A repurposição de medicamentos, ou o reposicionamento de fármacos já aprovados para novos usos, tem se mostrado uma estratégia eficaz no tratamento de diversas condições psiquiátricas. A vantagem dessa abordagem reside no fato de que esses medicamentos já foram amplamente testados quanto à sua segurança e farmacocinética, o que reduz significativamente o tempo e o custo associados ao desenvolvimento de novos tratamentos.

Por exemplo, o desvenlafaxina, um medicamento aprovado pela FDA para o tratamento da depressão maior (MDD), apresenta-se mais vantajoso do que a venlafaxina. Sua dosagem diária única e meia-vida prolongada (12 horas) permitem que os pacientes mantenham concentrações plasmáticas constantes em 4 a 5 dias de uso, o que facilita a adesão ao tratamento (Seo et al., 2010). Este medicamento, ao ser reformulado, melhora a conveniência para o paciente, sem perder a eficácia no tratamento da depressão maior.

O aripiprazol lauroxil, uma versão injetável de liberação prolongada do aripiprazol, outro antipsicótico atípico já amplamente utilizado, foi desenvolvido para minimizar os efeitos colaterais metabólicos do aripiprazol. Essa formulação aprimorada oferece uma opção de dosagem mais flexível, com a vantagem de reduzir o risco de efeitos adversos metabólicos que são comuns em outros antipsicóticos (Frampton, 2017).

Outro exemplo relevante é o lofexidina, um agonista do receptor adrenérgico alfa-2, que foi inicialmente usado no tratamento da hipertensão e depois repurposto para o tratamento dos sintomas de abstinência de opioides. Quando comparado ao uso off-label de clonidina, o lofexidina demonstrou ser mais eficaz no tratamento de pacientes dependentes de opioides (Urits et al., 2020). A eficácia do lofexidina é uma grande demonstração de como a repurposição pode trazer soluções inovadoras para problemas de saúde pública, como a dependência de substâncias.

O cannabidiol, mais conhecido por seu uso no tratamento de crises epilépticas, tem um potencial ainda maior, atuando não apenas nos receptores canabinoides, mas também no canal vaniloide e nos receptores 5-HT1A, o que permite uma variedade de aplicações terapêuticas. Sua aprovação para o tratamento de epilepsia em 2018 destaca o quanto a repurposição de medicamentos pode beneficiar não apenas pacientes psiquiátricos, mas também aqueles com outras condições neurológicas, como a epilepsia grave (Peng et al., 2022).

Medicamentos como o esketamina, uma versão mais potente do cetamina, exemplificam como substâncias inicialmente usadas em contextos distintos podem ser adaptadas para o tratamento de distúrbios psiquiátricos graves. A esketamina, administrada por via intranasal, provou ser eficaz na melhoria rápida dos sintomas de depressão maior resistente ao tratamento (TRD), proporcionando uma alternativa para pacientes que não respondem aos antidepressivos tradicionais (Murrough et al., 2013). Essa inovação traz um novo olhar sobre o tratamento da depressão, ao mesmo tempo que minimiza os efeitos colaterais associados à administração intravenosa de cetamina.

Além disso, a combinação de dexmetilfenidato e serdexmetilfenidato exemplifica como a modulação das propriedades farmacocinéticas de um medicamento pode resultar em uma eficácia superior no tratamento do TDAH. O serdexmetilfenidato melhora a biodisponibilidade do dexmetilfenidato, permitindo um início rápido e sustentado dos efeitos, o que resulta em um controle mais eficaz dos sintomas (Braeckman et al., 2022).

A repurposição de medicamentos também é evidente no caso da combinação de olanzapina e samidorphan. A olanzapina, usada no tratamento da esquizofrenia e do transtorno bipolar, é conhecida pelos efeitos colaterais metabólicos, como o ganho de peso. A adição do samidorphan, um antagonista do receptor opioide mu, visa bloquear esses efeitos colaterais, facilitando o controle dos sintomas psiquiátricos enquanto minimiza os problemas metabólicos (Gupta e Singh, 2024).

