A arte, em sua essência, não pode ser dissociada do ideal estético do artista, que é um reflexo direto de sua visão de mundo, de seus valores e de seu compromisso com a sociedade. O conceito de "ideal", muitas vezes visto com ceticismo, principalmente quando se associa a uma visão idealista ou utópica da realidade, permanece como um elemento central na construção de obras de arte. Este ideal não é uma abstração vazia ou algo meramente subjetivo, mas sim uma ideia que se expressa e se manifesta de forma objetiva, guiando a criação e moldando a percepção estética.

Quando falamos do "ideal", nos referimos ao conjunto de noções e valores que governam a visão do artista sobre o que é bom e mau, belo e feio, útil e prejudicial. Esses princípios são herdados e assimilados organicamente, como uma parte do código ético e estético do povo, refletindo as preocupações e os ideais coletivos. Assim, a arte não é apenas uma representação da realidade objetiva, mas também uma forma de julgamento, uma manifestação do envolvimento ativo do artista com o mundo ao seu redor.

A ideia de que o "ideal" na arte é um conceito ultrapassado ou algo que não mais se aplica ao contexto moderno é um equívoco comum, muitas vezes perpetuado por críticas que minimizam a importância da moral e da ideologia na obra artística. Embora alguns considerem o "ideal" como uma herança de um tempo romântico, como exemplificado pela ironia de Pushkin e Chekhov, o ideal ainda é fundamental para a compreensão profunda da arte. Em vez de ser uma abstração vazia, ele representa o que o artista aspira alcançar e comunicar por meio de sua obra, seja essa aspiração para a beleza, para a justiça ou para uma verdade mais profunda sobre a condição humana.

Na tradição literária, o ideal nunca foi uma categoria inventada por teóricos ou dogmatistas. Pelo contrário, ele surge como uma necessidade objetiva da arte, um reflexo da experiência humana e de sua constante busca por significado. A arte é uma combinação orgânica entre o subjetivo e o objetivo, o lógico e o sensorial, o individual e o coletivo. Para o artista, não há neutralidade na representação; há sempre um engajamento com o que é bom e mau, com as forças ideológicas e sociais que moldam sua percepção da realidade.

O conceito de ideal pode parecer, à primeira vista, como algo distante ou inalcançável, mas ele está presente de forma implícita em muitas das obras mais representativas da arte clássica e moderna. Mesmo artistas como Chekhov, que se distanciaram da noção de idealismo excessivo, reconheciam que toda grande obra de arte carrega, de alguma forma, uma visão de como a realidade deveria ser. Isso não significa que a arte deva suavizar ou embelezar a vida, mas sim que ela deve refletir um anseio por algo além do imediato, algo que transcende o aqui e agora.

Este conceito de ideal está também intrinsecamente ligado à noção de "compromisso" na arte, especialmente quando considerada no contexto das lutas sociais e políticas. O ideal não é uma forma de escapismo ou uma maneira de ignorar as contradições do mundo, mas uma força que impulsiona a arte a se posicionar, a tomar partido. Gorky, por exemplo, defendia a arte como uma forma de luta constante, onde o artista não pode ser indiferente ao que ocorre à sua volta. Em tempos de grande turbulência social, como os vividos durante as revoluções e os períodos de grande mobilização popular, o papel do ideal na arte se torna ainda mais claro. O artista não é apenas um observador passivo, mas um agente ativo na transformação da realidade.

Assim, o ideal estético não deve ser visto como uma visão irrealista ou romântica, mas como a concretização das aspirações mais profundas de um povo, de uma nação, ou mesmo da humanidade em seu conjunto. Esse ideal se reflete nas escolhas estéticas do artista, nas formas que ele escolhe para representar a verdade, e nas mensagens que ele deseja transmitir. A arte, em sua busca pelo ideal, não é simplesmente uma questão de beleza estética, mas de uma constante reinterpretação do que é necessário e desejado na sociedade.

Além disso, é importante perceber que o ideal estético na arte não é um conceito fixo. Ele evolui junto com a sociedade, refletindo as transformações sociais, políticas e culturais. Portanto, entender o ideal estético de uma obra de arte é compreender as condições históricas e sociais que a moldaram, e o impacto que ela teve sobre seu público na época da sua criação. Ao reconhecer isso, o leitor se depara com uma nova dimensão da arte, onde o ideal não é um fim distante, mas uma força dinâmica e transformadora, que continua a influenciar a percepção e a criação artística até os dias atuais.

A Teoria Gestalt Alemã e sua Relação com OPOYAZ

A teoria Gestalt alemã, particularmente produtiva no final do século XIX e início do século XX, esteve intimamente relacionada aos desenvolvimentos do movimento OPOYAZ (Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética), uma escola formalista russa que se destacou pelo seu enfoque na análise estritamente formal das obras de arte. No coração de ambos os movimentos, ressoava uma busca pela forma pura, pela estrutura interna e pelo estudo da arte em seus próprios termos, sem depender da interpretação psicológica ou histórica do autor.

