A Doença de Müller-Weiss (MWD) é uma condição complexa que afeta o osso navicular do pé, caracterizada por uma osteoartrite assimétrica da articulação talonavicular, resultando em dor e limitação funcional. Na maioria dos casos, o tratamento conservador com órteses oferece melhora clínica significativa. Contudo, pacientes que continuam a apresentar dor limitante, mesmo com o uso de palmilhas, podem necessitar de intervenção cirúrgica. A correção mecânica proporcionada por uma osteotomia de valgo do calcâneo permite a medialização da cabeça do tálus, otimizando a cobertura da articulação talonavicular saudável e evitando, em muitos casos, a artrodese. Esta última é reservada para aqueles que não respondem ao procedimento osteotômico, com indicação dependendo da extensão e localização do acometimento osteoartrítico.

Historicamente, o entendimento da Doença de Müller-Weiss evoluiu a partir das primeiras descrições radiológicas na década de 1920. Inicialmente, foram observadas imagens de um navicular comprimido, fragmentado e condensado, levando os primeiros pesquisadores a supor a presença de osteonecrose. Contudo, análises histológicas posteriores afastaram essa hipótese, não encontrando sinais de necrose óssea. O nome da doença homenageia dois médicos, Müller e Weiss, cujas observações foram fundamentais para a caracterização da patologia.

Diversas teorias etiopatogênicas foram propostas, incluindo malformações congênitas, evolução anômala da doença de Köhler e migração traumática de ossículos acessórios. Uma contribuição relevante foi a de Brailsford, que sugeriu que traumas prévios desempenham papel importante no desenvolvimento da doença, nomeando-a “listhesis navicularis” devido ao deslizamento e fragmentação óssea. Brailsford destacou ainda o predomínio bilateral e assimétrico, com maior incidência em mulheres, e apontou para uma subnotificação e subdiagnóstico da doença, situação que permanece atual.

Estudos epidemiológicos aprofundados, como os realizados por Maceira e Rochera, revelaram um contexto socioeconômico e ambiental fundamental para a manifestação da doença. Na Espanha do pós-guerra civil, populações migrantes de áreas rurais e empobrecidas para grandes centros urbanos apresentaram maior prevalência da MWD. Essa associação sugere que o estresse nutricional e ambiental durante a infância interfere no desenvolvimento ósseo do navicular, que permanece vulnerável até a ossificação completa. Fatores como a pobreza extrema, a fome e a mecanização agrícola, que diminuiu a necessidade de trabalho manual, contribuíram para condições precárias que afetaram o crescimento do osso.

Além disso, a ausência de fatores ambientais semelhantes explica a baixa incidência da doença em países como os Estados Unidos, onde os casos são predominantemente de imigrantes que vivenciaram condições adversas em suas regiões de origem. Curiosamente, evidências arqueológicas apontam para a presença da doença em populações antigas, acompanhada de sinais radiológicos e anatômicos de estresse nutricional e ambiental.

A partir da análise de mais de 600 casos, foi possível identificar diferentes tipos de MWD, classificados segundo suas origens e fatores predisponentes. Estes incluem formas de origem desconhecida, estresses ambientais epidêmicos ou individuais na infância, deformidades anatômicas associadas, atletas submetidos a treinamento intensivo e uma variante específica que surge na idade adulta, conhecida como “pé Müllerweissoide”. Embora os mecanismos etiológicos variem, todas as formas compartilham características fundamentais, como displasia do navicular e varo subtalar, que são cruciais para o desenvolvimento patomecânico da doença.

A compreensão da patomecânica da MWD revela que o atraso na ossificação do navicular, isoladamente, não é suficiente para causar a doença. Um fator mecânico anormal, que exerce compressão irregular sobre um osso imaturo, é essencial para que as alterações se consolidem. Esse entendimento ressalta a importância de uma abordagem multidimensional, que considere tanto aspectos biológicos quanto mecânicos e ambientais para o diagnóstico, manejo e prevenção da Doença de Müller-Weiss.