O uso do dextrometorfano em combinação com bupropiona é outro exemplo interessante de repurposição, com a combinação dessas duas substâncias resultando em um potente efeito antidepressivo. O dextrometorfano, apesar de ser um antitussígeno, possui propriedades que atuam no sistema NMDA, e sua combinação com bupropiona, um inibidor de CYP2D6, prolonga seu efeito antidepressivo, resolvendo limitações como a curta meia-vida do dextrometorfano (Tabuteau et al., 2022).

Por fim, medicamentos como o cariprazina, aprovado para o tratamento da esquizofrenia e de episódios de mania, e a formulação de risperidona de liberação prolongada (TV-46000), demonstram como a repurposição pode otimizar a gestão de doenças psiquiátricas crônicas, oferecendo novas opções terapêuticas mais eficazes e com melhor perfil de efeitos colaterais. Essas inovações estão sendo continuamente exploradas, destacando o grande potencial da repurposição no avanço do tratamento de doenças psiquiátricas.

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Repensando a Terapêutica: A Abordagem de Reposicionamento de Fármacos em Doenças Psiquiátricas

A estratégia de reposicionamento de fármacos, onde medicamentos já existentes são testados para novas indicações terapêuticas, tem se mostrado promissora no tratamento de diversas doenças psiquiátricas. A utilização de substâncias previamente aprovadas, mas para condições diferentes das originais, pode acelerar o processo de desenvolvimento de novos tratamentos, além de otimizar recursos e reduzir custos. Diversos compostos estão atualmente em estágio avançado de testes clínicos para novos usos, com destaque para aqueles relacionados ao tratamento de transtornos mentais complexos, como a depressão maior resistente ao tratamento (TRD), esquizofrenia, transtorno bipolar e epilepsia.

Um exemplo notável é o cannabidiol, originalmente utilizado como suplemento, que tem demonstrado eficácia na epilepsia, sendo agora testado também para o tratamento de déficits cognitivos em pacientes com esquizofrenia. Apesar de seus efeitos promissores em modelos pré-clínicos, os resultados de estudos clínicos iniciais em humanos têm sido mais limitados, o que sugere que a resposta pode ser dependente de variáveis complexas, como o estágio da doença e a dosagem utilizada. O cannabidiol segue em fase 3 de testes para esquizofrenia, com expectativas de que possa oferecer um novo caminho para o tratamento dessa condição crônica e debilitante.

Outro exemplo de reposicionamento é o esketamina, uma forma S-enantiômera da cetamina, que foi aprovada para o tratamento da depressão resistente ao tratamento (TRD). Inicialmente desenvolvida como um anestésico dissociativo, a cetamina e seu enantiômero têm mostrado resultados impressionantes em estudos clínicos, oferecendo alívio rápido para pacientes com formas graves de depressão. A utilização de esketamina, tanto em formas intranasais quanto intravenosas, está transformando a abordagem terapêutica para a depressão, ao proporcionar um efeito antidepressivo em questão de horas, em contraste com os tratamentos convencionais, que podem demorar semanas para mostrar efeitos.

O fármaco stiripentol, inicialmente utilizado no tratamento de epilepsia, também tem se mostrado relevante no reposicionamento terapêutico. Esse composto foi testado e aprovado para o tratamento de síndromes epilépticas específicas, como a síndrome de Dravet, uma forma rara e grave de epilepsia. Sua introdução no mercado, junto a outros medicamentos, representa uma expansão importante das opções terapêuticas para pacientes com formas raras e difíceis de controlar de epilepsia.

Embora muitos dos fármacos reposicionados tenham mostrado resultados positivos, nem todos são bem-sucedidos. O caso do pimavanserin, por exemplo, revela as complexidades do reposicionamento de fármacos. Aprovado para o tratamento de psicose associada à doença de Parkinson, o pimavanserin foi inicialmente testado para o tratamento da depressão maior, mas os estudos não mostraram efeitos clínicos substanciais, resultando no abandono do desenvolvimento para essa indicação.

Além disso, o uso de estrogênios, como o estradiol, para o tratamento da esquizofrenia tem ganhado atenção recente. Embora estudos iniciais mostrem benefícios na melhoria dos sintomas cognitivos de mulheres com esquizofrenia, a aplicação universal dessa terapia ainda está sendo investigada. A modulação hormonal pode afetar significativamente a resposta ao tratamento, sugerindo que abordagens mais personalizadas e sensíveis ao sexo e à fisiologia dos pacientes podem ser necessárias para maximizar os benefícios terapêuticos.