Entre os pioneiros do formalismo alemão, destacam-se nomes como K. Fiedler e A. Hildebrand, que tentaram tornar a “estrutura arquitetônica de uma obra de arte” o principal objeto de investigação. Em seu prefácio à terceira edição de Problemas de Forma nas Artes Plásticas, Hildebrand afirmou que a “forma arquitetônica” é o que eleva uma obra de arte a um nível superior, a partir do estudo artístico da natureza. Essa abordagem influenciaria decisivamente a obra de Heinrich Wolfflin, que em suas teorias de “uma arte sem nomes” expôs uma busca pela essência da arte que transcende a nomenclatura e a classificação convencionais. O próprio Oskar Walzel, cujos trabalhos eram fundamentais para o entendimento do formalismo, afirmou que a crítica imanente deveria se concentrar em “esquecer o criador em prol da criação”, visando perceber a obra pela sua estrutura interna e não pelo conteúdo ideológico.

Ao adotar estas influências, o OPOYAZ distorceu muitos desses conceitos para chegar a conclusões mais radicais, particularmente na definição de um objeto de estudo literário. Para os formalistas russos, a obra literária deveria ser examinada como um fenômeno autossuficiente, desvinculado de qualquer contexto psicológico ou ideológico. A palavra, e não o conteúdo ou a intenção do autor, tornou-se o protagonista. Como Victor Shklovsky, um dos mais proeminentes membros do movimento, articulou, “a arte não tem conexões causais com a ‘vida’, o ‘temperamento’ ou a ‘psicologia’”. Para ele, a história da poesia era nada menos do que a história do desenvolvimento das “estruturas verbais”, ou dispositivos formais que compõem a arte literária.

Esse radicalismo se refletia em várias afirmações provocativas. Uma das mais célebres declarações dos formalistas russos afirmava: “Deixe os outros restringirem um poeta com as ideias expressas em suas obras! É absurdo incriminar um poeta por possuir ideias ou sentimentos”. Eles colocavam em questão até mesmo o valor da experiência estética em sua relação com a moralidade ou a psicologia do autor. Para eles, a arte deveria ser observada como uma “brincadeira” ou um jogo de forma, sem conexão com o mundo exterior, a não ser pela lógica de sua própria construção.

Embora o movimento OPOYAZ fosse frequentemente acusado de ignorar as raízes dessas ideias, como observou Beletsky, o formalismo russo não estava completamente desprovido de antecedentes históricos. Alguns acadêmicos russos, como V. Peretz, já haviam defendido que os estudos literários deveriam focar na “literatura em si”, sem se distrair com a biografia, história ou psicologia do autor. Eles sustentavam que a história da literatura era, em última análise, uma história da evolução dos dispositivos formais do discurso literário.

Contudo, com o tempo, alguns membros do OPOYAZ passaram a revisar suas posturas mais extremas. As obras de Victor Shklovsky, como A Arco e Flecha (Bowstring), representam um ponto de inflexão significativo. Shklovsky, no decorrer de sua trajetória, abandonou muitas das afirmações radicalmente formalistas que antes defendia, reconhecendo que a rejeição das emoções e das ideias na arte acabava por empobrecer a compreensão das obras. Ele chegou a admitir que sua visão da arte como uma forma pura e autossuficiente era, em certa medida, uma capitulação.

O que esses desenvolvimentos mostram é que o movimento formalista, embora inicialmente uma tentativa de estudar a literatura de maneira independente de fatores externos, não pode ignorar o contexto mais amplo da experiência humana e social. No momento em que o formalismo rejeita as influências ideológicas e emocionais, ele se torna uma leitura parcial da obra literária, pois ignora os aspectos que conferem profundidade e complexidade à experiência artística. Além disso, o movimento foi forçado a reconsiderar a própria ideia de "forma", entendendo que a arte não muda apenas por motivos de estrutura formal, mas também para expressar novas realidades perceptivas que surgem com as transformações sociais e culturais.

Por fim, os formalistas russos, ao focarem exclusivamente na forma, acabaram por desconsiderar a riqueza do conteúdo e das emoções que a arte transmite. Hoje, o campo da crítica literária e da teoria estética se beneficia de uma compreensão mais equilibrada, que não descarta a forma nem ignora o conteúdo ou o contexto histórico. A arte não é apenas um jogo de estruturas, mas uma expressão complexa das realidades humanas, sociais e emocionais que necessitam ser igualmente analisadas para uma compreensão completa da obra.