É fundamental para o leitor reconhecer que a Doença de Müller-Weiss não é uma patologia simples ou unifatorial. Seu desenvolvimento resulta da interação complexa entre fatores genéticos, ambientais, mecânicos e sociais. Compreender o contexto histórico e epidemiológico permite ampliar a visão clínica, alertando para a possibilidade de subdiagnóstico em populações vulneráveis e enfatizando a importância da análise detalhada do histórico de vida e condições ambientais do paciente. Além disso, a diversidade dos tipos clínicos e sua relação com diferentes fatores etiológicos impõem a necessidade de personalizar o tratamento, desde opções conservadoras até intervenções cirúrgicas mais complexas.

Como o Treinamento Intenso na Infância Pode Influenciar o Desenvolvimento do Pé e Causar Problemas Mecânicos Posteriores

No contexto das deformidades do pé e das complicações associadas, as forças compressivas e de cisalhamento, quando desequilibradas, podem levar a danos significativos em estruturas fundamentais como o navicular. Este osso, em condições normais de desenvolvimento, pode sofrer alterações importantes se exposto a forças excessivas ou incorretas. O caso do pé cavovarus, por exemplo, está diretamente relacionado a um desequilíbrio dessas forças, o que pode resultar em deformações, como descrito pela lei de Delpech.

Um dos cenários mais críticos envolve atletas que, durante a infância, foram submetidos a treinamentos intensivos, antes de seu navicular ter completado o desenvolvimento ósseo adequado. Esses atletas, que em muitos casos evoluem para o nível profissional de alto desempenho, apresentam uma série de alterações estruturais que nem sempre são evidentes em exames clínicos rotineiros. A maioria desses atletas tem um primeiro raio do pé mais curto, o que pode ser causado por um metatarso curto ou por um encurtamento relativo da coluna medial do pé, resultado da rotação interna do navicular. Esse tipo de rotação ocorre no plano transverso e afeta o posicionamento do cuneometatarso, deslocando-o em relação ao segundo.

Ademais, a literatura já indicava, como observado por Kidner e Muro, que crianças com adução do metatarso apresentam uma ossificação tardia do navicular. Quando esses atletas se tornam adultos, a falta de desenvolvimento adequado do pé pode gerar problemas em cadeia, com a sobrecarga dos tendões extensores do joelho e dores patelofemorais, especialmente entre os 25 e os 35 anos. Esse processo de desgaste dos tecidos pode ser confundido com fraturas de estresse do navicular, resultando em diagnósticos incorretos, onde o foco do tratamento é voltado para as consequências e não para a causa original da dor, como acontece em muitos atletas da NBA, cujos casos foram frequentemente registrados na mídia.

Em um cenário mais complexo, existe uma variação do MWD (Doença de Müller-Weiss) chamada “pé Müllerweissoide”, que não apresenta deformações óbvias no navicular, mas segue os mesmos princípios patomecânicos da doença. Nesse caso, a combinação de varo subtalar constitucional e metatarso curto resulta em uma pronação repetida do antepé durante a marcha, o que contribui para a osteoartrite sutil na articulação de Lisfranc. As alterações na articulação de Lisfranc, embora relevantes, podem desviar a atenção do verdadeiro problema, que é o varo subtalar, e até mesmo mascarar os danos ao navicular.

O diagnóstico de MWD, como em qualquer outra patologia mecânica do pé, deve ser feito através de uma combinação de um bom exame físico e a interpretação correta de radiografias dos dois pés. O exame clínico começa com a observação da marcha do paciente, que pode apresentar um “pé plano paradoxal”. Esse fenômeno ocorre porque, embora o pé pareça plano, a protrusão medial do tubérculo do navicular imita um colapso da arcada medial, diferentemente do verdadeiro pé plano, onde a protrusão é causada pela cabeça do talus. A dor na região dorsal da articulação talonavicular e a sobrecarga lateral, resultante do varo subtalar, são frequentes. Além disso, a sensação de instabilidade no tornozelo, frequentemente reportada por esses pacientes, também está associada ao varo subtalar.

A avaliação radiológica é essencial para um diagnóstico preciso. A leitura "mecânica" das radiografias fornece a maior parte das informações necessárias para identificar alterações típicas do MWD. A classificação radiológica formulada por Maceira permite identificar as diferentes fases evolutivas da displasia do navicular, sendo útil para ajustar o tratamento e monitorar a progressão da doença.