Nos transtornos de humor, a combinação de buprenorfina e samidorphan foi testada para a depressão bipolar, mas não obteve sucesso em seus ensaios clínicos, resultando na retirada do desenvolvimento. Esse exemplo sublinha a complexidade dos transtornos psiquiátricos e a necessidade de abordagens mais integradas, que considerem tanto os aspectos farmacológicos quanto os psicológicos e sociais das condições tratadas.

A busca por soluções alternativas e inovadoras para transtornos psiquiátricos persistentes, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar, está longe de ser simples. No entanto, a abordagem de reposicionamento de medicamentos oferece um caminho valioso e eficiente para acelerar o acesso a novas terapias. Mesmo quando os resultados não são tão imediatos ou significativos quanto se espera, o reposicionamento de fármacos representa uma oportunidade de redirecionar o uso de compostos que, de outra forma, poderiam ser descartados.

Além dos exemplos já mencionados, novas abordagens com psilocibina e outros compostos psicoativos estão sendo exploradas para doenças como a depressão maior, onde tratamentos tradicionais não são eficazes para todos os pacientes. A psilocibina, um composto natural derivado de cogumelos, mostrou-se promissora em ensaios clínicos como um potencial tratamento para a depressão resistente ao tratamento, com mecanismos de ação que envolvem a modulação serotonérgica e glutamatérgica no cérebro.

Portanto, é fundamental que o campo do reposicionamento de fármacos continue sendo investigado com rigor, para garantir que os novos tratamentos emergentes não apenas superem os tratamentos existentes, mas também ofereçam soluções mais eficazes e menos invasivas. O foco deve ser em entender as nuances dos efeitos dos medicamentos em diferentes condições, ajustando os tratamentos para atender às necessidades individuais dos pacientes, levando em consideração a variabilidade genética, o ambiente e outros fatores pessoais.

A Proteção Cruzada das Vacinas Existentes contra o COVID-19: Realidade ou Ilusão?

O impacto das vacinas existentes na mitigação da gravidade da infecção por COVID-19 tem sido objeto de debate desde os primeiros dias da pandemia. A hipótese de que vacinas previamente estabelecidas, como a vacina BCG ou a vacina contra a poliomielite, poderiam oferecer uma defesa adicional contra o SARS-CoV-2 foi amplamente discutida. No entanto, a evidência disponível até o momento não confirma que essas vacinas protejam de forma substancial contra a infecção grave, especialmente quando se trata de reduzir a mortalidade e a severidade da doença.

Um estudo interessante realizado por Afify et al. (2021) indicou que, embora em países com alta taxa de vacinação contra a poliomielite houvesse uma tendência de menor gravidade da infecção por COVID-19, a proteção fornecida pelas vacinas atenuadas vivas contra o SARS-CoV-2 não foi suficiente para evitar doenças graves ou mortes. Embora haja algumas indicações de uma proteção inicial contra o SARS-CoV-2, essa proteção não se mostrou eficaz o suficiente para reduzir os índices de mortalidade. A situação é ainda mais complexa quando se observa que, em algumas regiões, como no Japão, onde a vacinação BCG é uma política obrigatória, o impacto da pandemia foi mais brando em comparação com países como a Itália, que não possuía essa política.

A ideia de que a BCG poderia oferecer uma proteção contra o COVID-19 foi amplamente discutida por Miller et al. (2020), que apontaram que os países com políticas de vacinação obrigatória apresentaram uma menor taxa de propagação e mortalidade do SARS-CoV-2. No entanto, essa hipótese foi desafiada por outros estudos, como o realizado por Aksu et al. (2020) na Turquia, que investigaram pacientes diagnosticados com pneumonia por COVID-19. O estudo concluiu que a severidade da pneumonia por COVID-19 foi mais fortemente associada a fatores como idade avançada e baixo nível de renda, e não à administração da vacina BCG.

Estudos subsequentes, incluindo os de Hensel et al. (2020) e Wassenaar et al. (2020), não encontraram nenhuma correlação significativa entre a política de vacinação com BCG e a taxa de propagação ou de mortalidade do COVID-19. Esse cenário foi reforçado por investigações mais profundas, que descobriram que a relação entre a vacinação BCG e os resultados clínicos da infecção por COVID-19 era pequena, especialmente entre os grupos mais velhos (acima de 65 anos), onde a proteção se mostrou insignificante.