Como a Arte se Relaciona com o Estado: Reflexões sobre a Aesthetic Marxista e os Desafios da Intervenção Estatal

A visão estética foi considerada, em sua essência, uma expressão do "gosto pessoal, e não teoria". No entanto, essas opiniões foram amplamente refutadas no campo da pesquisa literária moderna. Hoje em dia, escutam-se críticas sobre a abordagem marxista da arte, com muitos sugerindo que ela carece de produtividade ou relevância prática. Tais críticas, muitas vezes pronunciadas por pessoas mal-intencionadas ou pouco versadas no marxismo, não têm qualquer fundamento, e a realidade tem mostrado, com o tempo, que tais observações estão longe de refletir a profundidade da estética marxista. A contribuição de teóricos marxistas como A. Dymschitz, A. Iyezuitov, M. Lifschitz, entre outros, desmentem tais acusações e têm sido fundamentais para a evolução do pensamento estético socialista.

Nos primórdios da teoria marxista sobre a arte, nomes como Mehring e Plekhanov fizeram contribuições importantes, mas não totalmente consistentes. Embora sua obra tenha sido significativa, a compreensão da arte dentro da filosofia marxista era ainda limitada e imprecisa. Por exemplo, suas interpretações sobre o papel da arte no socialismo ainda estavam em formação, com muitos aspectos não devidamente esclarecidos ou com falhas de interpretação. A ausência de uma abordagem sistemática sobre como a arte deveria se desenvolver sob o socialismo e a influência que o Estado poderia ter sobre ela gerou, sem dúvida, uma série de mal-entendidos.

Esses mal-entendidos também deram margem ao surgimento de teorias pseudo-socialistas e até anti-marxistas que distorciam a relação entre arte e socialismo. Um exemplo claro disso é o livro Socialismo e Arte, de Jules Destree, um socialista belga que defendia que o Estado não deveria ter qualquer tipo de influência direta sobre a arte. Destree acreditava que a arte deveria ser completamente livre de controle estatal, uma visão que ecoava um certo idealismo do liberalismo burguês, onde o Estado seria visto como um inimigo da verdadeira expressão artística. Para Destree, qualquer tipo de orientação estatal sobre a arte resultaria em "arte oficial", uma forma de coerção que não passaria de mediocridade. Ele sugere, ainda, que o Estado deve se abster de premiar ou distinguir artistas, pois isso suprimiria a verdadeira natureza da arte e a criatividade individual.

No entanto, é necessário compreender que essa visão simplificada ignora a complexidade da relação entre arte e política dentro do contexto de uma revolução socialista. Enquanto Destree propunha uma arte completamente livre do Estado, um posicionamento que ainda reflete um paradigma burguês, no marxismo, a arte sempre foi vista como um instrumento de transformação social. Marx e Engels, em suas observações sobre a arte, viam-na não apenas como uma forma de expressão individual, mas como um meio para a educação e a mobilização das massas, especialmente no contexto da luta de classes. A arte socialista deveria, portanto, ser comprometida com o progresso da revolução e com as necessidades da classe trabalhadora, o que implicava, inevitavelmente, uma orientação consciente e estruturada por parte do Estado.

Ainda que existam divergências dentro do próprio campo marxista sobre a extensão e a natureza da intervenção do Estado na arte, o consenso geral se orienta para a ideia de que a arte não deve ser totalmente isolada das necessidades da revolução social. Isso é algo que muitos críticos, como Kautsky, tentaram entender melhor no início do século XX. Kautsky, por exemplo, alertava para os riscos de uma centralização excessiva da produção intelectual e cultural no Estado pós-revolucionário, temendo que a monotonia e a estagnação pudessem ser consequências nefastas da intervenção estatal. No entanto, sua visão, embora reconhecesse os perigos da burocratização, ainda não conseguia oferecer uma solução clara para a criação de um modelo de arte verdadeiramente livre dentro do socialismo.

Assim, é fundamental entender que, embora a arte deva ter liberdade para se expressar, ela não deve ser vista como uma esfera totalmente desvinculada da realidade social e política em que está inserida. A liberdade artística no contexto socialista implica uma liberdade consciente, orientada pela necessidade de servir aos interesses da classe trabalhadora e ao progresso social. O Estado, ao invés de ser um inimigo da arte, tem o papel de direcionar a produção artística para as demandas da revolução e da construção de uma nova sociedade. No entanto, esse direcionamento não deve se traduzir em controle autoritário, mas sim em um suporte estruturado para que a arte contribua ativamente para a formação de uma consciência crítica e para a transformação social.

Portanto, o papel do Estado na arte dentro de uma sociedade socialista não é tão simples quanto a crítica liberal sugere, e tampouco é uma questão de total liberdade sem restrições. A arte deve ser parte de um processo coletivo e transformador, capaz de influenciar e ser influenciada pela realidade social, sem cair na armadilha do conformismo ou da mediocridade.