É importante notar que a deformação do navicular não está sempre correlacionada com a intensidade da dor ou dos sintomas clínicos, mas a compreensão de como essas alterações ósseas se desenvolvem e afetam a biomecânica do pé é fundamental para o diagnóstico correto e o manejo apropriado. Pacientes com MWD, incluindo os com o pé Müllerweissoide, muitas vezes necessitam de abordagens específicas e personalizadas no tratamento, pois a simples correção de sintomas, como o uso de palmilhas ou procedimentos invasivos sem levar em consideração as causas subjacentes, pode resultar em falhas terapêuticas.

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Como a fixação e técnicas cirúrgicas influenciam na artrodese talonavicular e artrose calcaneocuboide?

A estabilidade da fixação é crucial para o sucesso da artrodese talonavicular (TN), especialmente porque a micromobilidade, mesmo que mínima, pode levar a retardo na consolidação ou até ausência de união óssea. A fixação medial é um fator determinante para a estabilidade do procedimento, e estratégias complementares foram desenvolvidas para reduzir essa micromobilidade. Procedimentos adicionais no retropé, como artrodese de articulações vizinhas e osteotomias, embora eficazes para melhorar a fixação, aumentam significativamente a morbidade cirúrgica, o que demanda avaliação cuidadosa do risco-benefício.

Estudos com cadáveres evidenciam que a osteotomia calcaneal medializante atua reduzindo as forças de reação do solo na região medial em até 91%, diminuindo a micromobilidade da artrodese isolada TN e, consequentemente, o risco de não união, sobretudo em pacientes com fatores de risco, como tabagismo, obesidade e diabetes. A associação da artrodese tripla com a osteotomia calcaneal medializante diminui a tensão no ligamento deltóide em mais de 50% comparado à técnica de deslizamento da tuberosidade lateral, promovendo uma proteção adicional às estruturas adjacentes.

Por outro lado, a fixação lateral da artrodese TN é muitas vezes negligenciada, mesmo sendo um ponto fraco da estabilidade. A fixação percutânea retrógrada lateral, embora recomendada por alguns, apresenta riscos significativos de lesão nervosa e tendínea, como evidenciado por estudos anatomopatológicos que demonstram acometimento de nervo e tendões do extensor longo do hálux e tibial anterior em até 30% dos casos. Além das complicações de não união, deformidades mal consolidadas e osteoartrose progressiva das articulações vizinhas são relatadas em até 10% dos pacientes, reforçando a necessidade de uma fixação rigorosa e criteriosa.

O pós-operatório exige imobilização cuidadosa e elevação do membro para prevenir complicações. A tromboprofilaxia deve ser individualizada, considerando os riscos e benefícios da anticoagulação. A mobilização parcial e o suporte de peso são progressivamente liberados conforme a cicatrização, com duração variável de 8 a 12 semanas até a retirada do gesso, sendo a tomografia computadorizada uma ferramenta essencial para confirmar a fusão óssea, especialmente em casos duvidosos ou de alto risco. Em protocolos alternativos, a suspensão total do suporte de peso por até dois meses, acompanhada de uso de bota removível, é adotada até que a consolidação seja evidenciada radiologicamente.

A artrodese calcaneocuboide (CC), parte integrante da coluna lateral do pé, possui particularidades anatômicas e biomecânicas que influenciam sua abordagem cirúrgica. Essa articulação sinovial estável, com ligamentos dorsais, plantares e o ligamento bifurcado, desempenha papel fundamental na acomodação do pé ao solo e na transição do pé de uma estrutura flexível na fase inicial da marcha para rígida no momento do impulso. A rigidez imposta pela artrodese CC interfere menos na biomecânica global do que a artrodese TN, que reduz quase completamente os movimentos de inversão e eversão do retropé.