Ainda assim, algumas pesquisas continuaram a apoiar a teoria de que a vacinação BCG poderia influenciar positivamente os resultados clínicos. Klinger et al. (2020), por exemplo, indicaram que a vacina poderia reduzir as taxas de mortalidade em populações mais jovens (0–24 anos), sugerindo que a vacina BCG poderia, de fato, interferir na cadeia de transmissão do SARS-CoV-2, mais do que melhorar a imunidade inata. Isso indicaria que, em países onde a vacinação BCG é comum, a transmissão do vírus poderia ser moderada, principalmente entre crianças e jovens, que são fundamentais para a disseminação do vírus.

Entretanto, estudos mais recentes, como o de Pittet et al. (2023), que testaram o impacto da vacina BCG-Dinamarca em profissionais de saúde, demonstraram que a vacina não reduziu significativamente o risco de infecção por COVID-19. Além disso, é importante ressaltar que os efeitos da BCG podem variar dependendo do patógeno, já que a vacina mostrou ser eficaz contra infecções como a tuberculose, mas não apresentou os mesmos benefícios contra o COVID-19.

Com base nesses resultados contraditórios, surge a questão de por que a vacina BCG não foi eficaz contra o COVID-19, apesar de seu histórico de proteção contra outros patógenos. A explicação pode residir em uma série de fatores, incluindo a natureza do SARS-CoV-2, que possui estratégias ofensivas e mecanismos de evasão imunológica, tornando-o mais desafiador para o sistema imunológico, mesmo em pessoas previamente vacinadas. Como apontado por O’Neill e Netea (2020), o SARS-CoV-2 não se limita a defender-se; ele também adota estratégias ofensivas para invadir o sistema imunológico, o que pode explicar a resistência das vacinas existentes.

Os benefícios da vacinação BCG, no entanto, não podem ser descartados. Estudos pré-clínicos e clínicos demonstraram que a vacina tem efeito protetor contra uma gama de infecções, incluindo malária, febre amarela, e infecções respiratórias. Além disso, a vacina contra a poliomielite, em combinação com a BCG, demonstrou reduzir a mortalidade em 32%, uma evidência adicional de seu efeito protetor em níveis mais amplos do que se acreditava inicialmente.

Apesar dos avanços nas pesquisas, os estudos realizados até agora não fornecem uma resposta definitiva sobre a eficácia das vacinas existentes contra o COVID-19. A proteção cruzada observada com vacinas como a BCG não se traduz em uma defesa robusta contra o SARS-CoV-2, especialmente no que diz respeito à prevenção da gravidade da infecção. Esses achados reforçam a necessidade de um entendimento mais profundo sobre os mecanismos imunológicos envolvidos e a importância de se concentrar no desenvolvimento de vacinas específicas para o COVID-19.

Como a Flexibilidade e o Desordem Intrínsecos das Proteínas Podem Redefinir a Descoberta de Medicamentos e o Reaproveitamento de Fármacos

O entendimento das proteínas não pode ser limitado a sua estrutura rígida e ordenada, como a visão tradicional sugeria. Com o avanço das pesquisas, observou-se que muitas proteínas, em vez de possuírem uma forma fixa, apresentam dinâmicas conformacionais complexas, o que inclui tanto a flexibilidade quanto o desordem intrínseco. Essa nova abordagem, descrita por Gupta e Uversky (2024), abre caminho para uma compreensão mais holística da função proteica, indo além dos modelos de estrutura rígida e ampliando o escopo das estratégias de desenvolvimento de fármacos. A flexibilidade e a capacidade de uma proteína de se desorganizar temporariamente são fundamentais para entender seus múltiplos papéis celulares e suas interações com várias moléculas.

