paciente não consegue desmamar da suporte circulatório (Drakos et al., 2010; Pagani et al., 2016). Os resultados com suporte ventricular biventricular, no entanto, são mais limitados, o que reforça a necessidade de se adaptar o tratamento às condições clínicas específicas de cada paciente.

O design mais recente de bombas, como o HeartMate III e outros dispositivos centrífugos com levitação híbrida, trouxe inovações significativas. Esses dispositivos permitem um tamanho menor e abordagens cirúrgicas menos invasivas, como a toracotomia anterior esquerda (McGee Jr. et al., 2019). No entanto, essas novas gerações de dispositivos ainda estão sujeitas a algumas das complicações observadas nos modelos mais antigos, como a trombose da bomba, o que demonstra que, apesar dos avanços, há uma margem considerável para melhorias no controle dessas complicações.

A base de dados STS Intermacs desempenha um papel fundamental no acompanhamento do desempenho desses dispositivos em cenários clínicos reais. Utilizada tanto para estudos clínicos antes da aprovação dos dispositivos quanto após sua liberação no mercado, a STS Intermacs tem sido uma ferramenta crucial para monitorar o desempenho dos dispositivos de MCS, identificar falhas e melhorar os protocolos de uso. As informações extraídas dessa base de dados têm sido vitais para ajustar e refinar os dispositivos, proporcionando dados reais para o desenvolvimento de novos modelos de bombas e para a realização de estudos de eficácia comparativa (Jorde et al., 2014).

Importante destacar que a utilização da STS Intermacs não se limita a questões regulatórias, mas também ajuda na análise de eventos adversos, com especial foco em complicações relacionadas ao uso de dispositivos de assistência ventricular. Com esses dados, o FDA consegue ajustar suas recomendações, melhorar os critérios de seleção de pacientes e revisar as condições sob as quais os dispositivos devem ser usados, o que contribui para uma maior segurança e eficácia no tratamento com dispositivos de MCS.

Além disso, ao observar os avanços contínuos nas bombas centrífugas e os desafios enfrentados com o suporte do ventrículo direito, pode-se perceber que o futuro dos dispositivos de MCS requer uma integração mais eficiente entre o LVAD e a bomba de suporte ventricular direito. A combinação dos dois sistemas pode, eventualmente, oferecer uma solução mais eficaz para pacientes com falência ventricular biventricular, mas, para que isso aconteça, serão necessários mais estudos e aperfeiçoamentos tecnológicos.

O uso da base de dados STS Intermacs também evidencia a importância de dados em tempo real e do acompanhamento contínuo dos pacientes após a implantação do dispositivo. O monitoramento a longo prazo dos dispositivos e dos pacientes, considerando as variações individuais e as condições de saúde específicas, é fundamental para compreender os resultados em longo prazo e para ajustar os tratamentos de forma personalizada, garantindo melhores prognósticos para os pacientes.