A artrodese isolada do CC é incomum, geralmente realizada em associação com outros procedimentos para tratamento de deformidades complexas, fraturas com sequelas articulares, doenças neurológicas com disfunção tendínea e deformidades congênitas, como o pé equino varo congênito, ou no pé em colapso progressivo. Embora a artrodese CC tenha sido inicialmente descrita para correção de deformidades congênitas recidivadas, sua utilização atual está mais direcionada ao suporte da coluna lateral em procedimentos combinados.

A abordagem cirúrgica é realizada pela via dorsolateral, com exposição cuidadosa entre o calcâneo e o cuboide, preservando estruturas tendíneas e musculares adjacentes. A forma de sela da articulação exige uma retirada criteriosa da cartilagem e do osso subcondral para otimizar a fusão. Métodos de fixação variam desde parafusos oblíquos ou axiais, que promovem compressão articular, até placas bloqueadas que conferem maior rigidez, conforme evidenciado em estudos anatômicos e biomecânicos. A fixação axial, especialmente com parafusos longos iniciando no processo posterior do calcâneo, tem demonstrado superioridade mecânica.

Quando a artrodese CC é combinada com o alongamento da coluna lateral, a técnica permite correção da deformidade em abdução do pé, principalmente em casos de pé plano colapsado progressivo. A inclusão de enxerto ósseo para o aumento do comprimento da coluna lateral potencializa a correção, preservando parte da mobilidade nas articulações talonavicular e subtalar, o que é fundamental para a função do pé após o procedimento.

A complexidade das articulações do retropé e sua interdependência biomecânica impõem desafios à cirurgia de artrodese. A compreensão profunda da anatomia, biomecânica e dos riscos associados a cada técnica permite a individualização do tratamento, maximizando as chances de sucesso cirúrgico e minimizando complicações. Além das técnicas cirúrgicas, fatores do paciente, como comorbidades e condições sistêmicas, devem ser cuidadosamente considerados para planejar o pós-operatório e as medidas de proteção, garantindo a consolidação óssea e a recuperação funcional.

Como a Artrite Séptica no Tornozelo e a Osteomielite Crônica da Tibia Afetam a Recuperação Funcional: Abordagens Terapêuticas e Resultados

Até o momento, não há evidências que sustentem uma abordagem aberta em relação a outra para o tratamento da artrite séptica do tornozelo. Nos primeiros dias após a cirurgia, o paciente geralmente deve permanecer sem suportar peso, utilizando uma bota removível. Uma vez que as feridas cirúrgicas cicatrizem, inicia-se a fisioterapia, começando com movimentos passivos e ativos do tornozelo, para minimizar a perda da amplitude de movimento, e a carga progressiva é introduzida de forma gradual.

Os resultados do tratamento da artrite séptica do tornozelo têm sido pouco explorados na literatura, com a maioria dos estudos sendo séries retrospectivas que envolvem um número reduzido de pacientes. Em uma série retrospectiva com 29 tornozelos, Lee et al. observaram que o tratamento precoce (com duração dos sintomas inferior a 5 dias) melhorou significativamente as chances de recuperação da função do tornozelo, embora a maioria dos pacientes ainda apresentasse dor residual no momento do acompanhamento final. Em outra série retrospectiva envolvendo oito tornozelos tratados com desbridamento artroscópico e antibióticos, os autores relataram resultados favoráveis para todos os pacientes, sem recorrência da infecção.

Ainda não existem informações na literatura que comparem os resultados entre as abordagens artroscópicas e abertas no tratamento da artrite séptica do tornozelo. Nos casos de osteomielite adjacente ou sepsia articular sem resposta ao desbridamento cirúrgico e ao tratamento antibiótico prolongado, deve-se considerar a artrodese do tornozelo para salvar o membro afetado. Esse tratamento pode ser realizado em etapas: inicialmente, a cirurgia consiste na ressecação do osso infectado e a colocação de um espaçador de cimento com antibióticos. Quando a infecção é controlada, é realizada a fusão utilizando fixação interna ou fixação externa circular.