Essa perspectiva tem implicações diretas na forma como encaramos a farmacologia, especialmente no campo da polifarmacologia. O conceito de "promiscuidade de fármacos" é fundamental aqui: trata-se da capacidade de um único fármaco se ligar a várias proteínas e, portanto, tratar diferentes doenças ou condições. Da mesma forma, a "promiscuidade de proteínas" e o fenômeno da "moonlighting" — onde uma proteína desempenha múltiplas funções biológicas diferentes — emergem como chaves para o reaproveitamento de fármacos. Esse entendimento pode abrir novos caminhos para o uso de medicamentos já aprovados em tratamentos de doenças inesperadas, melhorando a eficiência e acelerando o tempo de desenvolvimento de terapias inovadoras.

O reaproveitamento de fármacos não se limita às condições humanas. Chaganti et al. (2024) discorreram sobre o uso de medicamentos para outras espécies, uma área promissora no contexto de conservação de espécies ameaçadas de extinção. Um exemplo notável é o uso de 5-fluorouracil, tradicionalmente empregado no tratamento de câncer em humanos, para tratar um câncer em uma tartaruga marinha verde. Essa abordagem, batizada de "medicina de conservação", ilustra o potencial do reaproveitamento de fármacos além do escopo humano, criando novas possibilidades para salvar espécies em risco.

Além disso, as doenças causadas por proteínas mal dobradas, como as doenças neurodegenerativas, têm se mostrado um campo fértil para o reaproveitamento de fármacos. O estudo das proteínas desordenadas e suas dinâmicas conformacionais tem levado a novas estratégias para interferir no processo de agregação de proteínas, uma característica marcante de doenças como Alzheimer e Parkinson. O desenvolvimento de fármacos capazes de modular essa flexibilidade das proteínas, ou até mesmo corrigir seu dobramento defeituoso, pode representar uma revolução no tratamento dessas doenças.

O avanço do estudo das proteínas desordenadas e da sua flexibilidade, juntamente com a exploração do reaproveitamento de fármacos, não apenas acelera o desenvolvimento de novas terapias, mas também promove uma visão mais integrada da biologia. A transição de modelos rígidos para uma compreensão dinâmica da função proteica redefine a forma como encaramos tanto a biomedicina quanto a biotecnologia, possibilitando abordagens mais eficazes e menos arriscadas para o tratamento de uma variedade de doenças.

Para os pesquisadores e profissionais da área, a compreensão de que as proteínas não são entidades fixas, mas sim estruturas dinâmicas que se adaptam ao ambiente celular, é essencial. A noção de que tanto fármacos quanto proteínas possuem uma "promiscuidade" funcional abre novas portas para tratamentos inovadores. O caminho a seguir envolve tanto a exploração dos múltiplos papéis que uma proteína pode desempenhar quanto a utilização de medicamentos que transcendem seus usos iniciais.

O uso de técnicas avançadas como a ressonância magnética nuclear (RMN) para estudar essas dinâmicas conformacionais é uma das ferramentas mais importantes nessa jornada. A RMN e outras metodologias de biofísica, como a dicromia circular e a calorimetria diferencial, têm sido cruciais para mapear a flexibilidade e o desordem intrínseco das proteínas. Essas técnicas fornecem insights valiosos sobre como as proteínas funcionam em seus estados fisiológicos e como essas informações podem ser usadas para prever interações com fármacos e descobrir novas terapias.

Por fim, além da importância de entender o papel da flexibilidade e do desordem nas proteínas, é essencial considerar como esses fatores influenciam as interações moleculares em nível celular. A capacidade de um fármaco de modular essas interações, seja estabilizando uma conformação funcional ou inibindo a formação de agregados patológicos, pode ser um fator decisivo para o sucesso de tratamentos terapêuticos inovadores. Isso pode ser especialmente relevante em terapias direcionadas a doenças complexas e multifacetadas, como as neurodegenerativas e as relacionadas ao câncer.

A Relação Entre Vacinas e a Imunidade no Contexto da Pandemia de COVID-19

O impacto da vacinação no contexto da pandemia de COVID-19 tem sido amplamente discutido, especialmente no que se refere ao papel de vacinas não convencionais e seus efeitos no sistema imunológico. Diversos estudos recentes têm explorado como vacinas como a BCG (Bacillus Calmette-Guérin) e a vacina oral contra a poliomielite podem influenciar a resposta imunológica e até mesmo alterar os resultados clínicos de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2. A BCG, tradicionalmente usada para prevenir a tuberculose, tem mostrado efeitos não específicos em diversas infecções, com a capacidade de induzir uma memória imune aprimorada que pode proteger contra doenças heterólogas, como infecções respiratórias virais.

A literatura científica revela que a administração precoce da vacina BCG, como mostrado em estudos realizados em regiões como a Guiné-Bissau, pode reduzir a mortalidade neonatal e melhorar a resposta imune em recém-nascidos com baixo peso ao nascer. Esses efeitos não são diretamente relacionados à proteção contra a tuberculose, mas sim ao estímulo do sistema imune de maneira ampla, o que resulta em uma resposta mais eficaz a patógenos diversos. Esse fenômeno é conhecido como "imunidade treinada", onde o sistema imunológico é condicionado a reagir de forma mais eficiente a infecções futuras. A hipótese de que a BCG poderia desempenhar um papel semelhante na proteção contra o SARS-CoV-2 gerou grande interesse, levando a diversos ensaios clínicos.

Porém, a evidência sobre a eficácia da vacina BCG no combate ao COVID-19 permanece mista. Alguns estudos indicam que a vacinação BCG tem um efeito benéfico, reduzindo a gravidade da doença e a mortalidade associada ao coronavírus, enquanto outros questionam a consistência desses resultados, apontando a falta de uma resposta uniforme em diferentes grupos populacionais. As análises epidêmicas realizadas em países com alta cobertura vacinal com BCG não mostraram correlações diretas entre a aplicação da vacina e a redução significativa dos casos de COVID-19, sugerindo que outros fatores podem estar em jogo.

Estudos como o de Kaufmann et al. (2022) demonstraram que, embora a vacina BCG proporcione proteção contra algumas infecções respiratórias virais, como a gripe (IAV), sua eficácia contra o SARS-CoV-2 não é comprovada de forma conclusiva. Esse tipo de discrepância evidencia a complexidade da resposta imunológica e as dificuldades em aplicar uma vacina com efeitos não específicos a um vírus novo, como o SARS-CoV-2. A ativação e evasão das respostas imunológicas, particularmente no caso de interferons tipo I, que são cruciais para a defesa contra vírus, têm mostrado ser um ponto central na patogênese do COVID-19.

Além disso, é importante considerar o papel das células T, especialmente das células T helper (Th), na resposta imunológica a infecções virais. Estudos como o de Gutiérrez-Bautista et al. (2020) evidenciam que uma alteração na proporção de subtipos de células Th pode influenciar diretamente a progressão da COVID-19. Em pacientes com formas graves da doença, observa-se frequentemente uma predominância de células T undiferenciadas e uma escassez das células Th1, que são essenciais para a defesa contra patógenos virais.

A detecção precoce do RNA do SARS-CoV-2 e a viremia (presença de vírus no sangue) antes do surgimento dos sintomas clínicos, conforme evidenciado em estudos como os de Di Cristanziano et al. (2021), também é um fator crítico na compreensão da patogênese da doença. A identificação da viremia em pacientes transplantados, por exemplo, pode permitir intervenções mais rápidas e eficazes. Esses achados sugerem que a vigilância imunológica precoce, bem como o uso de vacinas de forma estratégica, poderia ser essencial na mitigação dos efeitos da pandemia.

Embora a literatura sobre a influência de vacinas, como a BCG, na resposta ao COVID-19 ainda seja incerta e em evolução, a compreensão das interações entre vacinas tradicionais e patógenos emergentes permanece crucial. O estudo da imunidade treinada e a investigação de vacinas não convencionais oferecem perspectivas promissoras para o desenvolvimento de estratégias preventivas no combate a futuras pandemias. O fenômeno da imunidade treinada abre portas para abordagens mais amplas, nas quais o sistema imunológico pode ser preparado para uma defesa mais robusta, não apenas contra o vírus específico, mas contra uma gama de patógenos relacionados.

É fundamental, portanto, que os estudos continuem a explorar as respostas imunes não específicas desencadeadas por vacinas tradicionais, pois elas podem fornecer um insight vital para o desenvolvimento de novas abordagens imunológicas. Além disso, a monitorização constante da eficácia de diferentes tipos de vacinas, como as de novos vírus e variantes do SARS-CoV-2, é essencial para entender melhor os mecanismos de proteção e adaptar as respostas de saúde pública às necessidades emergentes.