Quando se trata da osteomielite crônica da tíbia, esta patologia é uma condição devastadora, que representa um grande desafio para a equipe de tratamento, tanto no diagnóstico quanto no manejo. A extremidade inferior é mais suscetível a desenvolver essa patologia devido a uma série de condições típicas dessa região, como a escassez de envelope de tecidos moles, a irrigação sanguínea deficiente, a presença de proeminências ósseas, neuropatia e maior frequência de fraturas expostas. A infecção óssea leva a uma alta morbidade, com longos períodos de recuperação, elevados custos econômicos e uma probabilidade significativa de perda da função, bem como amputação.

A osteomielite crônica é definida como uma infecção piógena do osso caracterizada pela inflamação e destruição progressiva, podendo afetar o periosto, o osso cortical e esponjoso, bem como a cavidade endomedular. O tratamento é baseado em um diagnóstico correto, terapia antibiótica orientada por culturas e desbridamento do tecido ósseo não viável. Contudo, apesar de sua relativa frequência, ainda não há consenso sobre a melhor ferramenta diagnóstica ou protocolos de tratamento. A osteomielite crônica da tíbia pode ter várias causas, sendo uma das mais comuns aquelas que ocorrem no contexto do pé diabético. Este capítulo foca na osteomielite crônica da tíbia, cuja principal etiologia está relacionada à presença de fraturas e ao seu manejo cirúrgico, com inoculação direta ou invasão bacteriana local.

As taxas de osteomielite podem ser de até 44% em fraturas expostas tratadas com placa, e até 7% em pacientes tratados com haste endomedular. Já em fraturas fechadas tratadas cirurgicamente, a taxa de infecção é consideravelmente menor, variando entre 0,5% e 2%. A osteomielite pós-traumática ocorre mais frequentemente em pacientes jovens e ativos, gerando um alto custo pessoal e socioeconômico. Rubins et al. reportaram que o custo médio de manejo de infecções musculoesqueléticas crônicas pode chegar a 35.000 dólares por paciente, valor que pode ser ainda mais elevado nos casos que requerem procedimentos reconstrutivos.

A classificação da osteomielite crônica é uma ferramenta útil para guiar o tratamento, sendo o sistema de Cierny-Mader amplamente utilizado devido à sua relevância clínica. Este sistema classifica o paciente em três categorias (A–C), dependendo do seu status fisiológico, e atribui quatro estágios anatômicos da infecção (I–IV). O status fisiológico do paciente é determinado por fatores sistêmicos e locais que podem influenciar na resposta ao tratamento. A infecção óssea pode ser causada por disseminação hematogênica ou por continuidade, sendo mais comum em pacientes jovens ou idosos, e geralmente é provocada por um único microorganismo, como o Staphylococcus aureus. Na osteomielite crônica da tíbia, a infecção exógena ou por continuidade é mais frequente, especialmente em fraturas expostas ou infecção secundária a intervenções cirúrgicas, particularmente com a introdução de próteses ou implantes metálicos.

A presença de anaeróbios e bacilos Gram-negativos deve ser considerada no tratamento de osteomielite crônica da tíbia, especialmente nos casos de fraturas expostas, onde pode ocorrer contaminação bacteriana em até 60–70% dos casos no momento da lesão. Além disso, a infecção óssea pode ocorrer em contextos de insuficiência vascular, como é o caso das infecções nos tecidos moles em pacientes com diabetes mellitus.

É importante compreender que a osteomielite crônica, seja ela na tíbia ou em outras regiões do corpo, exige uma abordagem rigorosa e multidisciplinar, envolvendo diagnóstico precoce, controle da infecção por meio de antibióticos específicos e a remoção do tecido ósseo comprometido. A escolha do tratamento, que pode incluir desde antibióticos a cirurgias reconstrutivas, deve ser feita de maneira personalizada, levando em consideração a condição clínica do paciente, o estágio da infecção e a resposta aos tratamentos iniciais.

Síndromes de Compressão Nervosa nos Membros Inferiores: Diagnóstico e Tratamento

A compressão nervosa nos membros inferiores é uma condição que pode causar uma gama de sintomas debilitantes, resultando em dor neuropática que muitas vezes se apresenta de forma variável e complexa, o que dificulta o diagnóstico clínico. A identificação precoce dessas patologias é crucial para o sucesso do tratamento, que pode variar de abordagens conservadoras a intervenções cirúrgicas, dependendo da gravidade e da resposta ao tratamento inicial.

Um dos tipos mais comuns de compressão nervosa no pé é a síndrome do nervo de Baxter, que afeta o nervo plantar medial e é frequentemente associada à fascite plantar, atrofia do almofada gordurosa calcânea e fraturas por estresse do calcâneo. O nervo de Baxter é mais comumente comprimido entre a fáscia do músculo abductor hallucis e o músculo quadratus plantae, embora também possa ocorrer entre o flexor curto dos dedos e o calcâneo. Clínicamente, o paciente costuma relatar dor medial na porção proximal da fáscia plantar, frequentemente acompanhada pelo sinal de Tinel, além de dor irradiada para a parte lateral e central do retropé. O exame físico revela sensibilidade a uma área específica localizada cerca de 5 cm distal da borda posterior do calcâneo, onde a pele dorsal e plantar se encontram. As causas dessa compressão incluem pé hipermóvel, hipertrofia do abductor hallucis e quadratus plantae, presença de músculos acessórios e espessamento da porção proximal da fáscia plantar. A eletroneuromiografia pode detectar anormalidades neurológicas focais, embora a sensibilidade do exame seja incerta. O tratamento conservador com órteses, palmilhas de suporte ao arco e fortalecimento da musculatura plantar apresenta resultados satisfatórios em até 90% dos pacientes. Quando os tratamentos conservadores falham, a liberação do nervo associada à fasciotomia plantar mostra uma taxa de satisfação superior a 85%.

Outros tipos de compressão nervosa incluem a compressão do nervo plantar medial, que geralmente ocorre na região do "nó de Henri", e a neuropatia de Morton, associada a espessamento nervoso e conhecida como neuroma interdigital. No caso do nervo plantar medial, a compressão pode ser provocada por fatores extrínsecos, como o uso de palmilhas com arco elevado, ou intrínsecos, como hipertrofia do músculo abductor hallucis, hiperpnoção ou valgo do retropé. A neuropatia de Morton, por sua vez, ocorre devido à fibrose perineural, resultando em dor associada ao uso de calçados estreitos, que piora com a compressão das cabeças metatársicas. O diagnóstico dessa condição geralmente é confirmado por meio de exame clínico, palpação do espaço afetado e exames de imagem, como a ressonância magnética, que podem identificar atrofia do músculo abductor hallucis.

A neuropatia diabética é outro exemplo de compressão nervosa que exige atenção especial. Pacientes diabéticos podem sofrer de dor neuropática devido a uma série de fatores, incluindo o aumento da glicemia e a má perfusão sanguínea. Estudos sugerem que a decomposição precoce de nervos afetados por neuropatia diabética pode diminuir as complicações a longo prazo, como úlceras plantares, que podem evoluir para infecções crônicas e amputações. Pacientes jovens com controle metabólico adequado e pouca alteração sensitiva são os que geralmente apresentam melhores resultados após a descompressão cirúrgica.

Além do tratamento conservador e da cirurgia, é fundamental o acompanhamento contínuo e a adaptação do estilo de vida do paciente, incluindo mudanças no padrão de treinamento, uso de calçados adequados e, se necessário, a utilização de ortopedia e fisioterapia. No caso de falha dos tratamentos não invasivos, a cirurgia, que pode ser realizada por abordagens abertas ou artroscópicas, deve ser considerada. A decisão sobre o melhor curso de ação deve ser cuidadosamente ponderada, levando em conta a gravidade da compressão nervosa e a resposta individual do paciente.

No contexto das síndromes de compressão nervosa nos membros inferiores, é importante compreender que o diagnóstico clínico deve ser feito com cautela, considerando a complexidade e a diversidade das manifestações neurológicas. Exames complementares, como ressonância magnética, ultrassonografia e eletroneuromiografia, desempenham papel essencial na confirmação do diagnóstico e na definição do tratamento adequado. A abordagem precoce e a adesão rigorosa ao tratamento conservador têm demonstrado bons resultados na maioria dos casos, evitando complicações e a necessidade de intervenções cirúrgicas mais complexas.